O reverendo Howard Thomas era o responsável pelo distrito do Arkansas que incluía Stamps. A cada três meses, ele visitava nossa igreja, ficava na casa de Momma na noite de sábado e fazia um sermão alto e apaixonado no domingo. Ele coletava o dinheiro que tinha sido recebido nos meses anteriores, ouvia relatos de todos os grupos da igreja e apertava as mãos dos adultos e beijava todas as crianças pequenas. Depois, ia embora. (Eu achava que ele ia para o oeste, para o céu, mas Momma explicou as coisas. Ele só ia para Texarkana.)
Bailey e eu o odiávamos sem reservas. Ele era feio, gordo e ria como um porco com cólica. Nós provocávamos gargalhadas um no outro quando fazíamos imitações do pastor insensível.
Bailey era particularmente bom nisso. Ele conseguia imitar o reverendo Thomas na frente do tio Willie e nunca ser pego porque o fazia sem emitir qualquer ruído. Ele estufava as bochechas até parecerem pedras marrons molhadas e balançava a cabeça de um lado para o outro. Só nós sabíamos, mas era o velho reverendo Thomas à perfeição.
A obesidade, apesar de repugnante, não era suficiente para provocar o ódio intenso que sentíamos dele. O fato de ele nunca se dar ao trabalho de lembrar nossos nomes era um insulto, mas esse escorregão somente também não era o bastante para nos fazer desprezá-lo. O crime que pesou na balança e tornou nosso ódio não só justo como imperativo foram seus atos à mesa de jantar. Ele comia as maiores partes da galinha, mais tostadas e melhores, em todas as refeições de domingo.
A única coisa boa de suas visitas era o fato de que ele sempre chegava tarde nas noites de sábado, depois de jantarmos. Muitas vezes eu me perguntava se ele tentava nos pegar à mesa. Acredito que sim, pois quando ele chegava na varanda da frente, seus olhinhos cintilavam na direção da sala de jantar vazia, e o rosto dele despencava de decepção. Então, imediatamente uma cortina fina caía sobre suas feições, e ele dava algumas gargalhadas. “Ha, hah, ha, hah, irmã Henderson, assim como uma moeda com buraco no meio, eu sempre apareço.”
Bem na hora todas as vezes, Momma respondia: “Isso mesmo, reverendo Thomas, graças ao abençoado Jesus. Pode entrar”.
Ele passava pela porta da frente, e colocava sua Gladstone no chão (era assim que ele chamava) e me procurava e a Bailey. Em seguida, abria os braços e grunhia: “Deixem vir a mim as crianças e não as impeçam; pois delas é o Reino dos Céus”.
Bailey ia até ele todas as vezes com a mão esticada, pronto para um aperto de mão masculino, mas o reverendo Thomas afastava a mão e envolvia meu irmão com os braços por alguns segundos. “Você ainda é garoto, amigão. Lembre-se disso. Dizem que o Livro do Senhor diz ‘Quando eu era criança, eu falava como criança, mas quando me tornei homem, afastei as coisas infantis’”. Só então ele abria os braços e soltava Bailey.
Eu nunca tive coragem de ir até ele. Eu tinha medo de engasgar pelo pecado de debochar dele se eu tentasse dizer “Oi, reverendo Thomas”. Afinal, a Bíblia dizia “Não se debocha de Deus”, e o homem era o representante de Deus. Ele dizia para mim: “Venha, irmãzinha. Venha e receba essa bênção”. Mas eu tinha tanto medo e também o odiava tanto que minhas emoções se misturavam, e era o suficiente para eu começar a chorar. Momma dizia para ele todas as vezes: “Não dê atenção a ela, reverendo Thomas, você sabe como tem o coração mole”.
Ele comia os restos do nosso jantar, e ele e o tio Willie discutiam os desenvolvimentos dos programas da igreja. Falavam sobre como o pastor atual cuidava de seu rebanho, quem tinha se casado, quem tinha morrido e quantas crianças tinham nascido desde a última visita dele.
Bailey e eu ficávamos como sombras nos fundos do Mercado, perto do tanque de óleo de lampião, esperando as partes escabrosas. Mas, quando eles estavam prontos para falar do mais recente escândalo, Momma nos mandava para o quarto com lembretes sobre saber o que esperar se não estivéssemos com as aulas da escola dominical perfeitamente decoradas.
