Em nossa primeira análise da taxa de lucro geral ou média (seção II deste livro), não tínhamos esta última diante de nós em sua configuração acabada, uma vez que a compensação ainda aparecia meramente como compensação dos capitais industriais investidos em diferentes ramos. Isso se completou na seção anterior, em que examinamos a participação do capital comercial nessa compensação e o lucro comercial. A taxa geral de lucro e o lucro médio se apresentaram, então, dentro de limites mais estreitos do que antes. Ao prosseguirmos a investigação, não podemos perder de vista que doravante, quando falarmos de taxa geral de lucro ou de lucro médio, o faremos com esta última acepção, ou seja, apenas com referência à configuração definitiva da taxa média de lucro. Como ela é, a partir de agora, a mesma para o capital industrial e o capital-mercadoria, tampouco se faz necessário, quando se tratar somente desse lucro médio, estabelecer uma distinção entre o lucro industrial e o lucro comercial. Seja investido industrialmente na esfera da produção, seja investido comercialmente na esfera da circulação, o capital gera, proporcionalmente a seu volume, o mesmo lucro médio anual.
Com base na produção capitalista, o dinheiro – aqui considerado expressão autônoma de uma soma de valor, sendo indiferente se esta existe, de fato, em dinheiro ou em mercadorias – pode ser convertido em capital e, mediante essa conversão, deixar de ser um valor dado para se transformar num valor que valoriza a si mesmo, incrementa a si mesmo. Ele produz lucro, isto é, permite ao capitalista extrair dos trabalhadores determinada quantidade de trabalho não pago, de mais-produto e mais-valor, e de apropriar-se desse trabalho. Com isso, ele obtém, além do valor de uso que já possui como dinheiro, um valor de uso adicional, a saber, aquele de funcionar como capital. Seu valor de uso consiste aqui precisamente no lucro que ele produz ao se converter em capital. Nessa qualidade de capital possível, de meio para a produção do lucro, ele se torna mercadoria, mas uma mercadoria sui generis. Em outras palavras, o capital como tal torna-se mercadoria[54].
Suponhamos que a taxa média anual de lucro seja de 20%. Nesse caso, uma máquina no valor de £100 que fosse empregada como capital sob as condições médias e com uma quantidade média de inteligência e adequação aos fins geraria um lucro de £20. Digamos que um homem disponha de £100 e tenha nas mãos o poder de converter essas £100 em £120, produzir um lucro de £20. Ele tem nas mãos um capital possível de £100. Se esse homem cede as £100 por um ano a outro, que as emprega realmente como capital, ele entrega a esse outro o poder de produzir um lucro de £20, isto é, um mais-valor que não lhe custa nada e pelo qual ele não paga equivalente nenhum. Se no final do ano esse homem paga, digamos, £5 ao proprietário das £100, ou seja, uma parte do lucro produzido, ele paga, com isso, o valor de uso das £100, o valor de uso de sua função de capital, da função de produzir £20 de lucro. A parte do lucro que ele lhe paga chama-se juros, que não é mais do que um nome especial, uma rubrica para designar uma parte do lucro que o capital ativo, em vez de colocar em seu próprio bolso, precisa pagar ao proprietário do capital.
É claro que a posse das £100 confere a seu proprietário o poder de receber os juros, isto é, certa parte do lucro produzido por seu capital. Se não entregasse as £100 ao outro, este não poderia produzir o lucro nem atuar de modo nenhum como capitalista com relação a essas £100[55].
Não faz sentido falar aqui de justiça natural, como o faz Gilbart (ver nota). A justiça das transações que se realizam entre os agentes da produção repousam no fato de que essas transações derivam das relações de produção como uma consequência natural. As formas jurídicas, nas quais essas transações econômicas aparecem como atos de vontade dos envolvidos, como exteriorizações de sua vontade comum e como contratos cuja execução pode ser imposta às partes contratantes pelo Estado, não podem determinar, como meras formas que são, esse conteúdo. Elas podem apenas expressá-lo. Quando corresponde ao modo de produção, quando lhe é adequado, esse conteúdo é justo; quando o contradiz, é injusto. A escravidão, sobre a base do modo de produção capitalista, é injusta, assim como a fraude em relação à qualidade da mercadoria.
As £100 geram o lucro de £20 pelo fato de funcionarem como capital, seja industrial, seja comercial. Mas a condição sine qua non dessa sua função como capital é que elas sejam desembolsadas como capital, que, portanto, esse dinheiro seja despendido para comprar meios de produção (no caso do capital industrial) ou de mercadoria (no caso do capital comercial). Para poder ser desembolsado, primeiro é necessário que ele exista. Se A, o proprietário das £100, as despendesse para seu consumo próprio ou conservasse como tesouro, elas não poderiam ser desembolsadas como capital por B, o capitalista atuante. B não investe seu próprio capital, mas o de A; porém, ele não pode desembolsar o capital de A contra a vontade deste último. Na realidade, portanto, é A quem originalmente investe as £100 como capital, ainda que sua função inteira como capitalista se reduza a efetuar esse investimento. Na medida em que se consideram essas £100, B só atua como capitalista porque A lhe cede as £100, despendendo-as assim como capital.
Consideremos, primeiro, a circulação peculiar do capital portador de juros. Num segundo momento, examinemos o modo como ele é vendido como mercadorias, ou, mais precisamente, como é emprestado, em vez de cedido de uma vez por todas.
O ponto de partida é o dinheiro que A adianta a B. Essa operação pode ser realizada com ou sem garantia; a primeira forma é, no entanto, a mais antiga, com exceção dos empréstimos feitos sobre mercadorias ou sobre títulos, tais como letras de câmbio, ações etc. Essas formas especiais não nos concernem aqui. O que nos interessa é apenas o capital portador de juros em sua forma comum.
Nas mãos de B, o dinheiro se converte realmente em capital, descreve o movimento D-M-D’ e, então, retorna às mãos de A como D’, como D + ΔD, no qual ΔD representa os juros. Para simplificar o problema, deixamos aqui de lado, por enquanto, o caso em que o capital permanece mais tempo nas mãos de B e os juros são pagos periodicamente.
O movimento é, então:
D-D-M-D’-D’
O que aqui aparece duplicado é: 1) o desembolso do dinheiro como capital; 2) seu refluxo como capital realizado, como D’ ou D + ΔD.
