Temos de esclarecer muito bem em que consiste a real dificuldade em examinar a renda fundiária do ponto de vista da economia moderna como expressão teórica do modo de produção capitalista. Mesmo muitos autores mais recentes ainda não compreenderam essa questão, como se pode ver em cada tentativa de explicar a renda fundiária “de um modo novo”. Nesse caso, a novidade se encontra quase sempre no retorno a pontos de vista há muito superados. A dificuldade não está em explicar o mais-produto criado pelo capital agrícola e o mais-valor correspondente a esse mais-produto. Esse problema está, antes, resolvido na análise do mais-valor criado por todo capital produtivo, independentemente da esfera em que este se encontre investido. O desafio é demonstrar de onde provém, após o nivelamento do mais-valor entre os diferentes capitais para formar o lucro médio, a participação proporcional, de acordo com suas respectivas grandezas proporcionais, no mais-valor total gerado pelo capital social em todas as esferas da produção somadas; ou seja, de onde procede – depois dessa compensação, estando aparentemente completa a distribuição de todo o mais-valor que há para distribuir – a parte ainda excedente desse mais-valor que o capital investido no solo paga ao proprietário da terra sob a forma de renda fundiária. Abstraindo por completo dos motivos práticos que incitavam os economistas modernos, porta-vozes do capital industrial contra a propriedade fundiária, a examinar essa questão – motivos que analisaremos mais detalhadamente no capítulo dedicado à história da renda fundiária –, a questão tinha para eles, como teóricos, um interesse decisivo. Reconhecer que o fenômeno da renda para o capital investido na agricultura era fruto de um efeito particular da própria esfera do investimento, de propriedades inerentes à própria crosta terrestre, seria renunciar ao conceito de valor em si mesmo, isto é, renunciar a toda possibilidade de conhecimento científico nessa área. A simples admissão de que a renda é paga com base no preço do produto agrícola – o que ocorre mesmo onde ela é paga in natura, quando o arrendatário deve obter seu preço de produção – já evidenciava o absurdo de querer explicar o excedente desse preço sobre o preço normal de produção, logo, a relativa escassez do produto agrícola, a partir do excedente da produtividade natural-espontânea da indústria agrícola sobre a produtividade dos outros ramos da indústria; em contrapartida, quanto mais produtivo for o trabalho, mais barata será cada alíquota de seu produto, porque maior é a massa dos valores de uso em que se representa a mesma quantidade de trabalho e, com isso, o mesmo valor.
Assim, toda a dificuldade na análise da renda se encontrava em explicar o excedente do lucro agrícola sobre o lucro médio, não o mais-valor, mas o mais-valor excedente, característico dessa esfera da produção, isto é, tampouco o “produto líquido”, mas o excedente deste último sobre o produto líquido dos demais ramos da indústria. O lucro médio é, ele mesmo, um produto, uma formação do processo social que transcorre sob relações históricas de produção muito determinadas; um produto que, como vimos, pressupõe mediações bastante minuciosas. Para que seja possível falar em geral de um excedente sobre o lucro médio, esse próprio lucro médio deve servir de norma e, como é o caso no modo de produção capitalista, valer como regulador da produção em geral. Em sociedades nas quais não é o capital que exerce a função de forçar o mais-trabalho e de se apropriar de todo o mais-valor – nas quais, portanto, o capital ainda não submeteu o trabalho social a seu controle, ou só o fez casualmente – não se pode falar absolutamente de renda no sentido moderno, renda como excedente sobre o lucro médio, isto é, sobre a participação proporcional de cada capital individual no mais-valor produzido pelo capital social total. Uma prova da ingenuidade do sr. Passy (ver adiante) se dá, por exemplo, quando ele fala da renda na sociedade primitiva como de um excedente sobre o lucro, sobre uma forma social historicamente determinada do mais-valor que, portanto, segundo o sr. Passy, quase pode existir sem sociedade nenhuma[a].
Para os economistas mais antigos, que mal começavam a analisar o modo de produção capitalista, na época ainda não desenvolvido, a análise da renda não apresentava dificuldade nenhuma ou, então, dificuldades de tipo totalmente diverso. Petty, Cantillon e alguns autores mais próximos do feudalismo veem na renda fundiária a forma normal do mais-valor em geral, ao passo que, para eles, o lucro se funde indefinidamente com o salário ou, no máximo, aparece-lhes como porção desse mais-valor que o proprietário fundiário extorquiu do capitalista. Portanto, partem de uma situação em que, em primeiro lugar, a população agrícola ainda predomina amplamente na nação e em que, em segundo lugar, o proprietário da terra ainda aparece como aquele que se apropria em primeira instância do trabalho excedente dos produtos diretos, mediante o monopólio da propriedade fundiária, ou seja, em que a propriedade fundiária permanece a principal condição da produção. Para eles, ainda era impossível uma problemática que, inversamente, do ponto de vista do modo de produção capitalista, tratasse de investigar como a propriedade fundiária consegue subtrair outra vez do capital uma parte do mais-valor por este produzido (isto é, extorquido do produtor direto) e já apropriado em primeira instância.
Para os fisiocratas, a dificuldade é de outra natureza. Como primeiros intérpretes sistemáticos do capital, eles buscam investigar a natureza do mais-valor em geral. A análise coincide, para eles, com a análise da renda, única forma em que, segundo seu ponto de vista, existe o mais-valor. Razão pela qual consideram o capital que gera renda, ou o capital agrícola, como o único capital que gera mais-valor, e o trabalho agrícola mobilizado por esse capital como o único que gera mais-valor e, desse modo, inteiramente correto do ponto de vista capitalista, como o único trabalho produtivo. Têm plena razão em identificar na produção de mais-valor o fator decisivo. Sem levar em conta outros pontos de que trataremos no Livro IV, eles têm desde já o grande mérito de retornar do capital comercial, que opera unicamente na esfera da circulação, ao capital produtivo, opondo-se ao sistema mercantilista, que, com seu realismo grosseiro, formava a economia vulgar propriamente dita daquele tempo e cujos interesses práticos deixaram inteiramente em segundo plano os primórdios de uma análise científica por obra de Petty e seus sucessores. Quanto a essa crítica do sistema mercantilista, cabe mencionar aqui, de passagem, apenas suas concepções sobre o capital e o mais-valor. Já observamos que o sistema monetário proclama corretamente a produção para o mercado mundial e a transformação do produto em mercadoria – portanto, em dinheiro – como pressuposto e condição da produção capitalista. No sistema mercantilista, que é a continuação do sistema monetário, o decisivo já não é a transformação do valor-mercadoria em dinheiro, mas a produção de mais-valor, porém, a partir do ponto de vista não conceitual da esfera da circulação e de tal modo que esse mais-valor é representado em mais-dinheiro, em excedente da balança comercial. Ao mesmo tempo, o que constitui propriamente os interesses de comerciantes e fabricantes daquela época, bem como a fase do desenvolvimento capitalista por eles representada, é que, na transformação das sociedades agrícolas feudais em industriais e na correspondente competição industrial entre as nações no mercado mundial, o que verdadeiramente importa é um rápido desenvolvimento do capital, que não se pode obter pelas chamadas vias naturais, mas apenas por meios coercitivos. Há uma enorme diferença se o capital nacional se transforma gradual e lentamente em capital industrial ou se essa transformação se acelera devido a impostos que, por meio de tarifas protecionistas, recaem principalmente sobre proprietários de terras, pequenos e médios camponeses e artesãos; por meio da rápida expropriação dos produtores independentes, da acumulação e concentração fortemente aceleradas dos capitais, numa palavra, por meio da criação das condições do modo de produção capitalista. Ao mesmo tempo, isso faz uma enorme diferença na exploração capitalista e industrial da força produtiva natural da nação. O caráter nacional do sistema mercantilista não é, assim, uma mera fraseologia na boca de seus porta-vozes. Sob o pretexto de ocupar-se apenas com a riqueza da nação e as fontes de recursos do Estado, eles na verdade declaram os interesses da classe capitalista e o enriquecimento em geral como fim último do Estado e proclamam a sociedade burguesa contra o antigo Estado de direito divino. Ao mesmo tempo, porém, está presente a consciência de que o desenvolvimento do interesse do capital e da classe capitalista, da produção capitalista, tornou-se a base do poder nacional e da supremacia nacional na sociedade moderna.
Além disso, os fisiocratas têm razão ao dizer que, de fato, toda produção de mais-valor, e portanto também todo desenvolvimento do capital, de acordo com sua base natural, repousa sobre a produtividade do trabalho agrícola. Se os homens não fossem capazes de produzir numa jornada de trabalho mais meios de subsistência, ou seja, em sentido estrito, mais produtos agrícolas, do que cada trabalhador necessita para sua própria reprodução, se o dispêndio diário de sua força inteira de trabalho só bastasse para produzir seus meios individuais de subsistência mais indispensáveis, então não se poderia absolutamente falar de mais-produto, nem de mais-valor. Uma produtividade do trabalho agrícola que supere a necessidade individual do trabalhador é a base de toda sociedade e sobretudo a base da produção capitalista, que libera uma parcela cada vez maior da sociedade da produção de meios de subsistência imediatos e, como diz Steuart, a transforma em free hands [mãos livres], tornando-a disponível para a exploração em outras esferas.
Mas o que dizer de novos escritores econômicos como Daire, Passy etc., que no crepúsculo de toda a economia clássica, em seu leito de morte, limitam-se a repetir as noções mais primitivas sobre as condições naturais do mais-trabalho e, portanto, do mais-valor, acreditando com isso apresentar algo novo e decisivo sobre a renda fundiária, depois de esta última já ter sido há muito desenvolvida como uma forma particular e uma parte específica do mais-valor? A economia vulgar se caracteriza precisamente por repetir aquilo que, num certo estágio já superado do desenvolvimento, era novo, original e justificado, numa época em que isso se tornou raso, maçante e falso. Com isso, ela reconhece que não tem sequer noção dos problemas que ocuparam a economia clássica, confundindo-os com questões que só poderiam ser colocadas num estágio inferior de desenvolvimento da sociedade burguesa. Do mesmo modo ela procede com seu ruminar constante e autocomplacente das teses fisiocráticos sobre o livre-cambismo. Essas teses perderam há muito todo interesse teórico, por mais que possam interessar de forma prática este ou aquele Estado.
