Capital-lucro (lucro empresarial mais juros), terra-renda fundiária, trabalho-salário: eis a fórmula trinitária na qual estão contidos todos os segredos do processo de produção social. Levando em conta que, como mostramos anteriormente, os juros se apresentam como o produto próprio e característico do capital, e que o lucro empresarial, em oposição a eles, surge como salário independente do capital, essa fórmula trinitária se reduz, vista mais de perto, à seguinte:
Capital-juros, terra-renda fundiária, trabalho-salário, na qual é felizmente eliminado o lucro, a forma do mais-valor que caracteriza propriamente o modo de produção capitalista.
Ora, examinando essa trindade econômica mais de perto, vemos que:
Primeiro, as supostas fontes da riqueza anualmente disponível pertencem a esferas absolutamente distintas e não apresentam a menor analogia entre si. Entre elas se encontra mais ou menos a mesma relação que existe entre as taxas cartoriais, a beterraba e a música.
Capital, terra, trabalho! Porém, o capital não é uma coisa, mas uma determinada relação social de produção, que pertence a uma determinada formação histórico-social, representa-se numa coisa e confere a esta um caráter especificamente social. O capital não consiste na soma dos meios de produção materiais e produzidos. Ele consiste nos meios de produção transformados em capital, meios que, em si, são tão pouco capital quanto o ouro ou a prata são, em si mesmos, dinheiro. Consiste nos meios de produção monopolizados por determinada parte da sociedade, os produtos e as condições de atividade da força de trabalho autonomizados precisamente diante dessa força de trabalho, que se personificam no capital mediante essa oposição. O capital não se resume aos produtos dos trabalhadores, produtos transformados em forças autônomas, aos produtores como dominadores e compradores daqueles que os produzem, mas também se constitui pelas forças sociais e a forma futura [...] {? ilegível} desse trabalho que eles se contrapõem como atributos de seu produto. De modo que temos aqui, pois, uma forma social determinada, muito mística à primeira vista, de um dos fatores de um processo social de produção historicamente fabricado.
E agora se nos apresenta a terra, a natureza inorgânica como tal, rudis indigestaque moles [a massa rude e caótica], em todo seu primitivismo selvático. O valor é trabalho. Por isso, o mais-valor não pode ser terra. A fertilidade absoluta do solo faz apenas com que certa quantidade de trabalho renda determinado produto, a depender da fertilidade natural do solo. A fertilidade desigual do solo faz com que as mesmas quantidades de trabalho e capital, ou seja, o mesmo valor se representem em diferentes quantidades de produtos agrícolas; portanto, que esses produtos tenham diferentes valores individuais. A nivelação desses valores individuais até formarem valores de mercado faz com que as advantages of fertile over inferior soil [...] are transferred from the cultivator or consumer to the landlord[a]. (Ricardo, Principles, p. 6.)
Por fim, como terceiro membro dessa aliança, um mero fantasma: “o” trabalho, que não passa de uma abstração e que, considerado em si mesmo, não existe em absoluto ou, se consideramos o [...] {ilegível}, a atividade produtiva do homem em geral, mediante a qual ele medeia o metabolismo com a natureza, desprovida não só de toda forma social e de toda determinação social do caráter, mas inclusive em sua simples existência natural, independente da sociedade, desligada de todas as sociedades e como exteriorização e confirmação vitais tanto do homem que ainda não é social quanto do homem socialmente determinado de alguma forma.
Capital-juros; propriedade fundiária, propriedade privada do globo terrestre, precisamente na forma moderna, que corresponde ao modo de produção capitalista-renda; trabalho assalariado-salário. Nessa fórmula é preciso haver, portanto, correlação entre as fontes do rendimento. Assim como o capital, também o trabalho assalariado e a propriedade fundiária são formas sociais historicamente determinadas; uma, do trabalho, e a outra, do globo terrestre monopolizado – e, com efeito, as duas são formas correspondentes ao capital e fazem parte da mesma formação econômica da sociedade.
O primeiro elemento surpreendente nessa fórmula é que, ao lado do capital, dessa forma de um elemento de produção que pertence a determinado modo de produção, a determinada configuração histórica do processo social da produção, ao lado de um elemento de produção ligado a uma certa forma social e representado nesta última, encontrem-se ordenados, sem mais nem menos, a terra de um lado e o trabalho de outro, isto é, dois elementos do processo efetivo de trabalho, que nessa forma material são comuns a todos os modos de produção, que são os elementos materiais de todo processo de produção e não guardam qualquer relação com a forma social deste.
