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A aridez de Stamps era exatamente o que eu queria, sem percepção ou consciência. Depois de St. Louis, com o barulho e atividade, caminhões e ônibus e reuniões agitadas de família, recebi de braços abertos as vielas obscuras e bangalôs solitários no fundo de pátios sujos.
A resignação dos habitantes me encorajou a relaxar. Eles me mostraram uma satisfação baseada na crença de que mais nada aconteceria a eles, embora merecessem muito mais. A decisão deles de ficarem satisfeitos com as injustiças da vida era uma lição para mim. Ao entrar em Stamps, tive a sensação de que estava atravessando as fronteiras do mapa e cairia sem medo da beirada do mundo. Nada mais poderia acontecer, pois, em Stamps, nada acontecia.
Penetrei nesse casulo.
Por um tempo indeterminado, nada foi exigido de mim e de Bailey. Nós éramos, afinal, os netos da Califórnia da sra. Henderson, e tínhamos ficado distantes em uma viagem glamourosa para o norte, na fabulosa St. Louis. Nosso pai tinha aparecido no ano anterior dirigindo um automóvel grande e brilhante e falando inglês correto com sotaque da cidade, então só precisamos ficar quietos durante meses e aproveitar os lucros das nossas aventuras.
Fazendeiros e criadas, cozinheiros e quebra-galhos, carpinteiros e todas as crianças da cidade faziam peregrinações regulares ao Mercado. “Só para ver os viajantes.”
Eles ficavam parados como figuras de papelão e perguntavam: “Bom, e como é no norte?”.
“Vocês viram algum daqueles prédios grandes?”
“Andaram em algum elevador?”
“Ficaram com medo?”
“Os brancos são diferentes, como dizem?”
Bailey assumiu a responsabilidade de responder todas as perguntas, e, em um canto de sua imaginação vívida, teceu uma tapeçaria de entretenimento para as pessoas que eu tinha certeza que era tão desconhecida sua quanto era minha.
Ele, como sempre, falava com precisão.
“No norte, tem prédios tão altos que, durante meses, no inverno, não dá para ver os andares de cima.”
“Fale a verdade.”
“Tem melancias com o dobro do tamanho da cabeça de uma vaca e mais doces que xarope.”
Eu me lembro distintamente do seu rosto atento e dos rostos fascinados dos ouvintes. “E, se vocês conseguirem acertar a quantidade de sementes da melancia antes de ela ser aberta, podem ganhar cinco zilhões de dólares e um carro novo.”
Momma, conhecendo Bailey, avisou: “Ju, tome cuidado para não escorregar em uma não verdade”. (Pessoas do bem não diziam “mentira”.)
“Todo mundo usa roupas novas e tem banheiro dentro de casa. Se você cair dentro da privada, é levado pelo rio Mississipi. Algumas pessoas têm geladeira, só que o nome correto é Cold Spot ou Frigidaire. A neve é tão funda que você pode ficar enterrado na porta da sua casa e as pessoas só vão encontrar você depois de um ano. Nós fizemos sorvete com a neve.” Esse era o único fato que eu poderia ter confirmado. Durante o inverno, nós pegamos uma tigela de neve e colocamos leite Pet em cima, polvilhamos açúcar e chamamos de sorvete.
Momma sorria largamente e tio Willie ficava orgulhoso quando Bailey presenteava os clientes com as nossas explorações. Nós éramos uma atração do Mercado e objetos da adoração da cidade. Nossa viagem a lugares mágicos sozinhos era o ponto colorido na tela acinzentada da cidade, e nosso retorno nos tornou ainda mais as pessoas mais invejáveis.
Os pontos altos de Stamps costumavam ser negativos: secas, enchentes, linchamentos e mortes.
Bailey brincava com a necessidade de distração das pessoas. Logo depois da nossa volta, ele passou a usar o sarcasmo, pegou o hábito como se pega uma pedra e enfiou na boca com arrogância. Os duplos sentidos, as frases dúbias, escorregavam por sua língua para perfurar como uma rapieira qualquer coisa que estivesse no caminho. Mas nossos clientes geralmente tinham um modo de pensamento e de fala tão limitado que nunca se magoavam com os ataques. Eles não os compreendiam.
“Bailey Junior fala igual ao Big Bailey. Tem língua inteligente. Igual ao pai.”
“Eu soube que não colhem algodão lá. Como eles vivem, então?”
Bailey disse que o algodão no norte era tão alto que, se as pessoas comuns tentassem colhê-lo, teriam que subir em escadas, então os fazendeiros usavam máquinas na colheita.
Por um tempo, fui a única a receber gentileza de Bailey. Não que ele sentisse pena de mim, mas sentia que estávamos no mesmo barco por motivos diferentes, e que eu conseguia entender a frustração dele assim como ele podia tolerar meu distanciamento.
Nunca soube se tio Willie foi informado sobre o incidente em St. Louis, mas às vezes eu o pegava me olhando com expressão distante com seus olhos grandes. Ele logo me mandava fazer alguma coisa que me tiraria do mesmo ambiente que ele. Quando isso acontecia, eu sentia alívio e vergonha.
Eu não queria a pena de um aleijado (seria como um cego guiando outro cego), e também não queria que o tio Willie, que eu amava do meu jeito, pensasse em mim como sendo pecaminosa e suja. Se ele achava isso, pelo menos eu não queria saber.
Os sons chegavam abafados a mim, como se as pessoas estivessem falando através do lenço ou com as mãos sobre a boca. As cores também não eram reais, mas uma vaga variação dos tons pastel que indicavam não tanto cores, mas familiaridades desbotadas. Os nomes das pessoas me fugiam, e comecei a me preocupar com minha sanidade. Afinal, nós tínhamos passado menos de um ano longe, e os clientes de cujas contas eu me lembrava antes sem consultar o livro agora eram completos estranhos.
As pessoas, exceto Momma e o tio Willie, aceitavam minha indisposição de falar como um resultado natural de um retorno relutante ao sul. E uma indicação que eu estava com saudades dos momentos que tivemos na cidade grande. Eu também era conhecida por ter “coração mole”. Os Negros do sul usavam esse termo querendo dizer sensível, e costumavam ver uma pessoa com esse mal como meio doente ou com saúde delicada. Então, não fui exatamente perdoada, mas mais compreendida.