Na economia natural propriamente dita, em que nenhum produto agrícola, ou apenas uma parte muito insignificante dele entra no processo de circulação, e mesmo uma parte relativamente insignificante da parte do produto que representa o rendimento do proprietário fundiário, como era o caso, por exemplo, em muitos latifúndios da Roma Antiga, nas vilas de Carlos Magno e, em grau maior ou menor (ver Vinçard, Histoire du travail), ao longo de toda a Idade Média, o produto e o mais-produto das grandes propriedades não se resumia em absoluto aos produtos do trabalho agrícola. Abarcavam também os produtos do trabalho industrial. O artesanato domiciliar e o trabalho manufatureiro, atividades subsidiárias da agricultura, que constitui sua base, são a condição do modo de produção na qual está fundada essa economia natural, tanto na Antiguidade e na Idade Média europeias como atualmente na comunidade indiana, cuja organização tradicional ainda não foi destruída. O modo de produção capitalista supera por completo esse vínculo; trata-se de um processo que, em grande escala, pode ser estudado especialmente na Inglaterra, ao longo do último terço do século XVIII. Mentes educadas em sociedades mais ou menos semifeudais, como a de Herrenschwand, por exemplo, consideram essa separação entre agricultura e manufatura, ainda no final do século XVIII, um tresloucado ato de temeridade social, um modo de existência inconcebivelmente arriscado. Mesmo nas economias agrícolas da Antiguidade, que mostram uma analogia maior com a agricultura capitalista, principalmente as de Cartago e Roma, a semelhança é maior com relação à economia de plantações do que com a forma que corresponde ao modo de exploração realmente capitalista[42a]. Em toda a Antiguidade não se encontra analogia formal – que, porém, em todos os pontos fundamentais converte-se numa ilusão para quem tenha compreendido o modo de produção capitalista e que não enxergue, como o sr. Mommsen[43], o modo de produção capitalista em qualquer economia monetária –, só eventualmente na Sicília, porque existia como país agrícola tributário de Roma e, por isso, lá a agricultura orientava-se essencialmente para a exportação. Aí encontramos arrendatários no sentido moderno.
Uma concepção falsa em relação à natureza da renda baseia-se no fato de que, a partir da economia natural da Idade Média e em plena contradição com as condições do modo de produção capitalista, a renda em sua forma natural foi arrastada para a era moderna, em parte mediante os dízimos eclesiásticos, em parte como curiosidade, perpetuada por contratos antigos. Disso provém a ilusão de que a renda não surgiria do preço do produto agrícola, mas de sua massa, ou seja, não das condições sociais, mas da terra. Já mostramos que, embora o mais-valor represente um mais-produto, o inverso não ocorre; isto é, um mais-produto, no sentido de mero incremento na massa do produto, não representa um mais-valor. Pode representar, sim, um menos-valor. Do contrário, a indústria algodoeira em 1860, comparada com a de 1840, deveria representar um enorme mais-valor, ao passo que, ao contrário, o preço do fio caiu. Por consequência de uma série de más colheitas, a renda pode aumentar enormemente, uma vez que aumenta o preço dos cereais, ainda que esse mais-valor se apresente numa massa decrescente em termos absolutos de trigo mais caro. Por outro lado, em virtude de uma série de anos férteis, a renda pode diminuir, porque diminui o preço, ainda que a renda que diminuiu se represente numa massa maior de trigo mais barato. Por ora, deve-se observar, em relação à renda em produtos, que ela é uma mera tradição, proveniente de um modo de produção ultrapassado e que subsiste como ruína; sua contradição com o modo de produção capitalista se revela por ter desaparecido sozinha dos contratos privados e porque, onde a legislação interveio, como no caso dos dízimos eclesiásticos na Inglaterra, ela foi eliminada à força como algo incongruente. Em segundo lugar, onde persistiu sobre a base do modo de produção capitalista, ela não era nem podia ser mais outra coisa que a renda em dinheiro disfarçada numa expressão medieval. Por exemplo, o quarter de trigo custa 40 xelins. Parte desse quarter precisa repor o salário nele contido e ser vendida para ser novamente desembolsada; outra parte tem de ser vendida para pagar a parte de impostos que recai sobre ele. Onde o modo de produção capitalista e, com ele, a divisão do trabalho social se encontram desenvolvidos, a própria semente e uma parte do adubo entram como mercadorias na reprodução, isto é, têm de ser compradas para a reposição; portanto, outra parte do quarter precisa ser vendida a fim de fornecer o dinheiro correspondente. Na medida em que, de fato, não precisam ser compradas como mercadorias, mas são extraídas do próprio produto in natura para serem outra vez introduzidas em sua reprodução como condições de produção – o que tem lugar não só na agricultura, mas em diversos ramos da produção que produzem capital constante –, entram no cálculo, expressas em dinheiro contábil, e se deduzem como componentes do preço de custo. O desgaste da maquinaria e do capital fixo em geral tem de ser reposto em dinheiro. Por fim, chegamos ao lucro, que se calcula sobre a soma desses custos expressos em dinheiro real ou em dinheiro contábil. Tal lucro se representa numa parcela determinada do produto bruto, definida por seu preço. E a parte sobrante configura a renda. Se a renda contratual em produtos é superior a esse resto determinado pelo preço, então ela não configura renda, mas dedução do lucro. Essa possibilidade mostra, por si só, que a renda em produtos é uma forma obsoleta, uma vez que não obedece ao preço do produto, podendo, pois, ser maior ou menor que a renda real e, com isso, representar não só uma dedução do lucro, mas também de componentes da reposição de capital. Na medida em que é renda não só pelo nome, mas por sua natureza, a renda em produtos determina-se exclusivamente pelo excedente do preço do produto sobre seus custos de produção. No entanto, ela pressupõe essa grandeza variável como constante. É uma ideia muito reconfortante a de que o produto in natura seja suficiente, em primeiro lugar, para alimentar os trabalhadores e, em segundo lugar, para fornecer ao arrendatário capitalista mais alimento do que aquele de que ele necessita, sendo o excedente sobre isso a renda natural. Do mesmo modo como se um fabricante de chita produzisse 200.000 varas. Estas não bastam somente para vestir os trabalhadores desse fabricante, sua mulher e toda a sua prole, assim como ele próprio, mas, além disso, permitem que lhe sobre chita para vender e, por fim, pagar uma enorme renda em telas de algodão. A questão é tão simples! Descontados os custos de produção de 200.000 varas de chita, tem de restar um excedente de chita como renda. Deduzir de 200.000 varas de chita, por exemplo, os custos de produção de £10.000 sem saber o preço de venda da chita, deduzir dinheiro desse tecido, ou seja, de um valor de uso como tal deduzir um valor de troca e, com isso, chegar ao excedente das varas de chita acima das libras esterlinas é, com efeito, uma ideia ingênua. Pior que a quadratura do círculo, que pelo menos está fundada no conceito dos limites nos quais se confundem linhas retas e curvas. Mas tal é a receita do sr. Passy: extrair dinheiro da chita antes que esse tecido tenha, na imaginação ou na realidade, se transformado em dinheiro! O excedente é constituído pela renda, da qual é necessário apoderar-se, no entanto, naturaliter [em espécie] (ver, por exemplo, Karl Arndt), e não mediante diabruras “sofísticas”! Toda essa restauração da renda em produtos in natura desemboca em absurdos, como o de chegar ao preço de produção deduzindo-o de tantos alqueires de trigo, ou subtrair de uma medida cúbica determinada soma em dinheiro.
Se considerarmos a renda fundiária em sua forma mais simples, a da renda em trabalho, em que o produtor direto trabalha parte da semana com instrumentos (arado, animais de carga etc.) que lhe pertencem de fato ou de direito, cultivando o solo que lhe pertence, ao passo que nos outros dias da semana trabalha na propriedade do senhor, para este último e sem remuneração, a questão ainda estará aqui bastante clara, pois, nesse caso, a renda e o mais-valor são idênticos. O mais-trabalho se expressa, aqui, sob a forma da renda, e não do lucro. Em que medida o trabalhador (self-sustaining serf [servo autossuficiente]) pode obter um excedente sobre seus meios necessários de subsistência, isto é, um excedente sobre aquilo que no modo de produção capitalista chamaríamos de salário, é algo que, mantendo-se inalteradas as demais circunstâncias, depende da proporção em que se dividem tempo de trabalho para si mesmo e tempo de trabalho servil para o senhor da terra. Esse excedente sobre os meios de subsistência, o germe daquilo que, no modo de produção capitalista, aparece como lucro, é, pois, determinado em sua totalidade pelo nível da renda fundiária, que nesse caso não só é mais-trabalho imediatamente não pago, mas também aparece como tal; mais-trabalho não pago para o “proprietário” dos meios de produção, que aqui coincidem com o solo e que, quando se diferenciam deste, não passam de mero acessório. Que o produto de quem efetua esse trabalho servil tenha de ser suficiente para repor, além de sua subsistência, suas condições de trabalho, é uma circunstância invariável em todos os modos de produção, porquanto não deriva de sua forma específica, mas é uma condição natural de todo trabalho contínuo e reprodutivo em geral, de toda produção contínua, que é sempre, ao mesmo tempo, reprodução, isto é, reprodução das próprias condições de seu agir. É evidente, ademais, que em todas as formas em que o trabalhador direto continua a ser “possuidor” dos meios de produção e das condições de trabalho requeridos para a produção de seus próprios meios de subsistência, a relação de propriedade tem de aparecer simultaneamente como relação direta de dominação e servidão, e, assim, o produtor direto como alguém não livre; essa carência de liberdade poderá atenuar-se gradativamente desde a servidão com trabalho pessoal até a mera obrigação tributária. Conforme os pressupostos, o produtor direto detém seus próprios meios de produção, as condições objetivas de trabalho requeridas para a realização de seu trabalho e para a produção de seus meios de subsistência; ele exerce a agricultura de forma autônoma, bem como a indústria rural caseira vinculada a ela. Tal autonomia não é suprimida pelo fato de, como na Índia, esses pequenos camponeses formarem uma comunidade de produção mais ou menos resultante de um processo natural, porquanto aqui se tem somente a autonomia em face do proprietário nominal da terra. Em tais condições, o mais-trabalho só pode ser extraído deles pelo proprietário nominal da terra por meio da coerção extraeconômica, qualquer que seja a forma em que essa se apresente[44]. O que a diferencia da economia escravista ou de plantação é que nesta o escravo opera com condições de produção alheias, e não de modo autônomo. São necessárias, pois, relações de dependência pessoal – a falta de liberdade pessoal, seja qual for o seu grau, e estar preso à terra como um acessório desta última, a servidão da gleba no sentido próprio do termo. Se não é o proprietário fundiário privado, mas, como na Ásia, o Estado que se confronta com eles diretamente como proprietário fundiário e, ao mesmo tempo, como soberano, então renda e impostos coincidem, ou melhor, não há nenhum imposto que se diferencie dessa forma da renda fundiária. Em tais circunstâncias, a relação de dependência, tanto política como econômica, não precisa assumir nenhuma forma mais rígida do que aquela comum a todos os súditos perante o Estado. O Estado é o supremo proprietário fundiário. A soberania é a propriedade fundiária concentrada em escala nacional. Em contrapartida, tampouco há a propriedade privada do solo, embora exista a posse e o usufruto, tanto privados quanto públicos, da terra.
