A rotação do capital industrial constitui a unidade de seu tempo de produção e de seu tempo de circulação, abarcando assim o processo de produção em sua totalidade. Em contrapartida, a rotação do capital comercial, a qual, na realidade, não é mais do que o movimento autonomizado do capital-mercadoria, representa somente a primeira fase da metamorfose da mercadoria, M-D, como movimento de um capital particular que reflui para si mesmo; D-M, M-D, em sentido comercial, como rotação do capital comercial. O comerciante compra, isto é, converte seu dinheiro em mercadoria, para logo vender e reconverter essa mesma mercadoria em dinheiro, e assim sucessivamente, numa repetição constante. No interior da circulação, a metamorfose do capital industrial aparece sempre como M1-D-M2; o dinheiro obtido com a venda de M1, da mercadoria produzida, é utilizado para comprar M2, novos meios de produção – esse é o verdadeiro intercâmbio entre M1 e M2, e assim o mesmo dinheiro muda duas vezes de mãos. Seu movimento serve de mediação para o intercâmbio de duas mercadorias distintas, M1 e M2. Porém, no caso do comerciante, dá-se o inverso: a operação D-M-D’ faz com que a mesma mercadoria mude duas vezes de mãos, isto é, medeia simplesmente o refluxo do dinheiro para o comerciante.
Suponhamos, por exemplo, um capital comercial de £100, e que o comerciante compra uma mercadoria por essas £100, vendendo-a em seguida a £110; seu capital de £100 terá efetuado, então, uma rotação, e o número de rotações anuais dependerá da frequência com que se realize esse movimento D-M-D’ no decorrer do ano.
Abstraímos aqui inteiramente dos custos que possam estar incluídos na diferença entre preço de compra e preço de venda, uma vez que eles não modificam em nada a forma que devemos considerar em primeiro lugar.
O número de rotações de um determinado capital comercial apresenta, portanto, uma perfeita analogia com a repetição dos ciclos que o dinheiro percorre como simples meio de circulação. Assim como o mesmo táler, que circula dez vezes, investe em mercadorias dez vezes seu valor, também o mesmo capital monetário do comerciante, no montante, digamos, de [£]100, ao efetuar dez rotações, compra dez vezes seu valor em mercadorias ou realiza um capital-mercadoria total de valor dez vezes maior = 1.000. Mas a diferença é a seguinte: no curso do dinheiro como meio de circulação, a mesma peça monetária passa por diferentes mãos, isto é, desempenha a mesma função repetidas vezes e, por isso, por meio da velocidade do curso, repõe a massa das peças monetárias em curso. Já no caso do comerciante, porém, é o mesmo capital monetário, o mesmo valor monetário, que, não importando de que peças monetárias ele seja composto, compra e vende reiteradamente capital-mercadoria pelo montante de seu valor e, assim, reflui repetidas vezes a seu ponto de partida como D + ΔD, isto é, como valor acrescido de mais-valor. É isso que caracteriza sua rotação como rotação do capital. Ele sempre subtrai da circulação mais dinheiro do que o lançado nela. Além disso, está claro que, com a rotação mais rápida do capital comercial (no qual, ao desenvolver-se o sistema de crédito, predomina a função do dinheiro como meio de pagamento), a mesma massa monetária também acelera sua circulação.
Mas a rotação repetida do capital de comércio de mercadorias jamais representa outra coisa senão a repetição de compras e vendas, diferentemente da rotação repetida do capital industrial, que representa a periodicidade e a renovação do processo global da reprodução (no qual está incluído o processo de consumo). Em se tratando do capital comercial, isso aparece apenas como uma condição externa. Para que a rápida rotação do capital comercial possa ser mantida, o capital industrial precisa lançar constantemente mercadorias no mercado e voltar a retirá-las. Se o processo da reprodução em geral é lento, também o é a rotação do capital comercial. Ora, o capital comercial medeia, decerto, a rotação do capital produtivo, mas apenas na medida em que essa mediação abrevia o tempo de curso deste último. Ele não atua de forma direta sobre o tempo de produção, que constitui também um limite ao tempo de rotação do capital industrial. Essa é a primeira barreira que se impõe à rotação do capital comercial. Em segundo lugar, porém, abstraindo do limite formado pelo consumo reprodutivo, essa rotação se vê restringida, por fim, pela velocidade e pelo volume do consumo individual total, porquanto disso depende toda a parte do capital-mercadoria que entra no fundo de consumo.
