Trinta e três

 

 

 

 

 

 

 

 

A última vez que Harry viu Mamoon foi alguns meses depois, num jantar luxuoso, num salão pomposo, em homenagem a outro escritor. Harry nem sabia que Mamoon ia aparecer lá; só quis passar a noite com Lotte, com quem estava morando.

Pouco antes de todos sentarem à mesa, uma Liana muito solene, com a cabeça curvada, conduziu o velho para dentro do salão luxuoso numa cadeira de rodas, embecado num paletó de linho branco e envergando suas medalhas literárias. Todos se viraram para olhar, sussurrar, murmurar e reconhecer que tinham estado, pelo menos uma vez, na presença do escritor. Não existia nenhuma livraria decente no mundo que não tivesse a obra daquele homem, não existia nenhum leitor sério que não tivesse ouvido seu nome. Alguém começou a aplaudir e saudar e então todos ficaram de pé espontaneamente; Liana ergueu os olhos para eles e chorou, enquanto Mamoon movia a boca, sem emitir nenhum som.

Harry foi com Lotte até junto de Liana e lhe deu um beijo. Ele se curvou em saudação a Mamoon e segurou sua mão. Harry tinha escrito o livro que queria escrever, sem caluniar o velho, e ele esperava que o escritor soubesse disso. Mamoon estava mal barbeado e sorria de um jeito torto; tinha os olhos leitosos. Pareceu cumprimentar Harry com um aperto de mão cordial, mas fraco, embora olhando para ele Harry desconfiasse que Mamoon não tinha muita noção do que se passava em volta.

Liana contou que Mamoon dormia boa parte do tempo e mal conseguia falar ou segurar uma caneta. Mas seus olhos ficavam expressivos quando ela o alimentava, e ela o amava, disse Liana, tanto quanto na primeira vez em que se encontraram. Não que ela tivesse previsto esse tipo de isolamento ou a necessidade de uma devoção tão abnegada por tanto tempo. Sozinha no campo com Mamoon, Ruth e Scott, ela sentia uma falta desesperada de receber visitas, disse Liana; por que ninguém ia até lá? Tinha falado com Marion ao telefone. Quando Marion pediu para se despedir de Mamoon, Liana a convidou para ir até lá e ficar com eles: as duas poderiam conversar e conversar. O pobre Mamoon em seu leito de morte, pensou Harry, cercado por mulheres que ele detestava. Não havia forma melhor de partir: era assim que ele gostaria que fosse.

Liana implorou que Harry fosse visitá-los no fim de semana, mas ele não voltaria à Casa da Esperança num futuro próximo. Havia terminado seu trabalho, que tinha sido informar as pessoas sobre a importância de Mamoon como artista, que ele tinha sido um escritor, um criador de palavras, um narrador de verdades importantes e que isso era uma forma de transformar as coisas, de viver bem e de produzir liberdade.