Finalmente logro dar ao público este terceiro volume da principal obra de Marx, a conclusão da parte teórica. Ao editar o Livro II, em 1885, pensei que o Livro III apresentaria apenas dificuldades técnicas, com exceção, é claro, de algumas seções muito importantes. E, com efeito, foi isso mesmo; mas naquele momento eu não tinha noção das dificuldades que justamente essas seções mais importantes me trariam, tampouco dos demais obstáculos que tanto retardariam o acabamento deste volume.
Em primeiro lugar, e mais do que tudo, perturbou-me uma persistente debilidade visual, que durante anos limitou a um mínimo meu tempo de trabalho para as tarefas escritas e que ainda agora só em casos excepcionais me permite empunhar a pena para trabalhar sob luz artificial. A isso se somaram outras tarefas que não podiam ser adiadas: novas edições e traduções de trabalhos anteriores de Marx e meus, isto é, revisões e elaboração de prefácios e notas complementares, que, muitas vezes, demandavam novos estudos etc. Sobretudo a edição inglesa do Livro I, por cujo texto sou responsável em última instância e que, por isso, tomou-me muito tempo. Quem de algum modo acompanhou o crescimento colossal da literatura socialista internacional durante os últimos dez anos, em especial o número de traduções de trabalhos anteriores de Marx e meus, há de me dar razão quando me congratulo pelo fato de ser muito limitado o número das línguas em que eu podia ser útil ao tradutor e, por isso, ficava impedido de recusar uma revisão de seu trabalho. Mas o crescimento da literatura era apenas um sintoma do correspondente crescimento do próprio movimento operário internacional, o qual me impunha novas obrigações. Desde os primeiros dias de nossa atividade pública, recaíra sobre Marx e sobre mim boa parte do trabalho de intermediação entre os movimentos nacionais dos socialistas e dos trabalhadores em diversos países; esse trabalho cresceu junto com o fortalecimento do movimento global. Mas, depois da morte de Marx, que em vida havia assumido a parte mais pesada de tal fardo, coube unicamente a mim dar continuidade a esse trabalho, sempre crescente. Entrementes, o contato mútuo e direto entre os diversos partidos operários nacionais converteu-se em regra e, felizmente, aumenta a cada dia; apesar disso, minha ajuda é requerida com uma frequência muito maior do que me agradaria, no interesse de meus trabalhos teóricos. Para quem, como eu, esteve ativo nesse movimento por mais de cinquenta anos, os trabalhos dele provenientes constituem um dever impreterível, a ser imediatamente cumprido. Tal como no século XVI, também em nossos agitados tempos, no terreno dos interesses públicos, os teóricos puros existem apenas do lado da reação, e precisamente por isso esses senhores nem sequer são verdadeiros teóricos, mas simples apologistas dessa reação.
A circunstância de que vivo em Londres acarreta o fato de que, durante o inverno, essas relações partidárias ocorrem geralmente por cartas, ao passo que, no verão, na maior parte, por contatos pessoais diretos. Por isso, bem como pela necessidade de seguir o curso do movimento num número sempre crescente de países e num número ainda maior de órgãos da imprensa, tornou-se impossível para mim concluir trabalhos que não permitem interrupções em outra época que não o inverno, especialmente nos três primeiros meses do ano. Quando já se ultrapassou os setenta anos, as fibras associativas cerebrais de Meynert trabalham com uma lentidão fatal; já não se superam interrupções em difíceis trabalhos teóricos com tanta facilidade e rapidez como antes. Por isso, o trabalho que não se conseguia concluir num inverno tinha de ser refeito, em grande parte, no inverno seguinte, o que ocorreu particularmente com a seção V, a mais difícil de todas.
Como o leitor há de notar a partir dos dados que seguem, o trabalho de redação foi essencialmente distinto do efetuado no segundo volume. No caso deste terceiro, dispunha-se apenas de uma primeira versão, ainda por cima repleta de lacunas. Em regra, o início de cada seção estava elaborado de forma bastante cuidadosa e, na maior parte, estilisticamente acabada. Mas, ao avançar, maiores eram o caráter de esboço da elaboração e as lacunas que esta apresentava, bem como o número de digressões sobre pontos secundários que surgiam no curso da investigação e cujo lugar definitivo ficava dependente de um ordenamento ulterior; tanto mais longos e intricados se tornavam os períodos em que se expressavam as ideias anotadas in statu nascendi [em estado nascente]. Em numerosas passagens, tanto a grafia como a exposição denotam nitidamente a irrupção e os progressos graduais de alguma daquelas enfermidades originadas do excesso de trabalho, que começaram por dificultar cada vez mais o trabalho autônomo do autor, até que, por fim, acabaram impossibilitando-o completamente a intervalos cada vez menores. Não é de se admirar. Entre 1863 e 1867, Marx não só escreveu a primeira versão dos dois últimos livros d’O capital e completou o manuscrito definitivo do Livro I, como desenvolveu também o enorme trabalho de fundação e difusão da Associação Internacional de Trabalhadores. Isso fez com que em 1864 e 1865 já se apresentassem os primeiros sintomas dos transtornos de saúde que o impossibilitariam de dar o último acabamento aos Livros II e III.
Comecei meu trabalho ditando, para obter uma cópia legível, todo o manuscrito a partir do original, que mesmo para mim era muitas vezes difícil de decifrar, e essa tarefa me tomou bastante tempo. Só então pude começar a redação propriamente dita. Limitei-a ao mínimo necessário e, na medida do possível, tentei conservar o caráter da primeira versão, sempre que a clareza o permitia; decidi não suprimir certas repetições quando elas enfocam o objeto sob outro ângulo, como é comum em Marx, ou mesmo o expressam de maneira diferente. Onde minhas alterações ou acréscimos não são meras correções estilísticas ou onde tive de reelaborar o material fático fornecido por Marx, para dele extrair conclusões próprias, ainda que, o mais possível, dentro do espírito marxiano, toda a passagem foi colocada entre chaves e assinalada com minhas iniciais. Em minhas notas de rodapé, as chaves se encontram ocasionalmente ausentes, mas, quando nelas se veem minhas iniciais, sou eu o responsável por toda a nota.