A forma econômica específica em que o mais-trabalho não pago é extraído dos produtores diretos determina a relação de dominação e servidão, tal como esta advém diretamente da própria produção e, por sua vez, retroage sobre ela de modo determinante. Nisso se funda, porém, toda a estrutura da entidade comunitária econômica, nascida das próprias relações de produção; simultaneamente com isso, sua estrutura política peculiar. Em todos os casos, é na relação direta entre os proprietários das condições de produção e os produtores diretos – relação cuja forma eventual sempre corresponde naturalmente a determinada fase do desenvolvimento dos métodos de trabalho e, assim, a sua força produtiva social – que encontramos o segredo mais profundo, a base oculta de todo o arcabouço social e, consequentemente, também da forma política das relações de soberania e de dependência, isto é, da forma específica do Estado existente em cada caso. Isso não impossibilita que a mesma base econômica – a mesma no que diz respeito às condições principais –, graças a inúmeras circunstâncias empíricas de diversos tipos, condições naturais, raciais, influências históricas externas etc., manifeste-se em infinitas variações e matizes, que só se podem compreender por meio de uma análise dessas circunstâncias empíricas. No que diz respeito à renda em trabalho, forma mais simples e primitiva da renda, vê-se nitidamente que ela é, aqui, a forma originária do mais-valor e coincide com ele. Além disso, não é preciso nenhuma análise da coincidência do mais-valor com o trabalho alheio não pago, pois ela permanece em sua forma visível, palpável, uma vez que o trabalho do produtor direto para si mesmo se encontra espacial e temporalmente apartado de seu trabalho para o proprietário fundiário, trabalho este que aparece imediatamente na forma brutal de trabalho forçado para outrem. Do mesmo modo, o “atributo” que a terra possui de proporcionar renda se encontra, nesse caso, reduzido a um mistério público e notório, pois à natureza que gera a renda pertence igualmente a força de trabalho humano vinculada à terra e a relação de propriedade que faz com que o dono dessa força de trabalho tenha de empregá-la e explorá-la além do que se requer para a satisfação de suas próprias necessidades indispensáveis. A renda consiste na apropriação direta, pelo proprietário fundiário, dessa força de trabalho excedente, pois o produtor direto não paga a ele nenhuma outra renda. Aqui, onde não só mais-valor e renda são idênticos, como o mais-valor possui ainda manifestamente a forma de mais-trabalho, evidenciam-se as condições ou os limites naturais da renda, porquanto são também condições do mais-trabalho em geral. O produtor direto tem de: 1) possuir suficiente força de trabalho; e 2) as condições naturais de seu trabalho, isto é, em primeiro lugar, as terras a serem cultivadas, têm de ser férteis o suficiente – em suma, a produtividade natural de seu trabalho tem de ser grande o bastante para que lhe reste a possibilidade de trabalho excedente, além do trabalho necessário à satisfação de suas necessidades indispensáveis. Tal possibilidade não cria a renda, o que só ocorre pela coerção, que torna a possibilidade uma realidade. Mas a própria possibilidade está ligada a condições naturais subjetivas e objetivas. Tampouco nisso há qualquer coisa misteriosa. Se a força de trabalho é pequena e as condições naturais de trabalho são precárias, a quantidade de mais-trabalho será escassa – em tal caso, no entanto, também o serão as necessidades dos produtores e, por outro lado, o número relativo de exploradores do mais-trabalho; finalmente, também o será o mais-produto em que se concretiza esse mais-trabalho pouco rentável para esse número mais reduzido de proprietários exploradores. Na renda em trabalho evidencia-se que, mantendo-se constantes as demais circunstâncias, dependerá plenamente do volume relativo do mais-trabalho ou do trabalho de servo da gleba a medida em que o produto direto poderá melhorar sua própria situação, enriquecer, gerar um excedente acima dos meios de subsistência necessários ou, para empregar o modo de expressão capitalista, a medida em que pode gerar algum lucro para si, isto é, um excedente acima do salário produzido por ele mesmo. A renda é, aqui, a forma normal, que tudo absorve, a forma, por assim dizer, legítima do mais-trabalho; e muito longe de ser um excedente sobre o lucro, isto é, nesse caso, acima de qualquer outro excedente sobre o salário, não só o volume de semelhante lucro, mas, mantendo-se inalteradas as demais circunstâncias, inclusive sua existência, dependerá do volume da renda, do mais-trabalho que tem obrigatoriamente de ser efetuado para o proprietário.
Porque o produtor direto não é proprietário, mas apenas possuidor, e porque, de fato, todo seu mais-trabalho pertence de jure ao proprietário fundiário, alguns historiadores expressaram sua estranheza pelo fato de que, sob tais condições, pudesse ocorrer um aumento autônomo de patrimônio e, em termos relativos, de riqueza por parte dos servos ou dos indivíduos sujeitos a prestações pessoais. Porém, está claro que nas situações naturais e não desenvolvidas em que se fundamenta essa relação social de produção e o modo de produção a ela correspondente, a tradição tem de desempenhar um papel predominante. Ademais, é nítido que aqui, como sempre, à parte dominante da sociedade interessa consagrar o que já existe, conferindo-lhe o caráter de lei, e fixar como legais as barreiras estabelecidas pelo uso e pela tradição. Abstraindo de todo o resto, isso se produz por si só tão logo a reprodução constante da base das condições prevalecentes, da relação que lhe serve de base, assume com o passar do tempo uma forma regulada e ordenada; essa regra e essa ordem são, elas mesmas, um fator imprescindível de qualquer modo de produção que queira alcançar solidez social e independência em relação ao mero acaso ou à arbitrariedade. Essa regra e essa ordem são exatamente a forma em que se consolidam socialmente esse modo de produção e, assim, a forma de sua relativa emancipação em relação à mera arbitrariedade e ao mero acaso. Elas atingem essa forma no caso de estancamento tanto do processo de produção quanto das relações sociais que a ele correspondem, isto é, pela mera reprodução reiterada desse processo. No caso de essa reprodução ter perdurado por certo tempo, ela se cristaliza como costume e tradição e termina consagrada como lei positiva. Mas, já que a forma desse mais-trabalho, o trabalho de servo da gleba, tem como base a falta de desenvolvimento de todas as forças produtivas sociais do trabalho, a rusticidade do próprio modo de trabalhar, dele tem de restar naturalmente uma alíquota muito menor do trabalho total dos produtores diretos do que em modos de produção desenvolvidos, sobretudo o modo de produção capitalista. Suponhamos, por exemplo, que o trabalho servil para o senhor fundiário tenha sido originalmente de dois dias por semana. Esses dois dias de trabalho servil semanal ficam, então, fixados como grandeza constante, legalmente regulada pela lei escrita ou consuetudinária. Mas a produtividade dos demais dias de semana, dos quais o produtor direto dispõe pessoalmente, constitui uma grandeza variável, que tem de desenvolver-se ao longo de sua experiência, do mesmo modo como as novas necessidades que se lhe apresentam, a expansão do mercado para seu produto e a segurança cada vez maior com que dispõe dessa parte de sua força de trabalho o estimularão a empregar uma quantidade ainda maior de força de trabalho, sem que esqueçamos que o emprego dessa força de trabalho não se limita em absoluto à agricultura, mas inclui a indústria doméstica rural. Aqui está dada a possibilidade de certo desenvolvimento econômico, que naturalmente dependerá das circunstâncias favoráveis, do caráter racial congênito etc.
