Quanto à acumulação de cédulas bancárias em épocas de aperto, deve-se notar que se trata de uma repetição do entesouramento de metais preciosos, tal como costuma ocorrer em épocas conturbadas nos estados mais primitivos da sociedade. A lei de 1844 é interessante em seus efeitos precisamente porque visa converter em meio de circulação todo o metal precioso existente no país; ela procura equiparar uma drenagem de ouro a uma contração do meio de circulação, e um refluxo do ouro a uma expansão do meio de circulação. Seu resultado provou exatamente o contrário. Com uma única exceção, que mencionaremos a seguir, desde 1844 a quantidade das cédulas circulantes do Banco da Inglaterra jamais alcançou o máximo que essa instituição estava autorizada a emitir. Por outro lado, a crise de 1857 demonstrou que, em certas circunstâncias, esse máximo não é suficiente. De 13 a 30 de novembro de 1857, circularam diariamente, em média, £488.830 acima do máximo legal (B. A., 1858, p. xi). O máximo estabelecido por lei era, então, de £14.475.000, mais o montante da reserva metálica entesourada no banco.
No que se refere ao fluxo de metais preciosos para fora e para dentro do país, cabe a seguinte observação:
Primeiro, uma distinção deveria ser feita entre, de um lado, o movimento do metal dentro de uma região que não produz ouro nem prata e, de outro, o fluxo do ouro e prata desde suas fontes de produção para os diversos outros países e a distribuição desse metal adicional entre estes últimos.
Antes que as minas de ouro na Rússia, na Califórnia e na Austrália fizessem sentir sua influência, a oferta desde o início deste século só bastava para repor as moedas desgastadas, para o uso geral em artigos de luxo e a exportação de prata para a Ásia.
A partir de então, o comércio asiático com a América e a Europa fez aumentar em proporções extraordinárias a exportação de prata para a Ásia. A prata exportada da Europa foi largamente substituída por um aporte adicional de ouro. Ademais, uma parcela do ouro recém-importado foi absorvida pela circulação monetária interna. Estima-se que até 1857 cerca de [£]30 milhões adicionais em ouro[14] entraram na circulação interna da Inglaterra. Assim, a partir de 1844 subiu o nível médio das reservas metálicas de todos os bancos centrais da Europa e da América. O aumento da circulação monetária interna resultou no período de calma que se seguiu ao pânico, fazendo com que a reserva bancária aumentasse mais rapidamente em consequência da maior massa de moedas de ouro excluídas da circulação interna e imobilizadas. Por fim, o consumo de metal precioso para artigos de luxo cresceu desde as últimas descobertas de jazidas de ouro, em decorrência do aumento da riqueza.
Segundo, entre os países que não produzem ouro nem prata, o metal precioso entra e sai constantemente; o mesmo país importa e exporta continuamente ouro e prata. É somente a predominância da entrada ou da saída que decide se, por fim, há uma evasão ou um afluxo de metal precioso, pois os movimentos meramente oscilatórios e muitas vezes paralelos em grande parte se neutralizam. Porém, quando se visa a esse resultado, deixa-se de perceber a constância e o curso geralmente paralelo desses movimentos. Concebe-se a questão sempre como se o excesso de importação ou de exportação de metal precioso fosse apenas efeito e expressão da proporção entre importação e exportação de mercadorias, enquanto ele expressa, ao mesmo tempo, a relação entre importação e exportação do próprio metal precioso, independentemente do comércio de mercadorias.
Terceiro, o excesso da importação sobre a exportação, e vice-versa, mede-se, em conjunto, pelo aumento ou pela diminuição da reserva metálica nos bancos centrais. O nível de exatidão desse indicador depende naturalmente, antes de mais nada, do grau de centralização do sistema bancário, pois disso depende em que medida o metal precioso acumulado no assim chamado banco nacional representa a reserva metálica nacional. Porém, supondo-se que seja esse o caso, aquele indicador não é exato, porque em certas circunstâncias a importação adicional é absorvida pela circulação interna e pelo emprego crescente de ouro e prata para fins de luxo; além disso, porque sem importação adicional poderia ocorrer uma drenagem de moedas de ouro para a circulação interna, o que diminuiria a reserva metálica sem aumentar simultaneamente a exportação.
Quarto, a exportação de metal configura-se como drenagem (drain) quando o movimento de decréscimo mantém-se por mais tempo, de modo que o decréscimo se apresenta como tendência do movimento e a reserva metálica do banco cai consideravelmente abaixo de seu nível médio, até o mínimo médio dessa reserva. Este último é fixado mais ou menos arbitrariamente, pois a legislação relativa à cobertura do pagamento à vista das cédulas etc. dispõe de modo diferente em cada caso concreto. Sobre os limites quantitativos que essa drenagem pode atingir na Inglaterra, Newmarch declara perante a comissão B. A., n. 1.494: “Se julgamos pela experiência, é muito pouco provável que a drenagem de metal, em consequência de qualquer flutuação no comércio exterior, exceda £3 milhões ou £4 milhões”. A data de 23 de outubro de 1847 assinala o nível mais baixo da reserva de ouro do Banco da Inglaterra, com um decréscimo de £5.198.156 em comparação com o nível de 26 de dezembro de 1846 e de £6.453.748 em comparação com o nível mais alto, atingido em 29 de agosto de 1846.
Quinto, a função da reserva metálica do assim chamado banco nacional, uma função que de modo nenhum regula sozinha o volume dessa reserva, porquanto ela pode crescer pela mera paralisação dos negócios internos e externos, é tríplice: 1) fundo de reserva para os pagamentos internacionais – numa palavra, de fundo de reserva de dinheiro mundial; 2) fundo de reserva para a circulação metálica interna, que ora se expande, ora se contrai; 3) algo que se relaciona com a função bancária e nada tem a ver com as funções do dinheiro como mero dinheiro: servir de fundo de reserva para pagamentos de depósitos e para a conversibilidade de cédulas bancárias. A reserva também pode ser afetada, portanto, por condições relacionadas a cada uma dessas três funções; como fundo internacional, pelo balanço de pagamentos, quaisquer que sejam as razões que o determinam e sua relação com a balança comercial; como fundo de reserva da circulação metálica interna, por sua expansão ou sua contração. A terceira função, a de fundo de garantia, ainda que não determine o movimento autônomo da reserva metálica, atua de modo duplo. Caso se emitam cédulas bancárias que substituem o dinheiro metálico (incluindo, portanto, as moedas de prata em países em que a prata é a medida de valor) na circulação interna, elimina-se a segunda função do fundo de reserva, e uma parte do metal precioso, que servia para isso, emigra permanentemente ao exterior. Nesse caso, nenhuma quantidade de moeda metálica é retirada para a circulação interna, e com isso simultaneamente é eliminado o reforço temporário da reserva metálica mediante a imobilização de uma parte do metal amoedado circulante. Além disso, se um mínimo da reserva metálica para o pagamento de depósitos e conversibilidade de cédulas tem de ser mantido sob todas as circunstâncias, isso afeta de modo peculiar os efeitos de um fluxo de entrada e saída de ouro; esse mínimo influi na parte de reservas que o banco é obrigado a manter sob quaisquer circunstâncias ou naquela parte de que, em outras épocas, ele procura se desfazer, por ser inútil. Com circulação puramente metálica e sistema bancário concentrado, o banco teria também de considerar sua reserva metálica como garantia para o pagamento de seus depósitos, e uma drenagem de metal poderia provocar um pânico igual ao que houve em Hamburgo em 1857.
Sexto, com a possível exceção de 1837, a verdadeira crise sempre estoura após a mudança das taxas de câmbio, isto é, tão logo a importação de metal precioso volta a predominar sobre a exportação.
Em 1825 ocorreu o verdadeiro crash depois que a drenagem de ouro havia cessado. Em 1839, houve uma drenagem de ouro, que não chegou a provocar o crash. Em 1847, a drenagem de ouro cessou em abril, e o crash se deu em outubro. Em 1857, a drenagem de ouro ao exterior havia cessado desde o início de novembro, e o crash só ocorreu mais tarde naquele mês.
Isso se evidenciou na crise de 1847, em que a drenagem de ouro cessou já no mês de abril, depois de provocar uma crise relativamente benigna, e só em outubro instaurou-se a verdadeira crise dos negócios.
Os seguintes depoimentos foram prestados perante a comissão secreta da Câmara dos Lordes sobre a crise comercial (Secret Committee of the House of Lords on Commercial Distress), em 1848; os depoimentos (evidence) só foram publicados em 1857 (citados também como C. D., 1848-1857).
