Identidade feminina e nervoso: crises e trajetórias
Introdução
Inserido em uma perspectiva da sociologia da saúde e antropologia médica, o presente artigo procura discutir algumas experiências potencialmente fragilizadoras à saúde mental, na trajetória de vida de mulheres pobres. O artigo trata do sentido fragilizador de experiências, práticas, eventos e contexto na vida de 14 mulheres auto-referidas como "nervosas", em uma comunidade urbana de baixa renda na cidade de Salvador.
Este artigo se diferencia da abordagem epidemiológica sobre "fatores sociais de risco à saúde mental" (teórica e metodologicamente), mantendo entretanto uma constante interlocução com esta perspectiva. Parte do pressuposto de que explorar as relações entre cultura e sociedade, por um lado, e saúde mental, por outro, não é simplesmente identificar fatores estressores no meio social. Pelo contrário, requer a compreensão de uma interação complexa de experiências que se desenvolvem ao longo de uma trajetória de vida. Assim, aqui se procura enfatizar o "processo" através do qual os indivíduos dão sentido e respondem às condições externas do meio social. Os conceitos de "experiência" e "processo" são centrais nesta abordagem1. A opção pelo termo "experiência fragilizadora", (em vez de fator de risco) reflete o intuito de compreender não apenas condições sociais "externas", objetivas, mas também os modos específicos pelos quais os indivíduos se situam frente a situações, conferindo-lhes sentido. A idéia de "processo de fragilização " põe em evidência o transcurso temporal, ou seja, a trajetória de vida a partir do qual os indivíduos desenvolvem modos próprios de lidar com e interpretar as situações.
"Processo de fragilização" remete, na análise da qualidade de eventos, à presença de um "eu" (self) que vivencia, age sobre e confere sentido ao mundo. Esse "eu" é constituído na experiência. Uma coisa é explicar os fatos objetivos ou eventos externos à consciência; outra, é compreender a forma como estes ganham significado e são incorporados à vida. Isso não significa dizer que essas entidades sejam totalmente independentemente pois, uma e outra podem estar ligadas entre si formando uma única referência, tanto pessoal como social (Hita e Alves, 1995).
Uma análise sócio-antropológica de eventos quando construída a partir de quem as vivencia, pressupõe uma compreensão não apenas das características pessoais e subjetivas dos indivíduos, mas também do contexto, da situação social em que se encontra esse self. Sendo construído pela complexa interação social com o "outro", o indivíduo partilha, reflete e (re)constrói conjuntamente uma série de pressupostos, objetivações, modelos explicativos e padrões de comportamento que constituem os componentes essenciais da sua vida quotidiana. Essas categorias sociais são elaboradas intersubjetivamente e é através delas que os indivíduos desenvolvem determinadas experiências, estabelecem campos de significação e adquirem um senso de sua própria identidade.
Abordar o tema da constituição, manutenção e/ou mudança da identidade remete, portanto, à noção do self e seu estar no mundo. O self é uma entidade reflexa, cuja formação entranha uma dialética entre a auto-identificação e a identificação que é feita pelos outros, entre o objetivamente atribuído e o que é subjetivamente assumido pela internalização (nas socializações primária e secundária da sociedade)2. É pela internalização que a subjetividade do outro me é acessível objetivamente e me é significativa, compreendo os processos subjetivos momentâneos do outro quando os torno meus. Isso pressupõe que compartilhamos definições de situações e as definimos reciprocamente (assumimos o mundo e o recriamos). Quando tal não acontece fala-se de problemas ou conflitos de identidade (Berger e Luckmann, 1983)
Identidade - aqui tomada enquanto profundamente ligada a e sustentada pela manutenção de rotinas - e conflito de identidade - crise, exigência de mudança ou adaptação - são caras de uma mesma moeda, duas formas possíveis de manutenção da realidade social: a de rotina e a de crise. A primeira forma está destinada, a manter a realidade internalizada da vida cotidiana pelo desempenho normal de papéis e rotinas esperadas (o que constitui a essência da institucionalização). Na segunda, a lida com o rotineiro passa a se apresentar como problemas de diversos tipos3. O setor não problemático da realidade da vida cotidiana continua sendo-o somente até novo aviso, até que sua continuidade não seja interrompida pela aparição de um problema. Quando isto ocorre, haverá um esforço do sujeito para integrar o setor problemático dentro do que já não é problemático; do contrário estará enfrentando uma nova realidade que transcende aos limites do seu conhecimento, propiciando o surgimento do que a psicanálise denomina de conflitos ou crises de identidade.
O conflito pode ser definido como a coexistência de condutas (motivações) contraditórias, incompatíveis entre si. Tanto pode funcionar como um elemento propulsor do desenvolvimento do indivíduo, como pode chegar a constituir uma situação paralisadora e neste caso, introduz-se a idéia de crise. Frente a um conflito, o indivíduo pode reagir afirmativamente: existe a possibilidade de que adote um movimento de auto-contenção, isto é, que venha a se inserir de forma ativa e crítica frente ao equilíbrio anterior. Trata-se de um processo de reorganização psíquica em que as contradições vividas são enfrentadas, o que levaria a uma situação de reflexão e juízo crítico por parte do indivíduo (Burin, 1987). A partir dessa idéia podemos dizer que o que caracteriza a vida de pessoas tidas como "normais" não é a ausência de conflitos, senão a possibilidade de os resolver, o saber lidar com eles (Bleger, 1963).
Na mesma direção apontada por Burin, Kaes (1977) define as crises como um ato de suspensão da identidade, uma ruptura dos sentimentos de si, da continuidade e mesmidade que constituem a subjetividade. A idéia de crise refere-se mais diretamente a um movimento de entrega e rendição frente ao problema (conflito), induz à concepção de fragilização, de situação de quebra do equilíbrio anterior, de sentimentos de padecimento. Trata-se de um momento carregado de sofrimento, onde a sensação prevalescente é a de pena, dor e perda. Em outros termos, uma etapa depressiva, um momento de vulnerabilidade na constituição da subjetividade que exige medidas externas ao indivíduo para a sua contenção4. A crise é manifestação extrema e explícita do conflito (agravamento); o conflito, pelo contrário, pode se manter latente, desapercebido.
Para a mulher parecem haver situações problemáticas que são peculiares a seu gênero, indicando formas específicas de ruptura, tipos de conflitos que podem transformar-se em dadas situações em crises. Segundo algumas correntes haveriam formas específicas de "adoecimento" das mulheres que estão vinculadas a sua própria situação de gênero.
Doença mental e gênero feminino
Abordagens epidemiológicas sobre a doença mental tem apontado que as mulheres sofrem mais do que os homens dos chamados distúrbios afetivos e neuroses (Weissman & Klerman, 1977; Freden Iars, 1982 apud Burin, 1987; Sartoris & Rapella, 1985 apud Burin, 1987; Miles, 1988)5. Em torno desta afirmação existe um complexo e interminável debate.
Uma das vertentes do debate busca comprovar a validade da associação entre gênero e saúde/doença mental apoiando-se em dois argumentos básicos, por vezes apresentados como opostos na causação do fenômeno. Uns frisam susceptibilidades de ordem biológica específicas ao gênero feminino, apontando para a relação entre o campo da saúde reprodutiva (tensão pré-menstrual, uso de anticoncepcionais, distúrbios do pós-parto, menopausa etc.) e a doença mental. Outros chamam a atenção para fatores sociais: o papel da mulher na sociedade caracterizado por posição subordinada, status desvantajoso, falta de poder, maior dependência (e menor auto-estima) - levando a que as mulheres vivenciem os eventos de forma distinta dos homens, sendo mais suscetíveis ao stress que estes (Weissman & Klerman,1977; Miles, 1988).
Outra vertente procura debilitar a força da associação identificada entre gênero e saúde/doença mental em desordens psico-afetivas. Alguns estudos sustentam que os dados das pesquisas que apontam para esta associação estariam superestimados - e que seus resultados são portanto artificiais - uma vez que, comparadas aos homens, as mulheres têm maior número de sintomas (são mais perceptivas no que toca às suas emoções), têm maior consciência dos danos, tendem a reportá-los mais facilmente e buscam mais tratamento, o que não é o mesmo que afirmar que sofrem mais do mesmo mal (Freden Iars, 1982; Sartoris & Rapella, 19856).
Dentre as desordens psico-afetivas destaca-se, sem dúvida, a depressão. Ela é um dos problemas mentais mais diagnosticado no século XX e até muito recentemente é pensado como o principal problema feminino (Russel, 1995). Parece ter capturado o lugar ocupado pela histeria no imaginário do sec. XIX. No seu debate surge a polêmica sobre sua base biológica ou socialmente induzida7. Alguns estudos recentes igualmente questionam a maior associação estatística deste tipo de problemas ao gênero feminino. Três estudos recentes sobre a depressão entre homens e mulheres nos EUA, Suécia, Alemanha, Canadá e Nova Zelândia apontam uma maior aproximação desta diferenciação sexual tão frisada em estudos epidemiológicos tradicionais. Explicações factiveis da atual proximidade estatística de índices de depressão em ambos sexos se apóiam em argumentos como o da crescente participação da mulher na força de trabalho e sobre o conjunto de mudanças comportamentais das mulheres modernas em direção a uma maior individuação e autonomia, em suma a sua nova maneira de inserir-se no mundo em relação a modelos passados (J.M. Murphy, 1986; Klerman et al, 1989; Joice et al., 19908). Estes novos achados questionam a idéia que associa depressão a um problema de natureza inerentemente feminina. De um ponto de vista sociológico é completamente questionável o tipo de tese que sustenta a idéia da existência de uma debilidade psiquiátrica inerente a mulher em relação ao homem. A corrente médica, por sua vez, procura recuperar terreno perdido através da invenção de "novos problemas" femininos, mais atrelados ao campo biológico, como os fenômenos descobertos neste século, da síndrome pré-menstrual, a qual parece estar substituindo o lugar antes pertencente à histeria e depressão.
Independentemente da discussão sobre a causação e/ou diminuição dos diferenciais sexuais da depressão ou desordens psico-afetivas tidas como tipicamente femininas, tem-se encontrado achados interessantes tanto na psiquiatria quanto na sociologia da saúde sobre a relação do gênero com a saúde mental. Estes achados apontam na direção da identificação de um conjunto de circunstâncias e situações mais ou menos gerais à condição da mulher ao longo da história, que buscam elucidar os contextos e situações específicas enfrentadas pela mulher por pertencer ao gênero feminino. Tratam-se de situações que se de um lado começam a mudar, por outro, continuam sendo vigentes para grandes contingentes de mulheres que vivem em um contexto marcado pela presença concomitante de novos e velhos modelos de ser mulher.
Os estudos de Brown & Harris (1970) encontraram que a vulnerabilidade à depressão nas mulheres está relacionada com a presença dos seguintes processos: perda da mãe antes dos 11 anos de idade, presença em casa de 3 ou mais crianças com menos de 14 anos, ausência de relação confidencial, principalmente com o marido e perda do trabalho (tempo parcial ou completo). A literatura especializada aponta que mulheres casadas, integralmente donas de casa, são mais vulneráveis à doença mental e propensas à insatisfação e sentimentos depressivos (Oakley, 1974; Rosenberg, 1984, Graham, 1984, Miles, 1988). A frustração da rotinização e o caráter interminável das tarefas, a ausência de regras, a invisibilidade e falta de reconhecimento destas atividades, e a pesada responsabilidade pela saúde e bem estar geral da família, combinados com a propensão ao isolamento, incrementam sintomas de ansiedade e depressão. Esta situação piora no caso de mães com filhos pequenos que têm maior dificuldade de se inserir em trabalhos extra domésticos e que sofrem maiores pressões para enfrentar (Burin, 1987; Miles, 1988).