No movimento do capital comercial D-M-D’, a mesma mercadoria muda duas vezes de mãos ou, se o comerciante vende a outro comerciante, muda várias vezes de mãos; mas cada uma dessas mudanças de lugar da mesma mercadoria representa uma metamorfose, compra ou venda de mercadoria, por mais que esse processo possa se repetir até que a mercadoria entre definitivamente na esfera do consumo.
Por sua vez, em M-D-M o mesmo dinheiro troca duas vezes de mãos, mas isso indica a metamorfose completa da mercadoria, que primeiro é convertida em dinheiro e, num segundo momento, é reconvertida de dinheiro em outra mercadoria.
Já no capital portador de juros, ao contrário, a primeira troca de lugar de D não é fator da metamorfose da mercadoria, tampouco da reprodução do capital. O dinheiro só se torna um fator desses quando é desembolsado uma segunda vez, isto é, quando se encontra nas mãos do capitalista em atividade, que comercia com ele ou o converte em capital produtivo. A primeira troca de lugar de D não expressa aqui mais que transferência ou cessão de A para B, uma transferência que costuma se realizar sob certas formas e cautelas legais.
A esse duplo desembolso do dinheiro como capital, sendo o primeiro uma simples transferência de A para B, corresponde seu duplo refluxo. Como D’ ou D + ΔD, ele reflui do movimento para as mãos do capitalista em atividade B. Este o transfere de volta a A, porém acrescido de uma parte do lucro, como capital realizado, D + ΔD, no qual ΔD não equivale ao lucro inteiro, mas a uma parte dele, isto é, aos juros. Às mãos de B ele retorna somente como aquilo que ele desembolsou, como capital em funcionamento, mas como propriedade de A. Para que seu refluxo seja completo, tem de passar novamente das mãos de B às mãos de A. Porém, além da soma de capital, B tem de ceder a A, sob o nome de juros, uma parte do lucro por ele obtido mediante essa soma de capital, uma vez que A só lhe deu esse dinheiro como capital, isto é, como valor que não só se conserva no movimento, como rende um mais-valor a seu proprietário. Ele só permanece nas mãos de B enquanto funciona como capital. Com seu refluxo, isto é, uma vez vencido o prazo, ele deixa de funcionar como capital e, tão logo isso acontece, tem de ser retransferido a A, que não deixou de ser seu proprietário legal.
A forma de empréstimo que, em vez da forma da venda, é característica dessa mercadoria – do capital como mercadoria – e que, além disso, ocorre também em outras transações resulta já da determinação de que o capital aparece aqui como mercadoria, de que o dinheiro, como capital, converte-se em mercadoria.
Neste ponto, é preciso estabelecer uma distinção.
Vimos (Livro II, capítulo 1) e aqui recordaremos brevemente que o capital, no processo de circulação, pode funcionar como capital-mercadoria ou como capital monetário. Mas em nenhuma dessas duas formas o capital como tal se converte em mercadoria.
Tão logo o capital produtivo tenha se convertido em capital-mercadoria, ele tem de ser lançado no mercado, tem de ser vendido como mercadoria. Aqui ele funciona apenas como mercadoria. O capitalista aparece como simples vendedor de mercadoria, assim como o comprador surge como simples comprador desta última. Como mercadoria, o produto tem de ser vendido e, com isso, realizar seu valor no processo de circulação, isto é, assumir sua figura transmutada em dinheiro. Por essa razão, é absolutamente irrelevante se essa mercadoria é comprada por um consumidor como meio de subsistência ou por um capitalista como meio de produção, como parte integrante do capital. No ato de circulação, o capital-mercadoria funciona apenas como mercadoria, não como capital. Ele é capital-mercadoria, em contraste com a simples mercadoria, 1) porque está prenhe de mais-valor, de modo que a realização de seu valor é simultaneamente realização de mais-valor – mas isso mantém intacta sua simples existência como mercadoria, como produto de um preço determinado; 2) porque essa sua função como mercadoria representa uma fase de seu processo de reprodução como capital e, por conseguinte, seu movimento como mercadoria, por não ser mais que um movimento parcial de seu processo, representa, ao mesmo tempo, seu movimento como capital – isso, porém, não por meio do ato mesmo da venda, mas somente por meio da conexão desse ato com o movimento total realizado por essa determinada soma de valor como capital.
Enquanto capital monetário, ele também funciona, na realidade, simplesmente como dinheiro, isto é, como meio de compra de mercadorias (dos elementos de produção). O fato de que esse dinheiro seja aqui ao mesmo tempo capital monetário, uma forma do capital, é algo que não deriva do ato da compra, da função efetiva que ele desempenha como dinheiro, mas da conexão desse ato com o movimento total do capital, uma vez que esse ato que ele realiza como dinheiro conduz ao processo de produção capitalista.
Porém, na medida em que de fato funcionam, em que desempenham efetivamente o papel que lhes corresponde nesse processo, o capital-mercadoria atua aqui somente como mercadoria, e o capital monetário, somente como dinheiro. Em nenhum momento da metamorfose, considerado em si mesmo, o capitalista vende ao comprador a mercadoria como capital, ainda que esta seja precisamente isso para ele, e tampouco aliena o dinheiro como capital ao vendedor. Tanto num caso como no outro, ele aliena a mercadoria apenas como mercadoria e o dinheiro apenas como dinheiro, como meio de compra de mercadorias.
É apenas na concatenação do processo inteiro, quando o ponto de partida aparece ao mesmo tempo como ponto de retorno, em D-D’ ou M-M’, que o capital surge como tal no processo de circulação (ao passo que no processo de produção ele aparece como capital por meio da submissão do trabalhador ao capitalista e da produção do mais-valor). Nesse momento do refluxo, a mediação desapareceu. O que existe agora é D’ ou D + ΔD (não importando se a soma de valor incrementada em ΔD existe em forma de dinheiro, de mercadoria ou de elementos de produção), uma soma de dinheiro igual à soma primitivamente desembolsada e mais um excedente, que é o mais-valor que se realizou. É precisamente nesse ponto de retorno – na medida em que esse ponto é fixado como ponto de repouso, seja real, seja imaginário – que o capital, que aqui existe como capital realizado e na forma de valor valorizado, não entra em circulação, mas aparenta, antes, ter sido retirado dela como resultado do processo inteiro. Assim que volta a ser desembolsado, ele jamais é alienado como capital a um terceiro, mas é vendido como simples mercadoria ou entregue como simples dinheiro em troca de mercadoria. Ele nunca aparece em seu processo de circulação como capital, somente como mercadoria ou dinheiro, e essa é sua única existência para outrem. Mercadoria e dinheiro são aqui apenas capital, não na medida em que a mercadoria se converte em dinheiro, e o dinheiro, em mercadoria, isto é, não em suas relações reais com o comprador ou o vendedor, mas tão somente em suas relações ideais, seja com o próprio capitalista (subjetivamente considerado), seja como momentos do processo de reprodução (objetivamente considerados). Em seu movimento real, o capital não existe como tal dentro do processo de circulação, mas apenas no processo de produção, no processo de exploração da força de trabalho.