Declaração de Tooke: “Em abril de 1847, iniciou-se uma fase de aperto, que, na verdade, equivalia a um pânico, mas de duração relativamente curta e não acompanhada por falências comerciais minimamente significativas. Em outubro, o aperto adquiriu uma intensidade bem maior do que qualquer momento em abril e provocou um número quase inédito de falências comerciais”. (2.196) – “Em abril, o comércio exterior, sobretudo com a América, obrigou-nos a exportar uma quantidade considerável de ouro para o pagamento de um volume extraordinariamente grande de importações; apenas graças a um esforço extremamente grande o banco conseguiu deter a drenagem de ouro e reequilibrar o saldo da balança.” (2.197) – “Em outubro, a balança cambial era favorável à Inglaterra.” (2.198) “A mudança na balança comercial começou na terceira semana de abril.” (3.000) – “Nos meses de julho e agosto, o saldo se manteve flutuante; a partir do mês de agosto, foi sempre favorável à Inglaterra.” (3.001) – “Em agosto, a drenagem de ouro deveu-se à demanda por circulação interna.” [3.002]
J.[ames] Morris, governador do Banco da Inglaterra: embora o saldo da balança comercial tenha se tornado favorável à Inglaterra a partir de agosto de 1847, razão pela qual houve importação de ouro, ainda assim a reserva metálica do banco continuou a diminuir. “Em consequência da demanda interna, £2.200.000 em ouro foram espalhadas pelo país.” (137) – Isso se explica, por um lado, pelo maior contingente de trabalhadores empregados nas construções de ferrovias e, por outro lado, “pelo desejo dos banqueiros de possuir uma reserva própria de ouro em tempos de crise.” (147.)
Palmer, ex-governador e desde 1811 diretor do Banco da Inglaterra:
684. “Durante todo o período que vai de meados de abril de 1847 até o dia da suspensão da lei bancária de 1844, o saldo da balança comercial foi favorável à Inglaterra.”
A drenagem do metal, que em abril de 1847 provocou um pânico independente da crise, é, nesse caso como em todos, uma simples precursora da crise e já se inverteu antes que esta fosse deflagrada. Em 1839, num estado de grande depressão comercial, houve drenagem muito forte de metal – por cereais etc. – mas sem crise nem pânico monetário.
Sétimo, tão logo se extinguem as crises gerais, o ouro e a prata – abstraindo do afluxo de novo metal precioso dos países produtores – voltam a distribuir-se nas mesmas proporções em que antes existiam como Tesouro particular dos diversos países em seu estado de equilíbrio. Mantendo-se constantes as demais circunstâncias, sua grandeza relativa em cada nação é determinada pelo papel que esta última desempenha no mercado mundial. O metal precioso flui do país que dele possui uma porção superior à normal para outro; esses movimentos de fluxo e refluxo apenas restabelecem sua distribuição originária entre os diversos tesouros nacionais. No entanto, essa redistribuição é mediada pela ação de diversas circunstâncias, das quais trataremos ao analisar o comércio exterior. Uma vez ultrapassado esse ponto e restabelecida a distribuição normal, tem-se inicialmente um crescimento e, em seguida, outra vez uma drenagem. {Esta última afirmação, claro, só se aplica à Inglaterra, como centro do mercado mundial de dinheiro. – F. E.}
Oitavo, a drenagem de metais é quase sempre sintoma de uma mudança na situação do comércio exterior, e essa mudança, por sua vez, é um presságio de que voltam a amadurecer as condições para uma crise[15].
Nono, a balança de pagamentos pode ser favorável à Ásia e desfavorável à Europa e à América[16].
* * *
A importação de metais preciosos tem lugar predominantemente em duas épocas. Por um lado, na primeira fase de baixa taxa de juros que sucede a crise e expressa a redução da produção; por outro, na segunda fase, em que a taxa de juros aumenta, mas sem alcançar ainda seu nível médio. Essa é a fase em que é mais fácil obter os retornos, em que o crédito comercial é grande e, portanto, a demanda de capital de empréstimo não cresce de modo proporcional ao aumento da produção. Em ambas as fases, em que o capital de empréstimo é relativamente abundante, o afluxo excedente de capital existente na forma de ouro e prata, isto é, numa forma em que, de início, ele só pode funcionar como capital de empréstimo, tem de influir consideravelmente sobre a taxa de juros e, assim, sobre a tônica de todos os negócios.
Ao mesmo tempo, a drenagem, a grande e contínua exportação de metais preciosos, surge quando as receitas deixam de fluir, os mercados estão saturados e a aparente prosperidade só se mantém por meio do crédito; ou seja, quando existe uma demanda muito maior de capital de empréstimo e, por isso, a taxa de juros já atingiu pelo menos seu nível médio. Sob essas condições, que se refletem justo na drenagem de metal precioso, o efeito da subtração contínua de capital numa forma em que existe diretamente como capital monetário emprestável é reforçado de modo considerável. Isso deve influir diretamente na taxa de juros. No entanto, a alta da taxa de juros, em vez de restringir as operações de crédito, amplia-as e conduz à superutilização de todos os seus recursos. Por isso, esse período precede o crash.
Pergunta formulada a Newmarch (B. A., 1857):
1.520: “Ao aumentar a taxa de juros, aumenta também o volume das letras em circulação? – Assim parece”. – 1.522. “Em épocas tranquilas, normais, o verdadeiro instrumento do câmbio é o livro-razão; mas quando, por exemplo, apresentam-se dificuldades, como nas circunstâncias a que me referi, eleva-se a taxa de desconto do banco […], então as transações são reduzidas por si mesmas à emissão de letras; essas letras não apenas são mais adequadas para servir como prova legal das operações realizadas, mas, além disso, servem melhor à finalidade de realizar novas compras e sobretudo podem ser empregadas como meio de crédito para a obtenção de capital.”
A isso se deve acrescentar que, tão logo o banco, em circunstâncias mais ou menos ameaçadoras, eleva a taxa de desconto – o que ao mesmo tempo torna provável que o banco encurte o prazo de vencimento das letras a ser descontadas por ele –, surge o temor de que ele continue a elevá-la cada vez mais. Por isso, cada um – em primeiro lugar o aproveitador do crédito – procura descontar as letras futuras e dispor, em dado momento, da maior quantidade possível de meios de crédito. As razões que acabamos de expor resultam, portanto, do fato de que a mera quantidade, tanto do metal precioso importado como do exportado, não influi diretamente como tal, mas, em primeiro lugar, por meio do caráter específico do metal precioso como capital em forma-dinheiro e, em segundo lugar, como a pluma que, acrescentada à carga no prato da balança, basta para incliná-lo definitivamente para um lado; em suma, influi por intervir em circunstâncias em que qualquer excesso num ou noutro sentido se torna decisivo. Sem essas razões, não seria possível compreender que uma evasão de ouro no valor de, digamos, £5 milhões a £8 milhões – e este é o máximo verificado até o presente – pudesse provocar qualquer efeito significativo; essa diferença mínima de capital, a mais ou a menos, que parece ser algo diminuto mesmo em face dos £70 milhões em ouro que circulam em média na Inglaterra, representa, na realidade, numa produção com o volume da inglesa, uma grandeza insignificante[17]. Mas é justamente o desenvolvimento do sistema de crédito e bancário que, por um lado, força todo o capital monetário a pôr-se a serviço da produção (ou, o que dá no mesmo, a converter toda a receita monetária em capital), ao passo que, por outro lado, ao chegar a certa fase do ciclo, reduz a reserva metálica a um mínimo em que já não pode cumprir as funções que lhe cabem – é esse sistema de crédito e bancário desenvolvido que cria a hipersensibilidade de todo o organismo. Em níveis menos adiantados de produção, a contração ou a expansão do Tesouro, em comparação com seu volume médio, são algo relativamente indiferente. De modo semelhante, também uma drenagem muito considerável de ouro é relativamente ineficaz, desde que não ocorra no período crítico do ciclo industrial.
Nessa explanação, não levamos em conta os casos em que a drenagem de metal é consequência de más colheitas etc. Em tais casos, a forte e súbita perturbação do equilíbrio da produção, cuja expressão é a drenagem de metais, torna desnecessária qualquer outra explicação de seus efeitos. Estes são tanto maiores quanto maior é a intensidade da produção no período em que ocorre a perturbação.