Entretanto (abstraindo inteiramente das rotações dentro do mundo do comércio, no qual um comerciante vende sempre a mesma mercadoria a outrem e no qual esse tipo de circulação, em épocas de especulação, pode parecer muito próspero), o capital comercial abrevia, em primeiro lugar, a fase M-D para o capital produtivo. Em segundo lugar, com o moderno sistema de crédito, o capital comercial dispõe de uma grande parte do capital monetário total da sociedade, o que lhe permite repetir suas compras antes de voltar a vender em caráter definitivo o já comprado, sendo aí indiferente se o comerciante vende diretamente ao consumidor final ou se entre ambos existem outros 12 comerciantes. Dado o caráter enormemente elástico do processo de reprodução, capaz de superar qualquer limite dado, o comerciante não encontra nenhuma barreira na própria produção ou encontra apenas uma barreira muito elástica. Além da separação de M-D e D-M, que deriva da natureza da mercadoria, cria-se aqui, portanto, uma demanda fictícia. Apesar de sua autonomia, o movimento do capital comercial jamais é outra coisa senão o movimento do capital industrial no interior da esfera da circulação. Porém, graças a sua autonomia, ele se move, até certo ponto, de forma independente das barreiras do processo de reprodução e, desse modo, impele este último para além de seus próprios limites. A dependência interna e a autonomia externa empurram o capital comercial até um ponto em que a conexão interna se restabelece à força, por meio de uma crise.
Isso explica o porquê de as crises não se manifestarem nem estourarem primeiro nas vendas do varejo, relacionadas ao consumo direto, mas nas esferas do comércio por atacado e dos bancos, que põem à disposição dos atacadistas o capital monetário da sociedade.
É possível que o fabricante venda realmente ao exportador e que este, por sua vez, revenda a clientes no exterior; é possível que o importador venda suas matérias-primas ao fabricante e que este venda seus produtos ao atacadista etc. Porém, em algum ponto singular e invisível é preciso que uma mercadoria reste sem ser vendida ou, então, que se abarrotem pouco a pouco os estoques de todos os produtores e intermediários. Essa situação costuma ocorrer quando o consumo se encontra em pleno florescimento, em parte porque um capitalista industrial põe em movimento diversos outros capitalistas, em parte porque os trabalhadores que eles empregam, estando plenamente empregados, precisam gastar mais que o habitual. Com os ganhos do capitalista, aumentam também seus gastos. Além disso, como já vimos (Livro II, seção III [p. 526-9 e 533-7]), ocorre uma circulação contínua entre capital constante e capital constante (mesmo abstraindo da acumulação acelerada), circulação que, num primeiro momento, é independente do consumo individual, porquanto ela jamais entra neste último. Esse consumo limita definitivamente a circulação, uma vez que a produção de capital constante jamais é um objetivo em si mesmo, mas se dá apenas porque uma quantidade maior de capital constante se faz necessária naquelas esferas da produção cujos produtos entram no consumo individual. No entanto, isso pode prosseguir tranquilamente durante um tempo, estimulado pela demanda prospectiva, de modo que nesses ramos os negócios de comerciantes e industriais avancem de vento em popa. A crise se apresenta tão logo os refluxos dos comerciantes que vendem ao exterior (ou cujos estoques também se acumularam no interior) se tornam tão lentos e escassos que os bancos exigem o pagamento ou as letras emitidas em troca das mercadorias compradas vencem antes de realizada a revenda. Começam, então, as vendas forçadas, as vendas realizadas para poder pagar. Com isso, advém o crash, que dá um fim repentino à aparente prosperidade.
Mas o caráter superficial e irracional [Begriffslosigkeit][a] da rotação do capital comercial é ainda maior, uma vez que a rotação do mesmo capital comercial pode intermediar, simultânea e sucessivamente, as rotações de capitais produtivos muito distintos.