Tínhamos um sistema que nunca falhava. Eu me sentava na grande cadeira de balanço junto ao fogão, e balançava de vez em quando e batia os pés. Mudava as vozes, agora baixa e infantil, depois mais grave do que a de Bailey. Enquanto isso, ele voltava para o Mercado. Muitas vezes, voltava correndo para se sentar na cama e segurar o livro aberto pouco antes de Momma entrar de repente.
“Crianças, estudem sua lição direito. Vocês sabem que todas as outras crianças se inspiram em vocês.” Em seguida, quando ela voltava para o Mercado, Bailey ia logo atrás, se agachava nas sombras e ouvia a fofoca proibida.
Uma vez, ele ouviu que o sr. Coley Washington tinha uma garota de Lewisville na casa dele. Eu não achei isso tão ruim, mas Bailey explicou que o sr. Washington provavelmente estava “fazendo aquilo” com ela. Ele disse que apesar de “aquilo” ser ruim, praticamente todo mundo no mundo fazia com alguém, mas ninguém podia saber. E uma vez nós descobrimos sobre um homem que foi morto por brancos e jogado no lago. Bailey disse que as coisas do homem foram cortadas e colocadas no bolso e ele levou um tiro na cabeça, tudo porque os brancos disseram que ele “fez aquilo” com uma mulher branca.
Por causa dos tipos de notícias que nós pescávamos dessas conversas sussurradas, eu estava convencida de que sempre que o reverendo Thomas vinha e Momma nos mandava para a sala dos fundos, eles iam discutir sobre os brancos e sobre “fazer aquilo”. Dois assuntos sobre os quais eu não sabia nada.
Nas manhãs de domingo, Momma servia um café da manhã que era preparado para nos deixar quietos das nove e meia às três da tarde. Ela fritava fatias grossas e rosadas de presunto curado em casa e jogava a gordura em cima de tomates vermelhos fatiados. Ovos com gema mole, batatas fritas e cebola, canjica amarela e perca frita tão crocante que nós colocávamos o peixinho na boca e mastigávamos ossos, nadadeiras e tudo. Os pãezinhos caseiros tinham pelo menos oito centímetros de diâmetro e cinco de espessura. O truque para comer esses pãezinhos era passar manteiga antes de esfriarem, e eles ficavam deliciosos. Quando por azar nós deixávamos esfriar, eles ficavam meio gosmentos, não muito diferentes de um pedaço de chiclete mastigado.
Nós podíamos reafirmar nossas descobertas sobre os pãezinhos a cada domingo que o reverendo Thomas passava conosco. Naturalmente, ele era requisitado a abençoar a mesa. Nós todos ficávamos de pé; meu tio encostava a bengala na parede e apoiava o peso na mesa. O reverendo Thomas então começava: “Abençoado Pai, nós agradecemos esta manhã...” e assim por diante. Eu parava de ouvir depois de um tempo, até Bailey me chutar e eu abrir de leve os olhos para espiar o que prometia ser uma refeição que daria orgulho a qualquer domingo. Mas, conforme o reverendo continuava falando com um deus que eu achava que devia estar entediado de ouvir as mesmas coisas sem parar, eu via que a gordura do presunto tinha ficado branca nos tomates. Os ovos tinham recuado da beirada do prato e se amontoavam no meio, como crianças esquecidas no frio. E os pãezinhos tinham encolhido com a determinação de uma mulher gorda sentada em uma poltrona. E ele continuava falando. Quando finalmente parava, nosso apetite tinha passado, mas ele se banqueteava com a comida fria com um gosto mudo e barulhento ao mesmo tempo.
Na Igreja Metodista Episcopal Cristã, a seção das crianças ficava à direita, na diagonal do banco onde ficavam as ameaçadoras mulheres chamadas Mães da Igreja. Na parte dos jovens, os bancos ficavam próximos uns dos outros, e quando as pernas de uma criança não cabiam mais confortavelmente no espaço apertado, era indicação para os adultos que essa pessoa podia ir para a área intermediária (centro da igreja). Bailey e eu só podíamos sentar com as outras crianças quando havia reuniões informais, encontros sociais da igreja ou eventos parecidos. Mas, nos domingos em que o reverendo Thomas pregava, era obrigatório que ocupássemos a primeira fila, chamada de banco dos lamentosos. Eu achava que ficávamos na frente porque Momma sentia orgulho de nós, mas Bailey me garantia que ela só queria ficar de olho nos netos.