Tampouco levamos em conta a função da reserva metálica como garantia da conversibilidade das cédulas bancárias e pivô de todo o sistema de crédito. O banco central é o pivô do sistema de crédito. A reserva metálica é, por sua vez, o pivô do banco[18]. A necessidade de que o sistema de crédito se transforme em sistema monetário já foi exposta no Livro I, capítulo 3, ao tratar do meio de pagamento. Tanto Tooke como Overstone admitem que, nos momentos críticos, os maiores sacrifícios de riqueza real são necessários para manter a base metálica. A controvérsia gira somente em torno do tratamento mais ou menos racional do inevitável[19]. A existência de certa quantidade de metal, insignificante em comparação com a produção total, é reconhecida como pivô do sistema. Disso decorre o belo dualismo teórico, abstraindo da horripilante exemplificação desse caráter de pivô nas crises. Enquanto trata ex professo “do capital”, a economia esclarecida olha com maior desprezo o ouro e a prata, como se fossem, na realidade, a forma mais indiferente e mais inútil do capital. Tão logo trata do sistema bancário, a coisa se inverte, e o ouro e a prata se convertem no capital par excellence, para cuja conservação se há de sacrificar todas as demais formas de capital e trabalho. O que distingue o ouro e a prata das outras formas da riqueza? Não é a grandeza do valor, pois esta se determina pela quantidade do trabalho neles objetivado. É o fato de serem encarnações autônomas, expressões do caráter social da riqueza. {A riqueza da sociedade só existe como riqueza dos indivíduos, que são seus proprietários privados e só se afirma como riqueza social pelo fato de que esses indivíduos, para satisfazer suas necessidades, intercambiam entre si os valores de uso qualitativamente distintos. Na produção capitalista, eles só podem fazer isso por meio do dinheiro. Desse modo, é apenas por meio do dinheiro que a riqueza do indivíduo se realiza como riqueza social; é no dinheiro, nessa coisa, que se encarna a natureza social dessa riqueza. – F. E.} Essa existência social aparece, pois, como algo situado no além, como coisa, objeto, mercadoria, ao lado e à margem dos elementos reais da riqueza social. Enquanto a produção flui, isso é esquecido. O crédito, que é também uma forma social da riqueza, expulsa o dinheiro e usurpa seu lugar. É a confiança no caráter social da produção que faz com que a forma-dinheiro dos produtos apareça como algo evanescente, ideal, mera representação. Tão logo o crédito é abalado – fase que se apresenta sempre necessariamente no ciclo da indústria moderna –, pretende-se que toda a riqueza real seja efetiva e subitamente convertida em dinheiro, em ouro e prata; uma pretensão disparatada, decerto, mas que emana necessariamente do próprio sistema. Todo o ouro e toda a prata de que se deve dispor para atender a essas enormes pretensões limitam-se a alguns poucos milhões nos cofres do banco[20]. Os efeitos da retirada do ouro fazem ressaltar nitidamente, portanto, o fato de que a produção, como produção social, não está submetida de fato ao controle social, sob a forma de que a forma social da riqueza existe como uma coisa fora dela. O sistema capitalista compartilha essa qualidade com outros sistemas anteriores de produção, na medida em que se baseiam no comércio de mercadorias e no intercâmbio privado. No entanto, apenas nele ela aparece na forma mais palpável e mais grotesca de contradição e contrassenso absurdos, porquanto 1) no sistema capitalista a produção que visa ao valor direto de uso para o consumo dos próprios produtores é suprassumida do modo mais completo, ou seja, é um sistema em que a riqueza só existe como processo social, que se expressa como entrelaçamento de produção e circulação; 2) porque com o desenvolvimento do sistema de crédito, a produção capitalista se esforça por suprassumir continuamente essa barreira metálica, esse limite a um só tempo material e fantástico da riqueza e de seu movimento, mas acaba sempre quebrando a cabeça contra ele.
Nas crises, surge a exigência de que todas as letras, os títulos de crédito e as mercadorias possam ser convertidos de uma vez e simultaneamente em dinheiro bancário, e todo esse dinheiro, por sua vez, em ouro.
{O barômetro do movimento internacional dos metais monetários é, como se sabe, a taxa de câmbio. Se a Inglaterra tem mais pagamentos a fazer à Alemanha do que a Alemanha a fazer à Inglaterra, então em Londres sobe o preço do marco alemão, expresso em libras esterlinas, e em Hamburgo e Berlim cai o preço da libra esterlina, expresso em marco alemão. Se esse superávit de obrigações de pagamento da Inglaterra à Alemanha não for compensado, por exemplo, por meio de um aumento de compras da Alemanha na Inglaterra, então o preço em libras esterlinas das letras em marcos alemães aumentará até o ponto em que será rentável enviar da Inglaterra à Alemanha, como meio de pagamento, metal – moedas ou barras de ouro – em vez de letras. Esse é o modo típico como se desenrolam as coisas.
Se essa exportação de metais preciosos aumenta em volume e se mantém durante bastante tempo, a reserva inglesa será atingida, e o mercado monetário inglês, sobretudo o Banco da Inglaterra, será obrigado a adotar medidas protetoras. Tais medidas consistem essencialmente, como já vimos, em elevar a taxa de juros. Quando a drenagem de ouro assume proporções consideráveis, o mercado monetário fica, em regra, em difícil situação, isto é, a demanda de capital de empréstimo em forma-dinheiro supera consideravelmente a oferta, e disso resulta por si mesma a elevação da taxa de juros; a taxa de desconto decretada pelo Banco da Inglaterra corresponde à situação real e se impõe ao mercado. Também há casos em que a drenagem do metal provém de outros fatores que não as combinações habituais dos negócios (por exemplo, empréstimos contraídos por Estados estrangeiros, investimentos de capital no exterior etc.) e em que a situação do mercado monetário de Londres como tal não justifica em absoluto um aumento eficaz da taxa de juros; nesses casos, o Banco da Inglaterra tem de, como se diz, “escassear o dinheiro” por meio de grandes empréstimos no “mercado aberto” a fim de criar artificialmente a situação que justifique ou torne necessária a elevação da taxa de juros; manobra que, a cada ano, torna-se mais difícil para ele. – F. E.}
O modo como essa elevação da taxa de juros influi no curso de câmbio é evidenciado nos seguintes depoimentos perante a comissão de legislação bancária da Câmara dos Comuns, em 1857 (citada como B. A. ou B. C., 1857).
John Stuart Mill, 2.176: “Quando os negócios se tornam difíceis […], tem-se uma queda considerável no preço dos títulos de crédito […], estrangeiros mandam comprar aqui na Inglaterra ações ferroviárias, ou proprietários ingleses de ações ferroviárias estrangeiras vendem-nas em outros países […], e assim se evita nessa proporção a transferência de ouro”. – 2.182. “Uma classe grande e rica de banqueiros e comerciantes em títulos de crédito, por meio da qual se costuma efetuar a equalização da taxa de juros e da pressão comercial (pressure) entre os diversos países […] está sempre à espreita para comprar títulos de crédito que prometam subir de preço […]; o lugar adequado para realizar essas compras será sempre o país que está enviando ouro para o exterior.” – 2183. “Esses investimentos de capital efetuaram-se em escala considerável em 1847, em proporções suficientes para diminuir a drenagem de ouro.”
J.[ohn] G.[ellibrand] Hubbard, ex-governador e desde 1838 membro da direção do Banco da Inglaterra, 2.545: “Existem grandes quantidades de títulos de crédito europeus […] com circulação nos diversos mercados monetários da Europa, e esses títulos, tão logo caiam 1% ou 2% num desses mercados, são imediatamente comprados para ser enviados aos mercados em que seu valor foi conservado”. – 2.565. “Não têm os países estrangeiros uma dívida considerável com os comerciantes da Inglaterra? – […] Sim, muito considerável.” – 2.566. “A simples cobrança dessas dívidas bastaria para explicar uma enorme acumulação de capital na Inglaterra? – Em 1847, restabelecemos enfim nossa posição, quando cancelamos tantos e tantos milhões que a América e a Rússia deviam à Inglaterra.” {Na mesma época, a Inglaterra devia aos mesmos países citados “tantos e tantos milhões” por compra de trigo e tampouco deixou escapar a oportunidade de “cancelá-los”, em grande parte mediante a falência dos devedores ingleses. Ver o relatório sobre as leis bancárias de 1857, capítulo 30 deste livro, p. 31 [p. 550].} 2.572. “Em 1847, a taxa de câmbio entre a Inglaterra e São Petersburgo era muito alta. Com a promulgação da carta do governo autorizando o banco a emitir cédulas sem se ater ao limite prescrito de [£]14 milhões” {acima da reserva de ouro} “, impôs-se a condição de que o desconto deveria ser mantido em 8%. Naquele momento, e com tal taxa de desconto, era um negócio rentável enviar ouro de São Petersburgo a Londres e, depois de sua chegada, emprestá-lo a 8% até o vencimento das letras de três meses, sacadas contra o ouro vendido.” – 2.573. “Em todas as operações com ouro, muitos pontos devem ser levados em consideração; tudo dependerá da taxa de câmbio e da taxa de juros à qual se possa investir o dinheiro até o vencimento da letra” {sacada contra o ouro}.