Segundo. Na fórmula capital-juros, terra-renda fundiária, trabalho-salário, capital, terra e trabalho aparecem respectivamente como fontes de juros (em vez de lucro), e renda fundiária e salário surgem como seus produtos, seus frutos – aqueles são o motivo, estes, a consequência; aqueles a causa, estes, o efeito; e isso de modo que cada uma das fontes está separadamente relacionada a seu produto como aquilo que é derivado e produzido por ela. Todos estes três rendimentos – juros (em vez de lucro), renda, salário – constituem partes do valor do produto, ou seja, partes do valor em geral; se expressamos isso em dinheiro, determinadas partes do dinheiro, do preço. Ora, decerto a fórmula capital-juros é a fórmula do capital que menos corresponde a seu conceito, mas é uma fórmula dele. Como é que a terra poderá gerar um valor, isto é, uma quantidade de trabalho socialmente determinado, e, além disso, essa parte específica de valor de seus próprios produtos que constitui a renda? A terra, por exemplo, atua como agente de produção na criação de um valor de uso, de um produto material, do trigo. No entanto, ela não tem nada a ver com a produção do valor do trigo. Na medida em que o valor se representa no trigo, este é considerado apenas como determinada quantidade de trabalho social objetivado, não importando absolutamente a matéria especial em que esse trabalho se representa ou o valor específico de uso dessa matéria. Essa regra não é contraditada pelo fato de que: 1) mantendo-se inalteradas as demais circunstâncias, o baixo ou o alto preço do trigo dependa da produtividade da terra. A produtividade do trabalho agrícola vincula-se a condições naturais e, de acordo com sua produtividade, a mesma quantidade de trabalho pode-se representar em muitos ou poucos produtos, valores de uso. A grandeza da quantidade de trabalho que se representa em um alqueire depende da quantidade de alqueires fornecida pela mesma massa de trabalho. Em que quantidade de produto o valor se representa é algo que depende, aqui, da produtividade do solo; mas esse valor está dado independente dessa distribuição. O valor se representa num valor de uso, e o valor de uso é uma das condições da criação de valor; mas é uma tolice formular uma antítese na qual figura, de um lado, um valor de uso, a terra, e, do outro, um valor – ainda por cima, uma parte específica de valor. 2) {Aqui se interrompe o manuscrito.}
A economia vulgar, com efeito, não faz mais que interpretar, sistematizar e louvar doutrinariamente as concepções dos agentes presos dentro das relações burguesas de produção. Não nos deve surpreender, portanto, que ela, precisamente na forma de manifestação alienada das relações econômicas, nas quais essas aparecem, prima facie, como contradições totais e absurdas – e toda a ciência seria supérflua se a forma de manifestação e a essência das coisas coincidissem imediatamente –, se sinta aqui perfeitamente à vontade e que essas relações lhe apareçam tanto mais naturais quanto mais escondida se encontrar nela a correlação interna, ao mesmo tempo em que são correntes para a concepção comum. Por isso ela não tem a mínima noção de que a trindade da qual parte – terra-renda; capital-juros; trabalho-salário ou preço do trabalho – é, prima facie, de composições impossíveis. Primeiro, há o valor de uso terra, que não tem valor nenhum, e o valor de troca renda – de maneira que uma relação social, concebida como coisa, está posta em relação com a natureza; logo, duas grandezas incomensuráveis que guardam entre si uma proporção recíproca. Em seguida, capital-juros. Se o capital é compreendido prima facie como certa soma de valor, representada de forma autônoma em dinheiro, então é tolice que um valor tenha de valer mais do que seu valor real. Na forma capital-juros desaparece toda a intermediação, e o capital é reduzido a sua fórmula mais genérica, mas também por isso a uma fórmula inexplicável e absurda. Daí que o economista vulgar prefira a fórmula capital-juros à fórmula capital-lucro, com a qualidade oculta de ser um valor desigual a si mesmo, pois com esta última já nos aproximamos mais da relação real do capital. Depois, com a agitada sensação de que 4 não são 5 e, por conseguinte, 100 táleres não podem ser jamais 110 táleres, ele foge do capital como valor para a substância material do capital, para seu valor de uso como condição de produção do trabalho: foge para a maquinaria, a matéria-prima etc. Com isso, em vez da incompreensível primeira relação, segundo a qual 4 = 5, ele chega a uma relação completamente incomensurável entre, por um lado, um valor de uso, uma coisa, e, por outro, determinada relação social de produção, o mais-valor: exatamente como na propriedade fundiária. Uma vez de posse desse incomensurável e tudo se esclarece para o economista vulgar, que então já não sente mais a necessidade de continuar a pensar, agora que chegou ao “racional” da concepção burguesa. Finalmente, trabalho-salário, o preço do trabalho, como o demonstramos no Livro I, é uma expressão que, prima facie, contradiz o conceito de valor, assim como o de preço, que, em geral, não é propriamente mais que uma expressão determinada do valor; e “preço do trabalho” é, do mesmo modo, algo tão irracional quanto um logaritmo amarelo. Mas é nesse ponto que o economista vulgar fica satisfeito, pois chegou, enfim, à visão mais profunda do burguês, convencido de que paga dinheiro pelo trabalho, e porque justamente a contradição entre a fórmula e o conceito de valor o libera da obrigação de compreender este último.