Diferente é o que acontece com o capital portador de juros, e justamente isso constitui seu caráter específico. O possuidor de dinheiro, que quer valorizá-lo como capital portador de juros, aliena-o a um terceiro, lança-o na circulação, converte-o em mercadoria como capital; e não só como capital para ele mesmo, mas também para outros; ele não é capital apenas para quem o aliena, mas é desde o início transferido a um terceiro como capital, como valor que possui o valor de uso de criar mais-valor, lucro; como um valor que conserva a si mesmo no movimento e que, depois de ter funcionado, retorna àquele que o desembolsou originalmente, no caso em questão, ao possuidor do dinheiro; portanto, um valor que só por algum tempo permanece distante de quem o desembolsou, que só transita temporariamente das mãos de seu proprietário para as mãos do capitalista em atividade e que, por conseguinte, não é pago nem vendido, mas apenas emprestado; um valor que só é alienado sob a condição de, em primeiro lugar, retornar a seu ponto de partida após determinado prazo e, em segundo lugar, retornar como capital realizado, isto é, tendo cumprido seu valor de uso, que consiste em produzir mais-valor.
A mercadoria emprestada como capital se apresenta como capital fixo ou capital circulante. O dinheiro pode ser emprestado em ambas as formas. Ele é emprestado como capital fixo, por exemplo, quando é reembolsado na forma de uma renda vitalícia [Leibrente], em cujo caso uma porção do capital reflui juntamente com os juros. Certas mercadorias, como casas, navios, máquinas etc., pela própria natureza de seu valor de uso, só podem ser emprestadas como capital fixo. Mas todo capital emprestado, qualquer que seja sua forma e independentemente de como sua devolução possa resultar modificada pela natureza de seu valor de uso, continua a ser apenas uma forma especial do capital monetário. Pois o que se empresta, nesse caso, é sempre uma soma determinada de dinheiro, e sobre essa soma são calculados os juros. Quando se empresta algo que não é dinheiro nem capital circulante, esse algo também é pago do modo como reflui o capital fixo. O prestamista recebe periodicamente os juros e uma parte do valor consumido do mesmo capital fixo, um equivalente pelo desgaste periódico. Ao final do prazo, retorna a ele, in natura, a parte não consumida do capital fixo emprestado. Se o capital emprestado é capital circulante, ele retorna igualmente ao prestamista, da mesma maneira como reflui o capital circulante.
Portanto, a modalidade do retorno é sempre determinada pelo movimento cíclico real do capital que se reproduz e de suas modalidades particulares. Para o capital emprestado, no entanto, o refluxo assume a forma da devolução, uma vez que o desembolso, a alienação desse capital, tem a forma do empréstimo.
Tratamos, neste capítulo, apenas do capital monetário propriamente dito, do qual decorrem as demais formas do capital dado em empréstimo.
O capital emprestado reflui de dois modos: no processo de reprodução, ele retorna ao capitalista em atividade; então, o retorno se repete uma vez mais como transferência ao prestamista, ao capitalista monetário, como devolução do capital a seu proprietário efetivo, a seu ponto de partida jurídico.
No processo efetivo de circulação, o capital se apresenta sempre como mercadoria ou dinheiro, e seu movimento se decompõe numa série de compras e vendas. Em outras palavras, o processo de circulação se decompõe nas metamorfoses da mercadoria. Diferente é o que ocorre quando observamos o processo de reprodução em seu conjunto. Se partimos do dinheiro (e o resultado seria o mesmo se partíssemos da mercadoria, pois, nesse caso, partimos de seu valor, ou seja, a consideramos sub specie [sob a forma] de dinheiro), uma soma é desembolsada e, depois de certo período, retorna com um incremento. A reposição da soma de dinheiro desembolsada retorna acrescida de um mais-valor. Tal soma se conservou e se incrementou ao percorrer certo movimento cíclico. Ocorre que o dinheiro, sempre que é emprestado como capital, o é precisamente como essa soma de dinheiro que se conserva e se incrementa; uma soma que, ao final de certo período, retorna com um incremento e pode sempre voltar a percorrer o mesmo processo. Ele não é desembolsado como dinheiro nem como mercadoria – portanto, não é trocado por mercadoria, quando é adiantado como dinheiro, nem é vendido em troca de dinheiro, quando é adiantado como mercadoria –, mas como capital. Sua relação consigo mesmo, isto é, a forma como o capital se apresenta ao enfocar o processo de produção capitalista em seu conjunto e em sua unidade e na qual o capital se mostra como dinheiro que multiplica dinheiro, é aqui expressa sem o movimento intermediário que opera a mediação, mas simplesmente como seu caráter, sua “determinidade” [Bestimmtheit]. Nessa determinidade, ele é alienado, emprestado como capital monetário.
Uma concepção extravagante do papel do capital monetário é a de Proudhon (Gratuité du Crédit. Discussion entre M. F. Bastiat et M. Proudhon, Paris, 1850). Para ele, emprestar é algo mau, uma vez que não é vender. Emprestar a juros “est le faculté de vendre toujours de nouveau le même objet, et d’en recevoir toujours de nouveau le prix sans jamais céder la propriété de ce qu’on vend”[a] (p. 9). O objeto – dinheiro, uma casa etc. – não muda de dono como na compra e na venda. Mas Proudhon não vê que, quando se cede dinheiro em forma de capital portador de juros, nenhum equivalente é recebido em troca. É verdade que em todo ato de compra e venda, na medida em que tem lugar um processo de troca em geral, o objeto é cedido. Cede-se sempre a propriedade do objeto vendido. Mas não se cede o valor. Na venda, cede-se a mercadoria, mas não seu valor, que é reembolsado sob a forma de dinheiro ou – o que aqui é apenas outra forma do dinheiro – de títulos de crédito ou ordens de pagamento. Na compra, transfere-se o dinheiro, mas não seu valor, que é reposto em forma de mercadoria. Durante todo o processo de reprodução, o capitalista industrial retém em suas mãos o mesmo valor (abstraindo do mais-valor), apenas sob distintas formas.
