A bela casa de Mamoon, muito modificada nos últimos sete anos de casamento, ficava no fim de um caminho esburacado, cercado por uma região rural plana, da qual Mamoon tinha adquirido uma bela fatia que agora alugava para agricultores locais, que usavam a terra para produzir feno. Sua propriedade era rodeada por uma cerca eletrificada, a fim de impedir a entrada dos cervos. A casa original fora comprada na década de 1970, para Mamoon e sua jovem esposa Peggy, pelos pais dela. Peggy tinha morrido vinte anos antes, era uma alcoólatra furiosamente atormentada e, alguns anos depois, Liana, com quem Mamoon estava havia apenas poucos meses, adentrou impávida pela porta, trazendo suas malas.
Desde então, um pequeno anexo fora restaurado para servir de escritório a Mamoon. Outro celeiro degradado aparentemente abrigava seus livros fora de uso, exemplares de suas próprias obras em vários idiomas e um arquivo desorganizado, porém ninguém entrava ali já fazia algum tempo. Um “estúdio” onde Liana devia escrever, pintar ou desenhar foi mais ou menos construído para ela, mas continuava inacabado e ela o usava para dançar. Liana também projetava, junto com um arquiteto, uma ampliação adicional da casa destinada aos hóspedes. Em parte foi essa reforma, junto com todas as outras obras que ela havia promovido na casa propriamente dita, que quebrou as finanças de Mamoon, obrigando-o a dizer que, se as coisas não melhorassem, ele teria de trabalhar para ganhar a vida.
O próprio Mamoon, agora com setenta e poucos anos, estava de pé à espera deles na frente da casa, com Liana e Yin e Yang, dois jovens spaniels saltitantes que não paravam de latir. Homem bonito e ainda ostensivamente forte, de peito largo, barbicha de bode e olhos pretos, Mamoon tinha dimensões diminutas e vestia roupas inglesas rurais de tweed de tonalidades verde e marrom. Liana parecia envolta quase toda em roupas de pele, com rabos de bichos mortos pendendo na frente do peito.
O casal cumprimentou os visitantes de modo cordial, mas estava claro, como Rob sentiu ao sair do táxi e olhar com deferência para Mamoon, que o escritor não estava interessado nele: para satisfação de Harry, Mamoon dirigiu a Rob uma de suas famosas caretas.
Rob se afastou a fim de berrar com alguém ao telefone. Depois, enquanto Liana se retirava para ir cozinhar, Rob correu para o sofá da sala, puxou um tapete do chão e se cobriu com ele. “O ar fresco do campo sempre me deixa relaxado. Não deixe isso acontecer com você”, disse, antes de capotar. “E trate de impressionar o homem.”
Enquanto esperava por Mamoon, que tinha ido trocar de roupa, Harry contemplou Rob, um “entrão” na horizontal, e pensou com inveja que o editor era uma pessoa livre e original, alheia à pressão frustrante da realidade.
“Por favor, Harry, vamos entrar.”
Harry demorou a responder, pois Mamoon apareceu na porta com trajes esportivos Adidas dos pés à cabeça. Acenando para o jovem, disse que ia lhe mostrar sua propriedade, dois poços e o rio na parte mais baixa do campo.
“Vamos caminhar juntos e conversar, pois ambos estamos interessados no mesmo assunto.”
“Que assunto, senhor?”
“Eu.”
Harry tinha ouvido dizer que, com seu sarcasmo, superioridade, meticulosidade e insistência argumentativa, Mamoon havia feito chorar homens duros e sobretudo — era seu forte — numerosas mulheres instruídas e de bom coração. Porém, enquanto saíam da casa e atravessavam o jardim, Mamoon não falou nada sobre a biografia, não fez piadas nem comentários cortantes. Harry havia conhecido Mamoon e Liana três semanas antes, num almoço organizado por Rob. A conversa, na ocasião, foi leve e maledicente; Mamoon se mostrou gentil e simpático e beijou a mão da esposa. Harry imaginava que aquele encontro no campo seria o momento para uma conversa mais séria. Ele já parecia ter sido oficialmente contratado para o trabalho. Ou não? Como poderia descobrir?