Tem sido igualmente apontado que o trabalho remunerado funciona como um importante protetor contra desordens psicológicas (Brown e Harris, 1978; Cooperstock e Lennard, 1979; Sharpe, 19849). Entretanto, as mulheres que trabalham fora de casa, e minimizam o problema do isolamento, podem sofrer por sua vez, pelo excesso de trabalho devido à sobrecarga resultante da conhecida dupla jornada de trabalho, já que normalmente é a mulher que continua assumindo a maior parte das tarefas domésticas. Fator agravante é a presença da violência doméstica tão marcante na nossa cultura com ainda fortes marcas patriarcais e que tem mais drástica incidência nos setores populares.
Igualmente, outros aspectos insatisfatórios da vida das mulheres diagnosticados como deprimidas foram encontrados por Agnes Miles. Resultados de suas pesquisas na Inglaterra com mulheres neuróticas assinalam que entre os principais processos de "fragilização" das mulheres se destacam por ordem de maior intensidade: casamentos insatisfatórios, ações passadas (ou traumas), mudanças hormonais (ou problemas de ordem reprodutivo), relações familiares insatisfatórias (família de origem), eventos vitais adversos ou dificuldades severas como cuidado de parentes doentes ou velhos e padecimento de doenças físicas crônicas. Também apareceram manifestados problemas de infância e no trabalho assalariado dos pacientes (Miles, 1988).
De forma relativamente consensual entre os estudos psicanalíticos também se aponta para a forte manifestação de uma série de crises nas mulheres (especialmente as de classe média) de forma bastante sistemática e geral, principalmente quando atingem a meia-idade. Este, parece ser um período especialmente fragilizante na mulher. Na maturidade ela teria maior probabilidade de entrar em crise, principalmente, no que concerne a concepção que tem de si mesma ligada, às multideterminações que até então sustentavam a sua identidade. Trata-se de um sentimento de perda da juventude, da capacidade de procriar, do papel materno a medida que os filhos vão deixando o lar e do papel de esposa quando o companheiro morre ou a abandona. Os desejos e relações amorosas também podem mudar durante ou após uma crise. Algumas mulheres passariam a questionar seus desejos originais para com seus cônjuges, o que poderia conduzi-las a considerar os vínculos de amor como experiência dolorosa que procurariam evitar. Outras, pelo contrário, encontrariam na criação de novos vínculos de amor a possibilidade de superar velhos conflitos. Trata-se, em suma, de situações que podem ser vivenciados com maior ou menor dificuldade a depender do sujeito e sua trajetória de vida específica.
Até aqui se inseriram algumas das mais importantes variáveis quando se fala de crise de identidade do sexo feminino: aquelas em torno à centralidade das experiências maternais, de esposa e atividades domésticas, assim como os efeitos nefastos de uma maior exclusão feminina do âmbito público, entre outras. Estas experiências próprias do gênero feminino, tão direta e historicamente atreladas a formas de ser mulher, parecem confluir de forma mais sistemática e concentrada em períodos de crises identitárias.
Contudo, estes modos de ser mulher assumem significações e particularidades distintas em contextos sociais, históricos e culturais específicos. Como entender estas categorias tão gerais quando aplicadas a mulheres de classe trabalhadora urbana de uma cidade nordestina do Brasil? O que de fato e de que modo específico fragiliza e debilita a "saúde mental" de mulheres pobres baianas e quais os significados por elas atribuídos a estes processos?
As reflexões de teor psicanalítico sobre questões relacionadas ao gênero, na maioria das vezes associadas a estudos da classe media, nos parecem interessantes, contudo insuficientes e em grande medida até inadequadas para compreender a realidade de mulheres de classe trabalhadora. Uma leitura de teor antropológico, entretanto, permite uma melhor elucidação das particularidades e significados específicos de cada contexto social.
A seguir analisamos alguns elementos marcantes na trajetória de vida de quatorze mulheres de classe trabalhadora de Salvador que se auto-referem como nervosas. A análise visa contribuir para uma identificação de elementos estruturais dessas trajetórias bem como para uma compreensão dos significados de que se revestem para as mulheres10.
Um elemento a se considerar na análise das histórias de vida é o fato de que a narrativa e re-interpretação do passado elaborada pelos indivíduos é sempre influenciada pelo ponto de vista que assumem no presente. As vezes é mais fácil inventar coisas que nunca aconteceram que omitir as que aconteceram na realidade, como forma de harmonizar o passado que se recorda com o que se re-interpreta. A nova realidade se torna mais dominante e plausível que a anterior. Pode ser muito sincero adotar tal procedimento: subjetivamente não se está contando mentiras com respeito ao passado, senão alinhando-o com a verdade que se vive no presente e que, por força, deve abarcar tanto o presente como o passado.
Um conjunto de experiências comuns são compartilhadas por estas mulheres (aspectos objetivos ou estruturais de sua infância) e são re-elaborados desde uma narrativa situada no seu agora, desde um "eu" espacial e temporal que é definido pelos outros e por si mesmo como "pessoa nervosa". Sem identificar estes aspectos objetivos ou estruturais (eventos) como causas ou predisponentes a desordem mental (um debate complicado de enfrentar neste artigo), é interessante apresentá-los sucintamente com vistas a complementar o perfil da amostra a analisar.
Antes porém, é importante fazer um rápido esclarecimento sobre o que a pesquisa denominou uma "pessoa nervosa". A categoria de "nervoso" é uma categoria êmica que, entretanto, parece apresentar uma interface importante com os chamados problemas "psico-afetivos" da psiquiatria. É possível que algumas das mulheres consideradas "nervosas" na pesquisa fossem enquadradas por psiquiatras como sofrendo de problemas psico-afetivos. Não utilizamos os diagnósticos psiquiátricos para sua definição ou identificação, mas a auto-identificação do sujeito como pessoa sofredora de problemas de "nervoso". Nos interessava sua própria avaliação e sentimentos, e como estes estariam confluindo na interpretação e significação que as mulheres dão às suas vidas, angústias e vivências específicas, principalmente aquelas mais difíceis ou associadas aos momentos de maior crise.
Em pesquisa realizada em bairro popular de Salvador, Rabelo procurou sintetizar os múltiplos significados do nervoso: "Nas narrativas produzidas por informantes do bairro sobre o nervoso ressalta seu caráter polissêmico. O termo abarca um conjunto complexo de signos e está associado a diversas situações e contextos causais. A grosso modo os signos relativos ao nervoso compõem três nodulos básicos. O primeiro reúne signos de agressividade e violência: o nervoso é descrito como um estado em que as pessoas facilmente apelam para agressão, seja física ou verbal. Maridos que batem em suas mulheres ou pais que espancam seus filhos por qualquer motivo, gente que percebe provocação onde não existe e parte logo para briga ante a mínima provocação. São pessoas que se alteram com facilidade, xingam, gritam e batem, criando verdadeiras cenas tanto no domínio da casa quanto no espaço público da rua. Um segundo nódulo, bastante relacionado ao primeiro, abarca os signos de agitação e impaciência: descreve pessoas avexadas ou agoniadas, que se mostram insatisfeitas e/ou excessivamente preocupadas frente a problemas do cotidiano, a quem falta um pouco de tranquilidade e/ou jogo de cintura para levar a vida. A este nódulo estão ligados certos signos corporais como andar de um lado para o outro, se tremer todo(a), dar risada demais. Por fim o terceiro nódulo aponta para signos de tristeza e isolamento: são pessoas que choram demais e por qualquer razão, se trancam em suas casas e evitam contato com outros. Ligando estes três eixos está o tema do descontrole, associado à ideia de fraqueza dos nervos" (Rabelo, 1997: 34)11.
Perfil das nervosas
Das 14 mulheres "nervosas", 11 delas tinham mais de 30 anos (a maioria acima de 40) conformando uma amostra de mulheres predominantemente em fase madura de suas vidas, com filhos adultos ou ao menos adolescentes e criados. Somente 2 tinham menos de 30 e apenas 2 estavam com filhos pequenos. A grande maioria, como o própria corte geracional sugere, tem mais de 4 filhos, chegando algumas a ter 8, 9 e 10 filhos. Quando foi realizada a entrevista, 9 delas estavam unidas (das quais 5 já estavam em segundas e terceiras relações de conjugalidade). As outras 5 estavam separadas, das quais 2 tinham passado por mais de uma união. Em outros termos, estes dados apontam a marcada presença da instabilidade conjugal pois 10 das 14 mulheres vivenciaram a experiência da separação. Destas mulheres separadas, 3 tiveram somente 1 união (2 separadas recentemente e 1 que nunca mais voltou a juntar-se a outro homem). As outras 7 que experimentaram separação, passaram por mais de uma união, superando em alguma medida, a fase crítica anterior.
Uma característica marcante encontrada na trajetória das mulheres "nervosas" em relação as "não nervosas"12 é um maior número de separações e formação de novas uniões. Outro elemento específico a este grupo de mulheres são as constantes queixas de sofrerem algum tipo de doença. Também as diferencia a vivência da "adoção" na infância de uma forma traumática e negativa (6 das 14). Entre as não nervosas que passaram pela adoção, esta não foi interpretada como um processo fragilizador.
Nem tudo é diferente entre as mulheres que se consideram "nervosas" e as que não. Há uma série de situações adversas (cuidado de doenças crônicas e mortes de entes queridos, fatalidades, etc), problemas de convivência conjugal, infidelidade do companheiro e separações, entre outras, que são avaliadas como problemáticas em ambos contingentes. O que as distingue nestas situações é o grau de gravidade atribuído à situação, sempre mais acentuado entre as "nervosas", isso é, maior proporção delas, em relação às "não nervosas" vivenciou o momento como problemático.
Eventos adversos
Nos relatos da nossa amostra de mulheres "nervosas", a maioria (9 de 14) referiu sofrer do problema desde a infância, mas a descrição das crises que elas identificaram como sendo as primeiras em suas vidas, via de regra, não coincidem com este período referenciado13. Todas as entrevistadas declararam de forma mais ou menos acentuada terem sofrido uma forte restrição econômica e carências de ordem afetivo na primeira infância, experiências de miséria extrema sem ter o que comer, uma precoce inserção no mundo do trabalho (a maioria antes dos 8 anos de idade) sendo responsáveis pelo sustento de suas famílias de origem. O desconforto frente a insatisfação de necessidades emocionais é igualmente marcante. Sentimentos de rejeição, solidão e abandono são reincidentes em distintos relatos sobre o padecimento de situações dolorosas como casos de violência psíquica, física e até sexual e pelas marcas deixadas por uma adoção mal sucedida.
A maioria das mulheres (9) explicitou ter sido vítima de violência física na infância, pancadarias que, predominantemente partiam dos pais e eram dirigidas também as suas próprias mães e irmãos, principalmente após bebedeiras. Curioso é observar que 8 destas mesmas 9 vítimas, na vida adulta tiveram um contato muito próximo com a violência via o envolvimento de marido/filho/neto com crimes associados a drogas, assaltos e pequenos furtos. Algumas tiveram familiares assassinados pela polícia ou outros inimigos no bairro.
O estupro, nem sempre situado no período de infância, é outro evento fortemente fragilizador presente em 4 dos relatos. Duas mulheres foram abusadas sexualmente por seus patrões: em um dos casos o ato sexual não se consumou; o outro conduziu a uma gravidez adolescente. Outra foi vítima de abuso por parte do seu futuro marido quando pretendia romper o namoro e com certa cumplicidade materna. A quarta sofreu muito com a experiência de 2 estupros na família, o de uma neta de 2 anos e posteriormente, o de uma filha de 14. Estes momentos foram identificados como de eclosão de crise nervosa em alguns dos casos.
Nas entrelinhas destas narrativas predominam sentimentos de abandono e rejeição vivenciados predominantemente na infância. Para 6 das entrevistadas a adoção configurou uma situação em que, enviadas para casa de parentes ou outras famílias, via de regra, foram integradas para trabalhar como domésticas. As queixas de maltrato infantil são mais agudas nestes casos. Se à vivência da adoção for adicionada a de separação ou morte de um dos pais durante a infância, encontramos que 10 das 14 entrevistadas sentiram algum tipo de sensação de abandono e rejeição.