Na medida em que há um intercâmbio de objetos, não ocorre nenhuma mudança no valor. O mesmo capitalista retém sempre em suas mãos o mesmo valor. Quando o capitalista produz mais-valor, tal intercâmbio não ocorre; quando ocorre um intercâmbio, o mais-valor já está contido nas mercadorias. Se nos fixarmos, não nos distintos atos de troca, mas no ciclo completo do capital, D-M-D‘, veremos que determinada soma de dinheiro é constantemente adiantada e que essa soma de valor retorna da circulação acrescida do mais-valor ou do lucro. A mediação desse processo não é visível nos simples atos de troca. É precisamente desse processo de D como capital que provêm os juros do capitalista monetário que empresta dinheiro.
“Na realidade”, diz Proudhon, “o chapeleiro que vende chapéus […] recebe em troca o valor de seu produto, nem mais nem menos. E o capitalista que empresta dinheiro […] não só recebe de volta seu capital integral, mas recebe mais do que o capital, mais do que aquilo que ele lança na troca; além do capital, ele recebe juros.” (p. 169)
Aqui, em oposição ao prestamista, o chapeleiro representa o capitalista produtivo. Fica claro que Proudhon não conseguiu desvendar o segredo de que o capitalista produtivo possa vender mercadorias a seu valor (em sua concepção, a compensação com base nos preços de produção é aqui indiferente) e, precisamente desse modo, obter um lucro sobre o capital que ele lança na troca. Suponhamos que o preço de produção de 100 chapéus seja = £115 e que esse preço de produção seja casualmente igual ao valor dos chapéus, isto é, que o capital que produz os chapéus seja um capital de composição social média. Se o lucro for = 15%, o chapeleiro realizará um lucro de £15 ao vender as mercadorias a seu valor de [£]115. Para ele, essas mercadorias custam apenas £100. Se ele as produziu com capital próprio, ele embolsa integralmente o excedente de £15; se as produziu com capital emprestado, ele tem de pagar, digamos, £5. Isso não altera em nada o valor dos chapéus, somente a distribuição entre diversas pessoas do mais-valor já contido nesse valor. Portanto, como o valor dos chapéus não é afetado pelo pagamento de juros, é um absurdo quando Proudhon afirma:
“Como no comércio os juros do capital acrescentam-se ao salário do trabalhador para compor o preço da mercadoria, é impossível que o trabalhador possa recomprar o produto de seu próprio trabalho. Vivre en travaillant [viver do próprio trabalho] é um princípio que, sob o regime dos juros, implica uma contradição.” (p. 105)[56]
O quão deficiente é a compreensão de Proudhon acerca da natureza do capital fica demonstrado pela seguinte passagem, em que o movimento do capital em geral é descrito como um movimento peculiar ao capital portador de juros: “Comme, par l’accumulation des intérêts, le capital-argent, d’échange en échange, revient toujours à sa source, il s’ensuit que la relocation toujours faite par la même main, profite toujours au même personnage”[b] [p. 154].
O que é, pois, que continua a ser tão enigmático para ele no movimento peculiar do capital portador de juros? As categorias: compra, preço, cessão de objetos e a forma direta em que o mais-valor se apresenta aqui; em suma, o fenômeno de que aqui o capital como tal converteu-se em mercadoria e de que, por isso, a venda se converteu em empréstimo, e o preço, numa participação no lucro.
O retorno do capital a seu ponto de partida é, em geral, o movimento próprio do capital em seu ciclo completo. Não é isso, portanto, que caracteriza o capital portador de juros. O que é peculiar a esse capital é a forma externa do retorno, apartada do ciclo mediador. O capitalista que cede o empréstimo aparta-se de seu capital, transfere-o ao capitalista industrial, sem receber em troca um equivalente. Sua cessão não constitui de modo nenhum um ato do processo cíclico efetivo do capital, mas o introduz mediante o ciclo que o capitalista industrial tem de realizar. Essa primeira mudança de lugar do dinheiro não expressa nenhum ato da metamorfose, nem compra nem venda. A propriedade não é cedida, porque não se realiza nenhuma troca nem se recebe equivalente nenhum. O retorno do dinheiro das mãos do capitalista industrial para as mãos do capitalista que lhe cede o empréstimo serve apenas de complemento do primeiro ato de cessão do capital. O capital, adiantado em forma de dinheiro, retorna ao capitalista industrial, pelo processo cíclico, também em forma de dinheiro. Mas como o capital não lhe pertencia no momento em que foi investido, tampouco pode pertencer-lhe no momento em que retorna. Sua passagem pelo processo de reprodução não tem o poder de converter esse capital em propriedade sua. Ele precisa, portanto, devolvê-lo ao prestamista. O primeiro desembolso, que transfere o capital das mãos do prestamista às mãos do prestatário, é uma transação jurídica, que não tem relação nenhuma com o processo real de reprodução do capital e apenas lhe serve de introdução. O reembolso, pelo qual o capital retorna das mãos do prestatário às mãos do prestamista, é uma segunda transação jurídica, complementar à primeira; uma serve de introdução ao processo efetivo, a outra é um ato complementar desse processo. Ponto de partida e ponto de retorno, cessão e restituição do capital emprestado, aparecem, pois, como movimentos arbitrários, mediados por transações jurídicas efetuadas antes e depois do movimento efetivo do capital e que com ele não têm relação nenhuma. Para esses movimentos, seria indiferente se o capital pertencesse desde o início ao capitalista industrial e, por conseguinte, refluísse somente para ele como sua propriedade.
No primeiro ato, que serve de introdução, o prestamista cede seu capital ao prestatário. No segundo ato, que complementa e conclui o processo, o prestatório restitui o capital ao prestamista. Se nos fixarmos exclusivamente na transação entre ambos – e abstrairmos, por enquanto, dos juros –, ou seja, se considerarmos apenas o movimento do capital emprestado entre prestamista e prestatário, veremos que esses dois atos (separados por um período mais ou menos longo, durante o qual tem lugar o verdadeiro movimento de reprodução do capital) abarcam a totalidade desse movimento. Esse movimento – de ceder sob a condição de receber de volta – é, em geral, o movimento de conceder e de tomar empréstimo, dessa forma específica da alienação puramente condicional de dinheiro ou de mercadorias.