Os pontos seguintes são importantes, em primeiro lugar, porque mostram como a Inglaterra, quando a taxa de câmbio com a Ásia lhe é desfavorável, tem necessariamente de socorrer-se em outros países, cujas importações de produtos asiáticos são pagas por intermédio da Inglaterra. Em segundo lugar, porque o sr. Wilson tenta aqui novamente identificar os efeitos da exportação de metal precioso sobre a taxa de câmbio com os efeitos que a exportação de capital em geral exerce sobre esse curso; em ambos os casos, trata-se da exportação não como meio de pagamento ou de compra, mas para fins de investimento de capital. Antes de tudo, é evidente que, se tantos e tantos milhões de libras esterlinas em metais preciosos ou em trilhos de ferro são enviados à Índia para lá ser investidos em ferrovias, isso constitui apenas duas formas diferentes de transferir o mesmo montante de capital de um país a outro; transferência que, além disso, não entra na contabilidade das operações mercantis usuais e pela qual o país exportador não espera outro refluxo além do futuro rendimento anual que essas ferrovias possam gerar. Se essa exportação ocorre na forma de metal precioso, ela exercerá uma influência direta – por ser metal precioso e, como tal, capital monetário diretamente emprestável e base de todo o sistema monetário – não em todas as circunstâncias necessariamente, mas naquelas já expostas, sobre o mercado monetário e, com isso, sobre a taxa de juros do país que exporta esse metal precioso. Também influirá, não menos diretamente, sobre a taxa de câmbio. Com efeito, só se envia metal precioso porque e na medida em que as letras de câmbio emitidas – por exemplo, sobre a Índia, que são oferecidas no mercado monetário londrino – não bastam para cobrir essas remessas extras. Cria-se, portanto, uma demanda de letras sobre a Índia que ultrapassa a oferta e faz com que a taxa de câmbio se torne momentaneamente desfavorável à Inglaterra, não porque esse país tenha dívidas com a Índia, mas porque tem de enviar-lhe somas extraordinárias. Em prazo mais longo, essas remessas de metal precioso à Índia têm de levar ao aumento da demanda de mercadorias inglesas naquele país, porquanto aumentam de forma indireta a capacidade de consumo da Índia de mercadorias europeias. Se, ao contrário, o capital é enviado sob a forma de trilhos etc., essas remessas não poderão ter influência nenhuma sobre a taxa de câmbio, uma vez que a Índia não tem de pagar à Inglaterra por essas mercadorias. Tampouco terão de influir, pela mesma razão, sobre o mercado monetário. Wilson procura provar a todo custo essa influência, dizendo que tais gastos extras provocariam uma demanda adicional de acomodação monetária e, assim, influiriam sobre a taxa de juros. Pode, de fato, ser assim, mas é totalmente equivocado afirmar que isso tem de ocorrer em todas as circunstâncias. Para onde quer que os trilhos sejam enviados e onde quer que sejam instalados, em solo inglês ou indiano, eles não representam mais que certa expansão da produção inglesa numa esfera determinada. É tolice afirmar que seria impossível expandir a produção, inclusive dentro de limites muito amplos, sem provocar a elevação da taxa de juros. Pode ocorrer um aumento da acomodação monetária, isto é, da soma dos negócios em que intervêm operações de crédito, mas essas operações podem aumentar sem que varie a taxa de juros. Assim ocorreu, com efeito, durante a febre ferroviária na Inglaterra na década de 1840. A taxa de juros não subiu. É evidente que, quando se trata de capital real – nesse caso, de mercadorias –, o efeito sobre o mercado monetário é exatamente o mesmo, estejam essas mercadorias destinadas ao exterior ou ao consumo interno. Só haveria diferença se os investimentos de capital da Inglaterra no exterior exercessem uma influência restritiva sobre sua exportação comercial – a exportação que tem de ser paga e que, portanto, implica um refluxo – ou na medida em que esses investimentos de capital representem já, em geral, um sintoma de hiperexpansão do crédito e início de operações fraudulentas.
No seguinte interrogatório, Wilson pergunta e Newmarch responde.
1.786. “Anteriormente, referindo-se à demanda de prata destinada à Ásia Oriental, o senhor afirmou que, em sua opinião, a taxa de câmbio com a Índia era favorável à Inglaterra, apesar das remessas contínuas de volumes consideráveis de tesouros metálicos à Ásia Oriental; o senhor tem razões para pensar assim? – Evidentemente [...]. Creio que o valor real das exportações do Reino Unido para a Índia, em 1851, chegou a £7.420.000, ao que é preciso acrescentar o montante das letras da India House, isto é, dos fundos que a Companhia das Índias Orientais saca da Índia para cobrir seus próprios gastos. Esses saques chegavam, no referido ano, a £3.200.000, de modo que a exportação total do Reino Unido para a Índia alcançava £10.620.000. Em 1855 [...], o valor real das exportações de mercadorias aumentara para £10.350.000; os saques da India House atingiram naquele ano o montante de £3.700.000; portanto, a exportação total foi de £14.050.000. Para 1851, parece-me que não dispomos de meios para averiguar o valor real das importações de mercadorias da Índia para a Inglaterra; mas dispomos, sim, de dados relativos aos anos de 1854 e 1855. O valor total real das importações de mercadorias da Índia para a Inglaterra foi, em 1855, de £12.670.000, soma que, comparada com as £14.050.000 das exportações, deixa a favor da Inglaterra, no comércio direto entre os dois países, um saldo de £1.380.000.”
Wilson observa, em seguida, que a taxa de câmbio também é afetada pelo comércio indireto. Por exemplo, as exportações da Índia para a Austrália e a América do Norte são cobertas com saques sobre Londres, influindo assim sobre a taxa de câmbio da mesma forma como se as mercadorias fossem enviadas diretamente da Índia para a Inglaterra. Além disso, se considerarmos a Índia e a China em conjunto, veremos que a balança é desfavorável à Inglaterra, pois a China tem continuamente de efetuar pagamentos consideráveis à Índia pela compra de ópio, e a Inglaterra tem de fazer o mesmo com a China; nesse giro, os montantes vão para a Índia (1.787-8).
No n. 1.789, Wilson questiona se o efeito sobre a taxa de câmbio não seria idêntico se o capital “saísse na forma de trilhos de ferro e locomotivas ou na forma de dinheiro metálico”. A resposta de Newmarch é certeira: os £12 milhões enviados nos últimos anos à Índia para a construção de ferrovias serviram para adquirir uma renda anual que a Índia tem de pagar à Inglaterra, periodicamente e em prazos fixos. “Quanto ao efeito direto sobre o mercado de metal precioso, o investimento dos £12 milhões só pode exercê-lo pelo tempo em que for necessário exportar metal para efetuar o investimento real em dinheiro.”
1.797. (Pergunta Weguelin:): “Se esse ferro” (os trilhos) “não gera reembolso algum, como se pode dizer que influi sobre a taxa de câmbio? – Não creio que a parte do desembolso que se exporta em forma de mercadorias afete o nível da taxa de câmbio […] podemos dizer que o nível da taxa de câmbio entre dois países depende exclusivamente da quantidade de obrigações ou letras que são oferecidas num país, comparada com a quantidade que, em troca, é oferecida no outro; esta é a teoria racional da taxa de câmbio. No que diz respeito à remessa dos [£]12 milhões, o certo é que esses [£]12 milhões foram, por ora, subscritos aqui; se o negócio fosse realizado de tal modo que esses [£]12 milhões se depositassem integralmente em moeda metálica em Calcutá, Bombaim e Madras […], essa súbita demanda influiria com violência sobre o preço da prata e sobre a taxa de câmbio, como aconteceria se a Companhia das Índias Orientais anunciasse amanhã o aumento do montante de seus saques de [£]3 milhões para [£]12 milhões. Mas metade desses [£]12 milhões é investida […] na compra de mercadorias na Inglaterra […], trilhos de ferro, madeira e outros materiais […], é um investimento de capital inglês na própria Inglaterra para determinado tipo de mercadorias que são enviadas à Índia, e aí termina a coisa.” – 1.798 (Weguelin:) “A produção dessas mercadorias de ferro e madeira, necessárias às ferrovias, provoca um forte consumo de mercadorias estrangeiras, o que pode afetar o comércio exterior, não é verdade? – Sem dúvida.”
Em seguida, Wilson assinala que o ferro representa, em grande parte, trabalho e que o salário pago por esse trabalho representaria, em grande parte, por sua vez, mercadorias importadas (1.799); depois, logo pergunta:
1.801. “De modo bem geral, se as mercadorias produzidas por meio do consumo dessas mercadorias importadas são exportadas em tais condições que não obtemos nenhum retorno por elas, seja em produtos, seja de outro modo, isso não faria com que a taxa de câmbio se tornasse desfavorável para nós? – Esse princípio foi exatamente o que ocorreu na Inglaterra durante a época dos grandes investimentos ferroviários.” {1.845.} Durante três, quatro ou cinco anos seguidos foram investidos £30 milhões em ferrovias, quase tudo em salários. Durante três anos, elas mantiveram, na construção de ferrovias, locomotivas, vagões e estações, um número de pessoas maior que o de todos os distritos fabris em conjunto. Essas pessoas […] desembolsavam o salário na compra de chá, açúcar, bebidas alcoólicas e outras mercadorias estrangeiras; essas mercadorias tinham de ser importadas; no entanto, é certo que, durante o tempo em que se realizaram esses grandes gastos, não houve uma alteração considerável na taxa de câmbio entre a Inglaterra e outros países. Não houve drenagem, mas, pelo contrário, um afluxo de metal precioso.”