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Vimos[49] que o processo de produção capitalista é uma forma historicamente determinada do processo social de produção em geral. Este último é tanto um processo de produção das condições materiais de existência da vida humana como um processo que, operando-se em condições histórico-econômicas de produção específicas, produz e reproduz essas mesmas relações de produção e, com elas, os portadores desse processo, suas condições materiais de existência e suas relações mútuas, isto é, sua determinada formação socioeconômica. A totalidade dessas relações que os portadores dessa produção estabelecem com a natureza e entre si, relações na quais ele produzem, é justamente a sociedade, considerada em sua estrutura econômica. Como todos os processos de produção antecedentes, a produção capitalista está submetida a determinadas condições materiais que, no entanto, contêm em si relações sociais determinadas que os indivíduos estabelecem no processo de reprodução da vida. Aquelas condições, assim como essas relações, são, por um lado, pressupostos e, por outro, resultados e criações do processo de produção capitalista, que os produz e reproduz. Vimos, além disso, que o capital – e o capitalista não é mais do que o capital personificado, que funciona no processo de produção apenas como portador do capital –, logo, o capital durante o processo social de produção que lhe corresponde, extrai determinada quantidade de mais-trabalho dos produtores diretos ou dos trabalhadores, mais-trabalho que o capitalista recebe sem equivalente e que, conforme sua essência, continua sempre a ser trabalho forçado, por mais que possa aparecer como resultado de um contrato livremente consentido. Esse mais-trabalho se representa num mais-valor, e esse mais-valor existe num mais-produto. Mais-trabalho em geral, como trabalho que vai além das necessidades dadas, tem de continuar a existir sempre. No sistema capitalista, porém, assim como no sistema escravista etc., ele assume uma forma antagônica e recebe um complemento na puro ócio de uma parte da sociedade. A necessidade de assegurar-se contra fatos acidentais e a indispensável e progressiva expansão do processo de reprodução – expansão que corresponde ao desenvolvimento das necessidades e ao progresso da população, o que, do ponto de vista capitalista, se chama acumulação – exigem determinada quantidade de mais-trabalho. O capital tem como um de seus aspectos civilizadores o fato de extrair esse mais-trabalho de maneira e sob condições mais favoráveis ao desenvolvimento das forças produtivas, das relações sociais e à criação dos elementos para uma nova formação, superior às formas anteriores da escravidão, da servidão etc. Isso conduz, por um lado, a uma fase em que desaparecem a coerção e a monopolização do desenvolvimento social (inclusive de suas vantagens materiais e intelectuais) por uma parte da sociedade à custa da outra; por outro lado, cria os meios materiais e o germe de relações que, numa forma superior da sociedade, permitirão unir esse mais-trabalho a uma redução maior do tempo dedicado ao trabalho material em geral, pois, na medida do desenvolvimento da força produtiva do trabalho, o mais-trabalho pode ser grande com uma breve jornada total de trabalho e relativamente pequeno com uma grande jornada total de trabalho. Digamos que o tempo de trabalho necessário seja = 3 e o mais-trabalho = 3; a jornada total de trabalho será, então, = 6 e a taxa do mais-trabalho = 100%. Se o trabalho necessário for = 9 e o mais-trabalho for = 3, então a jornada total de trabalho será = 12 e a taxa de mais-trabalho será apenas = 33⅓%. Assim, da produtividade do trabalho depende quanto valor de uso se produz em determinado tempo e, portanto, também em certo tempo de mais-trabalho. A riqueza efetiva da sociedade e a possibilidade de ampliar constantemente seu processo de produção não dependem, desse modo, da duração do mais-trabalho, mas de sua produtividade e das condições mais ou menos abundantes de produção em que ela tem lugar. Com efeito, o reino da liberdade só começa onde cessa o trabalho determinado pela necessidade e pela adequação a finalidades externas; pela própria natureza das coisas, portanto, é algo que transcende a esfera da produção material propriamente dita. Do mesmo modo como o selvagem precisa lutar com a natureza para satisfazer suas necessidades, para conservar e reproduzir sua vida, também tem de fazê-lo o civilizado – e tem de fazê-lo em todas as formas da sociedade e sob todos os modos possíveis de produção. À medida de seu desenvolvimento, amplia-se esse reino da necessidade natural, porquanto se multiplicam as necessidades; ao mesmo tempo, aumentam as forças produtivas que as satisfazem. Aqui, a liberdade não pode ser mais do que fato de que o homem socializado, os produtores associados, regulem racionalmente esse seu metabolismo com a natureza, submetendo-o a seu controle coletivo, em vez de serem dominados por ele como por um poder cego; que o façam com o mínimo emprego de forças possível e sob as condições mais dignas e em conformidade com sua natureza humana. Mas este continua a ser sempre um reino da necessidade. Além dele é que tem início o desenvolvimento das forças humanas, considerado como um fim em si mesmo, o verdadeiro reino da liberdade, que, no entanto, só pode florescer tendo como base aquele reino da necessidade. A redução da jornada de trabalho é a condição básica.
Na sociedade capitalista, esse mais-valor ou esse mais-produto se distribui – abstraindo-se das flutuações ocasionais da distribuição e considerando-se sua lei reguladora, seus limites normativos – entre os capitalistas como dividendos em proporção à cota de capital social pertencente a cada um. Nessa forma, o mais-valor aparece como o lucro médio que diz respeito ao capital, lucro médio que, por sua vez, desdobra-se em ganho empresarial e juros, podendo recair, sob essas duas categorias, em diferentes tipos de capitalista. Por meio do capital, no entanto, essa apropriação e distribuição do mais-valor, ou, a depender do caso, do mais-produto, encontram seu limite na propriedade fundiária. Assim como o capitalista ativo extrai do trabalhador o mais-trabalho e, com isso, sob a forma do lucro, o mais-valor e o mais-produto, também o proprietário fundiário extrai do capitalista uma parte desse mais-valor, ou mais-produto, sob a forma da renda fundiária, segundo as leis anteriormente desenvolvidas.