O retorno do dinheiro às mãos do capitalista, que constitui o movimento característico do capital em geral, assume no capital portador de juros uma figura completamente exterior, separada do movimento real, do qual ele constitui a forma. A cede seu dinheiro não como dinheiro, mas como capital. Aqui o capital não experimenta nenhuma mudança. Ele apenas troca de mãos. Sua transformação efetiva em capital só se realiza nas mãos de B. Para A, no entanto, ele se tornou capital por meio de mera cessão a B. O refluxo efetivo do capital do processo de produção e de circulação ocorre apenas para B. Para A o refluxo tem lugar na mesma forma que a alienação. O capital passa novamente das mãos de B às mãos de A. Cessão, empréstimo de dinheiro por certo tempo e devolução desse dinheiro acrescido de juros (mais-valor) constituem a forma integral do movimento, que corresponde ao capital portador de juros como tal. O movimento efetivo que o dinheiro emprestado realiza como capital é uma operação situada à margem das transações entre prestamistas e prestatários. Nessas transações, a mediação é obliterada, não é visível, não está diretamente incluída. O capital, como mercadoria de tipo específico, possui também um modo peculiar de alienação. Por isso, tampouco aqui o retorno se expressa como consequência e resultado de uma série determinada de fenômenos econômicos, mas como efeito de um acordo jurídico especial entre compradores e vendedores. O momento do refluxo depende do curso do processo de reprodução; no capital portador de juros, seu retorno como capital parece depender de um simples acordo entre prestamista e prestatário, de maneira que o refluxo do capital, com relação a essa transação, não aparece mais como resultado determinado pelo processo de produção, mas como se em nenhum momento o capital emprestado se despojasse da forma de dinheiro. É verdade que essas transações são, de fato, determinadas pelos refluxos efetivos, mas isso não aparece na transação. Tampouco ocorre sempre assim na prática. Se o verdadeiro refluxo não ocorre em tempo hábil, o prestatário tem de buscar outros recursos para fazer frente a suas obrigações para com o prestamista. A mera forma do capital – dinheiro que é desembolsado como soma A e que, depois de certo tempo, retorna como soma A + 1/xA, sem sofrer nenhuma outra intervenção além desse intervalo temporal – é apenas a forma sem conceito do movimento efetivo do capital.
No movimento efetivo do capital, o retorno é uma fase do processo de circulação. Primeiro, o dinheiro é convertido em meios de produção; o processo de produção o converte em mercadoria; mediante a venda da mercadoria, ele é novamente convertido em dinheiro e, sob essa forma, retorna às mãos do capitalista, que inicialmente desembolsou o capital em forma de dinheiro. No capital portador de juros, porém, tanto a devolução como a cessão do capital são mero resultado de uma transação jurídica entre o proprietário do capital e uma segunda pessoa. O que vemos é apenas cessão e devolução. Tudo o que se encontra entre esses dois polos se esfuma.
É precisamente porque o dinheiro adiantado como capital tem a qualidade de retornar a quem o adiantou, às mãos de quem o desembolsou como capital, e porque D-M-D’ é a forma imanente do movimento do capital que o possuidor de dinheiro pode emprestá-lo como capital, como algo que possui a qualidade de retornar ao ponto de partida, de conservar-se e incrementar-se ao longo do trajeto percorrido. Ele o cede como capital porque o dinheiro reflui a seu ponto de partida depois de ter sido empregado como capital, ou seja, ele pode ser restituído pelo prestatário depois de certo período precisamente pelo fato de ter retornado antes a esse mesmo prestatário.
O empréstimo de dinheiro como capital – sua cessão sob a condição de ser restituído ao final de certo prazo – pressupõe, pois, que o dinheiro seja de fato empregado como capital, que reflua efetivamente a seu ponto de partida. O movimento cíclico efetivo do dinheiro como capital é, portanto, o pressuposto da transição jurídica pela qual o prestatário se compromete a devolver o dinheiro ao prestamista. Se o prestatário investe ou não como capital o dinheiro recebido é problema dele. O prestamista o empresta como capital, que, como tal, tem de cumprir as funções próprias do capital, que incluem o ciclo do capital monetário até que retorne a seu ponto de partida na forma de dinheiro.
Os atos de circulação D-M e M-D’, em que a soma de valor exerce a função de dinheiro ou de mercadoria, não são mais que processos intermediários, fases do movimento total. Como capital, essa soma de valor realiza o movimento total D-D’. É investida como dinheiro ou soma de valor numa forma qualquer e retorna a seu ponto de partida como soma de valor. O prestamista do dinheiro não o desembolsa na compra da mercadoria ou, caso a soma de valor exista como mercadoria, não a vende por dinheiro, mas a adianta na forma de capital, como D-D’, isto é, como valor que retorna a seu ponto de partida ao fim de um prazo determinado. Ele não compra nem vende, mas empresta. Esse empréstimo constitui, portanto, o modo adequado de se alienar uma soma de valor como capital, não como dinheiro nem como mercadoria. O que não significa que o empréstimo não possa servir também para transações sem qualquer relação com o processo capitalista de reprodução.
* * *
Até aqui, limitamo-nos a examinar o movimento do capital emprestado entre seu proprietário e o capitalista industrial. Cabe, agora, examinar os juros.
O prestamista desembolsa seu dinheiro como capital; a soma de valor que cede a outro é capital e retorna, portanto, para ele. No entanto, o simples retorno a suas mãos não seria o refluxo, como capital, da soma de valor emprestada, apenas a devolução de uma soma de valor emprestada. Para refluir como capital, é preciso que a soma de valor adiantada não só se conserve no movimento, mas se valorize, incremente sua grandeza de valor, ou seja, reflua com um mais-valor, como D + ΔD (ΔD representa, aqui, os juros, ou a parte do lucro médio que não fica nas mãos do capitalista em atividade, mas é apropriada pelo capitalista monetário).
O fato de que o capital seja alienado pelo capitalista significa que ele tem de ser restituído como D + ΔD. Adiante, examinaremos a forma como, durante o período assinalado, refluem periodicamente os juros, mas sem o capital, cujo reembolso não se efetua até o fim de um período mais longo.
O que o capitalista monetário entrega ao prestatário, ao capitalista industrial? O que ele realmente lhe aliena? Temos de levar em conta que é apenas o ato da alienação que converte o empréstimo do dinheiro em alienação do dinheiro como capital, isto é, em alienação do capital como mercadoria.
É apenas por meio do ato dessa alienação que o capital do prestamista de dinheiro é cedido como mercadoria ou que a mercadoria de que ele dispõe é cedida como capital a um terceiro.
