O confronto estava armado, então Kasias pensou em suas opções: possuía sua lança, Jormunn; duas lâminas curtas que se transformam em brincos e poderiam acertar coisas intangíveis; um arco e flecha que atirava setas infinitas; cerca de 15 runas de combate, que temporariamente aumentavam velocidade, agilidade e força por um breve período de tempo; e os efeitos do seu campo delimitado. Este último lhe dava mais de 1200 vidas reservas; absorção de energia dissipada no ar em troca de ataques; além de seu truque que funcionava apenas em inimigos únicos. Isto é, aqueles que não tinham aliados no momento da luta: uma vantagem conceitual contra inimigos de fora do plano de existência, sendo capaz de subverter probabilidades para favorecer o rapaz.
Do outro lado, existia Dreyfus, que tinha quatro itens lendários: sua espada, Bannerd que redirecionava e concentrava energia solar para causar ataques luminosos e flamejantes; seu escudo, Moldt, que redirecionava o vetor de ação para o mesmo sentido que o de reação, causando reflexão total do ataque; um elmo sem nome, cujo efeito era moralizante, deixando seus aliados, e ele, destemidos e ignorando as dores; e, por último, um anel que permitia a ele regeneração a partir de energia. Quanto ao seu campo delimitado, ele permitia criar matéria a partir de energia – incluindo matéria orgânica –, e aumentava de maneira sobre-humana suas capacidades físicas.
O problema de Dreyfus era o enorme gasto energético que possuía com suas condições. Por não ser um legista treinado, e ter conseguido o campo delimitado por meios não convencionais, ele conseguiria normalmente ativá-lo por dez minutos, enquanto Kasias poderia ativar o dele por meses. Isso em condições normais, mas Dreyfus agora tinha acesso à energia cósmica quase infinita de Ndindhri, e isso era um problema para Kasias. Então, a única solução possível que o rapaz pensou foi: “atacar e dilacerar sem preocupar com a defesa, assim a cada ataque acertado, ganho energia e anulo um ataque dele. Enquanto ele perde energia se curando e atacando, é uma questão de compatibilidade”.
O problema era que, quando se está em um campo delimitado, instantaneamente você sabe quais são suas capacidades e suas fraquezas. E a fraqueza de Kasias era em lutas rápidas, pois um ataque poderoso o suficiente poderia levar todas as vidas do rapaz, antes mesmo que ele tivesse a chance de atacar.
Foi algo que Akel’thut percebeu após alguns dias de luta, mas Dreyfus era infinitamente mais inteligente que a besta. Além disso, ele tinha a sabedoria e o conhecimento de Ndindhri para ajudá-lo. E foi por isso que Kasias se desesperou quando viu a quantidade absurda de energia que o homem estava acumulando em sua espada. Não era apenas isso, pois, para se proteger, ele criou várias muralhas entre ele e o rapaz com o poder de seu campo delimitado, mais os vários tentáculos de Ndindhri entre elas para atrasar mais ainda o jovem.
Kasias suspirou, porque tinha apenas um minuto para atravessar a barreira e os tentáculos. Então, enquanto ele ativava todas as 15 runas em modo de velocidade, lembrou-se brevemente de tudo que passou para chegar até ali. Quando se lembrou de seu pai e de sua mãe, sentiu algo que nunca havia sequer sentido em relação a eles: saudades.
Uma coisa sempre passou pela sua cabeça desde aquele fatídico dia em Quant, se ele não tivesse falhado em matar Akel’thut, ele não precisaria ter matado Yhormgandr. Assim, teria voltado para a vila e visto seus pais biológicos outra vez. Contudo, agora tinha a cabeça no lugar e força o suficiente para endireitar seu pai, Henckel, se ele não andasse na linha, tendo que sair fora e se mudar para bem longe. “Será que consigo ver o sorriso da mãe novamente? E quanto a minha irmã, que não cheguei a conhecer, esmagada ainda bebê por entre os escombros. Qual seria o seu nome?” pensou um pouco mais além, ainda questionou: “eu seria um bom irmão? Seria diferente de quem sou hoje?”, e lembrou-se da maneira indiferente como tratou Etáoin. Ela também passou por problemas e conflitos, mas nunca se externou, tampouco Kasias deu a ela a abertura de fazer isso.