1.802. Wilson reitera que, com uma balança comercial e um câmbio equilibrados entre a Inglaterra e a Índia, o envio adicional de ferro e locomotivas “tem necessariamente de afetar a taxa de câmbio com a Índia”. Newmarch não pode ver as coisas desse modo, enquanto os trilhos forem exportados como investimento de capital e a Índia não tenha de efetuar nenhum pagamento por eles, de uma forma ou de outra. Ele acrescenta: “Estou de acordo com o princípio de que nenhum país pode ter permanentemente uma taxa de câmbio desfavorável com todos os países com que comercia; uma taxa de câmbio desfavorável com um país produz necessariamente um curso favorável com outro”. A isso, Wilson opõe a seguinte trivialidade, 1.803: “A transferência de capital não seria a mesma, fosse realizada dessa ou daquela forma? – No que se refere à dívida contraída, é evidente que sim”. – 1.804. “Portanto, o efeito da construção de ferrovias na Índia sobre nosso mercado de capital seria o mesmo e aumentaria tanto o valor do capital como se toda a exportação fosse efetuada em metal precioso?”
O fato de o preço do ferro não ter subido foi, em todo caso, uma prova de que o “valor” do “capital” contido nos trilhos não havia aumentado. Do que se trata é do valor do capital monetário, da taxa de juros. Wilson quer identificar o capital monetário com o capital em geral. O fato simples é, antes de tudo, que na Inglaterra foram subscritos [£]12 milhões para a construção de ferrovias na Índia. Isso é algo que não tem nenhuma relação direta com a taxa de câmbio, e a destinação que se dê aos [£]12 milhões é igualmente indiferente para o mercado monetário. Se a situação do mercado monetário é favorável, essa subscrição não precisa gerar efeito nenhum, do mesmo modo que as subscrições das ferrovias inglesas em 1844 e 1845 não afetaram em nada o mercado monetário. Mas se o mercado monetário já se encontra, em alguma medida, em situação de aperto, a taxa de juros sem dúvida poderia ser atingida por essas subscrições, mas ainda que apenas no sentido de uma alta, o que, de acordo com a teoria de Wilson, teria de influenciar favoravelmente a taxa de câmbio para Inglaterra, isto é, refrear a tendência à exportação de metal precioso; se não para a Índia, para outros países. O sr. Wilson pula de uma coisa para outra. Na pergunta n. 1.802, diz-se que a taxa de câmbio teria de ser afetada; na n. 1.804, o que teria de ser afetado é o “valor do capital” – são duas coisas muito distintas. A taxa de juros pode influir sobre a taxa de câmbio, e esta pode influir sobre a taxa de juros, mas a taxa de câmbio pode variar mantendo-se constante a taxa de juros, e esta última pode variar mantendo-se constante a taxa de câmbio. Não entra na cabeça de Wilson que, na remessa de capital para o exterior, a mera forma em que o capital é remetido faça tal diferença no efeito produzido, isto é, que a diferença de forma do capital tenha essa importância, ainda mais quando se trata de sua forma-dinheiro, o que contradiz abertamente a economia esclarecida. Newmarch responde a Wilson de modo unilateral, porquanto não lhe chama a atenção para seu salto repentino e sem nenhuma justificativa da taxa de câmbio para a taxa de juros. A resposta de Newmarch àquela pergunta n. 1.804 é incerta e vacilante: “Sem dúvida, quando se trata de levantar [£]12 milhões, seria indiferente, no que diz respeito à taxa geral de juros, se esses [£]12 milhões fossem exportados em metal precioso ou em materiais. Creio, porém” (bela transição, essa palavra “porém”, para agora dizer exatamente o contrário) “, que isso não seria de todo indiferente” (seria indiferente, no entanto, não seria indiferente) “, porque, num caso, os £6 milhões refluiriam imediatamente, ao passo que, no outro caso, não refluiriam com tanta rapidez. Por isso, faria alguma” (quanta precisão!) “diferença se os [£]6 milhões fossem investidos dentro do país ou enviados em sua totalidade ao exterior”. O que quer dizer que os £6 milhões refluiriam imediatamente? Na medida em que esses £6 milhões se investem na Inglaterra, existem na forma de trilhos, locomotivas etc. enviados para a Índia, de onde não voltam, e seu valor só retorna mediante amortização, isto é, muito lentamente, enquanto os [£]6 milhões em metal precioso talvez retornem in natura, muito rapidamente. Ao ser investidos em salários, os [£]6 milhões foram consumidos, mas o dinheiro em que foram adiantados continua a circular no país como antes ou é incorporado à reserva. O mesmo ocorre com o lucro dos fabricantes de trilhos e com a parte dos [£]6 milhões destinada a repor seu capital constante. Por conseguinte, Newmarch só emprega essa frase ambígua sobre o refluxo para não dizer diretamente que o dinheiro permaneceu no país e, na medida em que funciona como capital monetário emprestável, a única diferença para o mercado monetário (abstraindo da possibilidade de que a circulação possa ter absorvido uma quantidade maior de dinheiro metálico) é a de que ele é desembolsado por conta de A, e não de B. Esse tipo de investimento, em que o capital se transfere ao exterior em mercadorias, e não em forma de metal precioso, só pode influir na taxa de câmbio (a saber, não com o país em que o investimento se realiza) na medida em que a produção dessas mercadorias exportadas exige importações extras de outras mercadorias estrangeiras. Nesse caso, a produção não se destina a liquidar essas importações a mais. O mesmo ocorre em todas as exportações a crédito, trate-se de investimentos de capital ou de operações comerciais comuns. Além disso, essas importações extras podem provocar, por repercussão, uma demanda adicional de mercadorias inglesas, por exemplo, nas colônias ou nos Estados Unidos.
* * *
Antes [n. 1.786], Newmarch havia dito que, devido às letras da Companhia das Índias Orientais, as exportações da Inglaterra para a Índia eram maiores que as importações. sir Charles Wood o interroga sobre isso. Esse superávit das exportações inglesas para a Índia sobre as importações da Índia à Inglaterra se deve, na realidade, a uma importação da Índia pela qual a Inglaterra não paga equivalente nenhum: os saques da Companhia das Índias Orientais (hoje, do Governo das Índias Orientais) se reduzem a um tributo imposto à Índia. Em 1855, por exemplo, as importações da Índia à Inglaterra foram de £12.670.000; já as exportações da Inglaterra à Índia foram de £10.350.000; saldo a favor da Índia: £2.250.000. “Se a situação se esgotasse nisso, essas £2.250.000 sobrantes teriam de ser reemitidas de alguma forma à Índia. Mas aqui surgem as reivindicações da India House, que anuncia estar em condições de emitir letras sobre as diversas presidências da Índia, no montante de £3.250.000.” (Montante recebido para cobrir as despesas londrinas da Companhia das Índias Orientais e para os dividendos a ser pagos aos acionistas.) “Com o que não só se liquida o saldo das £2.500.000 produzido por via do comércio, mas gera ainda um excedente de [£]1 milhão.” (1.917)
1.922. (Wood:) “Então, o efeito desse saque da India House não consiste em aumentar as exportações para a Índia, mas sim em reduzi-las pro tanto?” (Ele deveria dizer: em reduzir a necessidade de cobrir as importações da Índia com exportações feitas para esse país, no mesmo montante.) O sr. Newmarch explica isso dizendo que os ingleses, em troca dessas £3.700.000, exportam “bom governo” à Índia (1.925). Wood, que, como ministro para a Índia, conhecia muito bem o tipo de “bom governo” que os ingleses exportavam àquele país, diz, com acerto e ironia, 1.926: “Quer dizer, então, que a exportação, que, como o senhor diz, é provocada pelos saques da India House, constitui uma exportação de bom governo, e não de mercadorias?”. Uma vez que a Inglaterra exporta muito “desse modo”, como “bom governo” e investimentos de capital em países estrangeiros – recebendo, portanto, importações completamente independentes da marcha normal dos negócios, tributos, em parte por “bom governo” exportado, em parte como rendimento do capital investido nas colônias e em outros lugares, tributos pelos quais não tem de pagar equivalente nenhum –, então é evidente que a taxa de câmbio não é afetada pelo fato de que a Inglaterra se limita a consumir esses tributos sem exportar nada em troca; é igualmente evidente que a taxa de câmbio não é afetada se volta a investir esses tributos, não na Inglaterra, mas no exterior, produtiva ou improdutivamente; se os emprega, por exemplo, no envio de munições à Crimeia. Além disso, na medida em que as importações do exterior entram no rendimento da Inglaterra – naturalmente elas têm de ser pagas, seja como tributo, em cujo caso não há necessidade de um equivalente, seja por meio de intercâmbio contra esses tributos não pagos, seja pela via normal do comércio –, a Inglaterra pode consumi-las ou voltar a investi-las como capital. Nenhum dos dois empregos afetará a taxa de câmbio, coisa que o sábio Wilson não vislumbra. Se uma parte do rendimento é formada por produto nacional ou estrangeiro – e, neste último caso, pressupõe-se simplesmente a troca de produtos nacionais por estrangeiros –, o consumo desse rendimento, produtivo ou improdutivo, em nada altera a taxa de câmbio, ainda que influa na escala de produção. A isso devemos nos ater para avaliar o que se diz a seguir.