Quando aqui falamos do lucro como da parcela do mais-valor que recai no capital, referimo-nos com isso ao lucro médio (igual ao lucro empresarial mais os juros) que já se encontra limitado pela dedução da renda do lucro total (igual, em sua massa, ao mais-valor total); pressupõe-se a dedução da renda. Lucro do capital (lucro empresarial mais juros) e renda fundiária não são, portanto, nada além de componentes específicos do mais-valor, categorias em que este se diferencia conforme recaia no capital ou na propriedade da terra, rubricas que, porém, mantêm inalterada sua essência. Somados, formam a totalidade do mais-valor social. O capital extrai diretamente dos trabalhadores o mais-trabalho, que representa o mais-valor e o mais-produto. Nesse sentido, é possível considerá-lo, pois, como produtor do mais-valor. A propriedade fundiária não guarda nenhuma relação com o processo efetivo de produção. Seu papel se limita a fazer com que parte do mais-valor produzido passe do bolso do capital para o seu próprio. Mas o proprietário fundiário desempenha uma função no processo de produção capitalista, não só pela pressão que faz sobre o capital, tampouco somente pelo fato de a grande propriedade fundiária ser um pressuposto e uma condição da produção capitalista – por consistir na expropriação das condições de trabalho do trabalhador –, mas fundamentalmente pelo fato de aparecer como personificação de uma das condições mais essenciais da produção. Por fim, o trabalhador, como proprietário e vendedor de sua força de trabalho pessoal, recebe, nomeadamente como salário, uma parte do produto em que se representa a parte de seu trabalho que designamos como trabalho necessário, isto é, o trabalho necessário à conservação e reprodução dessa força de trabalho, não importando se as condições dessa conservação e dessa reprodução são mais pobres ou mais ricas, mais favoráveis ou mais desfavoráveis.
Ora, essas relações, por mais diferentes que pareçam entre si, possuem todas um ponto em comum: o capital rende, anualmente, lucro para o capitalista; o solo, renda fundiária para o proprietário da terra; e a força de trabalho – sob condições normais e enquanto se mantém como força de trabalho empregável –, salário para o trabalhador. Essas três partes do valor total produzido ano a ano e as partes que lhes dizem respeito do produto total produzido podem – aqui, por ora, prescindimos da acumulação – ser anualmente consumidas por seus respectivos donos, sem o esgotamento da fonte de sua reprodução. Aparecem como frutos de uma árvore perpétua, que podem ser anualmente consumidos, ou, mais precisamente, de três árvores, e formam os rendimentos anuais de três classes – do capitalista, do proprietário fundiário e do trabalhador –, os quais o capitalista ativo distribui como sugador direto do mais-trabalho e empregador do trabalho em geral. Ao capitalista, aparece seu capital; ao proprietário fundiário, seu solo; e ao trabalhador, sua força de trabalho, ou melhor, seu próprio trabalho (porquanto ele só vende efetivamente a força de trabalho na medida em que ela se exterioriza, e porque para ele, como mostramos anteriormente, o preço da força de trabalho, sobre a base do modo de produção capitalista, apresenta-se necessariamente como preço do trabalho) – portanto, três fontes de seus rendimentos específicos: o lucro, a renda fundiária e o salário. De fato, o são no sentido de que, para o capitalista, o capital é uma perpétua máquina de sugar mais-trabalho; o solo, um ímã inesgotável que atrai para o proprietário fundiário uma parte do mais-valor sugada pelo capital; e, por último, o trabalho é a condição que sempre se renova e o meio para obter, sob a forma de salário, uma parcela do valor produzido pelo trabalhador e, por conseguinte, uma parte do produto social proporcional a essa parte do valor, os meios de subsistência necessários. Além disso, o são no sentido de que o capital fixa na forma de lucro uma parcela do valor e, por isso, do produto do trabalho anual, a propriedade fundiária fixa outra parte na forma da renda, e o trabalho assalariado fixa uma terceira parte na forma do salário; precisamente mediante essa transformação, eles se transformam nos rendimentos do capitalista, do proprietário fundiário e do trabalhador, mas sem criar a própria substância que se converte nessas distintas categorias. A distribuição pressupõe, pelo contrário, a existência dessa substância, isto é, o valor total do produto anual, que nada mais é que trabalho social objetivado. Porém, a questão não se apresenta nessa forma para os agentes da produção, que exercem diferentes funções no processo de produção, mas, antes, numa forma invertida. Por que isso ocorre é algo que desenvolveremos adiante, ao longo da investigação. O capital, a propriedade fundiária e o trabalho aparecem para aqueles agentes da produção como três fontes distintas e independentes, das quais derivam três componentes do valor anualmente produzido e, por conseguinte, do produto em que este existe; ou seja, das quais derivam não só as diferentes formas desse valor como rendimentos, que se aplicam aos fatores particulares do processo social de produção, como também esse mesmo valor e, com ele, a substância dessas formas de rendimento.
{Aqui falta uma folha no manuscrito.}
[...] A renda diferencial se relaciona com a fertilidade relativa dos terrenos, ou seja, com atributos que se originam da terra como tal. Mas na medida em que, em primeiro lugar, ela está fundada nos diferentes valores individuais dos produtos de diferentes tipos de solo, encontra-se apenas na determinação que acabamos de mencionar; na medida em que, em segundo lugar, funda-se no valor regulador geral de mercado, que se distingue desses valores individuais, consiste numa lei social que opera mediante a concorrência e que não guarda qualquer relação com o solo nem com seus diferentes graus de fertilidade.