Nesta seção descreveu-se de forma suscinta e estrutural algumas experiências comuns no período infantil e de juventude destas mulheres "nervosas" que parecem estar influindo de alguma maneira no processo de eclosão do problema, posteriormente identificado como de "nervoso". Ao presente artigo entretanto, interessa especialmente destacar e analisar em maior detalhe aspectos da vida afetiva, sexual e familiar adulta, o convívio com parceiros e filhos, que são momentos vitais mais explicitamente atrelados à manifestação do nervoso.
Parceiros, afetos e sexo
Um traço marcante nos relatos destas mulheres, a maioria entre 40 e 60 anos de idade, refere-se à falta de uma adequada educação sexual na infância (a descoberta atônita do aparecimento da regra menstrual totalmente desconhecida por muitas, a falta de informação sobre relações sexuais, o tabu de partilhar tais temas com os pais, etc.) e é significativo o número daquelas que engravidaram entre os 12 e 13 anos de idade e tiveram o primeiro filho antes dos 14. A gravidez adolescente associada à reação dos parentes, geralmente de rejeição, maltrato e até expulsão no primeiro momento foi associado em alguns casos ao inicio do problema de nervoso. Vejamos alguns exemplos nas narrativas sobre o início da vida sexual:
Foi (a menstruação)... num foi um momento difícil que eu já sabia que, não por minha mãe, né, mas, minha amiga, tinha falado prá mim mas, eu já sabia mais ou menos aí... fiquei, quando chegou fiquei calada, não disse prá minha mãe, quando ela veio descobrir já tinha umas ... uns três ou quatro mês... eu tinha vergonha de falar porque era uma coisa que minha mãe nunca comentou com a gente, ninguém nunca falou então pá gente chegar assim ver uma coisa assim chegar comentar, uma pessoa, que não tinha experiência nenhuma eu tenho vergonha de falar . Não falei. (...) Com três semanas que minha mãe morreu pai saiu de den 'de casa e deixou os nove filhos. Aí os maió, minha irmã mais velha, meu irmão, eu, tivemo que trabalhá pá dá comida aos menó. Aí foi quando, eu já tinha um namorado também, né, minha irmã mais velha tinha namorado, aí eu fiquei no meu interior, aí eu me perdi com meu namorado, aí pareci grávida, com treze anos (...). Foi dentro de casa mesmo que aconteceu...Inda combinei com minha irmã, foi combinado com minha irmã, minha irmã mais velha que combinou comigo [risadas]. Ah, ela combinava comigo: "Mas Môzinho -que o namorado de minha irmã era Francisco, mas o apelido era Môzinho, né -Amôzinho aí disse que hoje vai fazê e acontecer comigo", aí ela di... falava, né, como era que ele ia fazer, eu dizia: "Tu é doida menina... pai vai batê na gente. Ela dizia: "Não, menina, vamo fazê pa vê se é bom... " Ai nós se combinou, ai quando foi de tarde que no dia que aconteceu com ela, aconteceu comigo. Foi...Os menino (irmãos menores) tudo dormindo [risadas], ó, no escuro, todo mundo lá no escuro, quem vai sair de den 'de casa? Cê sabe, interior, num sei se cê já foi no interior, né, pai não lava mais den 'de casa, só a gente só, ela com o namorado dela e eu com o meu, eu com ... doze ano, pa, pa treze, ela tomém, moderna. Eu tinha doze, ele tava com quinze. Ai pronto, aconteceu, ai foi indo, foi indo, eu pareci gravida disso, quando pai descobriu, pai... (Zezé)
Quando eu completei 10 anos... eu era presa, não saia prá canto nenhum, me prendia demais, demais mesmo; ai comecei a estudar, peguei amizade e ai começaram me dar conselho "você é besta menina, você tem mais é que se soltar, fica presa dentro de casa ", não sei o que... Ai pronto, foi o primeiro namorado que eu tive... tive uns paquerinhas, né? Mas, primeiro namorado. Me iludi, foi ilusão mesmo, eu pensei que era uma coisa e foi outra... namoro assim... acho que não durou nem [risos] um mês. Não demorou, né? (de ficar grávida). Mainha me batia prá caramba e eu não queria nem saber, tava cega, tava obcecada por ele, né? Não queria saber de nada. Gostava, não era nem gostar. (Ele) gosta nada, dizia que gostava, mas... Me perdi cedo também. Fui atrás de marido também [risos]... E namorava, deixava de estudar prá ir atrás dele, até que eu consegui: me perdi. Me perdi com ele eu tinha 12 anos, mainha dava conselho, mas eu não queria ouvir, me mandava, me escondia, até que eu consegui engravidar. Engravidei, aí é que foi o sofrimento pior da minha vida. (...) é aí que foi o sofrimento pior, quando eu engravidei, ele passava com mulher na minha cara, era! (...) A gente mesmo é que se despreza por si próprio. Eu tomava remédio prá ver se eu conseguia perder, mas eu acho que às vezes acontece, né? Ai ["expressão de angústia] nasceu... Ah, mas eu escondi, porque tinha vergonha. Quando eu engravidei eu apertava a barriga de um jeito! Com fio, com corda de nylon, vestia uma roupa bem folgada, prá ninguém descobrir. Ah, eu tava com 7 meses quando descobriram. Minha mãe, depois de muito tempo, foi que deu apoio a mim. (...) E hoje eu vendo minha filha com 13 anos, eu digo assim ói, ai se eu pudesse recomeçar o tempo que ficou atrás, e hoje eu não quero deixar minha filha sair daqui prá li nem a pau, não deixo mesmo; não é porque eu fiz isso que eu vou querer que ela faça, né? ...Mas hoje eu converso com ela e mainha não conversava comigo, né? Eu não sabia nem o que era menstruação. Pela primeira vez que veio eu tava com 11 anos..., que enquanto você não tem menstruação voce não tem perigo nenhum de engravidar, mas desde quando você tem, pronto...aí foi escândalo, prá mim, sei lá, pensei que tinha sido um bicho que tinha me mordido, uma coisa assim sei lá. Fiquei agoniada, vim do colégio gritando, gritando... hoje em dia, não, ela (a filha) sabe, tá com 13 anos e ela jura prá mim que não tem menstruação, mas sei lá se ela não tem, pode esconder como eu escondi de mainha. (Dina)
A primeira gravidez, via de regra, aparece como um momento de desfecho na negociação entre homem e mulher no que concerne à relação de casal. Após este acontecimento culminante, normalmente antes de se efetivar a união, restam aos implicados 2 opções basicamente: ou proceder para a união de forma mais definitiva e responsável ou desamarrar os laços até então desenvolvidos. Se trata de um momento de tensão, onde são tecidas as mais diversas estratégias de um e outro lado no sentido de defender os próprios interesses. Geralmente, mas nem sempre, a mulher pressionando para a união e o homem, para fugir dela. Em 9 narrativas detectou-se este processo de tensão e negociação, culminando ora na união, ora no abandono do parceiro, e por vezes em algum acerto intermediário, indicando que, via de regra, a gravidez antecedeu às uniões, e que foi esta tensão inicial um processo conflitivo desde o inicio da relação. Alguns dos relatos deixam bem clara essa dinâmica de tensão e negociação:
Eu era esperta, né? Que eu não era tão boba assim, eu me perdi com vinte e dois ano com o pai desses meninos, nem sei porque. Porque ele (o namorado anterior) veio me fazer um disfeita, tava namorando comigo e nisso queria ultrapassar do limite, eu disse não. Eu disse: "Nem vem!". Aí ele me prometeu o mundo e ofundo. Prometeu que me dava os documentos todo dele prá minha mão, que não sei o quê... Eu disse: "Não, largue de ser bobo, que você me dá os seus documentos, você me faz o bem, tá entendendo, e depois você vai tirar segunda via como seus documentos foi perdido, e eu que fico prá aí, nada!" [risos]. Aí ele disse: "Tá, você não tem jeito mesmo não, viu, você é esperta ". E aí digo: "Oi, tchau". Me mandei. (...) Eu passei a conhecer (a familia do marido) depois que ele já tinha, xô vê, pra falar a verdade, foi depois que já pas... [risos] já tinha conseguido o que era bom primeiro... Depois que engravidei eu tive que ir pra companhia dele, né? Ai fui prá casa da mãe dele, aliás minto, não foi nem prá casa da mãe, foi prá dos irmão(..) depois que eu apareci grávida de Shirleifoi que ele veio me dizer que tava com uma criatura prá ganhar um filho dele. Aí, a minha, minha dor, já comecei com ele foi disso, aí que eu pro...eu fui honesta com ele e ele não foi comigo, que eu procurei a saber a vida dele, se ele não tinha alguém, se ele não tinha filho, se não tinha mulher, ele só negava, dizia que não, mas depois que ele...me fez o, me fez o bem, quando diz que o mal é quando mata, né, e aí passei, fiquei grávida da menina, acho que ele queria tirar o corpo fora de assumir, aí veio com essa história que tinha um filho prá nascer... Eu fiquei injuri, eu fiquei injuriada com ele porque ele não foi honesto comigo, porque se ele fosse honesto comigo, se ele dissesse: "Oi, eu namoro, tô namorando com você mais eu tenho uma mulher, uma mulher tá grávida de mim ", ai eu ia pensar, eu ia escolher o que eu queria, né, se eu ia aceitar namorar com ele, ou se eu não ia aceitar nada com ele. Ele ficou quieto, depois que ele alcançou o que queria, aí queria tirar o time. Aí eu disse, não, ói é tarde demais, quem come a carne rói os ossos. (Noinha)
Aí depois disso que minha mãe morreu ... que meu pai... deixou a casa entregue aos namorados da gente... que aconteceu!... ele aí queria tirar o corpo de baixo quando ele saiu. (...) Demorou muito, demorou assim base de uns, uns seis meses ou um ano, pa poder parecer gravida, ai pai, chamou ele que queria que ele casasse. Aí ele disse que, que ele casava, que eu era de menor, ele também era, que ele gostava muito de mim mas que o filho não era dele, sendo, mas ele disse que não era. Aí pai foi em Sta Terezinha deu uma queixa dele, ai chegou lá a juiza obrigou, disse que era p 'ele casar, que se ele não casasse ele ia ser processado, aí pai fez os papel tudo pa eu me casar na igreja dia de Domingo, foi no dia de sexta feira ele fugiu. Ai quando foi o dia de sábado que meu irmão chegou em casa, fez assim, "Oi ai Nilde, vocês num disse que Mundinho ia casar, Mundinho fugiu onte, e nisso quando falou, eu desmaiei, aí foi que me trouxeram pa Salvador, eu desmaiada, eu passei oito dias desmaiada. Foi o susto... foi, ai eu tav com oito meses de grávida ,ne?... Perdi,com oito mês. Nasceu no carro, nem vi. Foi....E eu gostava muito dele, eu nunca imaginava que ele ia fugir pa me deixar, né... (Zezé)
Mas ele se mando, levei nove meses com o menino no braço, não via ele. Tanto que quando eu engravidei, me perdi, não foi através do rompimento da virgindade, foi através da "coxinha ", né? Aí depois de oito meses depois, já grávida, eu tive que procurar ele prá dilatar, foi sofrimento, muito sofrimento, muito, muito, muito e até hoje ainda sofro... Quando eu engravidei, que eu descobri que eu tava grávida, eu era virgem ainda, então foi um momento que eu mais precisei dele, falar com ele, mas ele me dava as costas... morei com ele dois dias, mainha construiu a casa ali em baixo na invasão, a primeira casa branca dali, grandona, só vivi com ele dois dias contados, e meus partos dos 3 filhos meus foi mainha quem fez, a última é que foi na maternidade, eu morando aqui direto e ele na casa da mãe dele. Eu tô morando com ele direto aqui é de um ano prá cá, direto... pode perguntar ai em baixo a minha mãe, minha irmã, ele ficava um mês sem vim aqui, sem me dar nada e eu aceitava só prá satisfazer a vontade dele, porque desde que um homem tem uma mulher, dizem, né, que a mulher não pode fechar a perna prá ele... Agora ele tá vindo constantemente em casa, antigamente, não, né? Há quatro anos atrás ele ficava dois, três dias, 15 dias... A a mãe dele... eu ia lá e ela dizia que não tinha nenhuma mulher com ele, não, né? Mas, tinha, tinha, tinha umas paquerazinhas, tanto que eu fazia até acabamento lá [risadas]. (Dina)
A principal queixa destas mulheres na fase de vida adulta está associada à vida afetiva a dois, aos desentendimentos e desajustes com os parceiros, o desgaste da relação, que com o correr dos anos parece tornar certas rotinas infernais, pesadas e sufocantes, marcadas pela violência doméstica (hão apenas do homem à mulher e filhos, ainda que esta seja a direção predominante e a mais aceita pelo olhar estranho de vizinhos e parentes). Dez das entrevistadas relataram deprimentes experiências de desgaste conjugai. Entre as mais velhas é comum o desfecho destes conflitos relacionais com separações e a posterior formação de novas uniões. Sete dessa mulheres voltaram a unir-se uma outra vez14.