O reverendo Thomas tirava seus textos do Deuteronômio. E eu ficava dividida entre odiar sua voz e querer ouvir o sermão. O Deuteronômio era meu livro favorito da Bíblia. As leis eram tão absolutas, tão claramente determinadas, que eu sabia que se uma pessoa quisesse verdadeiramente evitar o inferno e o fogo e ser eternamente torrada nas chamas do diabo, ela só precisava decorar o Deuteronômio e seguir seus ensinamentos, palavra por palavra. Também gostava da forma como a palavra rolava na língua.
Bailey e eu estávamos sentados sozinhos no banco da frente, as tábuas de madeira apertando nossos traseiros e a parte de trás da coxa. Eu queria me contorcer um pouco, mas, a cada vez que olhava para Momma, ela parecia ameaçar: “Se mexa e acabo com você”. Então, obediente à ordem não enunciada, eu ficava parada. As mulheres da igreja estavam em aquecimento atrás de mim com alguns aleluias e louvado seja o Senhor e améns, e o pastor ainda não tinha chegado à essência do sermão.
Seria uma missa animada.
No caminho da igreja, vi a irmã Monroe, a coroa de ouro vazada do dente cintilando quando ela abria a boca para retribuir um cumprimento. Ela morava no campo e não conseguia ir à igreja todos os domingos, então compensava suas ausências gritando tanto que sacudia a igreja inteira. Assim que ela se sentava, todas as ajudantes iam para perto dela na igreja, porque era preciso três mulheres e às vezes um homem ou dois para segurá-la.
Uma vez, quando não ia à igreja havia alguns meses (ela deixou de ir para ter um filho), ela incorporou o espírito e começou a gritar, balançando os braços e sacudindo o corpo. As ajudantes foram segurá-la, mas ela se soltou e correu até o púlpito. Parou na frente do altar, se balançando como uma truta recém-pescada. Gritou para o reverendo Taylor: “Pregue. Eu digo que pregue”. Naturalmente, ele continuou pregando como se ela não estivesse parada ali dizendo para ele o que fazer. Em seguida, ela gritou um altíssimo “Eu digo que pregue” e subiu no altar. O reverendo continuou arremessando frases como bolas de beisebol, e a irmã Monroe fez um movimento rápido e tentou segurá-lo. Por um segundo, tudo e todo mundo na igreja, exceto o reverendo Taylor e a irmã Monroe, ficaram imóveis como meias em um varal. Então, ela segurou o pastor pela manga e pela cauda da casaca e o sacudiu de um lado para o outro.
Tenho que dizer uma coisa a favor do pastor, ele não parou de nos dar seu sermão. As ajudantes seguiram para o púlpito, subindo os dois corredores com um pouco mais de rapidez do que costuma ser visto na igreja. Para falar a verdade, elas praticamente correram para ajudar o pastor. E então, dois diáconos, em seus brilhantes ternos de domingo, se juntaram às mulheres de branco no púlpito. Cada vez que eles soltavam a irmã Monroe do pastor, ele respirava fundo e continuava pregando, e a irmã Monroe o segurava em outro lugar, e com mais firmeza. O reverendo Taylor estava ajudando seus salvadores o máximo possível, pulando sempre que tinha oportunidade. Sua voz em determinado momento ficou tão grave que parecia um trovão, e então o “Pregue” da irmã Monroe cortou o som, e nós todos nos perguntamos (eu, pelo menos) se alguma hora acabaria. Eles continuariam assim para sempre ou finalmente se cansariam como um jogo de cabra-cega que durava tempo demais, sem ninguém ligando para quem era a cabra?
Eu nunca vou saber o que poderia ter acontecido, porque magicamente o pandemônio passou. O espírito contaminou o diácono Jackson e a irmã Wilson, a presidente das ajudantes, ao mesmo tempo. O diácono Jackson, um homem alto, magro e silencioso que também era professor da escola dominical, deu um grito como uma árvore caindo, curvou o corpo para trás e deu um soco no braço do reverendo Taylor. Deve ter doído tanto quanto deve ter surpreendido o reverendo. Houve uma breve interrupção nos sons, e o reverendo se virou com surpresa, puxou o braço e deu um soco no diácono Jackson. No mesmo segundo, a irmã Wilson segurou a gravata dele, enrolou no pulso algumas vezes e o puxou. Não houve tempo para rir nem chorar antes que os três caíssem no chão atrás do altar. As pernas deles se levantaram como gravetos.