Poderia aparentar que ao menos em “trabalho-salário” se enuncia uma relação racional. Mas isso está tão distante da realidade quanto no caso de “solo-renda fundiária”. Na medida em que é criador de valor e se representa no valor das mercadorias, o salário não tem nada a ver com a distribuição desse valor entre diferentes categorias. Em seu caráter especificamente social do salário, ele não é criador de valor. De modo geral, já demonstramos que salário ou preço do trabalho não é mais que uma expressão irracional para o valor ou o preço da força de trabalho; e as condições sociais bem determinadas sob as quais se vende a força de trabalho não guardam qualquer relação com o trabalho na qualidade de agente geral da produção. O trabalho é também objetivado no componente de valor da mercadoria, o qual, como salário, forma o preço da força de trabalho; ele cria essa parte tanto quanto as outras partes do produto, porém nessa parte ele não se objetiva em maior medida, nem de modo distinto do que nas partes que constituem a renda ou o lucro. De modo geral, se nos fixarmos exclusivamente no trabalho como formador do valor, não poderemos considerá-lo em sua forma concreta de condição de produção, mas apenas numa determinação social que se distingue do trabalho assalariado.
Até mesmo a expressão “capital-lucro” é aqui equivocada. Se compreendemos o capital na única relação em que produz mais-valor, isto é, em sua relação com o trabalhador, em que extrai mais-trabalho por meio da coerção sobre a força de trabalho, quer dizer, sobre o trabalhador assalariado, então, além do lucro (lucros empresariais mais juros) esse mais-valor compreende também a renda ou, em suma, todo o mais-valor indiviso. Aqui, pelo contrário, como fonte de rendimento, tal expressão só se relaciona com a parte que recai no capitalista. Não se trata do mais-valor que o capital extrai em geral, mas tão somente da parte que ele extrai para o capitalista. Com mais razão ainda, desaparece toda conexão assim que a fórmula se transforma em “capital-juros”.
Se, num primeiro momento, consideramos a disparidade das três fontes, agora vemos que seus produtos, seus derivados, os rendimentos, são todos integrantes da mesma esfera, a do valor. Isso tudo (essa relação entre grandezas não só incomensuráveis, mas absolutamente heterogêneas, entre coisas sem qualquer relação entre si e impossíveis de comparar) é nivelado porque, com efeito, só se considera o capital, assim como a terra e o trabalho, segundo sua substância material, ou seja, simplesmente como meio de produção produzido, abstraindo-se dele não só na qualidade de relação com o trabalhador, mas também de valor.
Terceiro. Nesse sentido, pois, a fórmula “capital-juros (lucro), terra-renda, trabalho-salário” apresenta uma incongruência uniforme e simétrica. Uma vez que o trabalho assalariado não aparece como forma socialmente determinada do trabalho, mas todo trabalho aparece segundo sua natureza como assalariado (tal como o concebe quem está preso nas relações de produção capitalistas), as formas sociais específicas e determinadas em que as condições materiais de trabalho – os meios de produção produzidos e o solo – se apresentam diante do trabalho assalariado (bem como, ao contrário e por sua vez, pressupõem o trabalho assalariado) também coincidem com a existência material dessas condições de trabalho ou com a estrutura que possuem no processo efetivo de trabalho, independentemente de toda forma social historicamente determinada deste último e, até mesmo, de toda forma social que ele venha a assumir. A estrutura das condições de trabalho, alienada do trabalho, autonomizada em relação a ele e, portanto, transformada, ou seja, em que os meios de produção produzidos se convertem em capital e a terra se torna terra monopolizada, propriedade fundiária, essa estrutura própria de um período determinado da história coincide, assim, com a existência e a função dos meios de produção produzidos e, em geral, com a terra no processo de produção. Aqueles meios de produção, em si mesmos, são, por natureza, capital; capital não é mais que um mero “nome econômico” para aqueles meios de produção, e assim a terra, em si mesma, é, por natureza, terra monopolizada por certo número de proprietários. Assim como no capital e no capitalista – que, com efeito, é tão somente capital personificado – os produtos se tornam um poder autônomo frente aos produtores, também no proprietário fundiário se personifica a terra, que do mesmo modo se ergue e, como poder autônomo diante dos produtores, exige sua participação no produto criado com sua ajuda, de modo que não é o solo que recebe a parte que lhe cabe do produto para repor e incrementar sua produtividade, mas é o proprietário da terra que recebe uma parte desse produto, seja para negociar com ela, seja para dissipá-la. É evidente que o capital pressupõe o trabalho como assalariado, mas é igualmente evidente que, se partirmos do trabalho como assalariado, de modo que a coincidência do trabalho em geral com o trabalho assalariado se apresente como algo patente e natural, então também o capital e a terra monopolizada terão de aparecer como forma natural das condições de trabalho frente ao trabalho em geral. Ser capital aparece agora como forma natural dos meios de trabalho e, por conseguinte, como dotado de um caráter puramente material e proveniente de sua função no processo de trabalho em geral. Portando, “capital” e “meios de produção produzidos” passam a ser expressões idênticas. Do mesmo modo, “solo” e “solo monopolizado mediante propriedade privada” se tornam expressões idênticas. Os meios de trabalho como tais, que, por natureza, são capital, convertem-se assim em fonte do lucro, ao mesmo tempo em que a terra, como tal, transforma-se em fonte de renda.