Olharam as flores, os legumes, os poços e a piscina fechada e de aspecto imundo. Então Mamoon se voltou para Harry e explicou que precisava se exercitar. Revelou-se que, entre outras coisas, Rob dissera a Mamoon que Harry era um intelectual com uma belíssima voz e que também tinha sido campeão de tênis quando garoto. Infelizmente o réprobo que agora roncava e grunhia estirado no sofá não havia se dado ao trabalho de informar Harry de que jogar tênis com Mamoon fazia parte do trato e que ele seria brindado com um dos velhos calções de Mamoon e rebateria bolas para ele na quadra adjacente ao jardim.
Naquela tarde, enquanto Mamoon bufava e claudicava, e Harry o ajudava a corrigir a empunhadura do seu backhand e até esculpia o corpo de Mamoon segundo a posição de seu próprio corpo quando treinavam seu saque, Harry viu-se em pânico, com medo de que Mamoon tombasse morto no meio da quadra de tênis, assassinado prematuramente pelo homem enviado ali para embalsamá-lo com palavras.
A sessão de tênis alegrou Mamoon. Vendo claramente que a presença de Harry não seria de todo ruim, fechou o punho, socou a palma da outra mão e disse: “Você tem todo o jeito de um cavalheiro inglês jogador de críquete. Você não jogou no time de Cambridge?”.
“Joguei.”
“E você não é ruim no tênis. Até me pôs à prova. Gosto disso. Preciso disso. Enquanto você estiver escrevendo sobre mim, poderemos ser competidores. Isso vai melhorar nosso desempenho. Vamos progredir juntos, lado a lado. Certo?”
Mamoon foi tomar banho; Liana levou Harry para o jardim, sentou-o num banco e deu umas palmadinhas no joelho dele. Enquanto isso, uma mocinha de olhos escuros, cabelo preto amarrado para trás e blusa branca bem justa atravessava o infinito gramado com passinhos silenciosos, trazendo uma bandeja com chá e biscoitos. Quando a garota afinal chegou, depois de um intervalo que pareceu durar quarenta minutos, e começou a servir o chá — as coisas no campo davam a impressão de acontecer em câmera lenta; o fluxo do chá parecia petrificado entre o bule e a xícara —, Liana examinou Harry com um misto de severidade e compaixão e apontou para os arredores.
“Qual sua impressão?”
Harry suspirou. “A paz, o silêncio, a distância. Este lugar é o paraíso. Talvez um dia eu viva assim, quando for mais velho.”
“Só se você trabalhar muito. Agora posso revelar a verdade, meu jovem. Meu marido aprova você. Enquanto trocava de roupa, ele me cochichou que você parece um dos poucos ingleses dignos e inteligentes que sobraram nesta ilha. ‘Como conseguiram arranjar alguém tão digno?’, disse ele. Mas, Harry, é minha tarefa perguntar a você o que pretende fazer com o homem que amo, admiro e cultuo.”
Harry respondeu: “Ele é um dos maiores escritores do nosso tempo. De todos os tempos, melhor dizendo. Suas ficções são notáveis, mas ele conheceu, e descreveu como ninguém, alguns dos homens mais poderosos e violentos do mundo. Desejo oferecer um relato verdadeiro de sua vida fascinante”.
“Como vai poder contar tudo isso?”
Rob tinha advertido Harry de que nada poderia dar errado se ele mencionasse “os fatos”. Ninguém podia chiar contra “os fatos” — eles eram incontestáveis, como um soco na cara.
“Os fatos…”
Entretanto, Liana o interrompeu. “Devo lhe dizer que não vai ser fácil, mas Mamoon é misericordioso e sensato. Você vai escrever um livro gentil, lembrando que tudo que ele possui, além de mim, é sua reputação. Qualquer um que manche isso sofrerá para sempre com pesadelos e furúnculos. A propósito, você usa drogas?” Harry negou com a cabeça. “É promíscuo?”
Harry balançou a cabeça de novo. “Estou quase noivo”, disse.
“De uma mulher?”
“Sem dúvida. É assistente de um desenhista de moda.”
“Você não tem ficha criminal?”
“Não.”
“Meu Deus, com você, estamos conseguindo tudo de uma vez só!”
Harry estava ficando tonto; Liana o fitava com admiração, a ponto de ele se sentir incomodado e resolver tomar um gole do chá.
“Como está o chá, senhor?”, perguntou a garota, ainda de pé, ali. “O senhor gosta de Earl Grey? Se é o seu predileto e se o senhor vai ficar aqui, providenciarei cem sachês de chá.”