Em termos econômicos, a metamorfose da renda em trabalho na renda em produtos não modifica em absolutamente nada a essência da renda fundiária. Esta, nas formas aqui consideradas, é a única forma dominante e normal do mais-valor ou do mais-trabalho, o que, por sua vez, significa que ela é o único mais-trabalho ou o único mais-produto que o produtor direto, detentor das condições de trabalho necessárias para sua própria reprodução, deve ceder ao proprietário da condição de trabalho que, nessas condições sociais, tudo engloba, isto é, ao proprietário da terra; por outro lado, somente a terra se confronta com o produtor direto como condição de trabalho situada em propriedade alheia, que se fez autônoma diante dele e está personificada no proprietário fundiário. Na medida em que a renda em produtos é a forma dominante e mais desenvolvida da renda fundiária, ela é sempre mais ou menos acompanhada por resquícios da forma anterior, isto é, da renda que deve ser diretamente fornecida em trabalho, ou seja, da prestação pessoal de serviços, não importando se o senhor da terra é uma pessoa privada ou o Estado. A renda em produtos supõe um estágio cultural mais elevado do produtor direto, quer dizer, um estágio superior de desenvolvimento de seu trabalho e da sociedade em geral, e distingue-se da forma precedente na medida em que o mais-trabalho deixa de ser executado em sua configuração natural, portanto, não mais sob a vigilância e a coerção diretas do senhor da terra ou de seus representantes; ao contrário, é o produtor direto, movido pelo poder das condições imperantes em vez da coerção direta e pela determinação legal em vez do chicote, que deve realizá-lo sob sua própria responsabilidade. A mais-produção, entendida como produção acima das necessidades indispensáveis do produtor direto e dentro da área de produção que realmente lhe pertence, dentro do solo por ele mesmo explorado, em vez de efetuar-se, como antes, nas terras do senhor, externas e contíguas à própria terra, já se converteu aqui numa regra evidente por si mesma. Nesse sentido, o produtor direto já dispõe em maior ou menor grau do emprego de todo o seu tempo de trabalho, ainda que parte dele, em sua origem quase todo seu tempo excedente, pertença gratuitamente ao proprietário de terra; a diferença é que este já não o recebe por via direta, em sua própria forma natural, mas na forma natural do produto no qual ele se realiza. A dolorosa – e, de acordo com a regulamentação do trabalho servil, mais ou menos nociva – interrupção ocasionada pelo trabalho para o proprietário fundiário (cf. Livro I, capítulo 8, item 2: “A avidez por mais-trabalho. O fabricante e o boiardo”) desaparece quando a renda em produtos é pura ou pelo menos está reduzida a uns poucos e breves intervalos no ano, durante os quais mantêm-se algumas prestações pessoais ao lado da renda em produtos. O trabalho do produtor para si mesmo e seu trabalho para o proprietário fundiário deixam de estar visivelmente separados no tempo e no espaço. Em sua forma pura, essa renda em produtos, mesmo que continue a arrastar-se em modos e relações de produção mais evoluídos, segue pressupondo a economia natural, isto é, que as condições econômicas se engendrem inteiramente, ou pelo menos em sua maior parte, na própria economia, que se reponham e se reproduzam diretamente a partir de seu próprio produto bruto. Pressupõe, além disso, a conjunção da indústria doméstica rural com a agricultura; o mais-produto, que forma a renda, resulta desse trabalho familiar agrícola-industrial unificado, não importando se a renda em produtos, como frequentemente ocorria na Idade Média, inclui produtos industriais em maior ou menor grau, ou é paga somente na forma de produto agrícola propriamente dito. Nessa forma da renda, não é de modo nenhum necessário que a renda em produtos, na qual se representa o mais-trabalho, esgote o trabalho excedente da família rural. Pelo contrário, em comparação com a renda em trabalho, o produtor adquire uma liberdade muito maior de movimentos, ganhando tempo para o trabalho excedente, cujo produto pertence a ele mesmo, do mesmo modo que o produto de seu trabalho, que satisfaz suas necessidades mais indispensáveis. Da mesma maneira, com essa forma aparecerão diferenças maiores na situação econômica dos produtores diretos individuais. Isso é, pelo menos, possível, como também é possível que esse produtor direto tenha conseguido, ele mesmo, os meios para explorar trabalho alheio de forma direta. Mas isso não nos interessa aqui, pois nosso objeto é a forma pura da renda em produtos; do mesmo modo, não podemos entrar nas infinitas combinações em que as diversas formas de renda podem se unir, adulterar e entrelaçar. Graças à forma da renda em produtos vinculada a determinado tipo de produto e de produção, à indispensável conjunção de agricultura e indústria domiciliar, à autossuficiência quase completa que a família de camponeses adquire em razão disso, à sua independência em relação ao mercado e à dinâmica da produção e da história por parte da sociedade situada fora dela, em suma, graças ao caráter da economia natural em geral, essa forma é absolutamente adequada para proporcionar a base de condições sociais estacionárias, como as que se veem, por exemplo, na Ásia. Aqui, como na forma anterior da renda em trabalho, a renda fundiária é a forma normal do mais-valor e, por conseguinte, do mais-trabalho, ou seja, de todo o trabalho excedente que o produtor direto tem de executar gratuitamente, isto é, de fato, sob coerção, ainda que essa coerção já não se imponha na antiga forma brutal ao proprietário de sua condição de trabalho mais essencial: a terra. O lucro – se assim denominarmos, antecipando-nos indevidamente, a parcela do excedente de seu trabalho acima do trabalho necessário do qual ele mesmo se apropria – está tão longe de determinar a renda em produtos que, pelo contrário, cresce pelas suas costas e tem seu limite natural no volume da renda em produtos. Tal renda pode ter um volume que ponha seriamente em perigo a reprodução das condições de trabalho, dos próprios meios de produção, que impossibilite em maior ou menor grau a ampliação da produção e reduza os produtores diretos ao mínimo físico de meios de subsistência. Isso se dá especialmente quando uma nação comercial e conquistadora encontra essa forma e passa a explorá-la, como ocorre, por exemplo, com os ingleses na Índia.
Por renda em dinheiro entendemos aqui – diferenciando-a da renda do solo, industrial ou comercial, baseada no modo de produção capitalista, que constitui apenas um excedente sobre o lucro médio – a renda fundiária proveniente da mera metamorfose da renda em produtos, do mesmo modo que esta não era mais que a metamorfose da renda em trabalho. Aqui o produtor direto tem de pagar ao proprietário fundiário (seja este agora o Estado ou uma pessoa privada) o preço do produto, em vez do próprio produto. Portanto, já não basta um excedente do produto em sua forma natural; ele tem de ser convertido dessa forma natural em forma-dinheiro. Embora o produtor direto continue a produzir pessoalmente ao menos a maior parte de seus meios de subsistência, ele tem agora de transformar uma parte de seu produto em mercadoria, tem de produzi-lo como mercadoria. Por conseguinte, o caráter de todo o modo de produção é alterado em maior ou menor grau. É privado de sua independência, sua desvinculação do contexto social. Torna-se decisiva a relação dos custos de produção, na qual entra agora uma quantidade maior ou menor de gastos em dinheiro; de todo modo, torna-se decisivo o excedente da parte do produto bruto destinada a ser convertida em dinheiro acima da parte destinada a servir novamente, por um lado, como meio de reprodução e, por outro, como meio de subsistência imediato. No entanto, a base desse tipo de renda, apesar de se aproximar de sua dissolução, continua a ser a mesma que na renda em produtos, que forma o ponto de partida. O produtor direto continua a ser o possuidor tradicional da terra, seja por herança, seja por outra via; a ele cabe prover ao senhor fundiário, enquanto proprietário de sua mais essencial condição de produção, o trabalho forçado excedente, isto é, o trabalho não pago, realizado sem equivalente, na forma de mais-produto transformado em dinheiro. A propriedade das outras condições de trabalho distintas do solo – instrumentos agrícolas e demais bens móveis – transforma-se, já nas formas mais antigas, primeiro de fato, e logo também de direito, em propriedade dos produtores diretos, e isso é pressuposto em maior medida para a forma da renda em dinheiro. A transformação da renda em produtos em renda em dinheiro, que ocorre primeiro de forma esporádica, e logo numa escala mais ou menos nacional, já pressupõe um desenvolvimento considerável do comércio, da indústria urbana, da produção de mercadorias em geral e, por conseguinte, da circulação monetária. Pressupõe, além disso, um preço de mercado para os produtos e que eles sejam vendidos aproximadamente a seu valor, o que nas formas anteriores não precisa ocorrer em absoluto. No leste da Europa, em parte, ainda podemos ver com nossos próprios olhos o curso dessa transformação. Quão pouco realizável é essa mudança sem um certo desenvolvimento da força produtiva social do trabalho nos demonstram as várias tentativas fracassadas de sua realização, no Império Romano, e recaídas na renda em espécie, logo depois de se ter pretendido transformar a renda em dinheiro pelo menos a parcela dessa renda que existe como imposto estatal. Uma igual dificuldade de transição se apresenta, por exemplo, na França anterior à Revolução, com a confusão e a adulteração da renda em dinheiro por meio de remanescentes de suas formas anteriores.
Mas a renda em dinheiro, como forma modificada da renda em produtos, e em contraposição a ela, é a última forma e, simultaneamente, a forma da dissolução do tipo de renda fundiária que examinamos até aqui, quer dizer, da renda fundiária como forma normal do mais-valor e do mais-trabalho não pago que deve ser extraído para o proprietário das condições de produção. Em sua forma pura, essa renda, tal como a renda em trabalho e a renda em produtos, não constitui nenhum excedente sobre o lucro. Por definição, ela o absorve. Na medida em que surge de fato junto com ela como parte específica do trabalho excedente, a renda em dinheiro, assim como a renda em suas formas anteriores, continua a ser a barreira normal desse lucro embrionário, que só se pode desenvolver em proporção à possibilidade de exploração, seja de trabalho próprio excedente ou de trabalho alheio, que resta depois de prestado o mais-trabalho representado na renda em dinheiro. Se ao lado dessa renda realmente se origina um lucro, então este não constitui uma barreira para a renda; ao contrário, é a renda que constitui uma barreira para o lucro. Porém, como já dissemos, a renda em dinheiro é, ao mesmo tempo, a forma de dissolução da renda fundiária examinada até aqui, a forma que coincide prima facie com o mais-valor e o mais-trabalho, isto é, a renda fundiária como forma normal e predominante do mais-valor. A renda em dinheiro, em seu desenvolvimento, deve conduzir – abstraindo de todas as formas intermediárias, como a do pequeno arrendatário rural – à transformação do solo em propriedade camponesa livre ou à forma do modo de produção capitalista, à renda paga pelo arrendatário capitalista.