O trabalho, em sua simples determinação de atividade produtiva útil, relaciona-se com os meios de produção não na determinação da forma social, mas na substância material destes últimos, como materiais e meios do trabalho, que também só se distinguem entre si materialmente, como valores de uso: a terra como meio não produzido de trabalho, os outros como meios produzidos. Se, pois, o trabalho coincide com trabalho assalariado, também a forma socialmente determinada em que as condições de trabalho agora se defrontam com o trabalho coincidirá com sua existência material. Os meios de trabalho como tais são, então, capital, e a terra é, como tal, propriedade fundiária. A autonomização formal dessas condições de trabalho em relação ao trabalho, a forma específica da autonomização que tais condições apresentam diante do trabalho assalariado é, pois, um atributo inseparável delas como coisas, como condições de produção materiais, um caráter imanente e intrínseco que lhes corresponde necessariamente como elementos de produção. Seu caráter social no processo de produção capitalista, definido por uma época histórica determinada, é um caráter material, congênito, que lhes é natural e, por assim dizer, eterno, como elementos do processo de produção. Por isso, o papel que cabe à terra, como campo originário de ocupação do trabalho, como reino das forças naturais, como arsenal preexistente de todos os objetos de trabalho, e o outro papel respectivo, que cabe aos meios de produção produzidos (instrumentos, matérias-primas etc.) no processo de produção em geral, devem parecer expressar-se nas partes que lhes correspondem respectivamente como capital e propriedade fundiária, isto é, que afluem para seus representantes sociais na forma de lucro (juros) e renda, assim como para o trabalhador na forma de salário, a parte que seu trabalho representa no processo de produção. Renda, lucro e salário parecem brotar, assim, do papel que, no processo simples de trabalho desempenham a terra, os meios de produção produzidos e o trabalho, ainda que consideremos esse processo de trabalho como ocorrendo apenas entre o homem e a natureza e desconsiderando qualquer determinação histórica. A mesma questão, apenas sob outra forma, surge quando se diz que o produto em que se representa o trabalho do assalariado para ele mesmo, em que ele se representa como seu rendimento, sua renda, não é mais que o salário, a parte do valor (e, por isso, do produto social medido por esse valor) que seu salário representa. Se o trabalho assalariado coincide com o trabalho em geral, então também o salário coincidirá com o produto do trabalho, e a parcela do valor representada pelo salário será igual ao valor que o trabalho cria em geral. No entanto, as outras parcelas do valor, lucro e renda, confrontam-se de forma autônoma como salário e precisam ter origem em fontes próprias, especificamente diversas e independentes do trabalho; têm de brotar dos elementos coadjuvantes na produção, em cujos possuidores eles recaem – o lucro tem, assim, de resultar dos meios de produção; os elementos materiais, do capital; e a renda, da terra ou da natureza, representadas pelo proprietário fundiário. (Roscher.)
Propriedade fundiária, capital e trabalho assalariado convertem-se, desse modo, em fontes do rendimento, na medida em que o capital atrai para o capitalista uma parte do mais-valor que ele suga do trabalho na forma de lucro, que o monopólio da terra atrai para o proprietário da terra outra parte desse mais-valor na forma de renda, e que o trabalho proporciona ao trabalhador, na forma do salário, a última parte ainda disponível do valor; convertem-se, como dizíamos, em fontes por meio das quais uma parte do valor é transmutada em lucro; uma segunda, em renda; e uma terceira, em salário – trata-se de fontes reais, das quais se originam essas partes do valor e as partes respectivas do produto, nas quais aquelas existem e pelas quais podem ser trocadas; por fim, fontes das quais, como nascente última, brota, portanto, o próprio valor do produto[50].
Em nosso exame das categorias mais simples do modo de produção capitalista, e mesmo da produção de mercadorias, ao investigarmos a mercadoria e o dinheiro, já destacamos o caráter mistificador que faz com que as relações sociais, às quais os elementos materiais da riqueza servem como portadores na produção, sejam transformadas em atributos dessas próprias coisas (mercadorias) e, ainda mais explicitamente, a própria relação de produção em uma coisa (dinheiro). Todas as formas sociais, na medida em que conduzem à produção de mercadorias e à circulação de dinheiro, tomam parte nessa distorção. Mas no modo de produção capitalista e no caso do capital, que é sua categoria dominante, sua relação de produção determinante, esse mundo encantado e distorcido se desenvolve com força ainda maior. Considerando primeiro o capital no processo imediato de produção, como extrator de mais-trabalho, essa relação é ainda muito simples, e a conexão real interna se impõe aos portadores desse processo, aos próprios capitalistas, permanece em sua consciência. A intensa luta em torno dos limites da jornada de trabalho é uma prova decisiva disso. Mesmo no interior dessa esfera não mediada, na esfera do processo direto entre trabalho e capital, as coisas não são tão simples. Ao desenvolver-se o mais-valor relativo no próprio modo de produção especificamente capitalista, com o qual se desenvolvem as forças produtivas sociais do trabalho, essas forças produtivas e as conexões sociais do trabalho aparecem no processo imediato de trabalho como tendo sido deslocadas do trabalho para o capital. Desse modo, o capital já se transforma num ente altamente místico, na medida em que todas as forças produtivas sociais do trabalho aparecem como forças pertencentes ao capital, e não ao trabalho como tal, como forças que têm origem no seu próprio seio. Logo entra em cena o processo de circulação, em cujo metabolismo e em cuja metamorfose recaem