Como é natural num primeiro esboço, encontram-se no manuscrito numerosas indicações de pontos a ser desenvolvidos posteriormente, sem que tais promessas se tenham cumprido em todos os casos. Decidi mantê-las, porque expõem as intenções do autor em relação a uma futura elaboração.
Passemos agora aos detalhes.
Para a seção I, o manuscrito principal só pôde ser utilizado com grandes limitações. Logo no começo, incorpora-se todo o cálculo matemático da relação entre taxa de mais-valor e taxa de lucro (o que constitui nosso capítulo 3), ao passo que o tema desenvolvido em nosso capítulo 1 é abordado apenas adiante, de forma ocasional. Aqui foram de grande ajuda dois começos de reelaboração, cada um deles com oito páginas in-fólio, material que tampouco havia recebido o acabamento necessário. A partir deles foi composto o atual capítulo 1. O capítulo 2 provém do manuscrito principal. Para o capítulo 3, foi encontrada uma série inteira de elaborações matemáticas incompletas, além de um caderno quase completo, da década de 1870, em que se expunha em equações a relação entre a taxa de mais-valor e a taxa de lucro. Meu amigo Samuel Moore, que também efetuou a maior parte da tradução inglesa do primeiro volume, assumiu a tarefa de elaborar para mim esse caderno, para o que ele, como antigo matemático de Cambridge, estava mais habilitado. A partir de seu resumo, compus o capítulo 3, com eventual emprego do manuscrito principal. Do capítulo 4 só se encontrava o título. Como, porém, o ponto nele abordado – o efeito da rotação sobre a taxa de lucro – é de importância decisiva, eu mesmo o elaborei, motivo pelo qual todo o texto se encontra entre chaves. Constatou-se, então, que, de fato, a fórmula do capítulo 3 para a taxa de mais-valor carecia de modificação, a fim de ser válida de forma geral. A partir do capítulo 5, o manuscrito principal é a única fonte para o resto da seção, embora também aqui tenham sido necessárias muitas reordenações e complementações.
Para as três seções seguintes, com exceção de reparos estilísticos, pude ater-me quase sempre ao manuscrito original. Algumas passagens isoladas, na maioria relativas ao efeito da rotação, tiveram de ser elaboradas em concordância com o capítulo 4, inserido por mim: da mesma forma, elas foram colocadas entre chaves e assinaladas com minhas iniciais.
A dificuldade principal se deu na seção V, que também trata do assunto mais intricado de todo o livro. E foi precisamente em sua elaboração que Marx se surpreendeu por um dos graves acessos de enfermidade já mencionados. Não temos aqui, portanto, uma primeira versão acabada nem sequer um esquema cujos contornos se pudessem completar, mas apenas um começo de elaboração que, em mais de uma oportunidade, desemboca num amontoado caótico de notas, observações e materiais em forma de extratos. Num primeiro momento, tentei completar essa seção, tal como eu havia conseguido em certa medida com a seção I, preenchendo as lacunas e elaborando os fragmentos apenas indicados, de modo a oferecer, ao menos de forma aproximada, tudo aquilo que o autor tivera a intenção de expressar. Tentei fazer isso pelo menos três vezes, mas fracassei em todas elas, e no tempo perdido com essas tentativas está uma das principais causas de minha demora. Por fim, compreendi que esse não era o caminho correto. Para isso, eu teria de percorrer toda a enorme literatura existente nesse terreno e, ao final, acabaria produzindo algo que não seria o livro de Marx. Não me restou outro recurso, em certo sentido, senão cortar o nó górdio, limitando-me a ordenar o máximo possível o material existente e fazer apenas os acréscimos mais imprescindíveis. Assim, na primavera de 1893, concluí a tarefa principal dedicada a essa seção.
Dos outros capítulos, aqueles que vão do 21 ao 24 estavam, em sua maior parte, elaborados. Os de número 25 e 26 exigiam um cotejo das citações documentais e a inclusão de material que se encontrava em outros lugares. Os capítulos 27 e 29 puderam ser reproduzidos quase por completo de acordo com o manuscrito, ao passo que o capítulo 28, pelo contrário, teve de ser reordenado em algumas passagens. Com o capítulo 30, sim, começaram as verdadeiras dificuldades. A partir daí era preciso ordenar corretamente não só o material das citações, mas também a sequência das ideias, interrompida a todo momento por orações secundárias, digressões etc., e com frequência continuada de maneira casual, em outro lugar. Assim redigi o capítulo 30, transpondo algumas passagens e excluindo outras, que foram utilizadas alhures. Já o capítulo 31 estava elaborado mais de acordo com o contexto. Então se seguia, no manuscrito, uma longa seção, intitulada “A confusão”, composta somente de extratos dos relatórios parlamentares sobre as crises de 1848 e 1857, nos quais se encontram reunidos os depoimentos de 23 homens de negócios e escritores econômicos, versando especialmente sobre dinheiro e capital, escoamento de ouro, hiperespeculação etc., e que são aqui e ali brevemente glosados de forma humorística. Neles estão representados, ora por quem pergunta, ora por quem responde, quase todos os pontos de vista correntes à época sobre a relação entre dinheiro e capital; e é dessa “confusão”, que aí se manifesta sobre o que seriam dinheiro e capital no mercado de dinheiro, que Marx queria tratar crítica e satiricamente. Depois de muitas tentativas, convenci-me da impossibilidade de elaborar tal capítulo; empreguei o material, especialmente o que fora glosado por Marx, sempre que havia um contexto adequado para fazê-lo.
A isso se segue, de forma bastante ordenada, o que introduzi no capítulo 32; imediatamente depois disso, um novo acúmulo de extratos dos relatórios parlamentares acerca de todos os assuntos tratados nessa seção, misturados com observações mais extensas ou mais breves do autor. Na parte final, extratos e glosas se concentram cada vez mais no movimento dos metais monetários e da taxa de câmbio, concluindo novamente com todo tipo de observações complementares. Já a parte sobre “O período pré-capitalista” (capítulo 36), ao contrário, estava completamente elaborada.