1.934. Wood pergunta-lhe como a remessa de artigos bélicos para a Crimeia afetaria a taxa de câmbio com a Turquia. Newmarch responde: “Não creio que o simples envio de artigos de guerra afete necessariamente a taxa de câmbio, mas o envio de metal precioso por certo afetaria”. Aqui ele distingue, portanto, entre capital em forma-dinheiro e outro tipo de capital. Então, Wilson pergunta:
1.935. “Quando o senhor realiza uma exportação em grande escala de um artigo qualquer, não coberta por outra importação correspondente” (o sr. Wilson esquece que, no que tange à Inglaterra, importações muito importantes são realizadas sem que haja exportações correspondentes, exceto na forma de exportação prévia de “bom governo” ou de capital de investimento; importações que, em todo caso, não entram no movimento normal do comércio. Mas essas importações serão novamente intercambiadas, por exemplo, por produtos norte-americanos, e estes serem exportados sem uma contrapartida de importações correspondentes em nada altera o fato de que o valor dessas importações pode ser consumido sem uma saída equivalente de produtos para o exterior; tais produtos foram recebidos sem uma exportação correspondente, razão pela qual também podem ser consumidos sem entrar na balança comercial) “, o senhor paga a dívida externa que foi contraída pela importação.” (Se essa importação já tivesse sido paga previamente, por exemplo, mediante o crédito concedido ao exterior, não se contrairia com isso dívida nenhuma, e a questão não teria a menor relação com a balança internacional; ela se reduziria a desembolso produtivo ou improdutivo, não importando se os produtos consumidos são nacionais ou estrangeiros.) “Por isso essa operação afetaria necessariamente a taxa de câmbio, ao não se pagar a dívida externa, porquanto sua exportação não teria uma importação correspondente. Isso se aplica, de modo geral, a todos os países.”
A exposição de Wilson equivale a dizer que toda exportação sem a contrapartida de uma importação correspondente a ela é, ao mesmo tempo, importação sem exportação correspondente; isso porque na produção do artigo exportado entram mercadorias estrangeiras, portanto, importadas. O pressuposto é que cada uma dessas exportações se baseia numa importação não paga ou a gera, isto é, cria uma dívida externa. No entanto, isso é falso, mesmo abstraindo das duas circunstâncias a seguir: 1) importações gratuitas, pelas quais a Inglaterra não paga equivalente nenhum, como ocorre, por exemplo, com uma parte de suas importações da Índia. Ela pode trocá-las por artigos importados da América e exportar estes últimos sem uma importação em contrapartida; em todo caso, no que diz respeito ao valor, ela apenas terá exportado o que nada lhe custou; 2) pode ter pago importações, por exemplo, americanas, que constituem capital adicional; se essas importações são consumidas improdutivamente, como em munições de guerra, isso não constitui dívida nenhuma com a América, tampouco afeta a taxa de câmbio com esse país. Newmarch se contradiz, nos n. 1.934 e 1.935, e Wood chama sua atenção para isso, no n. 1.938: “Se nenhuma parte das mercadorias empregadas na fabricação dos artigos que exportamos sem receber nada em troca” (gastos de guerra) “derivam do país para onde são enviados esses artigos, de que modo isso afeta a taxa de câmbio com esse país? Supondo que o comércio com a Turquia se encontre num estado normal de equilíbrio, como a taxa de câmbio entre a Inglaterra e a Turquia é afetada pela exportação de artefatos bélicos para a Crimeia?”. Ao chegar a esse ponto, Newmarch perde a imparcialidade, esquece que já respondera com acerto a essa mesma pergunta simples no n. 1.934 e diz: “Parece-me que esgotamos a questão prática e adentramos agora uma região deveras elevada de discussão metafísica”.
* * *
{Wilson oferece ainda outra versão de sua tese de que a taxa de câmbio é afetada por toda transferência de capital de um país para outro, não importando se ela ocorre na forma de metal precioso ou de mercadorias. Wilson sabe que a taxa de câmbio é afetada pela taxa de juros, especialmente pela proporção entre as taxas de juros vigentes nos dois países cuja taxa de câmbio se trata de analisar. Se agora puder demonstrar que o superávit de capital em geral, portanto, antes de mais nada, de mercadorias de todos os tipos, inclusive de metal precioso, também influi de modo determinante sobre a taxa de juros, ele já estará um passo mais próximo de sua meta; a transferência de uma parte considerável desse capital a outro país modificará, então, a taxa de juros em ambos os países, precisamente em sentido inverso, modificando com isso, em segunda instância, a taxa de câmbio entre ambos os países. – F. E.}
Em 1847, Wilson diz no Economist, p. 574, que naquele momento era dirigido por ele:
“Evidentemente, esse superávit de capital, representado por grandes estoques de todas as espécies, inclusive de metal precioso, tem de conduzir não só à baixa do preço das mercadorias em geral, mas também à baixa da taxa de juros pelo emprego de capital (1). Se dispomos de um estoque de mercadorias suficiente para servir o país pelos dois anos seguintes, o comando sobre essas mercadorias, por determinado período, seria obtido a uma taxa muito mais baixa do que se o estoque bastasse apenas para dois meses (2). Todos os empréstimos de dinheiro, sejam quais forem suas formas, são simples transferências do comando sobre mercadorias de uma pessoa para outra. Havendo superabundância de mercadorias, a taxa de juros tem necessariamente de ser baixa, e se aquelas são escassas, esta tem de ser alta (3). Quando as mercadorias se tornam abundantes, cresce o número dos vendedores em relação ao dos compradores, e na proporção em que sua quantidade ultrapassar as necessidades do consumo imediato, uma quantidade cada vez maior terá de ser armazenada para utilização futura. Sob essas circunstâncias, um possuidor de mercadorias que tenha em vista um pagamento futuro ou a crédito venderá sob condições mais desfavoráveis do que se estivesse seguro de que seu estoque inteiro seria vendido num prazo de poucas semanas (4).”
No que diz respeito à tese 1, deve-se notar que a contração da produção pode ser acompanhada de um forte afluxo de metal precioso, como sempre ocorre no período subsequentes às crises. Na fase seguinte, metais preciosos podem afluir de países que os produzem predominantemente; durante esse período, a importação das outras mercadorias é em geral compensada pela exportação. Nessas duas fases, a taxa de juros é baixa e só aumenta lentamente; já discutimos as razões disso. Essa taxa baixa de juros pôde sempre ser explicada sem recurso à influência de quaisquer “grandes estoques de todos os tipos”. Como se daria essa influência? O preço baixo do algodão, por exemplo, permite que os fiandeiros etc. obtenham altos lucros. Por que, então, a taxa de juros é baixa? É claro que não porque seja alto o lucro que se pode obter com o capital emprestado, mas unicamente porque, nas circunstâncias dadas, a demanda de capital de empréstimo não cresce de maneira proporcional a esse lucro, isto é, porque o capital de empréstimo tem um movimento diferente do capital industrial. O que o Economist pretende provar é o contrário: que seu movimento coincide exatamente com o do capital industrial.
A tese 2, se a premissa absurda de um estoque que dure dois anos for devidamente reduzida até tornar-se aceitável, pressupõe uma saturação do mercado de mercadorias, o que provocaria uma queda dos preços. O preço a ser pago por um fardo de algodão seria menor. Disso não se segue, em absoluto, que poderia obter-se mais barato o dinheiro necessário para comprar um fardo de algodão. Isso depende da situação do mercado monetário. Se é possível obtê-lo mais barato, é apenas porque o crédito comercial está numa situação que lhe permite recorrer menos que de costume ao crédito bancário. As mercadorias que saturam o mercado são meios de subsistência ou meios de produção. O baixo preço de ambos aumenta o lucro do capitalista industrial. Por que ele baixaria os juros, a não ser em razão da antítese, em vez da identidade, entre abundância de capital industrial e demanda de acomodação monetária? As circunstâncias permitem que o comerciante e o industrial possam conceder-se créditos recíprocos com mais facilidade; essa facilidade do crédito comercial faz com que tanto o industrial como o comerciante necessitem menos do crédito bancário; por isso, a taxa de lucro pode ser baixa. Essa taxa baixa de lucros nada tem a ver com o afluxo de metal precioso, ainda que ambos os fenômenos possam correr paralelamente e ainda que os mesmos fatores que determinam o preço baixo dos artigos de importação possam determinar também a superabundância do metal precioso importado. Se o mercado de importação estivesse de fato saturado, isso provaria que a demanda de mercadorias importadas diminuiu, o que seria inexplicável com preços baixos, a não ser como resultado de contração da produção industrial no interior do país; mas isso, por sua vez, seria inexplicável com excesso de importações a preços baixos. Toda uma série de absurdos para provar que queda dos preços = queda dos juros. Ambos os fenômenos podem correr paralelamente, ao mesmo tempo. Se isso ocorre, é como expressão da antítese entre as duas direções do movimento do capital industrial e do movimento do capital monetário emprestável, e não como expressão de sua identidade.