No entanto, a rotação do capital comercial pode servir de mediadora não só para as rotações de diferentes capitais industriais, mas também para a fase contrária da metamorfose do capital-mercadoria. O comerciante compra, por exemplo, o tecido do fabricante e o vende ao branqueador. Nesse caso, a rotação do mesmo capital comercial – de fato, o mesmo M-D, a realização do tecido – representa duas fases opostas para dois capitais industriais distintos. Quando o comerciante vende para o consumo produtivo, seu M-D representa sempre o D-M de um capital industrial; e seu D-M, o M-D de outro capital industrial.
Se, como neste capítulo, deixarmos de incluir o fator K, os custos de circulação, a parte do capital que o comerciante invista além da soma desembolsada na compra das mercadorias, então também desaparecerá, de modo natural, o lucro adicional ΔK, obtido sobre esse capital adicional. Esse é, pois, o método estritamente lógico e matematicamente correto de análise, quando se trata de descobrir como o lucro e a rotação do capital comercial atuam sobre os preços.
Se o preço de produção de 1 libra de açúcar fosse £1, com £100 o comerciante poderia comprar 100 libras de açúcar. Se no decorrer do ano ele comprasse e vendesse essa quantidade e se a taxa média anual de lucro fosse de 15%, ele agregaria £15 às £100 e 3 xelins a £1, o preço de produção de 1 libra. Portanto, ele venderia a libra de açúcar a £1 e 3 xelins. Em contrapartida, se o preço de produção de 1 libra de açúcar caísse a 1 xelim, com £100 o comerciante compraria 2.000 libras e venderia a libra a 1 xelim e 1⅘ penny. O lucro anual sobre o capital de £100 desembolsado no negócio açucareiro seria, tal como antes, = £15. Com a única diferença de que, nesse caso, ele teria de vender 100 libras e, no outro, 2.000. O nível mais alto ou mais baixo do preço de produção não teria nenhuma relação com a taxa de lucro, mas teria muitíssimo a ver, de maneira decisiva, com a grandeza da alíquota do preço de venda de cada libra de açúcar que se reduz a lucro comercial, ou seja, com o acréscimo de preço que o comerciante efetua sobre determinada quantidade de mercadoria (produto). Se o preço de produção de uma mercadoria for pequeno, também o será a soma que o comerciante adianta em seu preço de compra, ou seja, para uma massa determinada dessa mercadoria, e, por conseguinte, com uma taxa de lucro dada, o montante do lucro que ele obterá sobre essa quantidade dada de mercadoria barata; ou, o que dá na mesma, ele poderá, com um capital dado, por exemplo, de [£]100, comprar uma grande massa dessas mercadorias baratas, e o lucro total de [£]15 que obtiver sobre as [£]100 será distribuído em pequenas frações sobre cada fragmento individual dessa massa de mercadorias. E vice-versa. Isso depende totalmente da maior ou menor produtividade do capital industrial, cujas mercadorias ele comercializa. Excetuando os casos em que o comerciante monopoliza também a produção, como foi outrora com, por exemplo, a Companhia Holandesa das Índias Orientais, não há nada mais absurdo que essa noção corrente de que depende do comerciante vender muito com pouco lucro ou vender pouco com muito lucro sobre cada mercadoria. Os dois limites de seu preço de venda são: de um lado, o preço de produção da mercadoria, que não depende dele; de outro, a taxa média de lucro, que tampouco depende dele. A única coisa sobre a qual ele pode decidir, mas na qual também influem a grandeza de seu capital disponível e outras circunstâncias, é se ele quer comercializar mercadorias caras ou baratas. A posição adotada pelo comerciante não é algo que depende de sua vontade, mas única e exclusivamente do grau de desenvolvimento do modo de produção capitalista. Uma companhia meramente comercial, como a antiga Companhia Holandesa das Índias Orientais, que detinha o monopólio da produção, podia imaginar-se dando continuidade, sob condições totalmente distintas, a um método que correspondia no máximo aos primórdios da produção capitalista[40].