A partir de todo esse material, a começar pela “confusão”, e na medida em que já não tivesse sido disposto em passagens anteriores, compus os capítulos 33 a 35. Naturalmente, isso não foi possível sem grandes interpolações de minha parte, a fim de estabelecer o nexo necessário. Em todos os casos que não são de natureza meramente formal, essas interpolações estão expressamente assinaladas como de minha autoria. Desse modo, foi-me possível, por fim, incluir no texto todas as proposições do autor de alguma maneira pertinentes à questão; nada ficou de fora, exceto uma parte ínfima dos extratos que ou apenas repetia algo dado em outro lugar ou tocava pontos em cuja consideração mais detalhada o manuscrito não entrava.
A seção sobre a renda fundiária estava desenvolvida de maneira muito mais completa, ainda que não estivesse ordenada, como já revela o próprio fato de que Marx, no capítulo 43 (no manuscrito, a última parte da seção sobre a renda), considera necessário retomar brevemente o plano de toda a seção. Isso era desejável para a edição, tanto mais porque o manuscrito começa com o capítulo 37, seguido pelos de número 45 a 47, e só depois deles vêm os capítulos 38 a 44. O maior trabalho deram as tabelas sobre a renda diferencial II e a descoberta de que o capítulo 43, que deveria conter um exame do terceiro caso desse tipo de renda, nem sequer tocava na questão.
Para essa seção sobre a renda fundiária, Marx havia feito, na década de 1870, pesquisas especiais totalmente novas. Ele estudara no idioma original os registros estatísticos e outras publicações sobre a propriedade fundiária – tornados inevitáveis depois da “reforma” de 1861 na Rússia –, que lhe haviam sido fornecidos por amigos russos da forma mais completa possível; desse material, ele extraiu citações, as quais pretendia utilizar na reelaboração dessa seção. Dada a variedade das formas, tanto da propriedade fundiária quanto da exploração dos produtores agrícolas na Rússia, esse país deveria desempenhar, na seção sobre a renda fundiária, o mesmo papel que, no Livro I, havia sido assumido pela Inglaterra no que diz respeito ao trabalho assalariado industrial. Lamentavelmente, não lhe foi possível executar esse plano.
Por fim, a seção VII estava completamente redigida, mas apenas como primeira versão, cujos períodos intermináveis e intricados tinham antes de ser decompostos para ficar em condições de ser impressos. Do último capítulo, existe só o início. Nele, as três grandes classes da sociedade capitalista desenvolvida – proprietários fundiários, capitalistas e assalariados –, que correspondem às três grandes formas de rendimento – renda fundiária, lucro e salário –, e a luta de classes necessariamente dada com sua existência deveriam ser apresentadas como resultado palpável do período capitalista. Marx costumava reservar esse tipo de resumo conclusivo à redação final, imediatamente antes da impressão, quando, então, os mais recentes acontecimentos históricos lhe forneciam, com infalível regularidade, as provas de seus desenvolvimentos teóricos com a maior atualidade possível.
As citações e provas documentais são, como já no Livro II, muito mais escassas do que no Livro I. As citações do Livro I dão a paginação da segunda e terceira edições. Onde, no manuscrito, há referência a proposições teóricas de economistas anteriores, estas aparecem, na maioria das vezes, indicadas apenas com o nome do autor, ao passo que a localização da passagem deveria ser agregada na elaboração final. Tive naturalmente de deixar isso como estava. Dos relatórios parlamentares, há apenas quatro, mas esses também foram abundantemente utilizados. São os seguintes:
Ao Livro IV – a história da teoria do mais-valor –, eu me dedicarei assim que me seja de algum modo possível.
* * *
No prefácio do Livro II d’O capital, tive de acertar contas com os senhores que, naquela ocasião, lançaram um grande clamor porque pretendiam ter encontrado “em [Johann Karl] Rodbertus a fonte secreta e um precursor de Marx”. Ofereci-lhes a oportunidade de mostrar “do que é capaz a economia rodbertiana”; desafiei-os a demonstrar “de que maneira uma taxa média de lucro igual pode e deve ser formada, não apenas sem infringir a lei do valor, mas sobre a própria base dessa lei”[a]. Os mesmos senhores que, naquela época, por motivos subjetivos ou objetivos – mas, em regra, de modo nenhum por motivos científicos –, proclamaram o bom Rodbertus como estrela econômica de primeira grandeza ficaram, sem exceção, devendo a resposta. Já outras pessoas consideraram valer a pena ocupar-se com o problema.
Em sua crítica ao Livro II (“Conrads Jahrbücher”, XI, 5, 1885, p. 452-65), o prof. W.[ilhelm] Lexis aborda a questão, embora não queira dar nenhuma solução direta. Diz ele: “A solução daquela contradição” (entre a lei do valor ricardo-marxiana e a taxa média igual de lucro) “é impossível, se os diferentes tipos de mercadorias são examinados isoladamente e seu valor é igual a seu valor de troca, sendo este igual ou proporcional a seu preço”. Segundo ele, tal solução só é possível se
“abandonarmos a medição do valor para tipos individuais de mercadorias, segundo o trabalho, e considerarmos apenas a produção de mercadorias em sua totalidade e a distribuição destas últimas entre as classes globais dos capitalistas e trabalhadores. […] Do produto total, a classe trabalhadora só obtém certa parte […] e a outra, a parte que vai para os capitalistas, constitui, em sentido marxiano, o mais-produto e, por conseguinte, também [...] o mais-valor. Os membros da classe capitalista distribuem, então, entre si esse mais-valor total, não de acordo com o número de trabalhadores por eles empregados, mas de acordo com a proporção da grandeza de capital posta por cada um deles, sendo que o solo também entra no cálculo como valor de capital.”
Os valores ideais de Marx, determinados pelas unidades de trabalho incorporadas nas mercadorias, não correspondem aos preços, mas “podem ser considerados ponto de partida de um deslocamento que conduz aos verdadeiros preços. Estes são condicionados pelo fato de que capitais de mesma grandeza demandam ganhos de mesma grandeza”. Por meio disso, alguns capitalistas receberão por suas mercadorias preços mais altos que seus valores ideais, outros receberão preços mais baixos. “Como, porém, as perdas e os ganhos de mais-valor dentro da classe capitalista se compensam mutuamente, a grandeza total do mais-valor é a mesma que seria se todos os preços fossem proporcionais aos valores ideais das mercadorias.”