todas as partes do capital, inclusive do capital agrícola, no mesmo grau em que se desenvolve o modo de produção especificamente capitalista. Trata-se, aqui, de uma esfera em que as relações da produção originária de valor caem para um segundo plano. Já no processo direto de produção, o capitalista desempenha simultaneamente as funções de produtor de mercadorias e de diretor da produção. Tal processo de produção, por isso, não se lhe apresenta de maneira nenhuma como mero processo de produção de mais-valor. Porém, qualquer que seja o mais-valor que o capital tenha extraído no processo imediato de produção e tenha representado em mercadorias, o valor e o mais-valor incorporados nas mercadorias hão de realizar-se apenas no processo de circulação. E tanto a restituição dos valores adiantados na produção como, sobretudo, o mais-valor incorporado nas mercadorias parecem não só se realizar na circulação, mas surgir dela, aparência que se reforça especialmente por duas circunstâncias: primeiro, o lucro na venda, que depende de fraude, astúcia, experiência, destreza e de mil contingências de mercado; acrescente-se, ainda, a circunstância de que aqui, ao lado do tempo de trabalho, entra um segundo elemento determinante, o tempo de circulação. Este, é verdade, só funciona como obstáculo negativo à formação de valor e de mais-valor, mas aparenta ser uma causa tão positiva quanto o próprio trabalho e prover uma determinação derivada da natureza do capital e independente do trabalho. É evidente que, no Livro II, só tivemos de apresentar essa esfera da circulação em relação às determinações formais que ela gera e remeter ao desenvolvimento ulterior da figura do capital que nela se verifica. Mas essa esfera é, na verdade, a esfera da concorrência que, considerada em cada caso particular, é dominada pelo acaso; portanto, a lei interna que se impõe nesses acasos e os regula só se torna visível assim que esses acasos se agrupam em grandes massas, nos casos em que, portanto, ela mesma fica invisível e se torna incompreensível para os agentes individuais da produção. Além disso, o processo real de produção, no qual se conjugam o processo imediato de produção e o processo de circulação, engendra novas configurações, nas quais se torna cada vez mais difícil identificar a conexão interna; as relações de produção tornam-se independentes umas das outras e os componentes de valor se ossificam em formas autônomas.
Como vimos, a transformação do mais-valor em lucro é determinada tanto pelo processo de circulação quanto pelo processo de produção. O mais-valor, na forma de lucro, já não se refere à parte do capital desembolsada em trabalho, do qual ele deriva, mas ao capital total. A taxa de lucro é agora regulada por leis próprias, que possibilitam e até condicionam uma alteração dela mesma, com uma taxa constante de mais-valor. Tudo isso contribui para esconder cada vez mais a verdadeira natureza do mais-valor e, por conseguinte, o verdadeiro mecanismo que move o capital. Isso ocorre ainda mais por obra da transformação do lucro em lucro médio e dos valores em preços de produção, nas médias reguladoras dos preços de mercado. Aqui intervém um processo social bastante complexo, o nivelamento dos capitais, que, por meio de capitais específicos, estabelece uma separação entre, por um lado, o preço médio relativo das mercadorias e seu valor e, por outro, entre os lucros médios nas diferentes esferas da produção e a exploração real do trabalho (prescindindo completamente da análise dos investimentos individuais de capital em cada esfera particular da produção). Não só parece ser esse o caso, mas aqui, de fato, o preço médio das mercadorias não coincide com seu valor, isto é, com o trabalho nelas realizado, e o lucro médio de um capital específico é distinto do mais-valor que esse capital extraiu dos trabalhadores por ele empregados. O valor das mercadorias só aparece diretamente na influência da força produtiva flutuante do trabalho sobre a alta e a baixa dos preços de produção, sobre seu movimento, e não sobre seus limites últimos. O lucro aparece determinado pela exploração imediata do trabalho apenas de maneira secundária, na medida em que esta possibilita ao capitalista, com os preços reguladores do mercado que aparentemente independem dessa exploração, realizar um lucro distinto do lucro médio. Os próprios lucros médios normais aparentam ser intrínsecos ao capital, independentes da exploração; a exploração anormal, ou mesmo a exploração média sob condições excepcionalmente favoráveis, parecem condicionar tão somente a variação quanto ao lucro médio, e não este último. A autonomização da forma do mais-valor, sua ossificação em relação a sua substância, a sua essência, completa-se com a divisão do lucro em lucro empresarial e juros (para não falar da atuação do lucro comercial e do lucro no comércio de dinheiro, que se fundam na circulação e parecem derivar inteiramente dela, e não do processo de produção). Uma parte do lucro separa-se inteiramente da relação de capital propriamente dita e, em oposição à outra parte, apresenta-se como derivada não da função de exploração do trabalho assalariado, mas do trabalho assalariado do próprio capitalista. Em contrapartida, os juros aparecem, então, como independentes, seja do trabalho assalariado do trabalhador, seja do próprio trabalho do capitalista, e como tendo origem no capital como sua fonte própria e independente. Se o capital apareceu originalmente, na superfície da circulação, como fetiche de capital, como valor que cria valor, agora ele se apresenta outra vez na forma do capital que rende juros, que é sua forma mais estranhada e peculiar. Por isso, também a fórmula “capital-juros”, como terceiro termo para “terra-renda” e “trabalho-salário”, é muito mais razoável do que “capital-lucro”, uma vez que no lucro persiste sempre uma lembrança de sua origem, ao passo que, nos juros, ela não só é apagada, mas condensada numa forma firmemente contraposta essa origem.