Com a renda em dinheiro, a relação tradicional do direito consuetudinário entre o camponês sujeito a prestações, que possui e trabalha uma parcela da terra, e o proprietário fundiário transforma-se necessariamente numa relação apenas monetária, contratual, determinada segundo regras fixas do direito positivo. Assim, aquele que possui e cultiva a terra se converte, na prática, em simples arrendatário. Sob condições gerais adequadas de produção, essa transformação serve, por um lado, para expropriar pouco a pouco os antigos possuidores agrícolas e substituí-los por um arrendatário capitalista; por outro lado, livra o antigo possuidor de sua obrigação de pagar renda e o transforma em camponês independente, com plena propriedade da terra que cultiva. Além disso, a transformação da renda em produtos em renda em dinheiro é não só obrigatoriamente acompanhada, como inclusive precedida pela formação de uma classe de jornaleiros despossuídos que se alugam por dinheiro. Durante o período de surgimento dessa nova classe, em que ela só aparece de maneira esporádica, desenvolveu-se, entre os camponeses em melhor situação e sujeitos ao pagamento de rendas, o hábito de explorar por conta própria os jornaleiros rurais, do mesmo modo como já na época feudal os servos camponeses em melhor situação possuíam, por sua vez, servos. Assim se desenvolve, pouco a pouco, entre eles a possibilidade de acumular certo patrimônio e se transformar em futuros capitalistas. Entre os próprios antigos possuidores da terra, que a cultivavam de maneira autônoma, surge assim uma incubadora de arrendatários capitalistas, cujo desenvolvimento está condicionado pelo desenvolvimento geral da produção capitalista fora do campo e que cresce muito rapidamente quando, como no século XVI na Inglaterra, são auxiliados por circunstâncias tão particularmente favoráveis quanto a desvalorização progressiva do dinheiro, ocorrida naquela época e que, no caso dos tradicionais contratos de arrendamento a longo prazo, fez com que os arrendatários enriquecessem à custa dos proprietários fundiários.
Além disso, tão logo a renda assume a forma de renda em dinheiro, o que confere à relação entre o camponês que paga renda e o proprietário da terra a forma de uma relação contratual – transformação que, em geral, só é possível no caso de um grau dado de desenvolvimento do mercado mundial, do comércio e da manufatura –, tem início também necessariamente o arrendamento do solo a capitalistas que até então se achavam fora dos limites rurais e que, agora, transferem para o campo e para a agricultura o capital obtido no meio urbano, além dos métodos de produção capitalistas já desenvolvidos nas cidades, ou seja, a confecção do produto como mera mercadoria e simples meio para a apropriação de mais-valor. Essa forma só pode converter-se em regra geral em países que, na transição do modo de produção feudal para o capitalista, dominam o mercado mundial. Com o surgimento do arrendatário capitalista entre o proprietário da terra e o agricultor que de fato trabalha, cortam-se todas as relações provenientes do antigo modo rural de produção. O arrendatário se torna o verdadeiro comandante desses trabalhadores agrícolas e o verdadeiro explorador do mais-trabalho destes últimos, ao passo que o proprietário da terra só estabelece com esse arrendatário capitalista uma relação direta, ou seja, uma mera relação monetária e contratual. Desse modo, também a natureza da renda se transforma, não só de fato e fortuitamente, como já ocorria em parte sob as formas anteriores, mas de modo normal, em sua forma reconhecida e dominante. De forma normal do mais-valor e do mais-trabalho, ela é rebaixada a um excedente desse mais-trabalho sobre a parte dele que passa a ser apropriada pelo capitalista explorador sob a forma de lucro; do mesmo modo, agora esse capitalista extrai diretamente todo o mais-trabalho – o lucro e o excedente sobre o lucro – na forma de mais-produto total e o converte em dinheiro. Ao proprietário da terra, sobra, como renda, apenas uma parte excedente desse mais-valor que ele extrai dos trabalhadores rurais graças a seu capital e mediante a exploração direta. O quanto esses trabalhadores lhe cedem é determinado, em geral, como limite, pelo lucro médio que o capital gera nas esferas não agrícolas da produção e pelos preços de produção não agrícola regulados por esse lucro médio. Assim, de forma normal do mais-valor e do mais-trabalho a renda se transforma, então, num excedente dessa esfera particular da produção, a esfera agrícola, num excedente sobre a parte do mais-trabalho que o capital reclama como pertencendo a ele de antemão e normaliter [normalmente]. Em vez da renda, é o lucro que agora se converteu em forma normal do mais-valor, e a renda é considerada apenas como uma forma, autonomizada sob circunstâncias especiais, não do mais-valor em geral, mas de determinada ramificação deste último: do lucro extra. Não precisamos insistir na consideração de como a essa transformação corresponde uma transformação gradual no próprio modo de produção. Isso já resulta do fato de que o normal para esse arrendatário capitalista é produzir o produto agrícola como mercadoria e, ao passo que antes só o excedente sobre seu meio de subsistência era transformado em mercadoria, agora apenas uma parcela relativamente ínfima dessas mercadorias é transformada imediatamente em meios de subsistência para ele. Não mais a terra, mas o capital, passou agora a submeter diretamente o trabalho agrícola a si mesmo e a sua produtividade.
O lucro médio e o preço de produção que ele regula são formados fora das condições rurais, no terreno do comércio e da manufatura urbanos. O lucro do camponês obrigado a pagar renda não entra nesse lucro médio como fator de compensação, pois sua relação com o proprietário da terra não é de ordem capitalista. Quando obtém lucro, isto é, realiza um excedente sobre seus meios de subsistência necessários, por meio de trabalho próprio ou da exploração de trabalho alheio, isso se dá por trás das relações normais e, mantendo-se constantes as demais circunstâncias, sem que o nível desse lucro determine a renda, a qual, como limite desse lucro, é que, pelo contrário, o determina. A alta taxa de lucro na Idade Média não é devida apenas à baixa composição do capital, na qual predomina o elemento variável, desembolsado em salários; deve-se às fraudes perpetradas no campo, à apropriação de uma parte da renda do proprietário fundiário e dos rendimentos de seus súditos. Se, na Idade Média, o campo explorava politicamente a cidade em todos os lugares em que o feudalismo não tivesse sido superado por algum desenvolvimento urbano excepcional, como na Itália, assim também a cidade explorava economicamente o campo, por toda parte e sem exceção, impondo-lhe seus preços monopólicos, seu sistema de impostos, suas corporações, sua fraude comercial direta e sua usura.
É possível cogitar que o simples ingresso do arrendatário capitalista na produção agrícola forneça a prova de que o preço dos produtos agrícolas, que sempre pagaram renda numa ou noutra forma, precisa situar-se, ao menos na época desse ingresso, acima dos preços de produção da manufatura, seja porque eleva-se ao nível de um preço monopólico, seja porque subiu até atingir o valor dos produtos agrícolas e seu valor se encontra, de fato, acima do preço de produção regulado pelo lucro médio. Do contrário, seria impossível que o arrendatário, dados os preços preexistentes dos produtos agrícolas, realizasse primeiro o lucro médio a partir do preço desses produtos e, em seguida, a partir do mesmo preço, ainda pagasse um excedente sobre esse lucro sob a forma de renda. Com isso, daria para concluir que a taxa geral de lucro, que o arrendatário capitalista fixa em seu contrato com o proprietário fundiário, formou-se sem inclusão da renda e que, por conseguinte, tão logo esta última entra como reguladora na produção agrícola, encontra já dado esse excedente e o paga ao proprietário fundiário. Tal é o modo tradicional como, por exemplo, o sr. Rodbertus explica essa questão. Porém:
Primeiro. A entrada do capital como poder autônomo e dominante na agricultura não se dá de uma só vez e de modo geral, mas gradualmente e em ramos específicos da produção. De início, não atinge a agricultura propriamente dita, mas ramos da produção como a pecuária, principalmente a ovinocultura, cujo produto principal, a lã, com o avanço da indústria passa a oferecer um constante excedente do preço de mercado sobre o preço de produção, o que se compensa apenas mais tarde. Assim foi na Inglaterra durante o século XVI.
Segundo. Porque inicialmente essa produção capitalista só se instala de forma esporádica, não há como rejeitar de antemão a suposição de que ela, em primeira instância, só se apodera de terras que, graças a sua fertilidade específica ou a sua localização especialmente propícia, podem pagar, em geral, uma renda diferencial.
Terceiro. Mesmo supondo que nos primórdios desse modo de produção, que de fato pressupõe um peso cada vez maior da demanda urbana, os preços do produto agrícola estivessem acima do preço de produção, tal como ocorria, sem dúvida nenhuma, no último terço do século XVII na Inglaterra, assim que esse modo de produção tivesse conseguido livrar-se até certo ponto da mera subordinação da agricultura ao capital e assim que se tivessem verificado a melhoria da agricultura e a redução dos custos de produção – todos esses fatores necessariamente vinculados ao desenvolvimento desse modo de produção –, haveria, então, uma compensação em virtude de uma reação, de uma queda no preço dos produtos agrícolas, como ocorreu na Inglaterra na primeira metade do século XVIII.
Por essa via tradicional, portanto, não é possível explicar a renda como excedente sobre o lucro médio. Independentemente das circunstâncias historicamente preexistentes sob as quais ela apareça em primeira instância, uma vez que se tenha enraizado, a renda só existe sob as condições modernas já apresentadas.