A irmã Monroe, que foi a causa dessa agitação toda, desceu da plataforma andando, tranquila e cansada, e ergueu a voz rígida no ritmo do hino: “Eu vim até Jesus, pois estava preocupada, cansada e triste, eu O encontrei em um lugar de descanso e Ele me fez feliz”.
O pastor tirou vantagem de já estar no chão e perguntou, em uma vozinha engasgada, se a igreja se ajoelharia com ele para oferecer uma oração de graças. Ele disse que tínhamos sido visitados por um espírito poderoso e convidou a igreja toda a dizer amém.
No domingo seguinte, ele tirou o texto do décimo oitavo
capítulo do Evangelho segundo São Lucas e falou com voz baixa e séria sobre os fariseus, que oravam nas ruas para que o público ficasse impressionado com sua devoção religiosa. Duvido que qualquer um tivesse captado a mensagem — certamente não aqueles a quem era dirigida. O comitê de diáconos, no entanto, angariou fundos para comprar um terno novo para ele. O outro tinha ficado destruído.
Nosso representante tinha ouvido a história do reverendo Taylor e da irmã Monroe, mas eu tinha certeza de que ele não a conhecia pessoalmente. Então, meu interesse no potencial da missa e minha aversão ao reverendo Thomas me fizeram me desligar de sua figura. Afastar ou me desligar das pessoas era minha arte mais desenvolvida. O costume de deixar crianças obedientes serem vistas, mas não ouvidas, era tão agradável para mim que eu ia um passo mais longe. Crianças obedientes não deviam ver nem ouvir se preferissem assim. Coloquei uma expressão de atenção no rosto e me liguei nos sons da igreja.
O pavio da irmã Monroe já estava aceso, e ela chiava em algum lugar à direita atrás de mim. O reverendo Thomas pulou para o sermão, acho que determinado a dar aos frequentadores o que eles tinham ido ver. Eu vi as ajudantes do lado esquerdo da igreja perto das grandes janelas começarem a se mover discretamente, como carregadores de caixão, na direção do banco da irmã Monroe. Bailey balançou meu joelho. Quando o incidente com a irmã Monroe, que nós só chamávamos de “o incidente”, aconteceu, nós ficamos atônitos demais para rir. Mas, durante semanas depois, bastava um “Pregue” sussurrado para nós termos ataques violentos de risadas. Ele empurrou meu joelho, cobriu a boca e sussurrou: “Eu digo que pregue”.
Eu olhei para Momma por cima do quadrado de tábuas manchadas, por cima da mesa do ofertório, torcendo para que um olhar dela fosse me manter com segurança na sanidade. Mas, pela primeira vez na minha memória, Momma estava olhando para trás de mim, para a irmã Monroe. Eu achava que ela estava contando em dar um basta naquela senhora emotiva com um ou dois olhares severos. Mas a voz da irmã Monroe já tinha chegado ao ponto de perigo.
“Pregue!”
Houve algumas risadas sufocadas da seção das crianças, e Bailey me cutucou de novo. “Eu digo que pregue”, em um sussurro. A irmã Monroe o ecoou em voz alta: “Eu digo que pregue!”
Dois diáconos se posicionaram ao lado do irmão Jackson como medida preventiva e dois homens grandes com expressão determinada seguiram pelo corredor na direção da irmã Monroe.
Enquanto os sons na igreja iam aumentando, o reverendo Thomas cometeu o lamentável erro de aumentar o volume da voz também. De repente, como uma chuva de verão, a irmã Monroe saiu do meio das pessoas que tentavam segurá-la e correu para o púlpito. Ela não parou desta vez, mas seguiu direto para o altar, na direção do reverendo Thomas, gritando: “Eu digo que pregue”.
Bailey disse em voz alta “Olha só” e “Caramba” e “Ela vai bater na bunda dele”.
Mas o reverendo Thomas não pretendia esperar que isso acontecesse. Então, quando a irmã Monroe se aproximou do púlpito pela direita, ele começou a descer pela esquerda. Ele não se deixou intimidar por essa mudança de local. Continuou pregando e se movendo. Finalmente parou bem na frente da mesa do ofertório, o que o colocou quase no nosso colo, e a irmã Monroe contornou o altar atrás dele, seguida pelos diáconos, pelas ajudantes e por alguns frequentadores e algumas das crianças maiores.