Mesmo após esse argumento adicional, não se vê por que, na tese 3, a taxa de juros deve ser baixa quando há superabundância de mercadorias. Se as mercadorias são baratas, é preciso, para comprar determinada quantidade delas, digamos, de £1.000, e não de £2.000, como antes. Mas também é possível que agora eu invista £2.000 e compre com elas o dobro de mercadorias, ampliando meu negócio com o mesmo desembolso de capital, o qual talvez tenha de tomar emprestado. Compro agora, como antes, por £2.000. Minha demanda no mercado monetário continua, pois, a mesma, ainda que a demanda que represento no mercado de mercadorias aumente com a queda do preço destas últimas. Se essa segunda demanda cai, isto é, se a produção não se amplia com a queda do preço das mercadorias, o que contrariaria todas as leis do Economist, a demanda de capital monetário emprestável diminuiria, ainda que o lucro aumentasse; mas esse lucro aumentado criaria demanda por capital de empréstimo. Além disso, o baixo nível do preço das mercadorias pode resultar de três causas. A primeira é a escassez de demanda. Nesse caso, a taxa de juros é baixa porque a produção está paralisada, e não porque as mercadorias são baratas, uma vez que esse barateamento é simples reflexo daquela paralisação. A segunda causa é o excesso de oferta em relação à demanda. Isso pode ocorrer em consequência da saturação dos mercados etc., que leva à crise, e, durante a própria crise, pode coincidir com a alta taxa de juros. Ou, então, pode ocorrer porque o valor das mercadorias diminui, de modo que a mesma demanda pode ser satisfeita a preços mais baixos. Mas por que, neste último caso, a taxa de juros tem de baixar? Por que aumenta o lucro? Se fosse pelo fato de que se precisa de menos capital monetário para obter o mesmo capital produtivo ou capital-mercadoria, isso só demonstraria que o lucro e os juros se encontram em razão inversa. De todo modo, a tese geral do Economist é falsa. Não existe uma relação necessária entre o preço baixo em dinheiro das mercadorias e a baixa taxa de juros. Se não fosse assim, teríamos que, nos países mais pobres, onde é mais baixo o preço em dinheiro dos produtos, seria também mais baixa a taxa de juros, e nos países mais ricos, onde é mais alto o preço em dinheiro dos produtos agrícolas, seria também mais alta a taxa de juros. Em geral, o Economist admite que a queda do valor do dinheiro não influi em nada na taxa de juros – £100 continuarão a render £105, tal como antes; se agora as [£]100 valem menos, o mesmo ocorre com as £5 de juros. A proporção não se altera pela alta do valor nem pela depreciação da soma original. Considerada como valor, determinada quantidade de mercadorias é igual a certa soma de dinheiro. Se aumentar seu valor, ele será igual a uma soma maior de dinheiro; se cair, ocorrerá o inverso. Se é = [£]2.000, então 5% = [£]100; se é = [£]1.000, então 5% = [£]50. Com isso, a taxa de juros permanece inalterada. A única conclusão racional a que conduz é a de que uma acomodação monetária maior é necessária quando se precisa de £2.000 para vender a mesma quantidade de mercadorias do que quando se precisa de apenas £1.000. Isso revela aqui apenas a razão inversa que existe entre lucro e juro, pois o lucro aumenta com o barateamento dos elementos do capital constante e do capital variável, e o juro, pelo contrário, diminui. Mas também pode ocorrer o inverso, e com frequência esse é o caso. O algodão, por exemplo, pode ser barato por não haver demanda de fios nem tecidos, e pode ser relativamente caro porque o grande lucro obtido na indústria algodoeira cria uma grande demanda dessa matéria-prima. Por outro lado, o lucro dos industriais pode ser elevado justamente porque o preço do algodão está baixo. A lista de Hubbard evidencia que os movimentos da taxa de juros e os dos preços das mercadorias são absolutamente independentes, ao passo que os movimentos da taxa de juros se ajustam com exatidão aos movimentos da reserva metálica e da taxa de câmbio.
“Por isso”, diz o Economist, “se há superabundância de mercadorias, a taxa de juros tem de ser baixa”. Exatamente o contrário ocorre nas crises: há excesso de mercadorias, inconversíveis em dinheiro, e por isso a taxa de juros é alta; em outra fase do ciclo, há grande demanda de mercadorias e, por conseguinte, retornos fáceis, ao mesmo tempo que sobe o preço das mercadorias e, devido aos retornos fáceis, a taxa de juros é baixa. “Se” (as mercadorias) “são escassas, a taxa de juros tem de ser alta.” Outra vez, tem-se o contrário nas épocas em que cessa a tensão, depois da crise. As mercadorias escasseiam, falando em termos absolutos, e não somente com relação à demanda, e a taxa de juros é baixa.
Quanto à tese 4, é bastante evidente que, com o mercado saturado, um possuidor de mercadorias as liquide – supondo que possa vendê-las – a preços mais baixos do que o faria com a perspectiva de um rápido esgotamento dos estoques existentes. Menos evidente, em contrapartida, é a razão pela qual isso provocará uma queda da taxa de juros.
Estando o mercado saturado de mercadorias importadas, a taxa de juros poderá aumentar em virtude da demanda aumentada de capital de empréstimo por parte dos proprietários, que assim deixam de ser obrigados a lançar suas mercadorias no mercado. E pode cair, uma vez que a fluidez do crédito comercial mantém relativamente baixa a demanda de crédito bancário.
* * *
O Economist faz menção ao rápido efeito que o aumento da taxa de juros e outras pressões sobre o mercado monetário exerceram sobre a taxa de câmbio em 1847. Não podemos esquecer que o ouro continuou a ser drenado até o final de abril, apesar da variação da taxa de câmbio; uma mudança de rumo só ocorreu no início de maio.
Em 1º de janeiro de 1847, a reserva metálica do banco era de £15.066.691; taxa de juros, 3½%; câmbio a três meses sobre Paris, 25,75; sobre Hamburgo, 13,10; sobre Amsterdã, 12,3¼. Em 5 de março, a reserva metálica diminuíra a £11.595.535; o desconto aumentara para 4%; o câmbio sobre Paris caíra a 25,67½; sobre Hamburgo, a 13,9¼; sobre Amsterdã, a 12,2½. O ouro continuou a ser drenado. Veja a tabela a seguir:
1847 |
Reserva metálica do Banco da Inglaterra £ |
Mercado monetário |
Taxa máxima de câmbio a 3 meses |
||
Paris |
Hamburgo |
Amsterdã |
|||
20 de março |
11.231.630 |
Desconto bancário a 4% |
25,67½ |
13,9¾ |
12,2½ |
3 de abril |
10.246.410 |
Desconto bancário a 5% |
25,80 |
13,10 |
12,3½ |
10 de abril |
9.867.053 |
Grande escassez de dinheiro |
25,90 |
13,10⅓ |
12,4½ |
17 de abril |
9.329.841[a] |
Desconto bancário a 5½% |
26,02½ |
13,10¾ |
12,5½ |
24 de abril |
9.213.890 |
Pressão |
26,05 |
13,122[b] |
12,6 |
1º de maio |
9.337.716 |
Pressão aumentada |
26,15 |
13,12¾ |
12,6½ |
8 de maio |
9.588.759 |
Pressão máxima |
26,27½ |
13,15½ |
12,7¾ |
Em 1847, a exportação total de metal precioso da Inglaterra chegou a £8.602.597. A distribuição foi a seguinte:
Para os Estados Unidos £3.226.411
Para a França £2.479.892
Para as cidades hanseáticas £958.781
Para a Holanda £247.743
Apesar da variação das taxas de câmbio no final de março, o ouro continuou a ser drenado por um mês inteiro, provavelmente para os Estados Unidos.
“Vemos, assim” (diz o Economist de 1847, p. 984), “quão rápido e decisivo foi o efeito que o aumento da taxa de juros e o subsequente aperto monetário exerceram sobre a correção de uma taxa de câmbio desfavorável e a reversão da drenagem do ouro, fazendo com que ele voltasse de novo à Inglaterra. Esse efeito foi obtido de forma totalmente independente da balança de pagamentos. Uma taxa de juros mais elevada provocou uma queda no preço dos títulos de crédito, tanto ingleses quanto estrangeiros, e fez com que uma grande quantidade desses títulos fosse comprada no exterior. Isso fez aumentar a soma das letras emitidas na Inglaterra; por outro lado, com alta taxa de juros, a dificuldade de conseguir dinheiro era tão grande que a demanda dessas letras caiu à medida que aumentava sua soma. Pela mesma razão, cancelaram-se as encomendas de mercadorias estrangeiras e realizaram-se investimentos de capital inglês em títulos de crédito estrangeiros, fazendo com que o dinheiro fosse levado à Inglaterra para ser investido. Desse modo, por exemplo, lemos no Rio de Janeiro Prices Current de 10 de maio: “O intercâmbio” {com a Inglaterra} “voltou a retroceder, devido principalmente à pressão exercida sobre o mercado por remessas correspondentes a grandes vendas de fundos públicos” {brasileiros} “feitos por ingleses”. Capital inglês, que fora investido no exterior em diversos títulos de crédito quando a taxa de juros era aqui muito baixa, retornou assim ao país quando a taxa de juros subiu.