Como se vê, nem de longe a questão está aqui resolvida, mas, ainda que de maneira desleixada e superficial, está corretamente posta em sua totalidade. Isso é, com efeito, mais do que poderíamos esperar de alguém que, como o autor, se apresenta com certo orgulho como um “economista vulgar”; é até mesmo surpreendente, quando o comparamos com as realizações de outros economistas vulgares, de que trataremos adiante. A economia vulgar do autor é, sem dúvida, muito particular. Ele diz que o ganho de capital pode ser deduzido à maneira de Marx, mas que nada obriga a adotar essa concepção, muito pelo contrário. A economia vulgar teria uma explicação no mínimo mais plausível:
“Os vendedores capitalistas, o produtor de matérias-primas, o fabricante, o atacadista e o varejista obtêm ganhos em seus negócios na medida em que cada um vende mais caro do que compra, ou seja, na medida em que aumenta em certa porcentagem o preço de custo de sua mercadoria. Apenas o trabalhador não está em condições de aplicar semelhante acréscimo de valor, porquanto, em virtude de sua situação desvantajosa em face do capitalista, é obrigado a vender seu trabalho pelo preço que este custa para ele mesmo, isto é, pelos meios necessários de subsistência […]. Dessa maneira, tais aumentos de preço conservam sua plena significação em face dos assalariados, que compram e provocam a transferência de uma parte do valor do produto total para a classe dos capitalistas.”
Ora, não é preciso grande esforço intelectual para compreender que essa explicação “econômico-vulgar” do lucro do capital desemboca praticamente nos mesmos resultados que a teoria marxiana do mais-valor; que os trabalhadores, de acordo com a concepção de Lexis, encontram-se exatamente na mesma “situação desfavorável” que em Marx; que são, exatamente da mesma maneira, os logrados, já que qualquer não trabalhador pode vender acima do preço, ao passo que o trabalhador não pode fazê-lo; e que, com base nessa teoria, é possível construir um socialismo vulgar ao menos tão plausível quanto o construído aqui na Inglaterra sobre a base da teoria do valor de uso e da utilidade marginal de [William Stanley] Jevons e [Carl] Menger. Sim, suspeito até mesmo que, se essa teoria do lucro fosse do conhecimento do sr. George Bernard Shaw, ele seria capaz de aferrar-se a ela com ambas as mãos, dar adeus a Jevons e Menger e sobre essa pedra erigir de novo a Igreja Fabiana do futuro.
Na realidade, porém, essa teoria não é senão uma paráfrase da teoria marxiana. De onde, pois, provêm os recursos necessários para cobrir todos os acréscimos do preço? Do “produto global” dos trabalhadores. E precisamente na medida em que a mercadoria “trabalho”, ou, como diz Marx, a força de trabalho, tem de ser vendida abaixo de seu preço. Pois, se todas as mercadorias têm em comum a particularidade de ser vendidas mais caras do que os custos de produção; se, no entanto, apenas o trabalho está excluído dessa particularidade e é sempre vendido apenas pelos custos de produção, então ele é, de fato, vendido abaixo do preço que constitui a regra nesse mundo da economia vulgar. O lucro extra daí decorrente e que flui para o capitalista ou, respectivamente, para a classe capitalista consiste exatamente nisso e, em última instância, só surge pelo fato de o trabalhador, após reproduzir o que repõe o preço de seu trabalho, ter de produzir ainda outro produto adicional, pelo qual ele não é pago: o mais-produto, produto do trabalho não pago, mais-valor. Lexis é um homem extremamente prudente na escolha de seus termos. Em nenhum momento ele afirma diretamente que a concepção citada seja sua; no entanto, se ela é, então está claro como a luz do sol que aqui não estamos lidando com um daqueles economistas vulgares habituais, dos quais ele mesmo diz que cada um deles, aos olhos de Marx, “não passa de um imbecil incurável, na melhor das hipóteses”, mas sim com um marxista disfarçado de economista vulgar. Que esse disfarce se tenha produzido consciente ou inconscientemente é um problema psicológico que não nos interessa aqui. Quem pretenda averiguar isso pode também investigar como foi possível que, em dado momento, um homem tão inteligente, como Lexis certamente é, tenha podido defender tamanha estupidez como o bimetalismo.
O primeiro que tentou realmente responder à questão foi o dr. Conrad Schmidt, em Die Durchsnittsprofitrate auf Grundlage des Marx’schen Werthgesetzes[b] (Stuttgart, Dietz, 1889). Schmidt tenta harmonizar os detalhes da formação do preço de mercado tanto com a lei do valor quanto com a taxa média de lucro. O capitalista industrial recebe em seu produto, primeiro, a reposição de seu capital adiantado e, segundo, um mais-produto pelo qual ele nada pagou. Para obter esse mais-produto, ele tem de adiantar seu capital na produção; ou seja, tem de empregar determinada quantidade de trabalho objetivado para poder apropriar-se desse mais-produto. Portanto, para o capitalista, esse seu capital adiantado é a quantidade de trabalho objetivado socialmente necessário para lhe fornecer esse mais-produto. O mesmo vale para qualquer outro capitalista industrial. Como os produtos se intercambiam reciprocamente de acordo com a lei do valor, em proporção ao trabalho socialmente necessário a sua produção, e como para o capitalista o trabalho necessário para a produção de seu mais-produto não é senão o trabalho pretérito acumulado em seu capital, deduz-se que os mais-produtos se intercambiam na proporção dos capitais requeridos para sua produção, mas não de acordo com o trabalho que neles é efetivamente incorporado. A parcela que cabe a cada unidade de capital é, portanto, igual à soma de todos os mais-valores produzidos dividida pela soma dos capitais empregados na produção. De acordo com isso, capitais iguais geram lucros iguais em intervalos iguais de tempo, e isso se consegue ao adicionar ao preço de custo do produto pago o preço de custo do mais-produto assim calculado, ou seja, o lucro médio, e ao vender ambos – o produto pago e o não pago – por esse preço aumentado. A taxa média de lucro está estabelecida, apesar de, como pensa Schmidt, os preços médios das distintas mercadorias serem determinados segundo a lei do valor.
