As observações gerais que fizemos até agora em relação ao sistema de crédito foram as seguintes:
Antes de seguirmos adiante, resta a seguinte observação, importante do ponto de vista econômico: como o lucro assume aqui puramente a forma dos juros, essas empresas ainda são possíveis quando geram simples juros, e esse é um dos fundamentos que detém a queda da taxa geral de lucro, uma vez que tais empresas, nas quais a proporção entre o capital constante e o capital variável é tão desmedida, não entram necessariamente na compensação da taxa geral de lucro.
{Desde que Marx escreveu o que vai acima, desenvolveram-se, como é sabido, novas formas de empresa industrial, que representam a segunda e a terceira potências das sociedades por ações. A rapidez cada vez maior com que hoje se pode incrementar a produção em todos os campos da grande indústria contrasta com a progressiva lentidão da expansão do mercado para atender a essa produção aumentada. O que aquela produz em meses este só pode absorver, quando muito, em anos. Acrescente-se a isso a política de proteção aduaneira, que faz com que cada país industrial se feche aos demais, especialmente à Inglaterra, aumentando assim, artificialmente, a capacidade interna de produção. Disso resulta: superprodução geral crônica, preços baixos, queda tendencial dos lucros e até mesmo sua total desaparição; em outras palavras, a tão falada liberdade de concorrência chegou ao fim da linha e se vê ela mesma obrigada a proclamar sua manifesta e escandalosa falência. E isso justamente por não haver nenhum país onde os grandes industriais de determinado ramo não se associem para formar um cartel com a finalidade de regular a produção. Uma comissão determina a quantidade que cada estabelecimento tem de produzir e, por fim, reparte as encomendas recebidas. Em alguns casos, formaram-se até mesmo cartéis internacionais, como na produção siderúrgica inglesa e na alemã. No entanto, tampouco essa forma de socialização da produção era suficiente. O antagonismo de interesses entre as distintas empresas rompia com demasiada frequência os diques do cartel e restabelecia a concorrência. Para evitar isso, chegou-se, naqueles ramos em que o nível da produção permitia, a concentrar toda a produção de um ramo de negócios em uma grande sociedade por ações com direção única. Na América, isso já ocorreu várias vezes; na Europa, o maior exemplo é até agora o United Alkali Trust, que concentrou toda a produção britânica de álcalis nas mãos de uma única empresa. Os antigos proprietários das diversas minas – mais de trinta – receberam em ações o valor estimado de seus investimentos totais, cerca de £5 milhões ao todo, que constituem o capital fixo do truste. A direção técnica da exploração permanece nas mesmas mãos, mas o controle dos negócios se concentra agora na diretoria-geral. O capital circulante (floating capital) no montante aproximado de £1 milhão foi oferecido à subscrição pública. O capital total atinge, portanto, £6 milhões. Assim, nesse ramo, que constitui a base de toda a indústria química, na Inglaterra o monopólio substitui a concorrência e prepara do modo mais encorajador a futura expropriação pela sociedade em seu conjunto, pela nação. – F. E.}
Essa é a suprassunção do modo de produção capitalista no interior do próprio modo de produção capitalista e, portanto, uma contradição que anula a si mesma e se apresenta prima facie como simples fase de transição para uma nova forma de produção. Seu modo de manifestação é também o de uma contradição desse tipo. Em certas esferas, ela estabelece o monopólio e, com isso, provoca a ingerência estatal. Produz uma nova aristocracia financeira, uma nova classe de parasitas sob a forma de projetistas, fundadores e diretores meramente nominais; todo um sistema de especulação e de fraude no que diz respeito à fundação de sociedades por ações e ao lançamento e comércio de ações. É produção privada, sem o controle da propriedade privada.
As fábricas cooperativas dos próprios trabalhadores são, dentro da antiga forma, a primeira ruptura do modelo anterior, apesar de que, em sua organização real, reproduzam e tenham de reproduzir por toda parte, naturalmente, todos os defeitos do sistema existente. Mas dentro dessas fábricas está suprassumido o antagonismo entre capital e trabalho, ainda que, de início, apenas na forma em que os trabalhadores, como associação, sejam seus próprios capitalistas, isto é, empreguem os meios de produção para valorizar seu próprio trabalho. Essas fábricas demonstram como, ao chegar a certo nível de desenvolvimento das forças produtivas materiais e de suas correspondentes formas sociais de produção, do seio de um modo de produção surge e se desenvolve naturalmente um novo modo de produção. Sem o sistema fabril derivado do modo de produção capitalista, não se teriam podido desenvolver as fábricas cooperativas, muito menos sem o sistema de crédito oriundo desse mesmo modo de produção. Esse sistema de crédito, que constitui a base fundamental para a transformação gradual das empresas capitalistas privadas em sociedades capitalistas por ações, proporciona também os meios para a expansão gradual das empresas cooperativas em escala mais ou menos nacional. As empresas capitalistas por ações devem ser consideradas, tanto quanto as fábricas cooperativas, formas de transição entre o modo de produção capitalista e o modo de produção associada, com a única diferença de que, num caso, o antagonismo é abolido negativamente, ao passo que, no outro é abolido em sentido positivo.
Até aqui examinamos o desenvolvimento do sistema de crédito – e a suprassunção latente, contida neste último, da propriedade do capital – com relação fundamentalmente ao capital industrial. Nos capítulos seguintes consideraremos o crédito em relação ao capital portador de juros como tal, tanto seu efeito sobre esse capital como a forma que ele aqui assume; para isso, ainda se fazem necessárias, de modo geral, algumas observações especificamente econômicas.