O preconceito popular, que, como todas as ideias errôneas sobre o lucro etc., deriva da visão restrita ao simples comércio e do preconceito mercantil, mantém-se de pé, entre outras coisas, pelas circunstâncias que seguem:
No Livro I [p. 587-97], demonstramos que o nível alto ou baixo dos preços das mercadorias não determina a massa do mais-valor produzido por um capital dado nem a taxa do mais-valor, ainda que o preço da mercadoria individual e, por conseguinte, também a parte de mais-valor desse preço sejam maiores ou menores de acordo com a quantidade relativa de mercadoria produzida por uma quantidade dada de trabalho. O preço de qualquer quantidade de mercadorias se determina, na medida em que corresponde ao valor, pela quantidade total de trabalho nelas objetivado. Se pouco trabalho é objetivado em muita mercadoria, então o preço da mercadoria individual é baixo, e o mais-valor nela incorporado será escasso. De que modo o trabalho incorporado numa mercadoria se divide em pago e não pago e, por conseguinte, que quantidade desse preço representa mais-valor é algo que não tem nenhuma relação com essa quantidade total de trabalho, ou seja, com o preço da mercadoria. A taxa do mais-valor depende não da grandeza absoluta do mais-valor contido no preço da mercadoria individual, mas de sua grandeza relativa, de sua relação com o salário incorporado na mesma mercadoria. A taxa pode, por isso, ser grande, ainda que seja pequena a grandeza absoluta do mais-valor para cada mercadoria individual. Essa grandeza absoluta do mais-valor em cada mercadoria individual depende, primeiro, da produtividade do trabalho e, apenas num segundo momento, de sua divisão em trabalho pago e não pago.
É sobretudo no caso do preço de venda comercial que o preço de produção é um pressuposto exterior dado.
O nível dos preços comerciais das mercadorias dependia, em épocas anteriores, 1) do nível dos preços de produção, isto é, da improdutividade do trabalho; 2) da falta de uma taxa geral de lucro, na medida em que o capital comercial se apoderava de uma cota de mais-valor muito maior que aquela que lhe teria correspondido no caso de uma mobilidade geral dos capitais. A cessação desse estado de coisas é, pois, considerada sob ambos os aspectos resultado do desenvolvimento do modo de produção capitalista.
As rotações do capital comercial são mais longas ou mais breves; seu número anual é, portanto, maior ou menor em diferentes ramos comerciais. Dentro do mesmo ramo, a rotação é mais rápida ou mais lenta em diversas fases do ciclo econômico. No entanto, verifica-se um número médio de rotações, o qual é encontrado[b] por meio da experiência.
Vimos anteriormente que a rotação do capital comercial é distinta daquela do capital industrial. Isso decorre da natureza da coisa: uma fase isolada na rotação do capital industrial aparece como a rotação completa de um capital comercial próprio ou como parte dela. Além disso, ela também se relaciona de maneira diferente com a determinação do lucro e do preço.
No caso do capital industrial, a rotação expressa, por um lado, a periodicidade da reprodução, e disso depende, portanto, a massa de mercadorias que se lançam no mercado num período determinado. Por outro lado, o tempo de circulação constitui um limite, certamente elástico, que, ao influir no volume do processo de produção, influi também de maneira mais ou menos restritiva na formação do valor e do mais-valor. Por isso, a rotação entra de maneira decisiva, não como elemento positivo, mas restritivo, na massa do mais-valor anualmente produzido e, portanto, na formação da taxa geral de lucro. Em contrapartida, a taxa média de lucro constitui uma grandeza dada para o capital comercial. Este não contribui diretamente para a criação do lucro ou do mais-valor e só exerce uma influência determinante na formação da taxa geral de lucro na medida em que, de acordo com sua participação no capital total, ele extrai seus dividendos da massa do lucro produzido pelo capital industrial.