A construção é engenhosíssima, em total acordo com o modelo hegeliano, mas compartilha com a maioria das construções hegelianas a circunstância de não estar correta. Mais-produto e produto pago não se diferenciam em nada: se a lei do valor também tem de valer diretamente para os preços médios, então ambos precisam ser vendidos em proporção ao trabalho socialmente necessário para sua produção e consumido nesta última. A lei do valor se orienta de antemão contra o ponto de vista, herdado da concepção capitalista, de que o trabalho pretérito acumulado, em que consiste o capital, não é apenas uma soma determinada de valor já acabado, mas, por ser um fator da produção e da formação de lucro, também seria criador de valor, isto é, de mais valor do que o que ele mesmo possui; a lei estabelece que só o trabalho vivo ostenta esse atributo. É sabido que os capitalistas têm a expectativa de obter lucros na proporção da grandeza de seus capitais e que, portanto, consideram seu adiantamento de capital uma espécie de preço de custo de seu lucro. Porém, quando Schmidt lança mão dessa concepção para, por meio dela, harmonizar os preços calculados de acordo com a taxa média de lucro com a lei do valor, ele abole a própria lei do valor ao incorporar a esta, como um dos fatores determinantes, uma concepção que a contradiz totalmente.
Das duas, uma: ou o trabalho acumulado cria valor juntamente com o trabalho vivo. Nesse caso, a lei do valor não tem vigência.
Ou, pelo contrário, ele não cria valor. Nesse caso, a argumentação de Schmidt é incompatível com a lei do valor.
Schmidt se perdeu quando estava muito próximo da solução, porque achava que teria de encontrar uma fórmula, possivelmente matemática, que permitisse comprovar a harmonia do preço médio de cada mercadoria individual com a lei do valor. Mas, se ao chegar a esse ponto, bem próximo de sua meta, ele enveredou por uma trilha errada, o conteúdo restante de seu opúsculo demonstra a compreensão com que extraiu outras conclusões dos dois primeiros livros d’O capital. Cabe-lhe a honra de ter descoberto de maneira independente a explicação correta da queda tendencial da taxa de lucro, que Marx expusera no Livro III, seção III; o mesmo ocorreu com a derivação do lucro comercial a partir do mais-valor industrial e com uma série de observações sobre os juros e a renda fundiária, nas quais se antecipam os elementos que Marx desenvolve nas seções IV e V do Livro III.
Num trabalho posterior (Die Neue Zeit, 1892/1893, n. 4 e 5), Schmidt procura a solução por outro caminho. Este conduz ao seguinte: é a concorrência que produz a taxa média de lucro, ao fazer com que o capital emigre de ramos da produção com sublucro para outros ramos, nos quais se obtém sobrelucro. Que a concorrência seja a grande niveladora dos lucros, isso não é novidade. Mas Schmidt tenta agora provar que essa nivelação dos lucros é idêntica à redução do preço de venda das mercadorias excedentes ao valor médio que a sociedade pode pagar por elas conforme a lei do valor. As considerações de Marx no próprio livro revelam suficientemente por que isso não podia conduzir à solução do problema.
Depois de Schmidt, foi P.[eter] Fireman quem enfrentou o problema (Conrads Jahrbücher, série terceira, III, p. 793). Não detalharei suas observações sobre outros aspectos da exposição de Marx. Elas se baseiam no equívoco de que Marx quer criar definições no momento mesmo em que argumenta e de que, em geral, seria necessário procurar em Marx definições fixas e prontas, válidas de uma vez por todas. É evidente que, quando as coisas e suas relações recíprocas não são concebidas como fixas, mas como mutáveis, também seus reflexos mentais, os conceitos, estão igualmente submetidos a modificação e renovação; que estes não se encontram enclausurados em definições rígidas, mas desenvolvidos em seu processo de formação histórico ou, a depender do caso, lógico. De acordo com isso, portanto, ficará claro por que Marx, no começo do Livro I – onde toma como ponto de partida a produção simples de mercadorias como seu pressuposto histórico para, então, avançar desde essa base até o capital –, parte precisamente da mercadoria simples, e não de uma forma conceitual e historicamente secundária, da mercadoria já modificada de maneira capitalista, o que, como é óbvio, Fireman não consegue compreender. Preferimos deixar de lado essas e outras questões secundárias, que ainda poderiam dar azo a diversas objeções, e passarmos logo ao cerne da questão. Enquanto a teoria ensina ao autor que, com dada taxa de mais-valor, o mais-valor é proporcional ao número de forças de trabalho empregadas, a experiência lhe mostra que, com dada taxa média de lucro, este é proporcional à grandeza do capital total aplicado. Fireman explica isso dizendo que o lucro é apenas um fenômeno convencional (termo que, para ele, significa algo pertencente a uma formação social determinada, com a qual ele se mantém e desaparece); sua existência se encontra simplesmente vinculada ao capital; este, quando é forte o suficiente para extrair um lucro para si, vê-se obrigado pela concorrência a extrair também uma taxa de lucro igual para todos os capitais. Sem uma taxa de lucro uniforme, nenhuma produção capitalista é possível; pressupondo-se esse modo de produção, a massa do lucro para cada capitalista individual só depende, com dada taxa de lucro, da grandeza de seu capital. Por outro lado, o lucro consiste em mais-valor, em trabalho não pago. Como ocorre aqui a transformação do mais-valor, cuja grandeza depende da exploração do trabalho, em lucro, cuja grandeza depende da grandeza do capital necessário para isso?
“Simplesmente porque em todos os ramos da produção nos quais a relação entre […] capital constante e capital variável é máxima as mercadorias são vendidas acima de seu valor, o que também significa que, naqueles ramos da produção em que a relação entre capital constante : capital variável = c : v é mínima, as mercadorias são vendidas abaixo de seu valor e que, só onde a relação c : v constitui uma grandeza média determinada, as mercadorias são vendidas por seu valor real […]. Essa incongruência de diversos preços individuais com seus respectivos valores pode ser considerada uma refutação do princípio do valor? De modo nenhum. Pois, pelo fato de que os preços de algumas mercadorias sobem acima de seu valor na mesma medida em que os preços de outras caem abaixo dele, a soma total dos preços permanece igual à soma total dos valores […], desaparece, ‘em última instância’, a incongruência.”