Os trechos abaixo descrevem experiências de maltrato e desgaste conjugai:
Foi o meu primeiro, e prá voce vê que foi tão duro que eu tô com ele até hoje. Forçado. Tô com ele porque jeito não tem, acho que eu vou ficar com ele de cacetinho na mão segurando e eu com a bengala. Ele me força... E medo também, muito medo que eu sentia...Ah, porque antes... hoje ele é um homem regenerado, né? Não é esse ladrão, né, nada disso, não? Ele tinha muito mal amizade, muito mal companhia, e eu tinha medo, ele me ameaçava demais. O que aconteceu? Eu fui tendo o primeiro filho, o segundo, o terceiro e aí do quarto em diante, que tá com nove anos, hoje é que ele veio melhorar, arranjar um emprego, mesmo assim, eu tenho medo, fico insegura. (...) Eu passei muitos momentos na vida, muitas marcas no corpo, eu tenho... já sofri muito, só eu sei mais ninguém. Meu medo de largar ele não é nada, é medo de tá passando assim na rua e aí, de repente, ói ele, eu tenho medo dele, que quem já fez um, duas, três vez faz... Teve uma vez mesmo, tem uns cinco meses, só porque eu saí, tava conversando aí embaixo, com uma vizinha minha, ele chegou aqui acabando com tudo, fiquei mortinha, eu prá ele estou fazendo 6 meses de morta, me agrediu, me bateu, me xingou... (Os meninos, os filhos) viram, mas eu tava aqui sozinha com ele, tava morando nesse quartinho pequeno ai, né? Gritei tanto com ele que mainha subiu, ele não achou em que se vingar, achou que era duro minha mãe com a cabeça cheia de cabelo branco então não podia revidar ela, quebrou o espelho todo, um murro, quebrou, me xingou e eu passei três dias com a cara feia pro lado dele, aí ele veio e pediu desculpas a mim, eu peguei e aceitei, né? (...) Eu já falei prá ele, já disse a ele (que quer separar) e um homem sente quando a mulher tá recusando, né? Ele sente, então eu não sei mais o que fazer... uma vez, há um ano atrás, ele disse a mim que se eu não sou dele, não vou ser de ninguém mais e se ele me ver com alguém que ele me matava e eu tenho medo, porque ele faz. Hoje em dia, eu não sei porque agora, ele tá bom, tá vindo todos os dias prá casa... Vai fazer 10 meses que eu não tenho nada com ele. Tomei pavor. Não sei... Como é um homem violento com uma mulher quando quer fazer sexo? Ele é grosso, ele não quer saber, ah sei lá! Poxa, deixa prá lá! (Dina)
O povo tem aquele dizer que tá...quando a pessoa vai pegar passarinho nunca diz xô, né? Logo, quando eles tão a fim logo de uma pessoa, eles não vão botar os defeitos deles, né Não vai dizer eu sou isso, sou aquilo, pra puder a gente não ficar amedrontada. Logo no inicio, né, no início sentia aquela atração forte, né, mas depois...depois de muita, muito maltrato eu acabei odiando ele. No inicio minha avó mesmo que mandou me chamar, que minha irmã Das Dores... Eu tive lá uma época que ele começou a ficar assim com grosseria pra meu lado, dizia que não ia, que não ia comprar nada prá criança que ia nascer, que ele não ia registrar. Aí eu cheguei e disse a ele que ele não se preocupasse não, que a criança ia nascer nú, mas nu também não ia continuar, e que eu tinha meus, meus avós, tinha minha mãe adotiva, que inda podia me ajudar, né. Aí eu fui (para Ituberá), minha avó escreveu uma carta,.essa minha irmã escreveu uma carta prá minha avó. Minha avó já mandou outra carta respondendo dizendo que não era prá eu me preocupar não, que tinha a casa dela, e na casa dela cabia. (...) Um dia que ele me bateu, eu tentei correr pra casa do meu irmão adotivo, aí ele esticou pelo cabelo e vei me dano murro, dano soqueta pela minha, na minha cara até quando chegou no buraco. Aí fiquei, fiquei, quando aí, daí a pouco chegou uma irmã adotiva minha, umas menina, aí perguntando o que era que eu tinha, né? Aí eu disse que eu não ta... eu virei prá elas, fiquei com vergonha de dizer e disse que não foi nada... Aí começou a me maltrata, tudo que eu falava ele me chamava de ingrata, de peste, fazia um sucesso, vinha em cima de mim pra me bater... Aí ele vinha me bater, só que eu enfrentava ele, que eu não corria assim, né... enfrentava a fera. (...) Uma vez, uma vez me pegou contra a vontade (para fazer sexo) eu não aceitei, aí deu briga. Bater ele não me bateu não, mas sei lá...ele me usou assim com uma violência, que eu acabei ficando assim até doente. (Noinha)
Ai, minha irmã vei me trazer no Nordeste, minha amiga me levou na maternidade, ai da maternidade eu já vim p'uma casa de uma amiga, fiquei três mês na casa de minha amiga, e aí que eu passei morar com ele. Aí ele deu pa mim... me pertubar, mim pirr... o pai de Marquinho, Everaldo. Aí ele deu pa me pirraçar, não me levava pa lugar nenhum, todos passeio queria ir, num me batia, num me xingava mas me, me pirraçando. Chegava dizendo que pegou mulé, que a mulé era bonita, que a mulé era isso e aquilo outro, aí eu cheguei fui m'imbora deixei o menino com ele, deixei o menino com ele e fui embora. Quando... aí ele levou pa casa da mãe dele (o filho), quando tava com dois mês na casa da mãe dele, a mãe de... de Everaldo foi me entregar Marquinho lá no meu emprego, aí eu fiquei com ele, paguei uma dona pa'tomar conta aqui na Sta Cruz, depois disso meus pai soube que eu tava sofrendo aqui com o menino, mandou buscar o menino po interior, aí foi quando ele foi po 'interior, aí passou quatro ano lá no Castro Alves. (...) Aí depois disso, eu conheci o pai desses dai, e que eu tô com ele ate hoje, aí mandei buscar Marquinho. Marquinho veio ficou com a gente. (...) Eu pensava (em separar), quase uma vez mesmo eu... mais minha irmã, quase que nós bota ele na, na delegacia das mulé, pa poder ele saí de den'de casa, porque (...) porque todo dia ele dormia com, com uma faca pa 'me matar e eu com uma pa 'matar ele, aí nem ele tinha coragem de furar nem eu, eu digo, ói um dia o cão pode atentar, aí eu fui na delegacia da mulhé, dei queixa pr 'ele sair de den 'de casa, só que ele não foi, que ele tem medo de chegar lá, ele apanhar, ele não foi. Ai ele chegou arrumou a roupa toda pa 'ir embora, passou um mês... pa arrumar... sacola pa'ir embora (...) Quando foi de um mês em diante ele desarrumou a sacola. (Eu)disse: "Ói, no dia que tu ficar com faca dizendo que vai me matar, eu vou lá na policia te prender". (...) Porque (ele) tinha mulé na rua e eu, falava prá ele que eu não queria que ele ficasse com a mulé na rua, que eu ia mata ele, e aí eu brigava, aí ele: "Ah você merece morrer, vou lhe botar essa faca aqui p'eu lhe matar ". Foi, ele dormia com uma e eu com outa. E eu pa furar ele, ele pá me furar, no fim da conta nem ele me matou nem eu matei ele. Aí depois disso tomem eu deixei de mão. (Zezé)
Ele também nunca me tocou, não era doido! Mas era tanta mulher, mulher e jogo também... começou a desbanda, mulher em tudo que é lugar. Aquela vida que ele tinha de solteiro, até chegou o extremo de eu não aguenta mais, dá uma louca. Quebrar até a costela dele. Mas no inicio ainda, ele saía sumia, ia voltava. Eu tava na minha, só alegre e tudo. Teve muitos momentos difíceis, muito! Muitos mesmo, não dá pra contar, não gosto de lembrar... Aí um dia disse: "Vou dá um tapa em sua cara!" Ah, antes ele tivesse dado esse tapa, me deu um negócio, que me subiu, tem hora que sinto alguma coisa, por isso que digo que eu tenho uma coisa no cérebro. Eu peguei ele pelas orelhas, dei uma dentada aqui, o pedaço ficou dançando. Ele chegou e disse: "Precisa disso? " Eu disse: "Precisa! Porque quem disse que vai dar já deu, você alisou a minha cara, não faça mais isso, porque na próxima vez vou dá na orelha e arranco o pedaço ". (...) Começou a acabar, já era pra terminar desde da gravidez de Iracema. Iracema nasceu na inauguração de Brasília, Carlos sumiu e eu grávida. Sumiu... Quando ele chegou, não levou 8 dia Iracema nasceu, 6 meses sumido... Depois começou de novo. Ele começou a arranjar outra Edite, aí tava trabalhando, ele ía em 8 em 8 dias, ia sábado e voltava na segunda-feira. Essa namorada, sei lá, aí passou aí 15 dias, um mês, dois meses, tanto que quando Marcos nasceu, foi aí que ele saiu de vez de dentro de casa. Foi quando eu dei a ter um mucado de coisa, comecei a desmaiar, ficar entre a vida e a morte, quase corto a cabeça e tudo. Ele chegou, eu tava lá dentro, aí fui acender o candeeiro, quando venho (...) dentro do quarto e disse: "Quem é? " Ele disse: "Sou eu!" Mas é lindo! Aí eu baixei o nível, mas eu disse: "Mas não é teu (o órgão sexual)/ Ele disse: "Não é meu?" (Ela): "E tem outra que vou lhe dizer agora, é a última vez que você venha aqui, porque na próxima vez - claro que eu não ia fazer, mas eu disse - se aparecer novamente, você vai encontrar um homem nesta cama, porque é minha, foi minha avó que me deu... " E ai ele com o cinismo: "Eu entro e me deito, porque quem foi rei, sempre é majestade ". Aí eu dei a louca, foi aí que eu comecei a jogar tudo nele, sabe? Arrumei... e por fim, ele me deu as costas que arrumei o tamborete e acertei na costela. E caí, não vi mais nada. Eu fiquei mal. Que tava, eu tinha tido tido nenê! Mas depois disso nunca mais soube dele, quando ele soube que eu tinha tido Marluce (filha de outro), não sabia se era homem ou se era mulher, ele me botou pra fora, passou a não querer dá pensão. Não voltei pro fórum... aí prá quando ele morrer eu fazer o enterro e mijar na cova dele [risadas]. (Dalva)