Antes, porém, diremos o seguinte:
Se o sistema de crédito se apresenta como a alavanca principal da superprodução e do excesso de especulação no comércio, é pura e simplesmente porque o processo de reprodução, que por sua própria natureza é um processo elástico, vê-se forçado aqui até o máximo, e isso porque uma grande parte do capital social é investida por aqueles que não são seus proprietários, os quais atuam, claro, de maneira bem distinta dos proprietários, que a cada passo avaliam cautelosamente os limites e as possibilidades de seu capital privado. Assim, destaca-se somente o fato de que a valorização do capital, baseada no caráter antagônico da produção capitalista, só consente até certo ponto em seu desenvolvimento real, livre, pois na realidade constitui um entrave e um limite imanentes à produção, que são constantemente rompidos pelo sistema de crédito[88]. Por conseguinte, o crédito acelera o desenvolvimento material das forças produtivas e a instauração do mercado mundial, que, por constituírem as bases da nova forma de produção, têm de ser desenvolvidos até um certo nível como tarefa histórica do modo de produção capitalista. O crédito acelera ao mesmo tempo as erupções violentas dessa contradição, as crises e, com elas, os elementos da dissolução do antigo modo de produção.
Tais são as duas características intrínsecas ao sistema de crédito: por um lado, ele desenvolve a mola propulsora da produção capitalista, o enriquecimento mediante a exploração do trabalho alheio, até convertê-los no mais puro e colossal sistema de jogo e fraude e limitar cada vez mais o número dos poucos indivíduos que exploram a riqueza social; por outro lado, estabelece a forma de transição para um novo modo de produção. É essa duplicidade que confere aos principais porta-vozes do crédito, de Law a Isaac Pereire, o agradável caráter híbrido de vigaristas e profetas.
[85] “A circulação média de cédulas do Banco da França em 1812 era de 106.538.000 francos; em 1818, de 101.205.000 francos, enquanto a circulação monetária, a massa total de todos os recebimentos e pagamentos, era, em 1812, de 2.837.712.000 francos; em 1818, de 9.665.030.000 francos. Em 1818, portanto, a atividade de circulação na França estava para a de 1812 na proporção de 3 : 1. O grande regulador da velocidade da circulação é o crédito. […] Isso explica por que uma forte pressão sobre o mercado monetário costuma coincidir com uma circulação plena” (The Currency Theory Reviewed etc., p. 165). – “Entre setembro de 1833 e setembro de 1843 surgiram na Grã-Bretanha cerca de 300 bancos que emitiam suas próprias cédulas; a consequência foi uma redução da circulação de cédulas de £2,5 milhões; ao fim de setembro de 1833, ela era de £36.035.244” (ibidem, p. 53). – “A maravilhosa atividade da circulação escocesa a capacita a concluir com £100 a mesma quantidade de transações monetárias que na Inglaterra requer £420” (ibidem, p. 55. A última citação refere-se apenas à técnica da operação).
[86] “Antes do estabelecimento dos bancos, o montante de capital utilizado para a função do meio circulante era sempre maior que o exigido pela circulação real das mercadorias” (Economist, 1845, p. 238).
[87] Ver, por exemplo, em The Times as listas de falências num ano de crise como 1857 e comparar o patrimônio dos falidos com o montante de suas dívidas. – “Na verdade, o poder de compra das pessoas que possuem capital e crédito supera em muito tudo o que podem conceber aqueles que não dispõem de nenhum conhecimento prático de mercados especulativos” ([Thomas] Tooke, Inquiry into the Currency Principle, [2. ed., Londres, Longman, Brown, Green, and Longmans,] p. 739). “Um homem que goza da reputação de possuir capital suficiente para seu negócio ordinário e que em seu ramo usufrui de bom crédito pode – se tem uma boa visão da conjuntura ascendente do artigo com que trabalha e se é favorecido pelas circunstâncias no início e no curso de sua especulação – efetuar compras num montante assombroso em comparação com seu próprio capital” (ibidem, p. 136). – “Os fabricantes, os comerciantes etc. fazem todos eles negócios muito acima de seu capital. […] O capital, hoje, é muito mais a base sobre a qual se erige um bom crédito do que os limites das transações de um negócio comercial qualquer” (Economist, 1847, p. 1.333).
[a] Caso fraudulento que envolveu pessoas da alta política francesa, funcionários públicos e grande parte da imprensa. Em 1879, o engenheiro e negociante Ferdinand de Lesseps fundou na França uma sociedade por ações que deveria financiar a construção do canal do Panamá. No fim de 1888, a sociedade quebrou, provocando a ruína de uma grande massa de acionistas e inúmeras falências. Mais tarde, em 1892, soube-se que, para ocultar sua verdadeira situação financeira, a sociedade, abusando dos recursos pagos pelos acionistas, havia subornado com grandes somas os ex-primeiros ministros da França Freycinet, Rouvier e Floquet, assim como outras pessoas em altos postos. O escândalo do Panamá foi encoberto pela justiça, que se limitou a condenar o chefe da sociedade, Lesseps, além de pessoas de segundo escalão. (N. E. A.)
[88] Th. Chalmers [, On Political Economy in Connexion with the Moral State and Moral Prospects of Society, 2. ed., Glasgow, 1832. – N. T.].