Por fim, é preciso ainda salientar que, com a transformação da renda em produtos em renda em dinheiro, a renda capitalizada, o preço do solo e, logo, sua alienabilidade e sua alienação tornam-se um fator essencial e que, com isso, não só aquele que anteriormente era obrigado a pagar renda pode converter-se em proprietário camponês independente, mas também investidores urbanos e outros possuidores de dinheiro passam a ter a chance de comprar terrenos para arrendá-los, tanto a camponeses como a capitalistas, e de desfrutar da renda como de uma forma dos juros de seu capital investido dessa maneira; assim, também essa circunstância ajuda a transformar o modo de exploração anterior, a relação entre proprietário e agricultor real e a própria renda.
Chegamos aqui ao fim de nossa série de desenvolvimentos acerca da renda fundiária.
Em todas essas formas de renda fundiária – renda em trabalho, renda em produtos, renda em dinheiro (como mera forma transformada da renda em produtos) –, pressupõe-se sempre o pagador de renda como o verdadeiro possuidor e cultivador do solo, como aquele cujo mais-trabalho não pago é diretamente transferido para o proprietário fundiário. Mesmo na última forma, a da renda em dinheiro – na medida em que esta seja pura, ou seja, mera forma transformada da renda em produtos –, isso não só é possível, como ocorre efetivamente.
Como forma transitória entre a forma originária da renda e a renda capitalista encontra-se o sistema de meias ou de parceria, no qual o cultivador (arrendatário) fornece, além de seu trabalho (próprio ou alheio), uma parte do capital de giro, e o proprietário fundiário, além do solo, outra parte do capital de giro (por exemplo, o gado), sendo o produto dividido em dadas proporções, variáveis nos diferentes países, entre o rendeiro e o proprietário da terra. Nesse caso, para a plena exploração capitalista falta ao arrendatário, por um lado, capital suficiente. Por outro lado, a cota aqui recebida pelo proprietário da terra não tem a forma pura da renda. Ela pode, é verdade, incluir os juros sobre o capital por ele adiantado e uma renda excedente. Também pode absorver o mais-trabalho inteiro do arrendatário ou deixar-lhe uma cota maior ou menor nesse mais-trabalho. Mas o essencial é que a renda nem sequer aparece mais como a forma normal do mais-valor. Por um lado, o rendeiro, empregue ele apenas seu próprio trabalho ou também trabalho alheio, tem direito a uma parte do produto, não em sua qualidade de trabalhador, mas como possuidor de uma parte dos instrumentos de trabalho, como seu próprio capitalista. Por outro lado, o proprietário fundiário exige sua parte não somente com base em sua propriedade do solo, mas também como prestamista de capital[44a].
Um resíduo da antiga propriedade comum do solo, que se conservara depois da transição para a economia camponesa independente, por exemplo, na Polônia e na Romênia, serviu lá de pretexto para provocar a transição às formas inferiores da renda fundiária. Uma porção do solo pertence aos camponeses individuais, que o cultivam de forma autônoma. Outra é cultivada coletivamente e gera um mais-produto que serve, em parte, para cobrir despesas da comunidade e, em parte, como reserva para casos de más colheitas etc. Essas duas últimas parcelas do mais-produto – e, por fim, o mais-produto inteiro, inclusive o solo do qual ele foi colhido – são pouco a pouco usurpadas por funcionários estatais e pessoas privadas, e os proprietários camponeses, originariamente livres, cuja obrigação de cultivar coletivamente esse solo é mantida, transformam-se assim em servos da gleba ou camponeses sujeitos a pagar renda em produtos, ao passo que os usurpadores das terras comunais passam a ser os proprietários fundiários, não só da terra comunal usurpada, mas também dos próprios bens dos camponeses.
Não precisamos detalhar aqui a economia escravista propriamente dita (que também percorre uma escala que vai desde a escravidão patriarcal, predominantemente para consumo próprio, até o sistema de plantações, que trabalha para o mercado mundial) nem o sistema em que o proprietário fundiário cultiva a terra por conta própria, detém todos os instrumentos de produção e explora o trabalho de servos, livres ou não, pagos em produtos ou em dinheiro. Aqui coincidem proprietários de terra e proprietários de instrumentos de produção e, por isso, também o explorador direto dos trabalhadores que se contam entre esses instrumentos de produção. Do mesmo modo, coincidem renda e lucro e não se dá nenhuma separação entre as diversas formas de mais-valor. O mais-trabalho dos trabalhadores que aqui se apresenta no mais-produto é extraído deles diretamente pelo proprietário do conjunto dos instrumentos de produção, entre os quais o solo e, na forma originária da escravidão, os próprios produtores diretos. Onde predomina a concepção capitalista, como nas plantações norte-americanas, todo esse mais-valor é concebido como lucro; já onde nem o modo de produção capitalista está presente, nem seu correspondente modo de conceber as coisas tenha sido transposto de países capitalistas, ele aparece como renda. De todo modo, essa forma não oferece dificuldade nenhuma. O rendimento do proprietário da terra, seja qual for o nome que se lhe dê, o mais-produto disponível que ele apropria, é aqui a forma normal e predominante em que todo o mais-trabalho não pago é diretamente apropriado, e a propriedade fundiária forma a base dessa apropriação.
Além disso, temos a propriedade parcelária. Nela, o camponês é ao mesmo tempo livre proprietário de seu solo, que se apresenta como seu principal instrumento de produção, como o campo indispensável de ocupação para seu trabalho e seu capital. Nessa forma, o arrendamento não é pago; por conseguinte, a renda não aparece como uma forma separada do mais-valor, embora em países em que, de resto, o modo de produção capitalista se encontra desenvolvido ela se apresente como lucro extra em comparação com outros ramos da produção, mas como lucro extra que cabe ao camponês, do mesmo modo como, em geral, com todo o produto de seu trabalho.
Essa forma da propriedade do solo pressupõe, como em suas formas mais antigas, que a população rural possua uma grande preponderância numérica sobre a urbana, isto é, que, ainda quando impere o modo de produção capitalista, este esteja relativamente pouco desenvolvido e, por isso, predomine a fragmentação do capital, já que também nos outros ramos de produção a concentração dos capitais se movimenta dentro de limites estreitos. Segunda a natureza das coisas, uma parte predominante do produto da terra tem de ser consumida por seus produtores, os camponeses, como meio direto de subsistência, e só o excedente sobre essa parte pode entrar como mercadoria no comércio com as cidades. Independentemente de como esteja aqui regulado o preço médio de mercado do produto agrícola, a renda diferencial, uma parte excedente do preço das mercadorias para as terras melhores ou mais bem localizadas precisa obviamente existir, assim como no modo de produção capitalista. Mesmo que essa forma se apresente em condições sociais onde nenhum preço geral de mercado esteja sequer desenvolvido, essa renda diferencial existe; ela se manifesta, então, no mais-produto excedente. Só que ela é embolsada pelo camponês, cujo trabalho se efetua sob condições naturais mais favoráveis. Exatamente nessa forma, em que o preço do solo se apresenta para o camponês como elemento dos custos de produção efetivos – uma vez que, com o desenvolvimento ulterior dessa forma, no caso de divisões sucessórias, recebe-se o solo em troca de certo valor em dinheiro ou, no caso de mudanças constantes de dono, seja da propriedade inteira, seja das partes que a integram, o solo é comprado pelo próprio cultivador, na maior parte dos casos por empréstimo de dinheiro sobre hipoteca –, quer dizer, onde o preço da terra, que não é senão a renda capitalizada, é um elemento pressuposto e, por isso, faz com que a renda pareça existir independente de qualquer diferença na fertilidade e localização do solo, é precisamente aqui que cabe supor, em média, que não há uma renda absoluta, isto é, que o solo pior não paga renda nenhuma, já que a renda absoluta pressupõe ou um excedente realizado do valor do produto sobre seu preço de produção ou um preço monopólico acima do valor do produto. Como aqui, no entanto, a economia agrícola consiste em grande parte no cultivo para a subsistência direta e o solo é, para a maior parte da população, um campo indispensável de ocupação de seu trabalho e de seu capital, então apenas sob circunstâncias extraordinárias o preço regulador de mercado do produto atingirá seu valor; mas este estará em média, necessariamente acima do preço de produção, devido à preponderância do elemento de trabalho vivo, ainda que esse excedente do valor sobre o preço de produção seja também novamente limitado pela baixa composição do capital não agrícola em países onde predomina a economia parcelária. Como limite da exploração para o camponês parcelário não aparece, por um lado, o lucro médio do capital, na medida em que ele é um pequeno capitalista; tampouco, por outro lado, a necessidade de uma renda, na medida em que ele é proprietário do solo. Em sua condição de pequeno capitalista, a única coisa que aparece para ele como limite absoluto é o salário que ele paga a si mesmo, após a dedução dos custos propriamente ditos. Enquanto o preço do produto cobre seu salário, ele continua a cultivar suas terras, e isso frequentemente até atingir um mínimo físico do salário. No que diz respeito a sua qualidade de proprietário fundiário, desaparece para ele a limitação da propriedade, que só pode tornar-se efetiva em oposição ao capital separado dela (inclusive trabalho) quando interpõe uma barreira ao investimento desse capital. De todo modo, os juros do preço da terra, que muitas vezes ainda precisam ser pagos a um terceiro, ao credor da hipoteca, são uma limitação. Tais juros, no entanto, podem ser pagos com a parte do mais-trabalho que, sob condições capitalistas, formaria o lucro. A renda antecipada no preço da terra e nos juros pagos por ela pode, então, ser tão somente uma parte do mais-trabalho dos camponeses capitalizado sobre o trabalho indispensável a sua subsistência, sem que esse mais-trabalho seja realizado numa parcela do valor da mercadoria igual a todo o lucro médio e, menos ainda, num excedente sobre o mais-trabalho realizado no lucro médio, num lucro extra. A renda pode ser uma dedução do lucro médio ou, inclusive, a única parte desse lucro médio que se realiza. Por conseguinte, para que o camponês parcelário cultive seu solo ou compre terra para cultivar, não é necessário, como ocorre no modo normal de produção capitalista, que o preço de mercado do produto agrícola suba o suficiente para render-lhe o lucro médio e, menos ainda, um excedente, fixado na forma de renda, sobre esse lucro médio. Não é preciso, portanto, que o preço de mercado se eleve até o valor ou até o preço de produção de seu produto. Isso é um dos fatores que fazem com que o preço dos cereais em países em que predomina a propriedade parcelária seja mais baixo do que em nações com modo de produção capitalista. Uma parte do mais-trabalho dos camponeses que trabalham sob as condições mais desfavoráveis é cedida gratuitamente à sociedade e não entra na regulação dos preços de produção nem na formação do valor em geral. Esse preço inferior é, logo, um resultado da pobreza dos produtores, e não da produtividade de seu trabalho. A livre propriedade parcelária de camponeses que trabalham suas próprias terras, enquanto forma normal e dominante, constitui, por um lado, a base econômica da sociedade nas melhores épocas da Antiguidade clássica, base que podemos encontrar entre os povos modernos como uma das formas que surgem da dissolução da propriedade fundiária rural. É o caso da yeomanry na Inglaterra, do campesinato na Suécia, dos camponeses na França e no leste da Alemanha. Não falamos aqui das colônias, porquanto nelas o camponês autônomo se desenvolve sob outras condições.