Mas o desgaste conjugai está fortemente atrelado, ou em boa medida é resultado para muitas das entrevistadas da experiência da infidelidade conjugal. A infidelidade, depois das doenças crônicas e mortes de parentes, é o tipo de circunstância na vida das mulheres estudadas que mais as fragiliza. O sentimento predominante é o de profunda dor, humilhação, raiva e desilusão. Encontram-se queixas de abandono e são poucas as que interpretam a infidelidade como algo relativamente natural. Para oito das entrevistadas este foi um momento fragilizador nas suas vidas, associado a tensões, angústias, ansiedade, baixa autoestima e crises de nervoso:
Sei lá, eu me sinto doente. Da vez mesmo que ele arrumou uma mulher, eu me senti assim, sei lá, que eu pensava até em morrer no dia que ele me disse... que eu não esperava... aí ele ainda foi comprar remédio prá me dar, ele ficou com medo de eu morrer, porque sei lá, eu fiquei assim numa tremedeira, num frio, aquele negócio assim... que eu não esperava dele fazer isso... No dia que ele me disse aquilo -quando ele falou: "Eu tô com ela, há muito tempo eu quero te falar, antes dos vizinhos te comentar " - aí quando ele falou, eu não tive mais voz. Aí ele pegou água com açúcar e me deu, no outro dia eu botava as coisas num lugar e esquecia, eu fiquei com a mente assim fraca, que eu não esperava, quando a gente não espera uma coisa assim. (...) Ele era porteiro (no prédio onde a outra trabalhava), aí ele tirou ela de lá e trouxe ela prá casa da prima, prá ficar mais perto, isso é mulher vagabunda. (...) Essa raiva dele trazer ela pr 'aqui, ele disse que... ele já pediu mil perdão, mas eu não perdôo. Eu não comentei nada com ele...eu disse: "Oi, tudo bem que voce já pegou ela, botou dentro de casa, já pediu desculpas, eu não vou perdoar, que eu te dava mil confiança, ia prá casa de mãe, te deixava aqui, mas... " (...) Foi uma amiga da prima dele que me disse que ele dormia com ela aqui (em casa), ela também justificou que ele dormia com ela aqui, porque ele disse prá ela que não gostava de mim e foi por isso que ela veio pr 'aqui me pirraçar, pr 'eu me aborrecer e ir embora... Eu não sei onde eu estava que eu não bati nela. (Tiane)
"Aí, foi prá onde Neguinho?" (perguntava ao marido). "Ah, fui dar uma saidinha e tal e tal". Aí, foi daí que foi começando, começando, aí relaxou que ele fazia tudo que ele queria, e ainda dizia: "Ah, eu faço tudo que eu quero, eu, eu acho que eu, que eu tenho direito de fazer da minha vida o que eu quero, curtir o que eu não curti". Ai eu dizia: "Mas, se você quer curtir o que você não curtiu, você tinha que procurar ver primeiro se você queria família ou se não, procurar família para depois você querer curtir o que você não curtiu, fica chato ". Aí ficou, ficou, ficou. Do meio pro fim num deu mais certo, a gente se separou, ele foi pro lado dele e eu fiquei no meu. Agora no último sábado ele foi lá em casa, tava perguntando: "Você ainda aceita, Zinha, voltar? Heim? ". Eu disse: "Eu? Num sei não, Neguinho. Isso aí é história prá se pensar muito bem ". (...) Eu sentia muita raiva. No inicio eu até achava que num fosse, porque eu confiava muito nele, né? Eu achava que ele não era capaz de fazer isso. (...) Mas, logo depois, eu fui, as sumidas, as dormidas, as mentiras, dizia que ia trabalhar, aí quando eu ligava pro trabalho dele, ele num estava, as viagens. Aí foi que foi revelano as coisas, né? Eu fui ajuntando os pedacinhos, digo, é se ele num tivesse com essa mulher, ele num tova com essa agonia toda com ela, fazeno casa, dizeno ele que ele num tava ajudano, aí faltava as coisas dentro de casa, dizia ele com num tinha dinheiro. Pedia a ele prá dar cheque, aí ele dizia que num podia dar cheque: "Não, não posso dar cheque não, que o meu cheque eu já gastei todo, que eu precisei prá pagar isso, precisei prá pagar aquilo ". Isso tudo mentira, se ele num tava comprano nada pra dentro de casa? Como é que ele ia gastar talão de cheque assim, rapidinho? "Ai, eu num tenho". Ai eu fui me aborreceno com aquilo, chatiano, me contrariano, ficava doente, ficava nervosa, tinha muita dor de cabeça mermo. E ai eu digo: "Oi, Deus tem que dar, Deus tem que ver um plano na minha vida, ou de um jeito ou de outro ". Eu achava que eu tava ficano nervosa e às vezes, como Doutora Aida falou que nervoso demais, às vezes as pessoa perde até o controle e fica até meio variado, né? Disse que num fica doido de tudo, mas fica meio descontrolado, como ela disse. Eu num conseguia nem olhar pra cara dele, ficava com uma raiva tão grande, que eu só tinha vontade de, de fazer qualquer arneira mermo, Deus me perdoe, mas com ele, eu tinha muita raiva dele. (...) Num conseguia nem ensinar o dever deles direito (dos filhos), era uma agonia danada. Ai, ele falava, ficava dizeno que eu era uma grossa com os meninos. Mas num era grossa, é porque eu mermo ficava nervosa, agoniada, quando ficava sabeno das coisas. Então, tinha dia que quando eu ia chegano na ponta da rua, o pessoal fazia: "Eu vi Neguinho lá no Shopping com a mulé " Ah! eu ia bem, bem, bem, só você veno, mas me subia aquele fogo assim, aquele ódio, pronto, aí eu já chegava em casa toda transformada, eu digo, hoje num dá nem prá eu ficar na casa de mainha, porque, às vez a gente sem querer, às vez faz até uma estupidez, né, uma coisa, aí eu passava na casa de mainha, tomava banho e ia me embora prá lá, ficava lá sozinha dentro de minha casa, ligava a televisão, a televisão ficava lá falano sozinha e eu cá. Passava, passava, daqui a pouco ele chegava. "Tava aonde?" "Eu tava no trabalho". Eu digo: "O, eu liguei pro seu trabalho, você num tava lá, você já tinha saído desde cedo ". "Ah! eu dei uma saidinha, fui na rua resolver umas coisas minha ". Tinha dia que eu tava com vontade de falar, eu falava, descarregava também, mas tinha dia que eu num tava, aí eu ficava ali calada, me cumeno por dentro. Mas num é,...graças a Deus que eu já consegui até perdoar ele, mas eu num sei nem se eu quero volta, eu sei lá. (Zinha)
A separação em si mesma não parece ser tão fragilizadora como o processo imediatamente anterior à sua definição, a infidelidade, violência ou desgaste da relação que podem ter conduzido a ela. Apenas três das mulheres identificaram a separação como momento crítico em relação a outros tipos de eventos vividos; entretanto, mesmo nestes casos, ênfase foi dada mais ao processo anterior do que a sua definição ou desfeixe. Dessas três mulheres, duas haviam se separado recentemente e a outra nunca mais voltou a se unir, após o que ela designou como uma "gravidez ilegítima", fruto de um caso amoroso que teve lugar após sua separação e pelo qual nunca se perdoou. É entre as mulheres que voltaram a se unir após a primeira separação que o peso deste evento enquanto momento fragilizador é menos pronunciado. Ainda que vivenciada com dor e dificuldades, a separação não aparece nos relatos dessas como evento particularmente fragilizador ou associado a momentos de maior nervoso. Como mencionado, estas mulheres apontaram para outros tipos de eventos na descrição dos momentos mais críticos e estressantes em suas vidas. Duas hipóteses complementares podem ser levantadas para elucidar estes dados.
O evento da separação pode ter sido grave e fragilizador em seu momento e na atualidade, à distância, a entrevistada passa a descrevê-lo e interpretá-lo à luz de outros acontecimentos, diminuindo seu peso e gravidade. Por outro lado, é igualmente possível, conforme também apontam alguns dos achados do estudo de Miles (1988), que a separação tenha sido em alguns casos o desfeixe final, a solução e reencontro da paz perdida pelos conflitos, desconfianças e sofrimentos resultantes de uma convivência conjugai deteriorada. Neste sentido, a angústia e crise, desde uma perspectiva subjetiva, estariam situadas mais claramente no processo anterior de agravação dos problemas e tomada de decisão de separar do que no evento da separação em si mesmo. Estas são conjecturas difíceis de se comprovar a partir dos dados aqui apresentados. É provável que as duas hipóteses não sejam totalmente excludentes e que tenham pesos diferentes a depender da história de vida em questão. Mas há aspectos de outra ordem no que concerne à vivência da separação. Ao descrever sua experiência deste evento, as mulheres relatam uma série de dificuldades de tipo econômico e relativas ao cuidado com os filhos, assim como sentimentos de falta de proteção e abandono, que em alguns casos vão diminuindo à medida que a autoestima é recuperada e que se retoma o curso de vida.