Essa incongruência é uma “perturbação”; “mas, nas ciências exatas, jamais se costuma considerar uma perturbação calculável como a refutação de uma lei”.
Comparem-se com isso as passagens correspondentes no capítulo 9 e pode-se ver que, de fato, Fireman colocou o dedo no ponto decisivo. A acolhida imerecidamente fria que recebeu seu artigo tão significativo demonstra, porém, quantos elos intermediários ainda seriam requeridos, mesmo depois dessa descoberta, para permitir a Fireman elaborar a solução plena e evidente do problema. Muitos se interessaram pelo problema, mas tinham medo de queimar os dedos ao tocá-lo. Isso se explica não só pela forma incompleta em que Fireman deixou seu achado, mas também pela inegável precariedade tanto de sua concepção das teses de Marx quanto de sua própria crítica geral destas últimas, baseada nessa concepção.
Onde quer que se apresente uma oportunidade de cair no ridículo diante de uma questão difícil, lá está o sr. prof. Julius Wolf, de Zurique. Todo esse problema, diz ele (Conrads Jahrbücher, série terceira, II, p. 352 e segs.), resolve-se pelo mais-valor relativo. A produção do mais-valor relativo baseia-se no aumento do capital constante em face do variável.
“Um aumento de capital constante pressupõe um aumento na força produtiva dos trabalhadores. Como esse aumento de força produtiva (pela via do barateamento dos meios de subsistência) acarreta um aumento de mais-valor, fica estabelecida a relação direta entre o crescimento do mais-valor e o crescimento da participação do capital constante no capital global. Um aumento de capital constante comprova um aumento na força produtiva do trabalho. Por isso, mantendo-se constante o capital variável e crescendo o capital constante, o mais-valor tem de aumentar, de acordo com a tese de Marx. Tal era o problema que nos foi colocado.”
É certo que Marx diz exatamente o contrário em uma centena de passagens do Livro I; é certo que a afirmação de que, segundo Marx, o mais-valor relativo aumentaria ao diminuir o capital variável na mesma proporção em que sobe o capital constante é tão assombrosa que não pode ser expressa em termos parlamentares; é certo que o sr. Julius Wolf dá provas, a cada linha, de que não entendeu o mínimo, nem relativa nem absolutamente, do mais-valor absoluto nem do relativo; ele diz, é verdade, que “aqui, à primeira vista, parece que nos encontramos num ninho de disparates”, o que, diga-se de passagem, é a única coisa certa em seu artigo inteiro. Por que tudo isso importa? O sr. Julius Wolf está tão orgulhoso de sua genial descoberta que não consegue deixar de conferir a Marx elogios póstumos, por conta disso, e de celebrar esse seu próprio disparate insondável como uma “nova prova da agudeza e amplitude de visão de seu” (o de Marx) “sistema crítico da economia capitalista”.
E ainda há algo melhor, diz o sr. Wolf:
“Ricardo também afirmou que, para igual aplicação de capital, igual mais-valor (lucro); assim como, para igual aplicação de trabalho, igual mais-valor (quanto a sua massa). O problema era, então, como uma coisa se harmoniza com a outra. Mas Marx não reconheceu a questão dessa forma. Sem dúvida, ele demonstrou (no Livro III) que a segunda afirmação não é consequência inevitável da lei do valor, mas que, na verdade, contradiz sua lei do valor e, por conseguinte [...], deveria ser diretamente rejeitada.”
Então, ele examina quem de nós dois teria se equivocado, eu ou Marx. Naturalmente, nem sequer lhe passa pela cabeça que é ele mesmo quem perambula pelo erro.
Eu não poderia desperdiçar uma única palavra acerca dessa esplêndida passagem, sob pena de ofender meus leitores e ignorar por completo a comicidade da situação. Acrescento apenas o seguinte: com a mesma audácia com que ele então já podia dizer o que, “sem dúvida, Marx demonstrou no Livro III”, ele aproveita a oportunidade para relatar uma pretensa intriga professoral, segundo a qual o supramencionado escrito de Conrad Schmidt “seria diretamente inspirado por Engels”. Ora, sr. Julius Wolf! É possível que, no mundo em que o senhor vive e atua, seja algo habitual que o homem que coloca publicamente um problema aos outros revele a seus amigos particulares, em segredo, a solução desse problema. Que o senhor seja capaz disso, quero crer sem dificuldade. Que no mundo em que transito ninguém precisa rebaixar-se a tais mesquinharias, isso demonstra-lhe o presente prefácio.
Mal falecera Marx, e o sr. Achille Loria já publicava o mais rápido possível um artigo sobre ele na Nuova Antologia (abril de 1883): primeiro, uma biografia repleta de dados falsos, seguida por uma crítica de sua atividade pública, política e literária. Nele, com uma segurança que deixa entrever um grande objetivo, a concepção materialista da história de Marx se vê falsificada e deformada. E esse objetivo foi alcançado: em 1886, o mesmo sr. Loria publicou um livro, La teoria economica della costituzione politica, no qual anuncia ao assombrado mundo de seus contemporâneos que a teoria marxiana da história, que em 1883 se encontrava desfigurada de maneira tão completa e intencional, era sua própria descoberta. É verdade que a teoria de Marx é aí rebaixada a um nível bastante filisteu; nas citações e nos exemplos históricos também abundam erros que não se perdoariam a um colegial; mas que importa tudo isso? Como ele demonstra, a descoberta de que, sempre e em toda parte, as situações e os acontecimentos políticos encontram sua explicação nas correspondentes condições econômicas não foi de modo nenhum feita por Marx em 1845, mas pelo sr. Loria em 1886. Ao menos foi isso o que ele fez crer alegremente a seus compatriotas e, desde que seu livro apareceu em francês, também a alguns franceses, de modo que agora pode pavonear-se na Itália como autor de uma nova e memorável teoria da história, até que os socialistas de lá tenham tempo para arrancar do illustre Loria as plumas de pavão roubadas.