Na hora que o reverendo abriu a boca, a língua rosada se balançando, e disse “Grande Deus do Monte Nebo”, a irmã Monroe bateu na nuca dele com a bolsa. Duas vezes. Antes que ele pudesse juntar os lábios, seus dentes caíram, não, na verdade seus dentes pularam da boca.
A parte de cima e a de baixo do sorriso caíram do lado do meu sapato direito, parecendo vazias e ao mesmo tempo parecendo conter todo o vazio do mundo. Eu poderia ter esticado o pé e as chutado para debaixo do banco ou para trás da mesa.
A irmã Monroe estava lutando com o paletó dele, e os homens praticamente a pegaram no colo para tirá-la da igreja. Bailey me beliscou e disse, sem mover os lábios: “Queria ver ele comer o jantar agora”.
Olhei para o reverendo Thomas com desespero. Se ele parecesse só um pouco triste ou constrangido, eu poderia sentir pena dele e não conseguiria rir. Minha solidariedade por ele me impediria de dar risada.
Eu tinha medo de rir na igreja. Se eu perdesse o controle, duas coisas aconteceriam com certeza. Eu faria xixi e certamente levaria uma surra. E dessa vez eu provavelmente morreria, porque tudo estava engraçado: a irmã Monroe e Momma tentando fazê-la ficar quieta com aqueles olhares ameaçadores, e Bailey sussurrando “Pregue”, e o reverendo Thomas com os lábios moles como elástico velho.
Mas o reverendo se soltou da mão fraca da irmã Monroe, pegou um lenço branco extragrande e o abriu em cima dos dentinhos horríveis. Enquanto os colocava no bolso, ele disse: “Nu eu vim ao mundo, e nu irei embora”.
A gargalhada de Bailey tinha subido pelo corpo e estava escapando pelo nariz em roncos curtos e roucos. Não tentei mais segurar a gargalhada, só abri a boca e libertei o som. Ouvi a primeira risadinha pular no ar acima da minha cabeça, passar pelo púlpito e sair pela janela. Momma disse em voz alta “Irmã!”, mas o banco estava encerado e eu escorreguei para o chão. Havia mais gargalhadas em mim tentando sair. Eu não sabia que havia tantas no mundo. Pressionava todas as minhas aberturas corporais, forçando tudo que havia no caminho. Eu chorei e berrei, soltei gases e urina. Não vi Bailey cair no chão, mas rolei uma vez, e ele também estava chutando e gritando. Cada vez que nos olhávamos, berrávamos mais alto do que antes, e apesar de ele ter tentado dizer alguma coisa, as gargalhadas o atacaram, e ele só conseguiu dizer: “Eu digo que pregue”. Em seguida, rolei até a bengala com ponta de borracha do tio Willie. Meus olhos seguiram a bengala até sua mão marrom na curva e subindo a manga bem comprida até o rosto dele. Um lado estava puxado para baixo como sempre ficava quando ele chorava (também se puxava para baixo quando ria). Ele gaguejou: “Eu mesmo vou bater em vocês dessa vez”.
Não tenho lembrança de como saímos da igreja e entramos na casa do pastor ao lado, mas, naquela sala cheia de móveis, Bailey e eu recebemos a surra das nossas vidas. Tio Willie nos mandava parar de chorar entre açoites. Eu tentei, mas Bailey se recusou a cooperar. Mais tarde, ele explicou que quando uma pessoa está batendo em você, você deve gritar o mais alto possível. Isso faz a pessoa dando a surra ficar constrangida, ou quem sabe uma alma solidária pode aparecer para salvar você. Nossa salvação não veio de nenhum desses dois casos, e sim porque Bailey gritou tão alto que perturbou o que restava da missa, e a esposa do pastor veio pedir para que o tio Willie nos calasse.
Gargalhadas viram histeria com facilidade em crianças criativas. Durante semanas depois, tive a sensação de que fui muito, muito errada, e até recuperar completamente a força, fiquei na beirada do penhasco da gargalhada, e qualquer coisa engraçada poderia me jogar na morte abaixo.
Cada vez que Bailey dizia “Pregue” para mim, eu batia nele com o máximo de força que conseguia e chorava.