Eu pensava em me separar, sabe? Mas eu não. Eu queria que partisse dele por dois motivo. Um, porque eu num, o pessoal me falou, um adevogado me falou que se eu me separasse dele, ele podia me acusar dizeno que fui eu que larguei ele, e aí eu podia perder a metade dos meus direito. Quer dizer, o direito dos menino, por exemplo, né? Ele podia, que ele podia questionar que fui eu que quis largar ele por causa de outro homem e como a vida acontece muito disso, que eu num ia ter como provar, num é? Aí ele disse que só se eu tivesse muita sorte prá provar diante de um juiz, uma coisa, pra poder ele não ficar com os meninos. Aí eu num queria, como eu num quero. (...) Aí eu num, num tenho vontade de entregar a ele nenhum dos dois (filhos)... Preveno essas coisas, que o pessoal sempre me falava isso, você pode perder seus direitos diante dos meninos e o direito que você tem diante das coisas. Ai eu dizia, pelo os meu direito eu num faço nem questão, porque ele diz que eu sou muito soberba. Mas num é soberba, se eu trabalho, eu tenho a minha vida, tenho o meu dinheiro, faço o que eu quero, então prá que eu vou ficar atrás dele mendigando pra que ele me dê pensão, me dê isso, me dê aquilo, não, eu não peço. Unicamente o que ele me dá é cartão particular que eu graças a Deus eu não adoeço assim, eu nem uso, ele leva e traz, leva e traz e o cartão eu nem uso... É, eu queria que partisse dele, então eu nunca botei pra fora, nunca disse que num podia mais ficar, agora do meio pro fim, relação a gente num tinha, já tinha muitos meses que ele me procurava e eu num queria, por medo de muitas coisa, das doenças, que ninguém se previne, e do jeito que ele, que ele fez comigo que eu num merecia, né? Quer dizer, eu acho que se a gente num merece a pessoa num tem fazer certo tipo de coisa, como ele fazia de ficar passeano (com a amante) pelo Shopping pra todo mundo ver. Se ele queria ter uma amante, ele se recusasse mais, né? Arranjasse casa, botasse ela, fosse pra casa dela, que fosse um negócio mais oculto e não um negócio pra que Deus e o mundo visse, né?... Cada um diz uma piadinha, essas coisas me revoltava. (...) Comecei a trabalha, num disse a ele que tava trabalhano, ele só veio descobrir quase uma semana que eu tava trabalhano... (Ele): "E nem me falou? " "Não que eu não tive tempo, e às vez você chega e eu num me lembro". Aí ele chegou e disse assim: "E, tá bom...você tá se desligano de mim mesmo, hein?... E, então tá certo". Aí passano uns dois dias, eu acho que ele conversou lá com a outra o que tava aconteceno, aí ele fez, começou a fazer as mala. Aí um dia saiu com a sacola cheia de roupa. Aí quando eu acordei, no lugar que ficava a roupa dele, já num tinha quase roupa nenhuma. Aí eu disse: "Oi eu acho que ele já ta ino embora". Aí passei, também num perguntei. (...) Aí quando foi no outro dia, ele veio carregou o resto tudo e foi embora. Saiu no outro dia, na hora de sair de manhã, ele disse assim: "Zinha? " Eu disse: "Oi!" Eu tava na cozinha fazeno café dos menino. Eu disse: "Oi!". Ai eu disse: "O que é? Diga aí? " Aí ele chegou e disse: "Tô ino embora". Eu digo: "Boa sorte, faça da sua vida o que você achar melhor. Já que você quer ir, você vai, se você num pretende mudar ". Antes disso a gente teve uma conversa, uma semana antes de eu começar a trabalhar, a gente teve uma conversa e aí, que eu pedi a ele que ele mudasse, ou ele mudasse ou ele resolvesse a vida dele. Aí, quando foi no dia que ele foi embora, aí ele disse: "Eu já vô". Eu digo: "Você conversou com os menino, que você num voltava mais pra dentro de casa? " "Não, que eu num tive corage, deixei a seu critério ". Eu disse: "Tá, deixe aí que eu converso com eles ". Ai vim trabalhar, quando eu cheguei em casa, ai eu falei com os menino: "A partir de hoje seu pai num vem mais pra casa, a gente se separou ". Ai, eles começaro a chorar, naquela agonia, eu: "Não, tenha calma, tudo se resolve". Ai foi ino, foi ino, ele passou a aparece lá de vez em quando, de vez em quando, que agora aparece lá sempre. Tem dia que vai passar o dia lá... Na hora que eu vi ele ino embora, eu senti muita raiva, mas, depois eu disse: "Oi, se eu mesmo queria isso, se eu achava que num tava dano certo, que era melhor ele ir, eu tenho mais que aceitar... " Nos primeiros dias, eu fiquei ruim, porque eu num tava acostumada a dormir só, né? A semana toda, como eu ia ficar com os menino? E também eu sentia medo porque a casa tava aberta, tava sem laje, eu tinha medo que alguém entrasse e encontrasse só eu e os menino dentro de casa. Mas depois eu fui me acostumano e hoje em dia, eu já fechei a laje, graças a Deus. Aí, eu num tenho mais medo... Fiquei bem melhor. Meu visual mermo mudou. Eu tava ficano muito velha. Vige menina, eu tava ficano muito cansada, e ficava traumatizada com as coisas que acontecia, sentia ódio. Hoje em dia, eu num sinto ódio de nada, Vige Jesus! Vivo bem...Hoje mermo no ponto, a menina disse que achava que eu tinha vinte e cinco ano, eu digo: "Ai meu Deus!!!" (Zinha)
Eu sofri muito, mas passou!... (Logo após a separação) passava fome. Eu botava a água de gás, porque quando eu casei ele me tirou de trabalhar, ainda estraçalhou meu documento todo, eu fiquei sem nada. Lá no interior, e eu assim tapada, lá tem essa mania de que mulher casada tem que fazer o que o marido quer, lá minha família cheia de tradição, cheia de protocolo. Ele trabalhava lá no Coqueiro com a amante, sabia que eu não trabalhava, não tinha nada, sem nada, não me procurava assim pra me ajudar em alguma coisa, pra dá nada. Só Clodoaldo o marido da minha tia, que eu chamava de Clô, me dava leite. Marcos não gostava de leite só queria mamar. (...) Comecei sozinha lá no Coqueiro, município de Maragujipe, Paraguaçu. (...) Eu não queria que filha minha.... podia tá sem nada no estômago, se alguém perguntasse na rua, e dissesse, caísse na infelicidade de dizer, apanhava, pequenininha, não dizia não (que tinha fome). Tinha dias que olhava pros quatro canto, assim, com parente, com condições, você acha, é orgulho? Não é. Uma terra que não é grande, parente tudo morando ali, muito barulho, minha família é grande, muitos de condição, sabendo que eu tava nessa situação, sem marido, sem ter trabalho, precisava eu chegar na porta e pedir? Não precisava, não. Quisesse ajudar, de feito nenhum, então, eu não pedia. (...) Foi aí que perdi corpo, mas assim mesmo eu pesava 60 e pouco, 64 ou 66... Não, primeiro me internei, aí me internei quando eu vim pra aqui (Salvador), levei 3 meses...(estava) fraca, múmia, tudo. Vim prá cuidar de Márcia (filhinha com problema de foco), aí comecei a passar mal, não podia andar. Márcia tava pequena, tava todos pequenos... Aí vim prá me internar, internei, aí quando saí do hospital não voltei mais, porque no hospital mesmo eu arranjei esse trabalho, ia substituir uma que tinha se internado. (...) Aí eu pegava 9 horas e largava as 5 horas... (...) Claro que (a separação) foi ruim, mas nem tanto que eu já tava a fim de separar! (...) Não via mais, vim ver no Forúm, ainda foi com 2 advogados, eu recebi um convite, pra eu ir no Fórum, eu fui e levei Marcos e Iracema, cheguei lá e vi ele entrar com o advogado. Eu disse: "Marcos e Iracema, ói o seu pai". Marcos: "Ele não é meu pai, não, porque ele não me dá comida, ele deixou a gente morrendo de fome ". Ah, minha filha! Então ele ficou com a cara... (Dalva)
Como visto até aqui, os momentos críticos relatados pelas mulheres estão fortemente associados a conflitos conjugais em algum momento das suas vidas. É interessante observar, entretanto, que entre as mais jovens, em fase inicial do ciclo vital, a quase totalidade dos problemas são concentrados neste tipo de conflitos de conjugalidade15, enquanto que entre as mais maduras, geralmente integrantes de grandes famílias extensas (com filhos casados e/ou outros parentes), as preocupações atuais se deslocam para problemas com os filhos e netos. Neste sentido, referem-se a problemas de relacionamento conjugai de seus filhos ou ao envolvimento destes ou netos em atividades ilícitas. Nesta fase da vida as mais velhas parecem ter logrado um convívio mais pacífico com seus parceiros (resultante de um acomodamento mútuo) ou com sua atual solidão.
Ele (o genro) num tem jeito. Já deixei de mão. Dexa prá lá, num vô na casa deles. Dexei, abandonei, que ele dizia que num vivia cum ela pur causa de mim...que s 'eu num dexasse de ir na casa deles... Continua da merma forma... Eu dexeil Num vô mair, não!...Por mim, elas (as filhas) num casariam com ninhum desses home (do Nordeste). Por mim, num casava cum ninhum. Eu nun, eu nunca quis, não... Só Deus, só Deus do céu é quem sabe o sofrimento qu 'eu tenho sufrido. Só ele sabe porque ninguém num sabe. Só Deus sabe. O que me chateia...é que eles judeia mutcho delas..., num faz por elas o que tem obrigação de fazê..., num dão nada pra elas... O de Jô, não! O de Jô é ruim, mas ele dá tudo. Ela num passa farta de nada, nem as fia, mas as otra! Jane... Janete...Deus é quem sabe! (...) No qu 'eu posso eu ajudo. Agora mesmo Jane já tá aqui dentro de casa cum três fio. Ele boto pra fora. ..Já veio...acho que já veio quatro vez e volto, e agora ninguém sabe...agora...se ela vai vortá de novo. Eu acredito que não, né? que num é possíver, né? Jane...tá disimpregada, doida atrás de um imprego... e num acha imprego. Hoje mermo ela vai lá pro Itaigara, pra vê se dá certo... Amanhã vai ver se dá certo otro... Quem tem num pode perde, purque pra achá... num acha, não. Mas jamais eu num vô fecha minhas porta pra elas, não. Eu adoro! Eu num gosto não..., eu adoro, minhas fia e meus fio, eu mato e morro por quarqué um. Eu mato e morro por quarqué um deles. Eles, eles pode até num gosta de mim, agora eu mato e morro..., por meus fio, eu mato e morro. (D. Neném)
Mas eu vim mesmo peder corpo (de 64 a 40 quilos,), foi quando Márcia se perdeu (a filha que engravidou adolescente), pra mim foi o fim de tudo. foi o desgosto maior que eu tive em minha vida.(...) Depois ela se meteu, sabe como? Com bandido. Ela (agora) mora em Dias D'Avila. Ela tá acomodada. Já teve uns dois filhos (recentes)... Já tá uma de 15 anos aí... [E sobre os netos adolescentes que ela cria, um marginal e o outro homossexual e rejeitado por toda a familia que o espanca] ...a perseguição dos filhos, dos outros netos como aquele entendeu (o homossexual)? Ó, fico com dor fogo, sinto dor fogo, rapaz, coisa de doido... (Perseguem ele) porque ele era assim, diferente, todo mundo diz... querem me matar, querem me...ó pra aqui ó, sabe o que foi isso? [mostra uma cicatriz] O gato que o irmão rumou prá ele, ele rumou aqui ó, eu me levantei daqui... foi sangue, nunca tinha visto tanto sangrar... E uma coisa de louco, tem dia que eu tô louca, e dominando... a gente quer acalmar um, acalmar, tirar o outro, e ninguém obedece, não aprendeu, outros voam em cima da gente... tem dias que eles tão mais atentados... e eu tenho que tá atras, ali, claro. Atrás, atrás, cercando... Ah! Isso é depressão. Não sei. Porque começo a pensar, sabe? Pensar... que penso muito em morrer e Ricardo e Carlos Fernando ficar. Eles não tem ninguém a não ser eu; a mãe deles é uma louca, o marido dela não é gente que preste, não querem meus netos nem eles vão, então, vão ficar aí, só, e eles são meus netos e são meus filhos, porque eu registrei, né? E eu tenho um medo de um momento prá outro eu morrer... (Dalva)
São igualmente frequentes os relatos de nervoso associados a conflitos diversos com a vizinhança - disputa de terrenos compartilhados, fofoca e intromissão em assuntos privados, problemas com crianças, barulho, etc. - resultando em brigas, ameaças de vida e até agressões físicas que culminam com a intervenção policial.
Só que a gente não... as possibilidade de... não deu pra cercar tudo (...) Aí chamou ele, falou que ele não, não invadisse, que era nosso e ele queria porque queria que nós mostrasse os papéis do terreno... Aí ele: "Se não vai mostrar, a gente vai invadir". Minha filha, eu sei que de noite esses home fizeram desordem aí do lado e derrubaram a cerca toda e não deixaram um pau só aí... Vieram mais de 20, tudo maconheiro e ladrão... começaram a trazer facão, enxada, essa picareta, começaram a cavar, tirar tudo minhas plantação toda que tinha aí, eles quebraram tudo, era pé de mamão, era pé de aimpim, derrubaram tudo... Fui lá na justiça, dei queixa e os policial vieram tudo...ele já tá, minha filha, com bloco, com areia, cimento tudo aí já...já tavam construindo aí o quartinho já... A policia veio e acabou com tudo, levaram os dois presos... Depois....ficaram aí fazendo ameaça... (Lena)
A sexualidadade é outro tema relacionado as suas angústias e dificuldades. Em 8 das narrativas detectou-se problemas desta ordem, ainda que de formas diversas. Segundo algumas a ausência de homem e do contato sexual prolongado é o que provocaria ou acirraria nelas estados de nervoso. É comum médicos, parentes e amigos aconselharem estas mulheres sobre a necessidade de buscarem e incentivarem novas relações afetivas, conselhos que revelam uma relação de causalidade entre nervoso e solidão e, mais especificamente, ausência de sexo.
Também existem as que se queixam de dificuldades no desempenho e gozo de uma sexualidade prazerosa. Uma das entrevistadas consente nunca ter sentido orgasmo e que nenhum médico pode ajudá-la a resolver este problema. Outras contam que tiveram dificuldades com certos tipos de posturas sexuais solicitados pelos seus companheiros. Uma delas, por exemplo, se nega a realizar sexo anal mas pensa obsessivamente em realizar uma cirurgia plástica vaginal para reconquistar o desejo do parceiro que parece perder o interesse por ela. Outra foi desvirginada uma semana após o casamento, aos 19 anos, com a ameaça marital de devolução se continuasse a negar seus serviços sexuais.