Essa é apenas uma pequena amostra do estilo do sr. Loria. Ele nos assegura que todas as teorias de Marx se baseiam num sofisma consciente (un consaputo sofisma); que Marx não se intimidava diante de paralogismos, mesmo reconhecendo-os como tais (sapendoli tali) etc. E, depois de ter transmitido a seus leitores, com uma série de artifícios de similar baixeza, o necessário para que eles vejam em Marx um arrivista à la Loria, que põe em cena seus efeitinhos com as mesmas trapacinhas podres que nosso professor de Pádua, ele pode agora revelar-lhes um importante segredo, que nos leva de volta à taxa de lucro.
O sr. Loria diz: segundo Marx, a massa de mais-valor (que o sr. Loria identifica aqui com o lucro) produzida numa empresa industrial capitalista deve ser determinada pelo capital variável nela aplicado, uma vez que o capital constante não proporciona lucro. Isso contradiz a realidade. Pois, na prática, o lucro não é determinado pelo capital variável, mas pelo capital total. O próprio Marx reconhece isso (Livro I, capítulo 11) e admite que, na aparência, os fatos contradizem sua teoria. Como ele resolve a contradição? Ele remete seus leitores a um volume seguinte, ainda não publicado. A respeito desse volume, sobre o qual Loria já havia dito a seus leitores que não acreditava que Marx tivesse pensado em escrever, ele exclama agora, triunfante:
“Não sem razão, pois, afirmei que esse segundo volume, com o qual Marx não cessava de ameaçar seus adversários, sem jamais publicá-lo, poderia muito bem ser um engenhoso expediente criado por Marx em substituição dos argumentos científicos que lhe faltavam (un ingegnoso spediente ideato dal Marx a sostituzione degli argomenti scientifici).”
E quem agora não estiver convencido de que Marx está no mesmo nível da fraude científica de l’illustre Loria é um caso perdido.
Porém, havíamos aprendido que, segundo o sr. Loria, a teoria marxiana do mais-valor seria totalmente incompatível com o fato da taxa geral e uniforme de lucro. Então, nesse ínterim, apareceu o Livro II e, com ele, minha interrogação, publicamente colocada, exatamente sobre esse mesmo ponto[c]. Se o sr. Loria fosse um de nós, alemães estúpidos, ele teria ficado numa situação um tanto embaraçosa. Mas estamos diante de um atrevido meridional, que vem de um clima quente, no qual, como ele mesmo pode afirmar, a desinibição é, em certa medida, condição natural. O problema da taxa de lucro está colocado publicamente. O sr. Loria o declarou publicamente como insolúvel. E exatamente por isso ele agora superará a si mesmo, resolvendo-o publicamente.
Esse milagre ocorre em Conrads Jahrbücher, nova série, v. XX, p. 272 e segs., num artigo sobre o texto de Conrad Schmidt, já citado. Depois de ter aprendido com Schmidt como se origina o lucro comercial, de repente tudo se torna claro para ele.
“Uma vez que a determinação do valor mediante o tempo de trabalho dá certa vantagem aos capitalistas que investem uma parte maior de seu capital em salários, o capital improdutivo” (o certo seria capital comercial) “pode impor a esses capitalistas privilegiados juros” (o certo seria lucro) “mais altos e gerar a igualdade entre os diversos capitalistas industriais. […] Assim, por exemplo, se os capitalistas industriais A, B e C empregam na produção, cada um, 100 jornadas de trabalho e um capital constante de, respectivamente, 0, 100, 200, e se o salário de 100 jornadas de trabalho contém 50 jornadas de trabalho, cada capitalista recebe um mais-valor de 50 jornadas de trabalho e a taxa de lucro é de 100% para o primeiro, 33,3% para o segundo e 20% para o terceiro. Mas, se um quarto capitalista, D, acumula um capital improdutivo de 300, que requer juros” (lucro) “no valor de 40 jornadas de trabalho de A, juros de 20 jornadas de trabalho de B, então a taxa de lucro dos capitalistas A e B cairá a 20%, como a de C; D, com um capital de 300, obterá um lucro de 60, ou seja, uma taxa de lucro de 20%, como os capitalistas restantes.”
Com tão surpreendente destreza, num passe de mágica, l’illustre Loria resolve a mesma questão que dez anos antes ele declarara insolúvel. Infelizmente ele não nos revelou o segredo de onde o “capital improdutivo” recebe o poder não só para extorquir dos industriais esse seu lucro extra, que ultrapassa a taxa média de lucro, mas também para conservá-lo em seus próprios bolsos, exatamente como o proprietário fundiário põe no bolso, como renda fundiária, o lucro excedente do arrendatário. De acordo com isso, os comerciantes recolheriam dos industriais um tributo totalmente análogo à renda da terra e, dessa maneira, estabeleceriam a taxa média de lucro. O capital comercial é, decerto, um fator essencialíssimo no estabelecimento da taxa geral de lucro, como quase todo mundo sabe. Mas só um aventureiro literário, que no fundo do coração menospreza toda a economia, permite-se afirmar que esse tipo de capital possui o poder mágico de absorver todo o mais-valor que excede a taxa de lucro geral – e, ainda por cima, antes que essa taxa esteja estabelecida –, de transformá-la em renda fundiária para si mesmo e, ainda por cima, sem que tenha para isso necessidade de nenhuma propriedade fundiária. Não menos assombrosa é a afirmação de que o capital comercial conseguiria descobrir aqueles industriais cujo mais-valor não faz mais que cobrir exatamente a taxa média de lucro e que considera uma questão de honra aliviar de algum modo a sina dessas infelizes vítimas da lei marxiana do valor, vendendo-lhes gratuitamente seus produtos, inclusive sem cobrar comissão nenhuma. Que prestidigitador é preciso ser para imaginar que Marx necessitaria de tão lamentáveis truques!