Quanto maior é o número de rotações de um capital industrial sob as condições expostas no Livro II, seção II, maior é a massa do lucro que ele gera. Com efeito, ao estabelecer-se a taxa geral de lucro, o lucro total entre os diversos capitais é distribuído não segundo a proporção na qual participam diretamente em sua produção, mas segundo as alíquotas que formam do capital total, isto é, em proporção a sua grandeza. Isso não altera em nada a natureza da questão. Quanto maior é o número de rotações do capital industrial total, maiores são a massa de lucros, a massa do mais-valor anualmente produzida e, por conseguinte, mantendo-se inalteradas as demais circunstâncias, também a taxa de lucro. Diferentemente do que ocorre com o capital comercial. Para este, a taxa de lucro é uma grandeza dada, determinada, por um lado, pela massa dos lucros produzidos pelo capital industrial e, por outro lado, pela grandeza relativa do capital comercial total, por sua relação quantitativa com a soma total do capital adiantado nos processos de produção e de circulação. O número de suas rotações atua de maneira determinante sobre sua relação com o capital total, ou sobre a grandeza relativa do capital comercial necessário à circulação, pois está claro que a grandeza absoluta do capital comercial necessário e a velocidade de rotação deste último são inversamente proporcionais entre si; porém, a grandeza relativa desse capital, ou a parte que ele forma do capital total, está dada por sua grandeza absoluta, pressupondo-se inalteradas todas as demais circunstâncias. Se o capital total é de 10.000, e 1/10 dessa soma é formado pelo capital comercial, este último será, então = 1.000; se o capital total é de 1.000, então 1/10 dessa soma será = 100. Nesse sentido, ainda que sua grandeza relativa permaneça constante, sua grandeza absoluta varia segundo a grandeza do capital total. Aqui supomos como dada sua grandeza relativa, digamos, de 1/10 do capital total. Porém, essa própria grandeza relativa é determinada, por sua vez, pela rotação. Com uma rotação rápida, sua grandeza absoluta é, por exemplo, = £1.000 no primeiro caso e = [£]100 no segundo; por conseguinte, sua grandeza relativa = 1/10. Com uma rotação mais lenta, sua grandeza absoluta é, digamos, = 2.000 no primeiro caso e = 200 no segundo. Por isso, sua grandeza relativa aumentou de 1/10 para ⅕ do capital total. Circunstâncias que abreviam a rotação média do capital comercial, como o desenvolvimento dos meios de transporte, diminuem pro tanto [proporcionalmente] a grandeza absoluta do capital comercial e, por conseguinte, elevam a taxa geral de lucro. E vice-versa. O modo de produção capitalista desenvolvido, em comparação com as condições anteriores, exerce uma dupla influência sobre o capital comercial: a mesma quantidade de mercadorias é rodada com uma massa menor de capital comercial realmente operante; devido à rotação mais rápida do capital comercial e à maior velocidade do processo de reprodução no qual ela se baseia, diminui a proporção entre o capital comercial e o capital industrial. Por outro lado, com o desenvolvimento do modo de produção capitalista, toda a produção se converte em produção de mercadorias e, por conseguinte, todo produto cai nas mãos dos agentes da circulação, ao que devemos acrescentar que no modo de produção anterior, que produzia em pouca quantidade, abstraindo da massa de produto consumidos in natura pelo próprio produtor e da massa de serviços pagos in natura, grande parte dos produtores vendia sua mercadoria diretamente ao consumidor ou trabalhava por encargo pessoal deste último. Por isso, embora nos modos de produção anteriores o capital comercial fosse maior em relação ao capital-mercadoria que fazia rodar, ele é, na verdade:
No entanto, pressupondo como dada a grandeza relativa do capital comercial em relação ao capital total, a diversidade das rotações em diversos ramos do comércio não influi na grandeza do lucro total correspondente ao capital comercial nem na taxa geral de lucro. O lucro do comerciante está determinado não pela massa do capital-mercadoria que faz rodar, mas pela grandeza do capital monetário que ele adianta para mediar essa rotação. Suponhamos que a taxa geral anual de lucro seja de 15% e que o comerciante adiante £100; nesse caso, se seu capital rodar uma vez no ano, ele venderá sua mercadoria a [£]115. Se seu capital rodar cinco vezes no ano, ele venderá cinco vezes no período, a [£]103, um capital-mercadoria cujo preço de compra é [£]100; ou seja, venderá no ano inteiro, a [£]515, um capital-mercadoria de [£]500. Isso equivale, tal como antes, a um lucro anual de [£]15 sobre seu capital adiantado de [£]100. Se esse não fosse o caso, o capital comercial geraria, em proporção ao número de suas rotações, lucros muito mais elevados que o capital industrial, o que contradiz a lei da taxa geral de lucro.
O número de rotações do capital comercial em diversos ramos do comércio afeta diretamente, pois, o preço comercial das mercadorias. A grandeza do acréscimo comercial ao preço, da alíquota do lucro comercial de um capital dado, que recai sobre o preço de produção da mercadoria individual, é inversamente proporcional ao número de rotações ou à velocidade de rotação dos capitais comerciais em diversos ramos de negócios. Um capital comercial que roda cinco vezes no ano agrega a um capital-mercadoria de mesmo valor apenas ⅕ daquilo que outro capital comercial, que efetuasse apenas uma rotação anual, agregaria a um capital-mercadoria de igual valor.