Somente a Índia tem de pagar [£]5 milhões por “bom governo”, juros e dividendos de capital britânico etc., sem contar as somas anualmente enviadas a seu país – em parte pelos funcionários, como poupança de seus salários, em parte por comerciantes ingleses, como parte de seus lucros – para que sejam investidas na Inglaterra. Todas as colônias britânicas têm de fazer constantemente grandes remessas pelas mesmas razões. Os bancos da Austrália, das Índias Ocidentais e do Canadá foram, em sua grande maioria, fundados com capital britânico e têm de pagar seus dividendos na Inglaterra, que possui também muitos títulos públicos estrangeiros, europeus, norte-americanos e sul-americanos, dos quais recebe juros. A isso se acrescenta sua participação em ferrovias, canais, minas etc. estrangeiros, com seus correspondentes dividendos. As remessas por todos esses itens são feitas quase exclusivamente em produtos, para além do valor das exportações inglesas. Em contrapartida, o que a Inglaterra remete ao exterior para os portadores de títulos de crédito ingleses e para o consumo de ingleses residentes em outros países é comparativamente insignificante.
No que diz respeito à balança comercial e ao comércio exterior, a questão é,
“em cada momento dado, um problema de tempo. Em geral […], a Inglaterra abre créditos de longo prazo para suas exportações, ao passo que as importações são pagas à vista. Em certos momentos, essa diferença de usance [hábito] exerce uma influência considerável sobre a taxa de câmbio. Numa época em que, como ocorreu em 1850, nossas exportações aumentam em proporções consideráveis, é preciso uma expansão constante do investimento de capital britânico […], de modo que as remessas de 1850 possam ser feitas contra mercadorias exportadas em 1849. Se as exportações de 1850 excedem em [£]6 milhões as de 1849, o efeito prático disso é que se envia mais dinheiro para fora do país, naquela quantia, do que o que refluiu no mesmo ano, produzindo-se, assim, um efeito sobre a taxa de câmbio e a taxa de juros. Ao contrário, tão logo nossos negócios se deprimem em consequência de uma crise e nossas exportações se restringem muito, as remessas vencidas, relativas às maiores exportações efetuadas nos anos anteriores, excedem em muito o valor de nossas importações; a taxa de câmbio assume, com isso, um rumo favorável a nós, o capital se acumula rapidamente dentro do país, e cai a taxa de juros.” (Economist, 11 jan. 1851)
A taxa de câmbio pode variar:
A paridade do comércio exterior, para £1, é: com Paris, 25 francos e 20 cêntimos; com Hamburgo, 13 marcos e 10½ xelins; com Amsterdã, 11 florins e 97 centavos. Na medida em que o câmbio com Paris excede 25 francos e 20 cêntimos, torna-se ele mais favorável ao devedor inglês que tem de fazer pagamentos à França ou ao comprador de mercadorias francesas. Ambos necessitam de menos libras esterlinas para atingir seu objetivo. Em países mais afastados, onde não é fácil obter metal precioso, quando as letras são escassas e insuficientes para as remessas que devem ser feitas à Inglaterra, a consequência natural é a subida do preço daqueles produtos que normalmente são embarcados com destino à Inglaterra, já que agora aumenta a demanda por eles, a fim de enviá-los a esse país, em vez de letras de câmbio; é este frequentemente o caso na Índia.
Uma taxa de câmbio desfavorável e inclusive uma drenagem de ouro pode correr quando na Inglaterra há uma superabundância de dinheiro, uma taxa baixa de juros e um preço alto dos títulos de crédito.
No decorrer de 1848, a Inglaterra recebeu grandes quantidades de prata da Índia, pois as letras boas escasseavam e as letras medíocres não eram bem aceitas, em consequência da crise de 1847 e da grande escassez de crédito nas operações com a Índia. Toda essa prata mal chegava e já emigrava para o continente, onde a revolução provocara entesouramento por toda parte. Em 1850, a maior parte dessa prata empreendeu a viagem de regresso à Índia, pois a situação da taxa de câmbio tornou lucrativa essa operação.
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O sistema monetário é essencialmente católico; o sistema de crédito, essencialmente protestante. The Scoth hate gold [os escoceses odeiam dinheiro]. Como papel, a existência monetária das mercadorias é puramente social. É a fé que salva. A fé no valor monetário como espírito imanente das mercadorias, a fé no modo de produção e sua ordem predestinada, a fé nos agentes individuais da produção como meras personificações do capital que se valoriza a si mesmo. Porém, assim como o protestantismo não se emancipa dos fundamentos do catolicismo, tampouco o sistema de crédito se emancipa da base do sistema monetário.
[14] O modo como isso influiu sobre o mercado monetário é revelado pelas seguintes declarações de W.[illiam] Newmarch, [B. A., 1857,] 1.509: “Em fins de 1853, havia consideráveis temores entre o público; em setembro, o Banco da Inglaterra elevou seu desconto por três vezes seguidas [...]. Nos primeiros dias de outubro, [...] havia um grau considerável de preocupação e alarme entre o público. Esses temores e esse alarme foram em grande parte superados antes do fim de novembro e desapareceram quase totalmente com a chegada de [£]5 milhões de metal precioso da Austrália. O mesmo se repetiu no outono de 1854, com a chegada, em outubro e novembro, de cerca de [£]6 milhões de metal precioso. Voltou a repetir-se no outono de 1855, que foi, como sabemos, um período de inquietação e alarme, com a chegada de aproximadamente [£]8 milhões de metal precioso durante os meses de setembro, outubro e novembro. Em fins de 1856, ocorreu o mesmo. Em resumo, eu poderia perfeitamente apelar à experiência de quase todo membro da comissão para que dissesse se já não estamos habituados, sempre que se apresenta uma crise financeira, a ver na chegada de um navio de ouro sua solução natural e completa”.
[15] De acordo com Newmarch, a drenagem de ouro para o exterior pode resultar de três causas: 1) causas puramente comerciais, isto é, quando a importação ultrapassa a exportação, como ocorreu entre 1836 e 1844 e voltou a acontecer em 1847, principalmente devido à grande importação de trigo; 2) para a obtenção de meios para investimentos de capital inglês no exterior, como ocorreu em 1857 para ferrovias na Índia; e 3) para dispêndio definitivo no exterior, como em 1853 e 1854 no financiamento da guerra no Oriente.
[16] 1.918, Newmarch: “Se o senhor considerar conjuntamente Índia e China e levar em conta as transações entre Índia e Austrália e, ainda mais importantes, as transações entre China e Estados Unidos – e nesses casos o negócio é triangular, e a compensação ocorre por nossa mediação –, [...] então é correto dizer que a balança comercial era desfavorável não só à Inglaterra, mas também à França e aos Estados Unidos” (B. A., 1857).
[17] Ver, por exemplo, a resposta ridícula de Weguelin, em que ele diz que [£]5 milhões em ouro drenados equivalem à mesma soma de capital a menos e, com isso, pretende explicar fenômenos que não sucedem em situações de alta de preços ou de depreciação, expansão e contração infinitamente maiores do capital industrial real. Por outro lado, não menos ridícula é a tentativa de explicar esses fenômenos diretamente como sintomas de uma expansão ou de uma contração na massa do capital real (considerado segundo seus elementos materiais).
[18] Newmarch (B. A., 1857), 1.364: “A reserva metálica no Banco da Inglaterra é, na verdade, [...] a reserva central ou o Tesouro metálico central que serve de base a todos os negócios do país. É, por assim dizer, o eixo em torno do qual têm de girar todos os negócios do país; todos os demais bancos nacionais consideram o Banco da Inglaterra como o Tesouro central ou o reservatório do qual têm de retirar suas reservas em moeda; e o efeito da taxa de câmbio externa recai continuamente sobre esse tesouro e reservatório”.
[19] “Na prática, tanto Tooke como Loyd enfrentariam uma demanda excessiva de ouro lançando mão de uma restrição antecipada dos créditos, mediante aumento da taxa de juros e redução do adiantamento de capital. Com sua ilusão, Loyd provoca apenas limitações e prescrições” {legais} “incômodas e mesmo perigosas” (Economist, 1847, p. 1.418).
[20] “O senhor está plenamente de acordo com o fato de que não há outro meio de modificar a demanda de ouro, a não ser pela elevação da taxa de juros?” Chapman {sócio da grande bill-broker Overend, Gurney & Co.}: “Esta é minha opinião. Quando nosso ouro cai a certo ponto, o melhor que podemos fazer é soar imediatamente o sinal de alarme e dizer: ‘Estamos decaindo, e quem mandar ouro para o exterior tem de fazê-lo por sua conta e risco’.”. (B. A., 1857, Evid., n. 5.057)
[a] Na primeira edição, 9.329.941. (N. E. A.)
[b] Na primeira edição, 13,13. (N. E. A.)