Mas nosso illustre Loria só resplandece em toda a sua glória quando o comparamos com seus concorrentes nórdicos – por exemplo, com o sr. Julius Wolf, que também não nasceu ontem. Que pequeno charlatão nos parece este último, mesmo em seu grosso livro Socialismo e ordem social capitalista, em comparação com o italiano! Quão desamparado – eu diria até quão modesto – ele se encontra ali, ao lado da nobre impertinência com o que o maestro afirma como coisa óbvia que também o próprio Marx, nem mais nem menos que todos os outros, era um sofista, paralogista, fanfarrão e charlatão tão consciente disso quanto o sr. Loria; que Marx, toda vez que se via em apuros, enganava o público prometendo-lhe a conclusão de sua teoria em algum volume seguinte, o qual, como ele sabia muito bem, não podia nem desejava fornecer! Quem chegaria a seus pés em matéria de um atrevimento sem limites, aliado à habilidade de deslizar como uma enguia por situações impossíveis, de um desprezo heroico pelos pontapés recebidos, de uma rápida apropriação das produções alheias, de um insistente escarcéu propagandístico de charlatão de feira e da manutenção da fama por meio de uma camarilha de cupinchas?
A Itália é a terra do classicismo. Desde a grande época em que nela raiava a aurora do mundo moderno, produziu personalidades grandiosas, de inalcançável perfeição clássica, desde Dante até Garibaldi. Mas também a época da humilhação e da dominação estrangeira deixou nesse país personagens cênicos clássicos, entre eles dois tipos altamente elaborados: Sganarelle e Dulcamara. A unidade clássica de ambos vemos encarnada em nosso illustre Loria.
Para finalizar, preciso conduzir meu leitor ao outro lado do oceano. Em Nova York, o doutor em medicina George C. Stiebeling também encontrou uma solução para o problema – de fato, uma solução simplicíssima. Tão simples que ninguém queria reconhecê-la, nem lá nem aqui; isso lhe enfureceu enormemente, a ponto de fazê-lo queixar-se com amargor de tal iniquidade numa série interminável de folhetos e artigos de jornal, publicados em ambos os lados do oceano. É verdade que, na Die Neue Zeit, foi-lhe dito que toda a sua solução se baseava num erro de cálculo. Mas isso não podia perturbá-lo; Marx também cometeu erros de cálculo e, mesmo assim, continuou a ter razão em muitas coisas. Examinemos, pois, a solução de Stiebeling.
“Suponho duas fábricas que trabalham com o mesmo capital e durante o mesmo tempo, mas com uma proporção diferente entre capital constante e capital variável. Suponho que o capital total (c + v) = y e designo com x a diferença na proporção entre capital constante e capital variável. Na fábrica I, y = c + v, enquanto na fábrica II y = (c − x) + (v + x). Portanto, na fábrica I a taxa de mais-valor é = m/v e na fábrica I ela é = m/v + x. Denomino lucro (l) o mais-valor total (m) em que aumenta o capital total y ou c + v no tempo dado, isto é, que l = m. Consequentemente, a taxa de lucro é, na fábrica I, = l/y ou m/(c + v) e, na fábrica II, ela é também = l/y ou m/(c − x) + (v + x), isto é, também = m/(c + v). O […] problema se resolve, pois, de tal maneira que, com base na lei do valor, empregando-se o mesmo capital no mesmo tempo, a modificação da taxa de mais-valor produz uma taxa média de lucro igual.” (G.[eorg] C.[hristian] Stiebeling, Das Wertgesetz und die Profitrate, Nova York, John Heinrich)
Por mais belo e ilustrativo que resulte o cálculo anterior, vemo-nos obrigados a formular uma única pergunta ao sr. dr. Stiebeling: como ele sabe que a soma do mais-valor produzido pela fábrica I é exatamente igual à soma do mais-valor produzido na fábrica II? Acerca de c, v, y e x – portanto, de todos os fatores restantes do cálculo –, ele nos diz expressamente que têm a mesma grandeza em ambas as fábricas, mas nem uma palavra acerca de m. Isso não se deduz de modo algum do fato de que designe algebricamente com m as duas quantidades de mais-valor que aparecem aqui. Isso é, antes, o que precisa ser provado, uma vez que o sr. Stiebeling também identifica o lucro, l, com o mais-valor. Ora, há apenas dois casos possíveis: ou ambos m são iguais e cada fábrica produz a mesma massa de mais-valor, isto é, também a mesma quantidade de lucro empregando o mesmo capital total – nesse caso, o sr. Stiebeling já terá pressuposto de antemão aquilo que teria de demonstrar. Ou, então, uma das fábricas produz uma soma maior de mais-valor – nesse caso, todo seu cálculo vem abaixo.
O sr. Stiebeling não poupou esforços nem custos para construir sobre esse erro de cálculo montanhas inteiras de cálculos e expô-las ao público. Para que ele fique tranquilo, posso assegurar-lhe que quase todos esses cálculos são igualmente incorretos e que, nos casos em que isso excepcionalmente não ocorre, eles demonstram algo totalmente diverso do que o sr. Stiebeling quer demonstrar. Assim, por exemplo, a partir da comparação dos relatórios dos censos americanos de 1870 e 1880, ele apresenta, de fato, a queda da taxa de lucro, mas a explica de maneira totalmente errônea e acredita ter de corrigir, mediante a prática, a teoria marxiana de uma taxa de lucro sempre constante e estável. Porém, com base na seção III do presente volume, conclui-se que essa “taxa de lucro fixa” de Marx é pura fantasia e que a queda tendencial da taxa de lucro se baseia em causas diametralmente opostas às indicadas pelo sr. dr. Stiebeling. Certamente o sr. dr. Stiebeling é movido por boas intenções, mas, quando alguém quer ocupar-se com questões científicas, esse alguém tem de aprender, em primeiro lugar, a lidar corretamente com os escritos que se pretende empregar, lendo-os tal como o autor os escreveu e, acima de tudo, sem lhes imputar coisas que ali não constam.
Resultado de toda a investigação: também com relação à presente questão, foi novamente apenas a escola marxiana que realizou alguma coisa. Ao ler este Livro III, Fireman e Conrad Schmidt podem, cada um por seu lado, ficar satisfeitos com seus próprios trabalhos.
F. Engels
Londres, 4 de outubro de 1894
[a] Cf. O Capital, Livro II, cit., p. 100. (N. T.)
[b] “A taxa média de lucro sobre a base da lei marxiana do valor.” (N. T.)
[c] Cf. O Capital, Livro II, cit., p. 90. (N. T.)