Por último, ao lado do capital como fonte autônoma de mais-valor, surge a propriedade fundiária como algo que limita o lucro médio e transfere uma parte do mais-valor para uma classe que propriamente não trabalha nem explora trabalhadores de maneira direta; tal como o capital que rende juros, não lhe é possível recorrer a lenitivos moralmente edificantes, como, por exemplo, o risco e o sacrifício intrínsecos ao empréstimo de capital. Como aqui uma parte do mais-valor não parece diretamente vinculada a relações sociais, mas a um elemento natural, a terra, então se completa a forma na qual as diferentes partes do mais-valor se estranham e ossificam reciprocamente, a conexão interna é definitivamente rompida e a fonte do mais-valor fica completamente soterrada, precisamente devido à autonomização mútua das relações de produção, vinculadas aos diversos elementos materiais do processo de produção.
Em capital-lucro, ou, melhor ainda, capital-juros, terra-renda fundiária, trabalho-salário – essa trindade econômica que conecta os componentes do valor e da riqueza em geral com suas fontes –, está consumada a mistificação do modo de produção capitalista, a reificação das relações sociais, o amálgama imediato das relações materiais de produção com sua determinação histórico-social: o mundo encantado, distorcido e de ponta-cabeça, em que monsieur Le Capital e madame La Terre vagueiam suas fantasmagorias como caracteres sociais e, ao mesmo tempo, como meras coisas. O principal mérito da economia clássica é o de ter dissolvido essa falsa aparência, essa empulhação, essa autonomização e ossificação recíprocas dos diferentes elementos sociais da riqueza, essa personificação das coisas e essa reificação das relações de produção, essa religião da vida cotidiana, ao reduzir os juros a uma parte do lucro e a renda ao excedente sobre o lucro médio, de maneira que ambos passam a coincidir no mais-valor; com isso, ela representa o processo de circulação como mera metamorfose das formas e, por último, no processo direto de produção, reduz o valor e o mais-valor das mercadorias ao trabalho. Ainda assim, mesmo seus mais destacados representantes, como não poderia deixar de ser do ponto de vista burguês, continuam mais ou menos prisioneiros do mundo da aparência que sua crítica extinguiu e, por isso, recaem todos eles, em maior ou menor grau, em inconsequências, semiverdades e contradições irresolvidas. Em contrapartida, é natural que os agentes reais da produção se sintam plenamente à vontade nessas formas estranhadas e irracionais de capital-juros, terra-renda, trabalho-salário, pois elas constituem precisamente as configurações da aparência em que tais agentes se movem e com as quais lidam todos os dias. Por isso, é também natural que a economia vulgar, que não é nada além de uma tradução didática, doutrinária em maior ou menor grau, das concepções correntes dos agentes reais da produção, nas quais ela introduz certa ordem inteligível, encontre precisamente nessa trindade, na qual está extinto todo nexo interno, a base natural e indubitável de sua altivez trivial. Ao mesmo tempo, ao proclamar e elevar à qualidade de dogma a necessidade natural e a legitimação eterna de suas fontes de rendimentos, essa fórmula corresponde ao interesse das classes dominantes.
Ao expor a reificação das relações de produção e sua autonomização frente aos agentes da produção, não analisamos de que maneira as conexões que permeiam o mercado mundial, suas circunstâncias, o movimento dos preços de mercado, os períodos do crédito, os ciclos da indústria e do comércio, a alternância de prosperidade e crise se lhes apresentam como leis naturais todo-poderosas, que os dominam contra a sua vontade e se impõem a eles como uma necessidade natural, cega. E não o fizemos porque o movimento real da concorrência encontra-se fora de nosso escopo e pretendemos expor apenas a organização interna do modo de produção capitalista, por assim dizer, em sua média ideal.
Em formas anteriores de sociedade, essa mistificação econômica só ocorre com relação ao dinheiro e ao capital que rende juros. Pela natureza das coisas, ela se encontra excluída, primeiro, de onde predomina a produção para o valor de uso, com o fim de satisfazer diretamente as próprias necessidades imediatas; segundo, de onde a escravidão ou a servidão formam a ampla base da produção social, como era o caso na Antiguidade e Idade Média – aqui, o domínio das condições de produção sobre os produtores se esconde por trás das relações de dominação e servidão, que aparecem e são visíveis como os motores diretos do processo de produção. Nas comunidades primitivas, nas quais impera o comunismo natural-espontâneo, e mesmo nas antigas comunidades urbanas, a base da produção são essas mesmas comunidades, com suas condições, e seu fim último não é mais que sua própria reprodução. Mesmo no sistema corporativo medieval, nem o capital nem o trabalho aparecem desvinculados, mas suas relações aparecem determinadas pelo sistema de corporações e pelas circunstâncias ligadas a ele, assim como pelas correspondentes ideias de dever profissional, maestria etc. Apenas no modo de produção capitalista[b]...
[48] Os três fragmentos seguintes encontram-se em diferentes passagens do manuscrito relativo à seção VI. (F. E.)
[a] “Vantagens do solo fértil sobre o inferior [...] sejam transferidas do lavrador ou do consumidor para o proprietário fundiário.” (N. T.)
[49] Começo do cap. 48, conforme o manuscrito.
[50] “Salário, lucro e renda fundiária são as três fontes originárias de todo o rendimento, bem como de todo o valor de troca” (A.[dam] Smith). “Assim, as causas da produção material são, ao mesmo tempo, as fontes dos rendimentos primitivos existentes” ([Heinrich Friedrich von] Storch, [Cours d’économie politique, São Petersburgo, A. Pluchart et Comp., 1815]) v. 1, p. 259.
[b] Aqui o manuscrito se interrompe. (N. E. A.)