O que se aliena numa venda comum? Não o valor da mercadoria vendida, pois ele apenas muda de forma. Tal valor existe idealmente como preço na mercadoria, antes de passar de fato às mãos do vendedor, na forma de dinheiro. Aqui, o mesmo valor e a mesma grandeza de valor não fazem mais que mudar de forma. Deixam de existir em forma-mercadoria e passam a existir em forma-dinheiro. O que é efetivamente alienado pelo vendedor e, por conseguinte, passa também ao consumo individual ou produtivo do comprador é o valor de uso da mercadoria, a mercadoria como valor de uso.
Qual é, então, o valor de uso que o capitalista monetário aliena durante o prazo do empréstimo e cede ao capitalista produtivo, ao prestatário? É o valor de uso que o dinheiro assume ao ser convertido em capital, ao poder funcionar como capital, o que, por conseguinte, deve-se ao fato de que, em seu movimento, ele gera um mais-valor determinado, o lucro médio (o que excede ou fica abaixo dessa média aparece aqui como algo fortuito), e de que, além disso, ele conserva sua grandeza primitiva de valor. Nas demais mercadorias, o valor de uso é, em última instância, consumido juntamente com a substância mesma da mercadoria e, com ela, seu valor. Em contrapartida, a mercadoria capital possui a peculiaridade de que, mediante o consumo de seu valor de uso, seu valor e seu valor de uso não só são conservados, como também incrementados.
É esse valor de uso do dinheiro como capital – a capacidade de engendrar o lucro médio – que o capitalista monetário aliena ao capitalista industrial pelo tempo durante o qual ele cede a este último o direito de dispor do capital emprestado.
Nesse sentido, o dinheiro emprestado apresenta certa analogia com a força de trabalho em sua relação com o capitalista industrial. A diferença é que este último paga o valor da força de trabalho, ao passo que, na relação com o prestamista, ele simplesmente reembolsa o valor do capital emprestado. O valor de uso da força de trabalho para o capitalista industrial está no fato de ela ser consumida gerando um valor (o lucro) maior que aquele que ela mesma possui e custa. Esse excedente de valor é seu valor de uso para o capitalista industrial. E assim o valor de uso do capital monetário também aparece com capacidade de criar e incrementar seu valor.
O capitalista monetário aliena, na realidade, um valor de uso, com o que ele cede algo na qualidade de mercadoria. Até aqui, a analogia com a mercadoria como tal está completa. Em primeiro lugar, trata-se de um valor que se transfere das mãos de um para as mãos de outro. Na mercadoria pura e simples, na mercadoria como tal, o mesmo valor permanece nas mãos do comprador e do vendedor, apenas sob uma forma distinta; ambos continuam a ter o mesmo valor que alienaram – um em forma de mercadoria, outro em forma de dinheiro. A diferença está no fato de que, no empréstimo, o capitalista monetário é o único que desembolsa um valor nessa transação, porém volta a conservá-lo por meio do reembolso futuro. No empréstimo, apenas uma das partes recebe valor, porquanto apenas uma das partes aliena valor. Em segundo lugar, uma das partes aliena um valor de uso real, que a outra recebe e consome. Porém, diferentemente do que ocorre com a mercadoria comum, esse valor de uso é, ao mesmo tempo, valor, a saber, o excedente da grandeza de valor resultante do uso do dinheiro como capital, acima de sua grandeza de valor originária. Esse valor de uso é o lucro.
O valor de uso do dinheiro emprestado consiste em poder funcionar como capital e, como tal, produzir, em circunstâncias usuais, o lucro médio[57].
O que paga, então, o capitalista industrial e qual é, portanto, o preço do capital emprestado? “That which men pay as interest for the use of what they borrow” constitui, segundo Massie, “a part of the profit it is capable of producing”[c] [58].
O que o comprador de uma mercadoria comum compra é seu valor de uso; o que ele paga é seu valor. O que o prestatário do dinheiro compra é também seu valor de uso como capital, mas o que ele paga? Não é, decerto, como no caso das outras mercadorias, seu preço ou seu valor. Entre o prestamista e o prestatário não ocorre, como entre comprador e vendedor, uma mudança de forma do valor, de modo que ele exista ora em forma de dinheiro, ora em forma de mercadoria. A identidade entre o valor cedido e o valor reembolsado mostra-se, aqui, de maneira completamente distinta. A soma de valor, o dinheiro, é cedida sem equivalente nenhum e restituída depois de certo tempo. O prestamista permanece sempre como proprietário do mesmo valor, mesmo depois de este último ter passado de suas mãos às do prestatário. No intercâmbio simples de mercadorias, o dinheiro encontra-se sempre do lado do comprador; no empréstimo do dinheiro, ao contrário, ele se encontra do lado do vendedor. É este último que cede o dinheiro por determinado tempo, e o comprador do capital é quem o recebe como mercadoria. Isso só é possível na medida em que o dinheiro funciona como capital e, por conseguinte, é adiantado. O prestatário recebe em empréstimo o dinheiro como capital, como valor que se valoriza. E, no momento em que é adiantado, ele é apenas capital em potencial, tal como todo capital em seu ponto de partida. Apenas mediante seu uso ele se valoriza, se realiza como capital. Mas é como capital realizado que ele deve ser restituído pelo prestatário, ou seja, como valor acrescido de mais-valor (juros); e este último pode ser somente uma parte do lucro realizada pelo capital. Somente uma parte, não a totalidade, pois o valor de uso do capital consiste, para o prestatário, no fato de que ele lhe gera lucro. Do contrário, não teria ocorrido nenhuma alienação do valor de uso da parte do prestamista. Por sua vez, não é possível que todo o lucro seja apropriado pelo prestatário, pois, se assim o fosse, ele não pagaria nada pela alienação do valor de uso e devolveria o dinheiro ao prestamista não como capital, mas como capital realizado, pois ele só é capital realizado como D + ΔD.
Ambos, o prestamista e o prestatário, desembolsam a mesma soma de dinheiro. Mas apenas nas mãos do prestatário ela funciona como capital. O lucro não é duplicado pela dupla existência da mesma soma de dinheiro como capital para duas pessoas distintas. Ele só pode funcionar como capital para ambas mediante a divisão do lucro. A parte do lucro que cabe ao prestamista chama-se juros.
A transação inteira se realiza, de acordo com o pressuposto, entre dois tipos de capitalistas, o monetário e o industrial ou mercantil.