Conheci desde menina, nunca fiz amizade com ele, a gente não se unia, mas ele me perseguia muito e mamãe, Ave Maria, se eu não namorasse com Carlos, vou fazer vontade de mamãe depois eu termino, mas foi que aconteceu uma coisa sabe. Foi uma coisa assim, preste atenção, nunca contei prá ninguém, foi uma coisa ruim. De tarde eu disse a ela que ia acabar com Carlos. Aí ela disse a ele...Estava só em casa, aí bateram na porta, aí eu: "Quem é? " Aí saí assim desprevinida, quando abri a porta aí ele se apresentou assim: "Eu vim trazer uma merenda". Aí quando ele disse assim "vim trazer uma merenda", ele me deu um tombo, aí eu caí. Assim houve um estupro. Eu dei um grito. Tava com 19 anos, aí perdi minha honra. Ah meu Deus, perder a minha honra. Nunca contei isso a ninguém... aí tive uma hemorragia, eu não contei nada, aí me deram uma injeção. De manhã todo mundo sabia que eu tinha me perdido, mas não sabia como, aí eu fiquei mucado de tempo sem sair na rua, morta de vergonha! Aí eu fiquei mal com ele, fiquei mal não queria de jeito nenhum, ele só queria casar, casar, marcar data de casamento. Aí eu casei até tava de mal com ele. (...) E aí eu fui sofrendo, sofrendo, chegou a um extremo de eu não aguentar, ele sumiu, arranjou uma mulher aqui... que tem 25 anos, já vai fazer 26 anos que eu encontrei com ele, que ele me botou no Fórum, prá tomar meus filho, porque soube que eu dei um passo em falso, dei. Foi dar o passo em falso, e aí na mesma hora a vergonha bateu, não quis mais, fiquei grávida, e agora pra essa barriga aparecer? Aí é que é a coisa. (...) Marcou muito (o estupro), por isso mesmo que eu não quis mais ninguém até aos 26 anos. O pai de Marluce, porque Marluce não é filha do casal, o pai de Marluce eu só tive uma relação com ele. Eu não quis, tomei pavor e gostei até dele assim... É eu desisti, mas eu não pensei em ficar grávida, mas fiquei, tomava veneno pra perder Marluce de vergonha, só um irmão que me deu o maior apoio José. (...) Aí eu desisti, não quis mais saber, Ave Maria... foi quando doutor Gilberto tava novo ainda... E ele me dizia sempre assim, um dia mesmo ele disse na vista da mulher dele, a mulher dele é uma bela pessoa, disse: -"Ói criatura, sabe qual é seu problema? Arranje um homem. Arranje um homem". Eu digo: "Deus me livre, doutor Gilberto, eu fico morta de vergonha, só em pensar nisso, nos meu filho, que eu já tenho ". (...) Meu filho, que tem trinta anos que mora aí, ele pequeno fazia assim: "Mainha tudo quanto é mulher tem um namorado, só mainha que não arranja um namorado ", ele achava que divia arranja um namorado, eu dizia: "O meu filho, mainha não quer namorado, não. Meu namorado são vocês, viu? " Ele achava, que ele via tudo quanto era vizinha tudo tinha marido e eu não tinha um namorado. (E recentemente, quando Marluce conheceu seu pai, já adulta), aí ela disse: "Não é nada demais tentar se reconciliar". Nem morta, meu filho. Pra mim a vida tá boa. Não vou procurar esse negócio e vida de homem, pra mim acabou há muitos anos". (Dalva)
Eu levei uns... seis anos ou mais sozinha. Eu e meu filho, só, entendeu? ...ia pro médico, o médico perguntava se eu tinha marido, eu dizia que tinha. Porque eu tinha vergonha de dizer que eu não tinha marido, eu dizia que tinha... Aí o médico perguntava se eu tinha marido, eu dizia que não, aí ele dizia assim: "Dona Joselita, a senhora tá tão jovem pra senhora, tá sozinha!" Eu dizia: "Não, eu não quero mais não, eu já fui muito sofrida de homem, não quero " "Mas todos não são igual", todo mundo me dizia isso, eu fiquei com trauma, né?. Eu acharia que se eu acertasse alguém, eu ia passar pelo mesmo sofrimento de novo. (...) Aí quando chegou um dia, aí as menina aqui... essa vizinha aqui me dava a maior força, ói, essa vizinha aí... Quando ela via a casa fechada, ela ficava doidinha, ela vinha, batia aqui pra ver se eu tava morta aqui dentro de casa. Eu só vivia trancada. Só vivia trancada... por vida. Eu não saía pra conversar com ninguém, me chamavam pra sair, passear, eu não saía. Aí, quando chegou um dia, aí Lucia só: "Ô Jose, você tá tão jovem Jose, vamos sair, vambora sair num barzinho. Amanhã eu vou sair -que era dia de sábado -tem um barzinho jóia pra gente curtir". Eu dizia: "Tá, a gente vai". Quando chegava na hora... tinha hora que me dava um nervoso brabo mesmo, que eu, eu digo: "Não, Lúcia, não quero ninguém ". (...) Aí eu fui pra médica. Aí Dra. Carla, disse: "Pode arranjar um namorado... tem que arranjar um namorado, não pode ficar assim não ". (...) [Sobre o companheiro que acaba arranjando] Aí, quando chegou um dia que a gente marcou um encontro... Aí, ele veio pr 'aqui, o primeiro dia que ele chegou aqui e tal, eu fui... encontrei ele lá no ponto... aí trouxe pr 'aqui e tal... a gente conversando... ele só contava problema de/de hotel, de restaurante. Não saiu um beijo, não saía um abraço, não saía nada. Eu dizia assim: "Pronto, já que dizem que o meu nervoso é esse, agora eu vou [risos], meu nervoso vai acabar tudo de vez" [risos] e nada, nada dele querer... nada [risos]. Levou cinco dia, a gente dormindo junto e nada. Nada [risos]. Ai que o nervoso começou... aí foi que piorou o meu nervoso [risos]. Porque sozinha, eu sei que eu tava... você sabe que cê tá sozinha, né. (...) ...também não me faltava nada aqui dentro dessa casa, mas o melhor eu não tinha [risos]. Oito ano ele levou aqui em casa... e foi aí que o meu nervoso piorou. Oxe, porque se você tá sozinha, você não liga, mas cê já pensou, você tá dormindo... recebe uma quentura de, de outro assim [risos]. Meu problema agravou aí [risos]. Foi aí que meu problema veio a agravar. Eu sentia mais nervoso.... um beijo, você não tinha, ele não gostava... se você... Teve um dia que - eu disse: "mas não é possível!"-eu tomei banho, me perfumei toda, né? Aí vim pra dá um beijo nele, ele meteu a cabeça entre a perna... ele metia a cabeça assim... ele não dava um beijo. Eu digo: mas não é possível, escuta, o senhor não gosta de... [risos] rapaz, ele levou aqui 8 ano, aqui ó... desse jeito que tá eu e você aqui... Aí, ele foi embora... (D. Joselita)
Eu conheci ele... ele é meu primo! (...) É, namoro oito mês, depois ele falô cum minha mãe, minha mãe cunsintiu, e quando foi cum dois ano nós casemo. (...) Cum um ano..., cum um ano não, cum nove mese eu tive o premero fio, que foi Zé, o mais véio. E aí, de dois em dois, era um, de dois em dois, era um... até que interô dez.. Ele foi o premero. O premero e o único. Não, não. Eu nun... nunca tive namorado não. Nunca fui pra festa, pra festa ninhuma, nenhuma. Eu num dexava minha mãe pra nada desta vida. Porque num dexava. Eu num dexava. Não, ela era sã, mas eu num dexava. Era da minha natureza mermo que num dava pra mim sair. Minhas irmã saia... mas eu nunca minti, nunca fui pra festa ninhuma..., nunca fui pra festa... Eu tô cum cinqüenta e seis ano num conheço um cinema! Nunca fui, num sei o que é... um cinema. Nunca fui. Era. Namorava na porta, mas era um de lá e otro de cá, qu 'ela num dexava não, minha mãe num dexava não. Não, num dexava nada. Era ela sentada junto. Eu como aqui, ele como aí, ela aí sentada... Aí, quando era dez hora, ela mandava ele imbora, mandava ele imbora! Ele ia imbora, era orde dela, num passava da orde. [Sobre sua primeira relação sexual] Foi o mermo que tê me matado! Porque eu num sabia que existia isso, não... Eu pensei que casava só por casa, mas num tinha nada disso, não... Ele disse que quiria m'intregá prá minha mãe, porque eu num quiria me sujeita a ele..., cum três dia...de casada! Ele ia m 'íntregá pra minha mãe... Aí eu cumbinei pra mode a fim de ele num m 'íntregá pra minha mãe de novo. Oxe, mas foi o mermo qu 'eu tê ido no..., no... no inferno. Deus me perdoe! Depois meorô. Mas eu também num sei, eu num devia tê casado. Casa inocente! Sem sabe de nada! (D. Nenem)
Conclusão
O presente artigo descreveu eventos, encontros e relações na trajetória de vida de mulheres autoreferidas como nervosas, que são avaliados por elas enquanto períodos marcantes em suas vidas, associados quer a origem do nervoso, quer a eclosão de uma nova crise, ou simplesmente característicos do contexto mais amplo sobre o qual se desenrolam suas experiências de aflição. Além de apontar para elementos estruturais das trajetórias, procuramos explorar os significados de que estes se revestiam para as mulheres.