A livre propriedade do camponês que trabalha sua própria terra é, evidentemente, a forma mais normal de propriedade fundiária para a exploração em pequena escala, isto é, para um modo de produção em que a posse do solo é uma condição da propriedade, por parte do trabalhador, do produto de seu próprio trabalho em que o camponês, seja ele proprietário livre ou não, precisa sempre produzir seus meios de subsistência para si mesmo, com sua família, na qualidade de trabalhador autônomo isolado. A propriedade da terra é tão necessária para o pleno desenvolvimento dessa atividade quanto a propriedade do instrumento para o livre desenvolvimento do artesanato. Tal propriedade forma aqui a base para o desenvolvimento da independência pessoal, um ponto de transição necessário para o desenvolvimento da própria agricultura. As causas de seu declínio revelam sua limitação. São elas: o desaparecimento da indústria doméstica rural, que era seu complemento normal, devido ao desenvolvimento da grande indústria; o empobrecimento gradual e o esgotamento do solo submetido a esse cultivo; a usurpação, por grandes proprietários fundiários, da propriedade comunal, que por toda parte forma o segundo complemento da economia parcelária, porquanto só ela permite a criação de gado; a concorrência do cultivo em grande escala, praticado como sistema de plantações ou como exploração capitalista. Os aperfeiçoamentos na agricultura que, por um lado, provocam uma queda nos preços dos produtos agrícolas e, por outro, exigem maiores gastos e maior abundância de condições materiais de produção também colaboram para isso, como ocorreu na Inglaterra na primeira metade do século XVIII.
Por sua natureza, a propriedade parcelária exclui o desenvolvimento das forças produtivas sociais do trabalho, as formas sociais do trabalho, a concentração social dos capitais, a pecuária em larga escala e o emprego avançado da ciência.
A usura e o sistema de impostos provocarão necessariamente sua ruína por toda parte. O dispêndio do capital no preço da terra subtrai esse capital ao cultivo. A fragmentação infinita dos meios de produção e o isolamento dos próprios produtores. O monstruoso desperdício das forças humanas. A piora progressiva das condições de produção e o encarecimento dos meios de produção constituem uma lei necessária da propriedade parcelária. A desgraça que as estações mais frutíferas do ano representam para esse modo de produção[45].
Um dos males específicos da agricultura em pequena escala, quando vinculada à livre propriedade da terra, advém do fato de que o lavrador, ao comprar a terra, desembolsa um capital. (O mesmo se aplica à forma de transição, em que o grande proprietário fundiário primeiro desembolsa um capital para comprar terras e, em seguida, para que ele mesmo as explore como seu próprio arrendatário.) Dada a natureza móvel que a terra aqui ostenta como mera mercadoria, aumentam as mudanças de posse[46], de modo que, a cada nova geração, com cada partilha, a terra, do ponto de vista do camponês, entra de novo como investimento de capital, isto é, converte-se em terra comprada por ele. Nesse caso, o preço da terra é um fator predominante dos falsos custos individuais de produção ou do preço de custo do produto para os produtores individuais.
O preço da terra não é senão renda capitalizada e, por conseguinte, antecipada. Se a agricultura é explorada ao modo capitalista, de forma que o proprietário da terra recebe apenas a renda, e o arrendatário não paga pela terra senão essa renda anual, então o capital investido pelo próprio proprietário fundiário na compra da terra é evidentemente, para ele, um investimento de capital portador de juros, mas que não guarda absolutamente nenhuma relação com o capital investido na própria agricultura. Não forma parte nem do capital fixo aqui em funcionamento nem do capital circulante[47]; pelo contrário, só garante ao comprador um título quando recebe a renda anual, mas não tem absolutamente nenhuma relação com a produção dessa renda. O comprador paga o capital precisamente àquele que lhe vendeu a terra, e o vendedor, em contrapartida, renuncia a sua propriedade sobre a terra. Esse capital, portanto, já não existe como capital do comprador, pois este já não o tem; já não pertence, pois, ao capital que ele pode investir de algum modo no próprio solo. Se comprou a terra caro ou barato, ou se a recebeu de graça, é algo que não altera em nada o capital investido pelo arrendatário na exploração, e em nada modifica a renda, mas apenas o seguinte: que esta agora lhe apareça como juros ou não juros ou, respectivamente, como juros altos ou baixos.
Tomemos como exemplo a economia escravista. O preço que se paga pelo escravo não é outra coisa senão o mais-valor ou o lucro, antecipado e capitalizado, a ser extraído dele. Mas o capital que se paga na compra do escravo não pertence ao capital por meio do qual se extrai do escravo o lucro, o mais-trabalho. Pelo contrário. É capital que o senhor de escravos alienou, dedução do capital que ele detém na produção real. Não existe mais para ele, exatamente como o capital investido na compra da terra não existe mais para a agricultura. A melhor prova está no fato de que ele só volta a ter existência para o senhor de escravos ou para o proprietário fundiário quando ele volta a vender o escravo ou a terra. Então se produz a mesma situação para o comprador. A circunstância de que ele tenha comprado o escravo ainda não o capacita a, sem mais nem menos, explorá-lo. Só o capacita a isso um capital posterior, que ele emprega na própria economia escravista.
O mesmo capital não existe duas vezes, uma vez nas mãos do vendedor da terra, outra nas mãos de seu comprador. Ele passa das mãos do comprador às do vendedor; com isso, o assunto está encerrado. Agora, o comprador não tem capital nenhum, mas, em vez disso, possui um terreno. A circunstância de que a renda obtida pelo investimento real de capital nesse terreno venha a ser calculada pelo novo proprietário da terra como juros do capital que ele não investiu na terra, mas cedeu para sua aquisição, não altera em absolutamente nada a natureza econômica do fator terra, do mesmo modo como a circunstância de que alguém tenha pago £1.000 por consolidados a 3% tampouco tem qualquer relação com o capital de cujos rendimentos se pagam os juros da dívida pública.
Com efeito, o dinheiro despendido na compra da terra, assim como o gasto na compra de títulos públicos, só é capital em si, do mesmo modo como, na base do modo de produção capitalista, toda soma de valor é capital em si, capital potencial. O que se pagou pela terra, assim como pelos fundos públicos ou por outras mercadorias compradas, foi uma soma em dinheiro. Esta é capital em si, porquanto pode ser transformada em capital. Se o dinheiro recebido pelo vendedor realmente se transforma em capital ou não, isso é algo que depende do uso que ele faz. Para o comprador, ele nunca mais poderá ter essa função, assim como qualquer outro dinheiro que ele tenha gasto definitivamente. Em seus cálculos, isso aparece como um capital portador de juros, uma vez que os rendimentos que ele obtém como renda do solo ou como juros pela dívida pública são calculados como juros do dinheiro que ele pagou na compra do título sobre esse rendimento. Como capital, ele só pode realizá-lo mediante revenda. Mas eis que entra outra pessoa, o novo comprador, na mesma relação em que aquele se encontrava, e não há mudança de mãos que faça com que o dinheiro assim despendido transforme-se em capital real para quem o desembolsa.
Na pequena propriedade, fortalece-se muito mais a ilusão de que a própria terra tem valor e, por isso, entra como capital no preço de produção do produto, exatamente como uma máquina ou a matéria-prima. Porém, vimos que só em dois casos a renda – por conseguinte, a renda capitalizada, o preço da terra – entra de modo decisivo no preço do produto agrícola. Primeiro, se o valor do produto agrícola, em virtude da composição do capital agrícola – de um capital que não tem nada a ver com o capital desembolsado na compra da terra – se encontra acima de seu preço de produção, e as condições de mercado permitem que o proprietário fundiário aproveite essa diferença. Segundo, se existem preços monopólicos. Ambos os casos ocorrem menos que nunca na economia parcelária e na pequena propriedade, justamente porque aqui a produção supre em grande parte as próprias necessidades, funcionando independentemente da regulação pela taxa geral de lucro. Mesmo quando a economia parcelária é praticada em solo arrendado, o dinheiro do arrendamento engloba, muito mais do que em quaisquer outras circunstâncias, uma parte do lucro e até mesmo uma dedução do salário; ele é, então, apenas nominalmente uma renda, e não a renda como categoria independente em relação ao salário e ao lucro.
O dispêndio de capital monetário para a compra da terra não é, pois, um investimento de capital agrícola. É, pro tanto [proporcionalmente], uma redução do capital do qual podem dispor os pequenos camponeses em sua própria esfera de produção. Esse desembolso reduz pro tanto o volume de seus meios de produção e, por isso, estreita a base econômica da reprodução. Submete o pequeno camponês ao agiota, porquanto nessa esfera, em geral, há pouco crédito propriamente dito. É um entrave para a agricultura, ainda que essa compra ocorra quando se trata de grandes propriedades. Contradiz, com efeito, o modo de produção capitalista, que, em geral, é indiferente à circunstância do endividamento do proprietário fundiário, não importando se ele herdou sua propriedade ou a comprou. Se ele mesmo embolsa a renda ou se tem de gastá-la novamente no pagamento a credores de hipotecas, isso é algo que não altera em nada o próprio cultivo da propriedade arrendada.