Não se pode jamais esquecer que aqui o capital é, como tal, capital, mercadoria, ou que a mercadoria de que aqui se trata constitui um capital. Todas as relações que aqui se apresentam seriam, portanto, irracionais do ponto de vista da simples mercadoria ou também do ponto de vista do capital, na medida em que este último, em seu processo de reprodução, funciona como capital-mercadoria. Emprestar e tomar emprestado em vez de vender e comprar representa, aqui, uma diferença que deriva da natureza específica da mercadoria, ou seja, do capital. Além disso, significa que o que aqui se paga são os juros, não o preço da mercadoria. Se quisermos chamar os juros de preço do capital monetário, essa é, então, uma forma irracional do preço, em plena contradição com o conceito do preço da mercadoria[59]. O preço se reduz aqui a sua forma puramente abstrata e carente de conteúdo, como uma soma de dinheiro determinada que é paga por algo que, de um modo ou de outro, figura como valor de uso, ao passo que, de acordo com seu conceito, o preço é igual ao valor – expresso em dinheiro – desse valor de uso.
Os juros, como preço do capital, são desde sempre uma expressão absolutamente irracional. Uma mercadoria tem, aqui, um duplo valor: de um lado, um valor; de outro, um preço distinto desse valor, ao passo que, na verdade, o preço é a expressão monetária do valor. Inicialmente, o capital monetário não é mais que uma soma de dinheiro ou o valor de determinada massa de mercadorias fixado como soma de dinheiro. Quando uma mercadoria é emprestada como capital, ela é apenas a forma disfarçada de uma soma de dinheiro, pois o que se empresta como capital não é uma quantidade maior ou menor de libras de algodão, mas certa quantia de dinheiro, que existe como seu valor sob a forma de algodão. O preço do capital se refere, pois, ao capital como soma de dinheiro, embora não como currency, como entende o sr. Torrens (nota 59). Como pode ocorrer, então, que uma soma de valor tenha um preço além de seu preço próprio, além do preço que está expresso em sua própria forma de dinheiro? O preço é, com efeito, o valor da mercadoria (e isso também ocorre com o preço de mercado, cuja diferença com relação ao valor não é qualitativa, mas apenas quantitativa, relaciona-se apenas com grandeza de valor), em contraste com seu valor de uso. Um preço qualitativamente distinto do valor é uma contradição absurda[60].
O capital se manifesta como capital mediante sua valorização; o grau de sua valorização expressa o grau quantitativo em que ele se realiza como capital. O mais-valor ou o lucro que ele engendra – sua taxa ou seu nível – só pode ser medido quando comparado com o valor do capital adiantado. Por conseguinte, também a maior ou a menor valorização do capital portador de juros só pode ser medida comparando-se o montante de juros, isto é, a parte que lhe corresponde no lucro total, com o valor do capital adiantado. Assim, se o preço expressa o valor da mercadoria, os juros expressam a valorização do capital monetário e aparece, portanto, como o preço que se paga ao prestamista pelo capital monetário. Disso se depreende o quão absurdo é, por si só, pretender aplicar diretamente a essas transações, como faz Proudhon, as simples relações do intercâmbio mediado pelo dinheiro, isto é, as relações de compra e venda. O pressuposto fundamental é precisamente o de que o dinheiro funciona como capital em si, podendo ser cedido a um terceiro como capital em potencial.
Porém, aqui o próprio capital só aparece como mercadoria quando é oferecido no mercado e quando o valor de uso do dinheiro é efetivamente alienado como capital. Mas seu valor de uso consiste em engendrar um lucro. O valor do dinheiro, ou das mercadorias consideradas como capital, não está determinado por seu valor como dinheiro ou mercadorias, mas pela quantidade de mais-valor produzida para seu possuidor. O produto do capital é o lucro. Sobre a base da produção capitalista, o capital não é mais que um emprego distinto do dinheiro, seja ele desembolsado como dinheiro, seja ele adiantado como capital. O dinheiro ou a mercadoria são, em si mesmos, capital em potencial, exatamente do mesmo modo que a força de trabalho é capital em potencial, pois 1) o dinheiro pode ser transformado nos elementos de produção e, como tal, é a mera expressão abstrata destes últimos, sua existência como valor; 2) os elementos materiais [stofflichen] da riqueza possuem a qualidade de já ser capital em potencial, uma vez que o termo antagônico que os complementa e os converte em capital – o trabalho assalariado – existe sobre a base da produção capitalista.
Separada do processo de produção, a determinidade social e contraditória da riqueza material – seu antagonismo com o trabalho como trabalho assalariado – já se encontra expressa na propriedade do capital como tal. Ora, esse momento, separado do próprio processo capitalista, do qual ele é sempre o resultado e, como tal, seu eterno pressuposto, se expressa no fato de que o dinheiro e, com ele, também a mercadoria, são por si mesmos, de maneira latente e em potência, capital, ou seja, se expressa no fato de que eles podem ser vendidos como capital e de que, nessa forma, constituem um comando sobre o trabalho alheio, conferem o direito à apropriação do trabalho alheio e são, portanto, um valor que valoriza a si mesmo. Aqui também se evidencia que essa relação constitui o título e o meio para a apropriação de trabalho alheio, e não um trabalho qualquer, como contrapartida da parte do capitalista.
Como mercadoria, o capital aparece, além disso, tão logo a divisão do lucro em juros e lucro propriamente dito passa a ser regulada pela oferta e pela demanda, isto é, pela concorrência, exatamente como os preços de mercado das mercadorias. Mas aqui a diferença salta à vista com tanta força como a analogia. Se demanda e oferta coincidem, o preço de mercado da mercadoria corresponde a seu preço de produção, isto é, seu preço aparece regulado pelas leis internas da produção capitalista, independentemente da concorrência, uma vez que as flutuações da oferta e da demanda não explicam mais do que as divergências entre os preços de mercado e os preços de produção, divergências que se compensam mutuamente, de tal modo que, em certos períodos mais longos, os preços médios de mercado equivalem aos preços de produção. Tão logo coincidem, essas forças deixam de atuar, anulam-se reciprocamente, e a lei geral da determinação dos preços impõe-se também como lei em cada caso concreto; então, o preço de mercado corresponde, já em sua existência direta, não apenas como média do movimento dos preços do mercado, ao preço de produção, que é regulado pelas leis imanentes do modo de produção. O mesmo acontece com o salário. Quando oferta e demanda coincidem, seu efeito é anulado e o salário é igual ao valor da força de trabalho. Mas isso não ocorre com os juros do capital monetário. Nesse caso, a concorrência não determina os desvios da lei, pois não existe lei nenhuma que regule a divisão além daquela imposta pela concorrência, já que, como veremos adiante, não existe um nível “natural” da taxa de juros. Por nível natural da taxa de juros entende-se, antes, a taxa estabelecida pela livre concorrência. Não existem limites “naturais” para o nível da taxa de juros. Onde a concorrência não determina apenas os desvios e as flutuações e onde, portanto, cessa toda determinação relativa ao equilíbrio das forças que se contra-arrestam mutuamente, o que cabe determinar é, por si só, algo sem lei [Gesetzloses] e arbitrário. Veremos isso com mais detalhes no capítulo seguinte.