Durante a discussão ficou claro que conflitos relacionais com os parceiros e familiares que as rodeiam são característicos estressores na suas vidas. Isso não significa que alternativas e soluções para tais situações difíceis não sejam encontradas e exploradas criativamente ao longo da vida. Em estudo realizado junto a mulheres na Inglaterra, por exemplo, Miles (1988) apontou para algumas das formas encontradas por suas informantes para enfrentar problemas semelhantes aqueles tratados aqui: mudanças como o divórcio, separação, mudança de casa, alívio dos papéis difíceis de cuidado, obtenção de um trabalho satisfatório, novas relações etc. Assim, existia para as mulheres a possibilidade de atuar afirmativamente pela construção de uma identidade baseada em sentimentos de autonomia, autodeterminação e aumento da autoestima. Sentimentos como estes estão presentes também em estratégias de separação e estabelecimento de novas uniões adotadas pelas mulheres estudadas aqui. Vejam-se, por exemplo, algumas narrativas que apontam nesta direção:
Meu nome todo é Dalva Silva. Porque eu tinha Matos do marido, mas eu tirei esse Matos, porque olha, eu era casada, logo que a gente se separa...pra quê esse Matos? Eu não gosto de Matos, meu nome é Dalva Silva, é o nome de solteiro, e acabou (...) [Quando separou se mudou para Salvador] Aí foi que eu nem voltei mais. O que é que eu ia fazer lá fno interior)? Lá não tinha trabalho não, não tinha dinheiro pra se viver, não dava. Eu gostava, mas não dava mais pra eu viver... Eu sempre gostei muito daqui, desde quando eu vinha, às vezes, com minha prima pra dar um passeio, Gostava, sabe?... Eu nunca me senti sozinha. Hoje em dia, eu me sinto só, mas antes eu nunca me senti sozinha, eu era cheia de amigas, todo mundo me procurava, sei lá, não faziam nada sem minha presença. (...) Foi melhor (a mudança), porque eu aprendi mais a viver, a enfrentar. Eu era muito submissa, uns pessoal parado, esmurecido. Não tinha ânimo pra nada, ficava com os filhos no couro, sentada, ficava com aqueles filhos tudo perto de mim: chorava, cantava, tudo que me pediam pra cantar eu ficava cantando, a situação tava naquela... Aqui eu aprendi mais a viver. Se naquele tempo que marido, que eu me casei (...) eu não saía, não tinha nada de ninguém dizer. 'Ah, porque que você tem que seguir seu marido, porque que seu marido... " Ah, não é por aí, agora não, há muitos anos atrás que eu venho dizendo isso: como eu aprendi com o homem! Naquele tempo eu tava abestalhada. (Dalva)
Ele me deu uma casa, eu disse a ele que não queria, nem para a filha dele, eu nunca quis... A ajuda era minha cabeça, minha cabeça decidiu era isso mesmo (separar), minhas amigas me davam muito conselho, que eu não me separasse, que era gente que tinha recursos. Mas só que eu não gostava, não tinha conselho... Nunca senti falta, graças a Deus. (O tempo separada]... foi um período bom, maravilhoso, trabalhava pra me manter, trabalhava pra minha mãe, que minha mãe tomou minha filha, que não queria que eu trouxesse minha filha... (Guiomar)
Duas observações devem ser feitas no que toca a extensão das conclusões de Miles para o presente estudo. Em primeiro lugar é preciso não esquecer o contexto sócio-cultural próprio em que se desenrolam e ganham sentido as trajetórias. Assim a análise deve caminhar rumo a identificação das situações que efetivamente contam como crise e conflito para as mulheres de classe popular aqui estudadas e dos projetos e práticas desenvolvidos para solucionar tais situações. Em segundo lugar é preciso levar em conta que na trajetória das mulheres que participaram deste estudo existe outro tipo de situação fragilizadora (que não foi analisada aqui), frente a qual o sentimento característico é o de impotência acompanhado por atitudes de revolta ou conformação e adaptação mediante um distanciamento paulatino. É o caso das experiências relativas ao cuidado de doentes crônicos e/ou de morte de pessoas próximas. Estes sentimentos são mais dolorosos e acentuados quando associados a fatalidades inesperadas como são os inúmeros relatos das mortes violentas presenciadas nas portas das próprias casas. Estas mortes não são de desconhecidos, geralmente trata-se de um filho, marido, parente ou amigo próximo e parecem acontecer frequentemente, no dia a dia destas mulheres, imersas em um mundo onde a miséria e a violência parecem ter um caráter mais institucionalizado e rotineiro.
A intenção deste trabalho foi dar voz às mulheres de modo a não apenas identificar fatos mas compreender as perspectivas e nuances a partir dos quais estes fatos são vividos. Partir das falas, dos relatos das mulheres acerca de suas vidas, além do mais, nos permite vislumbrar aspectos relativos a construção mesma de sua identidade, de um senso de si mesmo que emerge a partir dos própria história contada. A linguagem, sistema de signos mais importante da sociedade, faz mais real minha subjetividade para mim e para o meu interlocutor. Ela tem a capacidade de cristalizar e estabilizar minha subjetividade e esta capacidade persiste, ainda que de forma modificada quando a linguagem se separa da situação cara a cara (os homens precisam falar de si mesmos até conhecerem-se a si mesmos). Este ponto precisa ser levado mais a sério nos estudos sobre a subjetividade feminina.
Também se intencionou demonstrar com este texto, algumas pistas rumo a construção de caminhos de análise distintos tanto daqueles tradicionalmente trilhados pelas abordagens epidemiológicas de "fatores sociais de risco", que ao preocupar-se com eventos (fatores) perdem de vista a dimensão dos processos de construção de sentido, quanto daqueles empreendidos a partir de um enfoque psicanalítico, usualmente presos a categorias interpretativas próprias a experiência do gênero feminino em classes mais abastadas. Ambas abordagens, embora importantes para a análise do problema mental, tendem, por razões diferentes, a negligenciar a compreensão do contexto sócio-cultural no estudo dos problemas e situações fragilizadoras na experiência de mulheres de classe trabalhadora.
Se bem que neste artigo ainda não se explicitou suficientemente as maneiras específicas como as mulheres nervosas de classe trabalhadora da nossa realidade interpretam e resolvem seus conflitos, as suas narrativas oferecem um sem número de elementos e pistas nessa direção. Um primeiro aspecto a se ressaltar na análise aqui proposta é a importância conferida a dimensão temporal, incorporada no conceitos de experiência e trajetória. Não são eventos ou fatores isolados que afetam a vida desta mulheres, mas processos, conjuntos deles, e o sentidos que emergem da sua vivência. As narrativas das mulheres apresentadas apontam para o surgimento de uma serie de questões e formas de interpretar o curso da doença, que parece ser bastante especifico a sua condição social e de experiência e que não podem ser reduzidos às questões do gênero feminino em geral.
Agradecimentos
Agradeço a Míriam Rabelo a sua sempre criteriosa leitura, seus valiosos comentários e uma pincelada no estilo desse artigo.
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Notas
1 Ver análise do conceito de experiência em Alves (1993) e Alves e Rabelo (1995).
2 Segundo Berger e Luckmann (1983), a sociedade, a identidade e a realidade se cristalizam subjetivamente no mesmo processo de internalização, que corresponde à internalização da linguagem. A socialização primária (na infância) se implanta na consciência com muito mais firmeza do que a secundária, porque aparece para o infante como o único mundo existente e não um possível entre outros (impossibilidade de escolha). Na socialização secundária se dá a internalização de submundos institucionais, o que envolve identificação subjetiva com papéis e suas normas apropriadas. São precisos fortes impactos biográficos para desintegrar a realidade massiva internalizada na primeira infância, mas tais impactos podem ser bem menores para destruir as realidades internalizadas mais tarde. Isto possibilita separar uma parte do eu e sua realidade concomitante como algo que seja pertinente somente à situação específica do papel em questão (a denominada "distância de papel" de E. Goffman, correspondente a internalizações secundárias).
3 Schutz entende o mundo da vida cotidiana como o âmbito da realidade onde se pressupõem as atitudes de sentido comum de forma inquestionável, válida e a-problemática até novo aviso. Este pressuposto pertence ao campo do familiar, e é isto que permite aos indivíduos lidar com os conflitos da vida cotidiana que questionam a rotina, mediante a ativação do acervo de conhecimentos anteriores dos sujeitos (o processo de generalizações, classificações e tipificações das condutas pelo senso comum). Neste sentido, nem tudo que é questionável da rotina é intrinsecamente problemático para Schutz. O problema propriamente dito, algo mais que um mero questionamento, surge como uma interrupção da sucessão rotineira de experiências não problemáticas. Isto acontece quando a experiência atual não é simplesmente classificável em um esquema de referência típico, dentro do acervo de conhecimento do sujeito; ou quando uma nova motivação situacional induz o sujeito a questionar o tipo estabelecido, exigindo-lhe explicitações que o contradizem. É assim que a incongruência com a experiência anterior pode levar o sujeito a uma ruptura do caráter pressuposto tipificado que passa a ser questionado. A exigência de uma re-explicitação da experiência interrompe a cadeia de evidências, tornando problemático o núcleo da experiência que tinha sido admitida até então como evidente (Schutz e Luckmann, 1973).
4 Neste sentido, podemos dizer que a identificação dos recursos disponíveis em um determinado grupo ou comunidade para a contenção de tais estados é particularmente importante.
5 Caetano (1982) mostrou que as mulheres urbanas têm uma maior incidência de psicoses afetivas e neuroses que os homens. Vários outros estudos em áreas urbanas de baixa renda têm comprovado maior prevalência de morbidade psiquiátrica entre as mulheres (Coutinho, 1974; Almeida-Filho, 1982, 1987; Scott. 1990; Mari, 1987; Reichenheim and Harpham, 1991). Estes estudos também sugerem associações entre problemas mentais das mulheres e fatores tais como migração, ocupação e status marital. Nesta última direção se aponta que mulheres de classe trabalhadora que desempenham o papel de chefe de família (mães solteiras ou familias monoparentais) com menor acesso a recursos - fenômeno crescente no terceiro mundo - têm conseqüências sérias na saúde mental das mulheres (v. Tinker & Bramsen, 1977; Barroso, 1978; Bolles, 1985; Neupert, 1988; Castro, 1990; Oliveira, 1992; Goldani, 1994; Jelin, 1994).
6 Citados em Burin, 1987.
7 Nesta direção tem-se apontado para certas diferenciações sobre seu caráter endógeno em alguns casos (tendendo a maiores explicações biológicas de causação) ou reativo para outros casos (tendendo a explicá-la por estressantes sociais). Outra distinção importante no campo psiquiátrico refere a casos mais "graves" de depressão, maníaco-depressivas, ou mais "suaves", as chamadas distemias. Equivocado seria tentar fazer uma correlação direta e perfeita entre o primeiro tipo de divisão e a segunda, o fenômeno se complexifica e dificulta uma adequada medição e classificação. Então, seria a depressão uma doença? Ela é provocada por fatores externos ou resultado de um misterioso processo interno? A tentativa de operar distinções com base em sua dual natureza apresenta em si mesma uma contradição. Para alguns autores somente a catalogada como grave deveria ser entendida como depressão ("doença") e não deveria ser confundida com a suave. A questão que surge neste sentido consiste em como distinguir o tipo suave do grave se os sintomas utilizados no DSM-III-R (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, 1987) são tão próximos. Para outros especialistas a depressão seria um distúrbio de ordem afetivo e seu principal sintoma a alteração do humor (incluindo as duas variações). De uma forma ou outra há uma certa relutância em deixar de considerar a depressão uma doença por parte da medicina que vê este campo, tradicionalmente do seu dominio, ameaçado pela "invasão" do olhar antropológico e sociológico, que tendem a tomá-la como um problema de ordem social mais do que médico (Russel, 1995).
8 Trabalhos citados em Russel, 1995.
9 Estes dois últimos trabalhos citados em Miles (1988).
10 Os dados foram produzidos a partir da pesquisa "Processos de Fragilização e Proteção à Saúde Mental de Mulheres de Classe Trabalhadora ", que se propôs investigar o significado de algumas experiências fragilizadoras e /ou protetoras à saúde mental de mulheres de camadas populares urbanas na cidade de Salvador, ao longo do curso de suas vidas. A pesquisa foi realizada sob a coordenação do Dr. Paulo César Alves (principal investigador) e Maria Gabriela Hita, com financiamento de CNPq e Fundação Carlos Chagas. A análise que se segue, entretanto, é fruto de uma reflexão própria que venho desenvolvendo sobre os dados produzidos pela equipe integrante da pesquisa.
11 Para descrição do "nervoso" ver também Rabelo et al. (1995).
12 Foi realizada análise comparativa destes contingentes a partir de informações sobre a história de vida sintetizada de 120 mulheres de um bairro popular em Salvador, das quais 19 foram identificadas pela pesquisa como sofrendo nervoso. Uma primeira versão desta análise encontra-se em Hita (1996) e uma final e corrigida em Hita (1997).
13 Cinco mulheres não localizaram a causa dos seus problemas na infância, descrevendo suas principais crises de nervoso após o casamento. Entretanto, ao se fazer uma análise estrutural deste período de suas vidas observa-se que passaram por eventos adversos muito similares àqueles vividos pelas demais como adoção, separação dos pais e maltrato infantil.
14 Seis das que voltam a se unir (e não 7) explicitaram queixas de desgaste conjugal. A sétima passou por mais de 4 uniões mas não explicitou na sua narrativa o desgaste conjugal como elemento fragilizador ou marcante do seu nervoso. É importante lembrar que não falar do problema não significa necessariamente que ele não tenha existido, mas para fins analíticos foram excluídos os relatos onde certas situações não foram selecionadas pela entrevistada.
15 Provavelmente motivados ou aumentados pelos desencontros de expectativas e dificuldades de comunicação entre homem e mulher e pela sobrecarga de trabalho e falta de recursos característicos de casais em formação, onde o cuidado de crianças pequenas, como aponta a literatura, pode propiciar sentimentos de depressão e baixa autoestima.