A influência que o tempo médio de rotação dos capitais em diversos ramos do comércio exerce sobre os preços de venda se reduz ao fato de que, em relação a essa velocidade de rotação, a mesma massa de lucros que, com uma grandeza dada do capital comercial, está determinada pela taxa anual geral de lucro, isto é, que está determinada independentemente do caráter especial da operação comercial desse capital, distribui-se de maneira diferente sobre massas de mercadoria de mesmo valor, agregando ao preço da mercadoria com cinco rotações no ano 15/5 = 3% e com uma única rotação no ano = 15%, por exemplo.
Assim, a mesma porcentagem do lucro comercial aumenta os preços de venda das mercadorias, em diversos ramos do comércio e segundo a relação de seus tempos de rotação, em porcentagens muito diversas, calculadas sobre o valor dessas mercadorias.
Já no caso do capital industrial, ao contrário, o tempo de rotação não influi de modo nenhum na grandeza de valor das diversas mercadorias produzidas, ainda que, ao afetar a massa do trabalho explorado, ele afete a massa dos valores e dos mais-valores produzidos por um capital num tempo determinado. Esse fato permanece oculto, certamente, e parece ocorrer de outra maneira quando se levam em conta os preços de produção, mas apenas porque os preços de produção das distintas mercadorias divergem de seus valores segundo as leis anteriormente desenvolvidas. Se considerarmos o processo global de produção, a massa de mercadorias produzida pelo capital industrial total, veremos imediatamente confirmada a lei geral.
Portanto, enquanto uma consideração mais exata da influência do tempo de rotação sobre a criação de valor no capital industrial promove um retorno à lei geral e à base da economia política, segundo a qual o valor das mercadorias é determinado pelo tempo de trabalho nelas contido, a influência das rotações do capital comercial sobre o preço comercial revela fenômenos que, sem uma análise mais minuciosa dos elos intermediários, parecem pressupor uma determinação puramente arbitrária dos preços; de forma mais precisa, uma determinação baseada apenas no fato de que o capital estaria decidido a obter uma quantidade determinada de lucro no ano. Devido precisamente a essa influência das rotações, parece que o processo de circulação como tal determina os preços das mercadorias, independentemente, até certo ponto, do processo de produção. Todas as concepções superficiais e errôneas do processo global da reprodução foram deduzidas da consideração do capital comercial e das ideias que seus movimentos peculiares suscitam na mente dos agentes da circulação.
Se – como o leitor terá descoberto, para seu desapontamento – a análise das conexões internas e efetivas do processo de produção capitalista é uma questão muito intricada e um trabalho extremamente minucioso e se compete à ciência reduzir o movimento visível, meramente aparente, ao movimento real interno, é evidente que na mente dos agentes da produção e da circulação capitalistas terão necessariamente de se formar ideias sobre as leis da produção que divirjam inteiramente dessas leis e que sejam apenas a expressão consciente do movimento aparente. As ideias de um comerciante, de um especulador da Bolsa ou de um banqueiro são necessariamente falsas por completo. As dos fabricantes foram falseadas pelos atos de circulação, aos quais está submetido seu capital, e pelo nivelamento da taxa geral de lucro[41]. Na mente desses indivíduos, a concorrência também assume necessariamente um papel equivocado por completo. Se os limites do valor e do mais-valor estão dados, é fácil vislumbrar como a concorrência dos capitais transforma valores em preços de produção e, mais ainda, em preços comerciais, e o mais-valor em lucro médio. Sem esses limites, porém, é absolutamente impossível vislumbrar por que a concorrência reduz a taxa geral de lucro a esse limite, em vez de àquele outro – a 15%, em vez de a 1.500%. No máximo, ela pode reduzi-la a certo nível. Mas nela não há absolutamente nenhum elemento que permita determinar esse nível.