No capital portador de juros, tudo se apresenta externamente: o adiantamento do capital como sua mera transferência do prestamista ao prestatário; o refluxo do capital realizado como mero reembolso, como restituição do capital, com juros, do prestatário ao prestamista. Do mesmo modo, a determinação, imanente ao modo de produção capitalista, de que a taxa de lucro é determinada não apenas pela relação entre o lucro obtido numa única rotação e o valor-capital adiantado, mas também pela duração dessa rotação, ou seja, como lucro que o capital industrial gera em determinados períodos. No capital portador de juros isso também se revela de maneira completamente externa, pelo fato de que o prestatário abona ao prestamista juros determinados por um prazo determinado.
Com sua compreensão usual da concatenação interna das coisas, diz o romântico Adam Müller ([Die] Elemente der Staatskunst, Berlim, [Sander,] 1809 [v. III], p. 138): “Na determinação do preço das coisas, o tempo não entra em consideração; para a determinação dos juros, o tempo constitui fator fundamental”. Ele não vê como o tempo de produção e o tempo de curso entram na determinação do preço das mercadorias nem como é justamente isso que determina a taxa de lucro para dado período de rotação do capital, ao passo que a definição dos juros depende da determinação do lucro para certo período. Sua sagacidade consiste, aqui como em toda parte, em enxergar somente as nuvens de poeira na superfície e proclamá-las pretensiosamente como algo misterioso e significativo.
[54] Caberia aqui citar algumas passagens em que os economistas abordam essa questão. “You” (the Bank of England) “are very large dealers in the commmodity of capital?” [“Os senhores” (o Banco da Inglaterra) “fazem grandes negócios com a mercadoria capital?”], pergunta-se a um diretor desse banco nas audiências do Report on Bank Acts, H.[ouse] of C.[ommons], 1857 [p. 104].
[55] “Que um homem que toma dinheiro emprestado com a intenção de com ele obter um lucro deve ceder ao prestamista uma parte desse lucro é um princípio evidente da justiça natural” (Gilbart, The History and Principles of Banking, Londres, 1834, p. 163).
[a] “É a faculdade de vender repetidas vezes o mesmo objeto e de obter repetidas vezes seu preço, sem jamais ceder a propriedade daquilo que se vende.” (N. T.)
[56] Portanto, segundo Proudhon, “uma casa”, “dinheiro” etc. não devem ser emprestados como “capital”, mas devem ser alienados como “mercadoria […] a preço de custo” (p. [43-]44). Lutero estava um pouco à frente de Proudhon. Ele já sabia que a obtenção do lucro é independente da forma do empréstimo ou da compra: “Eles fazem também da compra uma usura. Mas isso é muita coisa para comermos em uma só mordida. Por isso, temos de nos limitar, por ora, ao tratamento da usura no empréstimo e, depois, quando tivermos esgotado esse assunto (depois do Juízo Final), não deixaremos de nos ocupar também com a usura na compra” (M.[artinho] Lutero, An die Pfarherrn wider den Wucher zu predigen, Wittenberg, 1525).
[b] “Como o capital monetário, de troca em troca, retorna sempre à sua fonte por meio da acumulação dos juros, segue-se que o reinvestimento, realizado todas as vezes pelas mesmas mãos, gera lucros à mesma pessoa.” (N. T.)
[57] “The equitableness of taking interest depends not upon a man’s making or not making profit, but upon its” (o prestatário) “being capable of producing profit if rightly employed” [“A legitimidade da cobrança de juros não depende de que alguém obtenha ou não um lucro, mas de sua” (do prestatário) “capacidade de obtê-lo, sempre que o saiba empregar corretamente” (An Essay on the Governing Causes of the Natural Rate of Interest, Wherein the Sentiments of Sir W. Petty and Mr. Locke, on that Head, are Considered, Londres, 1750, p. 49. O autor dessa obra anônima é J. Massie)].
[c] “Aquilo que os homens pagam como juros pelo uso daquilo que tomam emprestado […] uma parte do lucro que isso pode produzir” (ibidem, p. 49). (N. T.)
[58] “Rich people, instead of employing their money themselves [...] let it out to other people for them to make profit of, reserving for the owners a proportion of the profits so made” [“Os ricos, em vez de investir eles mesmos seu dinheiro, […] o emprestam a outras pessoas para que estas lucrem com ele, reservando aos proprietários uma proporção dos lucros assim obtidos” (ibidem, p. 23)].
[59] “O termo ‘valor’ (value) aplicado à currency [meios de circulação] tem três acepções […] 2) currency actually in hand [meios de circulação realmente disponíveis], em comparação com a mesma quantidade de currency que será recebida numa data posterior. Seu valor é, então, medido pela taxa de juros, e esta é determinada by the ratio between the amount of loanable capital and the demanda for it [pela proporção entre a quantidade de capital que pode ser emprestada e a demanda por ele]” (Coronel R. Torrens, On the Operation of the Bank Charter Act of 1844 etc., 2. ed., 1847 [p. 5-6]).
[60] “The ambiguity of the term value of money or of the currency, when employed indiscriminately as it is, to signify both value in exchange for commodities and value in use of capital, is a constant source of confusion” [“A ambiguidade do termo valor do dinheiro ou do meio de circulação, quando empregado indiscriminadamente para designar tanto o valor de troca das mercadorias como o valor de uso do capital, é uma fonte constante de confusão”] ([Thomas] Tooke, Inquiry into the Currency Principle, [2. ed., Londres, Longman, Brown, Green, and Longmans, 1844,] p. 77). Tooke não vê a confusão principal (que reside na coisa mesma), de que o valor como tal (os juros) converte-se em valor de uso do capital.