Vimos que, com uma renda fundiária dada, é pela taxa de juros que se regula o preço da terra. Se ela é baixa, o preço da terra é alto, e vice-versa. Em condições normais, portanto, um preço alto da terra e uma taxa de juros baixa deveriam coincidir, de modo que, se o camponês, graças à taxa de juros baixa, paga pelas terras um preço alto, essa mesma taxa de juros baixa também teria de proporcionar-lhe capital de giro a crédito sob condições favoráveis. Quando a propriedade parcelária é predominante, porém, as coisas se dão de outra maneira. Em primeiro lugar, as leis gerais do crédito não se aplicam aos camponeses, pois elas pressupõem o produtor no papel do capitalista. Em segundo lugar, onde predomina a propriedade parcelária – não nos referimos a colônias – e o camponês parcelário atua como eixo central da nação, a formação de capital, isto é, a reprodução social, é relativamente fraca, e ainda mais fraca é a formação de capital monetário mutuável, no sentido que expusemos anteriormente. Tal formação pressupõe a concentração e a existência de uma classe de ricos capitalistas ociosos (Massie). Em terceiro lugar, onde a propriedade da terra é uma condição vital para a maior parte dos produtores e um campo de investimento imprescindível para seu capital, o preço da terra é alto, independente da taxa de juros e, com frequência, numa proporção inversa a esta última, devido à superioridade da demanda da propriedade fundiária em relação à oferta. Nesse caso, vendida em parcelas, a terra alcança um preço bem mais alto que na venda de grandes extensões, pois aqui os pequenos compradores são muitos, e o grandes, poucos (Bandes noires, Rubichon; Newman). Por tudo isso, o preço da terra aumenta mesmo com uma taxa de juros relativamente alta. Aos juros relativamente baixos que o camponês extrai do capital desembolsado na compra da terra (Mounier) corresponde, do lado oposto, a taxa de juros elevada, usurária, que ele mesmo tem de pagar a seus credores de hipotecas. O sistema irlandês apresenta o mesmo fenômeno, só que em outra configuração.
O preço da terra, elemento em si mesmo estranho à produção, pode elevar-se aqui a um nível em que torna impossível a produção (Dombasle).
Que o preço da terra exerça uma tal papel, que a compra e a venda do solo, a circulação da terra como mercadoria, desenvolvam-se nessas proporções, isso é praticamente consequência do desenvolvimento do modo de produção capitalista, na medida em que a mercadoria se converte na forma geral de todo produto e de todos os instrumentos de produção. Por outro lado, essa evolução só tem lugar se o modo de produção capitalista se desenvolve de maneira limitada, sem atualizar todas as suas potencialidades; precisamente porque ele se baseia no fato de que a agricultura já não está – ou ainda não está – submetida ao modo de produção capitalista, mas a um modo de produção legado pelas gerações passadas e de formas sociais já extintas. Portanto, as desvantagens do modo de produção capitalista, com sua dependência do produtor em relação ao preço em dinheiro de seu produto, nesse caso coincidem com as desvantagens decorrentes do desenvolvimento incompleto do modo de produção capitalista. O camponês se torna comerciante e industrial, mas sem que estejam presentes as condições sob as quais pode produzir seu produto como mercadoria.
O conflito entre o preço da terra como fator do preço de custo para o produtor, e não como fator do preço de produção para o produto (mesmo no caso em que a renda ingressa de modo determinante no preço do produto agrícola, a renda capitalista, que é adiantada por 20 anos ou mais, não ingressa aí de maneira nenhuma de modo determinante), é somente uma das formas em que se apresenta, em geral, a contradição entre a propriedade privada do solo e uma agricultura racional, uma utilização social normal do solo. No entanto, a propriedade privada do solo e, por conseguinte, a expropriação dos produtores diretos do solo – propriedade privada do solo por parte de uns, e consequente não propriedade por parte dos outros – constituem a base do modo de produção capitalista.
Aqui, no cultivo em pequena escala, o próprio preço da terra, que é forma e resultado da propriedade privada da terra, aparece como obstáculo a limitar a produção. Na agricultura em grande escala e na grande propriedade fundiária baseada no modo de exploração capitalista, a propriedade aparece também como um estorvo, pois limita o arrendatário em seu investimento produtivo de capital, que, em última instância, não favorece a ele, mas ao proprietário fundiário. Nas duas formas, o cultivo racional e consciente do solo como propriedade perene da comunidade, condição inalienável da existência e da reprodução das gerações humanas que se substituem umas às outras, cedem lugar à exploração e o desperdício das forças da terra (isso abstraindo do fato de que a exploração se torna dependente não do estágio de desenvolvimento social alcançado, mas das circunstâncias acidentais e desiguais dos produtores individuais). No caso da pequena propriedade, isso decorre da falta de meios e de conhecimentos científicos para empregar a força produtiva social do trabalho. Já na grande propriedade, é fruto da exploração desses meios para que o arrendatário e o proprietário enriqueçam o mais rápido possível. Em ambos os casos, decorre da dependência com relação ao preço de mercado.
Toda crítica à pequena propriedade fundiária se resolve, no final das contas, na crítica à propriedade privada como barreira e obstáculo à agricultura. O mesmo se aplica a toda crítica contra a grande propriedade fundiária. Em ambos os casos, abstrai-se naturalmente de considerações políticas acessórias. Essa barreira e esse obstáculo que toda propriedade privada da terra opõe à produção agrícola e ao cultivo racional, à manutenção e à melhoria da própria terra, apenas assumem diferentes formas em cada um dos casos, e na disputa acerca dessas formas específicas do mal, sua causa última é esquecida.
A pequena propriedade do solo pressupõe que parcela imensamente maior da população seja rural e que não o trabalho social, mas o trabalho isolado seja o predominante; que, por isso, sob tais circunstâncias, estejam excluídos a riqueza e o desenvolvimento da reprodução, em condições tanto materiais quanto espirituais, assim como as condições de um cultivo racional. Por outro lado, a grande propriedade do solo reduz a população agrícola a um mínimo em diminuição constante e opõe-lhe uma população industrial cada vez maior, aglomerada em grandes cidades, gerando assim as condições para uma ruptura irremediável no metabolismo social, prescrito pelas leis naturais da vida; dessa ruptura decorre o desperdício da força da terra, o qual, em virtude do comércio, é levado muito além das fronteiras do próprio país. (Liebig.)
Se a pequena propriedade do solo faz nascer uma classe de bárbaros situados, em parte, à margem da sociedade, que combina toda a rusticidade das formações sociais primitivas com todos os tormentos e as misérias dos países civilizados, a grande propriedade, por outro lado, soterra a força de trabalho no último lugar em que sua energia natural encontra refúgio e se armazena como fundo de reserva para a renovação da energia vital das nações: no próprio campo. A indústria e a agricultura em grande escala, exploradas de modo industrial, atuam de forma conjunta. Se num primeiro momento elas se distinguem pelo fato de que a primeira devasta e destrói mais a força de trabalho e, com isso, a força natural do homem, ao passo que a segunda depreda mais diretamente a força natural da terra, posteriormente, no curso do desenvolvimento, ambas se dão as mãos, uma vez que o sistema industrial na zona rural também exaure os trabalhadores, enquanto a indústria e o comércio, por sua vez, fornecem à agricultura os meios para o esgotamento do solo.
[a] Hippolyte Passy, “De la rente du sol”, em Dictionnaire de l’économie politique (Paris, 1854), t. 2, p. 511. (N. E. A.)
[42a] A.[dam] Smith destaca que, em sua época (e isso vale também para a nossa, no que diz respeito à economia de plantation em países tropicais e subtropicais), a renda e o lucro ainda não haviam se separado, porquanto o proprietário fundiário era ao mesmo tempo o capitalista, como era o caso, por exemplo, de Catão em seus domínios. Essa separação é precisamente o pressuposto do modo de produção capitalista, com cujo conceito a base da escravidão se encontra, além disso, em contradição.
[43] O sr. Mommsen, em sua história romana, entende a palavra “capitalista” não no sentido da economia moderna e da sociedade moderna, mas à maneira da concepção popular, tal como ela ainda continua a proliferar, não na Inglaterra nem na América do Norte, mas no continente, como antiga tradição oriunda de condições pretéritas.
[44] Depois da conquista de um país, o passo seguinte para os conquistadores foi sempre o de se apropriar também dos homens. Cf. Linguet. Ver também Möser.
[44a] Cf. Buret, Tocqueville, Sismondi.
[45] Ver, em [Thomas] Tooke [e William Newmarch, A History of Prices, and of the State of the Circulation, During the Nine Years 1848-1856, v. 6, Londres, 1857, p. 29-30 – N. E. A.], o discurso do trono pronunciado pelo rei da França.
[46] Ver Mounier e [Maurice] Rubichon [, Du mécanisme de la societé en France et en Anglaterre, cit.].
[47] O sr. dr. H. Maron (extensivo ou intensivo {não são dadas maiores indicações sobre essa brochura}) parte do pressuposto falso daqueles a quem ele combate. Admite que o capital investido na compra de terra seja “capital de investimento” e passa a brigar pelas perspectivas definições conceituais de capital de investimento e capital de exploração, isto é, de capital fixo e capital circulante. Suas concepções inteiramente primárias sobre capital em geral, aliás desculpáveis para um não economista pela situação da “teoria da economia política” alemã, ocultam-lhe que esse capital não é nem capital de investimento nem capital de giro; tampouco como o capital que alguém investe na Bolsa na compra de ações ou títulos públicos e que para ele, pessoalmente, representa um investimento de capital, não é “investido” em qualquer ramo de produção.