Do ponto de vista do capital comercial, a própria rotação aparece, pois, como aquilo que determina os preços. Por outro lado, enquanto a velocidade de rotação do capital industrial, na medida em que capacita um capital dado a explorar mais ou menos trabalho, atua para determinar e delimitar da massa de lucros e, assim, exerce uma influência sobre a taxa geral de lucro, a taxa de lucro está externamente dada ao capital comercial, e a conexão interna desta última com a formação do mais-valor está extinta. Se, mantendo-se inalteradas as demais circunstâncias, especialmente no caso de uma mesma composição orgânica, o mesmo capital industrial efetua quatro rotações no ano em vez de duas, ele produz o dobro do mais-valor e, por conseguinte, do lucro; e isso se mostra de maneira palpável, tão logo e pelo tempo em que o capital possua o monopólio do método de produção aperfeiçoado que lhe possibilita essa aceleração da rotação. Por sua vez, a diferença no tempo de rotação nos diversos ramos do comércio se revela no fato de que o lucro que se obtém sobre a rotação de determinado capital-mercadoria é inversamente proporcional ao número de rotações do capital monetário que faz rodar esses capitais-mercadorias. Small profits and quick returns [lucros pequenos e rotações rápidas] apresentam-se especialmente para o shopkeeper [pequeno comerciante] como uma norma que ele segue por princípio.
Além disso, é evidente que essa lei das rotações do capital comercial em todos os ramos do comércio, abstraindo da alternância de rotações mais rápidas e mais lentas que se compensam mutuamente, só tem validade para a média das rotações efetuadas por todo o capital comercial investido nesse ramo. O capital de A, que atua no mesmo ramo que B, pode efetuar mais ou menos rotações que o número médio. Nesse caso, os demais efetuarão um número maior ou menor de rotações. Isso não altera em nada a rotação da massa total do capital comercial investida nesse ramo, mas tem importância decisiva para grandes ou pequenos comerciantes individuais. Nesse caso, eles obtêm um lucro extra, exatamente do modo que o obtêm os capitalistas industriais quando produzem sob condições mais favoráveis que as condições médias. Se a concorrência os obriga a isso, eles podem vender mais barato que seus colegas, sem rebaixar seu lucro abaixo da média. Se as condições que lhe possibilitam uma rotação mais rápida, por sua vez, podem ser compradas, como uma localização favorável dos estabelecimentos comerciais, então ele poderá pagar por elas uma renda extra, isto é, converter em renda fundiária uma parcela de seu lucro extra.
[a] O termo “Begriffslosigkeit” (substantivação do adjetivo/advérbio begriffslos), que aqui traduzimos por “caráter irracional”, é empregado por Marx, sob influência da filosofia hegeliana, para designar algo “abstrato“, isto é, que não alcançou a concreção dialética do conceito. (N. T.)
[40] “Profit, on the general principle, is always the same, whatever be price; keeping its place like an incumbent body on the swelling or sinking tide. As, therefore, prices rise, a tradesman raises price; as prices fall, a tradesman lowers price” [“O lucro, em princípio, é sempre o mesmo, qualquer que seja o preço; ele conserva seu posto como um corpo flutuante, tanto na maré cheia como na maré baixa. Portanto, se os preços sobem, o negociante aumenta os preços e, quando os preços baixam, ele os abaixa”] ([Thomas] Corbet, An Inquiry into the Causes [and Modes] of the Wealth of Individuals[; or the Principles of Trade and Speculation Explained], Londres, [Smith, Elder & Co.,] 1841, p. 20). Aqui, como no texto em geral, fala-se somente do comércio normal, e não da especulação, cujo estudo ultrapassa os limites desta obra, assim como, na maior parte, tudo que se refere à distribuição do capital comercial. “The profit of trade is a value added to capital which is independent of price, the second” (o lucro da especulação) “is founded on the variation in the value of capital or in price itself” [“O lucro comercial é um valor adicionado ao capital e independente do preço, o segundo [...] está fundado na própria variação no valor de capital ou no preço”] (p. 128).
[b] Na primeira edição, “que são encontradas”. (N. E. A.)
[41] Uma afirmação muito ingênua, mas ao mesmo tempo bastante exata: “Sem dúvida, também o fato de que a mesma mercadoria possa ser obtida de diferentes vendedores a preços bastante divergentes se deve muito frequentemente a um cálculo incorreto” ([Friedrich Ernst] Feller e [Carl Gustav] Odermann, Das Ganze der kaufmännischen Arithmetik, [7. ed., Leipzig, O. A. Schulz,], 1859) [p. 451]. O que demonstra até que ponto a determinação dos preços é algo puramente teórico, abstrato.