Kasias se livrou dos tentáculos, e quebrou a primeira muralha em alta velocidade.
Em resumo, tudo que tinha era arrependimentos. Ele não viveu a vida como deveria, e sua infância foi roubada. Ele falhou em seus objetivos e se tornou uma pessoa amargurada e fechada por causa disso. Contudo, ainda assim ele não tinha o direito de agir de maneira impulsiva como sempre fez, pisando por cima das opiniões alheias.
Dando mais um impulso, Kasias destruiu a segunda muralha, sem dar chances para os lentos tentáculos de Ndindhri. Então, lembrou-se de Faradin. Na verdade, ele só se envolveu na política por mero capricho. “E se eu intervisse? O que aconteceria?”, pensou em pessoas como objetos de estudo, não como seres com sentimentos.
A terceira muralha também havia ficado para trás, mas agora ele sentia uma forte dor em seu lado direito do corpo. Isso, enquanto se lembrava de Ritha, do seu ódio injustificado contra os Wogans. Assim como, da maneira forçada que tentou ganhar sua simpatia. Uma das poucas atitudes que teve de boa-fé, mas ainda sim feita de maneira tosca e vazia. Isso porque aproximou-se em troca de presentes e de favores, pois não tinha confiança em sua própria pessoa.
A quarta muralha foi obliterada, mas um tentáculo pegou de raspão no lado esquerdo de seu rosto, e ele percebeu a visão deste lado indo embora. Logo, a lembrança que mais doía nele voltou: Yhormgandr, a pessoa que mais fez por ele. Quem o amou acima de tudo e quem cuidou dele como se fosse um filho. Aquilo nasceu de interesse, mas se tornou, sem dúvidas, em amor fraternal. E, em troca, Kasias o apunhalou pelas costas em troca de poder, matando o homem que o salvou de sua vida infeliz. Sendo este mesmo homem, aquele que ainda fez um novo coração para ele após ter morrido em sua batalha contra Akel’thut.
A quinta muralha se rompeu, e ele continuou avançando. Kasias sentia os tentáculos rasgarem sua carne em diversos pontos, mas, por algum motivo, não conseguia se regenerar nem nulificar os ataques. Contudo, ele percebeu que era tarde demais, pois estava cara a cara com Dreyfus. A espada dele já estava descendo na direção de seu rosto, e o braço de Kasias estava fraco demais para levantar a lança. Foi então que surgiu um milagre.
Milagre só acontece quando as condições são favoráveis para ele surgir, assim não surge do nada, pois é uma questão de preparo, mérito e, principalmente, sorte. Uma combinação que Kasias não havia visto. Era sua habilidade que fazia com que probabilidades fossem alteradas em seu favor, caso o inimigo não fosse deste plano… Ao absorver Ndindhri, Dreyfus havia adquirido essa característica. Então, a lança de Kasias rapidamente foi em direção ao rosto do Grão Mestre, antes mesmo que ele finalizasse seu ataque. Contudo, os reflexos, além do das Leis da fisicalidade de Dreyfus, agiram. O escudo dele, que deflete qualquer ataque, se levantou e a ponta da lança atingiu o objeto sagrado, ou não.
A primeira runa, chamada pelo rapaz, tinha o efeito surpreendente de apagar todas as realidades em que o golpe não fosse acertado no inimigo, em troca de um tempo de recarga alto. Assim que a ponta da lança atingiu o escudo, por infinitas vezes, essa variável sumiu da existência no multiverso, e a chance ínfima da lança acertar Dreyfus foi concretizada com a chance máxima. Por isso, em 100% das linhas temporais, a lança de Kasias atravessou o crânio de Dreyfus, matando-o e obliterando a existência da calamidade Ndindhri.