“Obrigado, eu gosto, sim.”
“Um biscoitinho integral?”
“Não, obrigado.”
“Bolinho Jaffa?”
“Não, obrigado.”
“Não será melhor entrarmos para comer de modo mais apropriado?”, perguntou Liana.
Rob perdeu o almoço e acordou quando o táxi chegou.
“Vejo”, disse Liana, quando ela e Mamoon estavam no jardim, lado a lado, abraçados um ao outro, despedindo-se de Rob e Harry, “que vai ser muito divertido ter você aqui e que vamos nos dar muito bem como a Equipe Mamoon. Você será muito bem-vindo aqui na Casa da Esperança! Já sinto que você será como um filho querido para nós.”
“Eles são tão felizes juntos”, disse Rob, enquanto o táxi se afastava. “Dá vontade de vomitar. Harry, não vá direto para casa. Não estou tão casado como antes. Vamos dar umas bandas e rosetar por aí, que tal?”
“Não, por favor…”
“Estou com a corda toda, amigo.”
Naquela noite, como ele pensava que seria a última vez que Harry veria a civilização por alguns meses, Rob fez questão de levá-lo junto com Alice a um lugar chique em Mayfair, frequentado por banqueiros, gângsteres e prostitutas russas. Começaram com vodca, ostras e camarões-tigre gigantes, mas, como acontecia em todas as refeições demoradas de Rob, levou muito tempo até conseguirem chegar ao acampamento-base do primeiro prato. Horas depois, cambaleando para fora do restaurante, voltando à vasta cidade silenciosa e com a sensação de que havia engolido a cabeça de alguém, Harry disse: “Quem poderia imaginar que o sistema financeiro estaria tão decadente?”.
Rob abraçou Harry e disse: “Meu amigo, não ligue para isso… Vejo dificuldades em seu caminho. Esse projeto pode ser um pesadelo, mas nunca se esqueça de que é uma sorte você poder explorar um assunto importante como esse. Agora seu trabalho de verdade vai começar”. Lançando-se sobre a flexível Alice, quase a derrubando de seus saltos altos e segurando a moça com força desnecessária, Rob disse: “Não se preocupe, coisa divina. O amor da sua vida vai triunfar. No fim, você vai admirá-lo mais ainda”.
“Você é um homem esperto, Rob”, disse ela. “Mas não me convenceu.” Ela já havia sublinhado que Harry, embora passado dos trinta, ainda era um menino ingênuo; Mamoon era capaz de devorar viva a alma dele, deixando-o humilhado e vazio. “Sem dúvida, isso pode deixar sequelas permanentes nele em termos psicológicos. Você não disse que a esposa de Mamoon chegou a chamar Harry de filho? Que tipo de mulher diria isso a um desconhecido?”
Rob deu uma risadinha e disse que manteria tudo sob controle. Havia dedicado a vida a escritores problemáticos — eram sempre os mais talentosos — e tudo o que Harry tinha a fazer era telefonar para ele. No fundo, Mamoon era um homem solitário, mas incapaz de admitir isso. A companhia de Harry seria mais do que bem-vinda para ele; Mamoon adorava conversar sobre literatura e ideias. Seria educativo para Harry. Sairia de lá envolto em uma nova sofisticação.
No táxi, Alice passou o braço em volta de Harry e beijou-o na lateral da cabeça. “Conheço você muito bem, está se sentindo culpado, simplificando tudo, pondo ênfase aqui e ali, conforme seu interesse. Ou conforme o interesse de Rob, melhor dizendo, por quem você está se sentindo ameaçado.”
“Estou?”
“Não vê como você dá ouvidos a todo o palavrório desmiolado e salivante desse sujeito? Chega até a fazer que sim com a cabeça feito um cachorrinho quando ele para de falar. Tem certeza de que vai ter de escrever coisas sobre Mamoon de que ele não vai gostar?”
“Espero que sim. Eu disse para Rob que vai ser o meu livro. Ele concordou. Me chamou de artista.”
“Quando?”
“Pouco antes de baixar a cabeça sobre a mesa e dormir.”
“E se Mamoon e a esposa se vingarem de você? Rob me falou no jantar que os dois velhotes são capazes de ataques de raiva insanos. Li que ela jogou um computador na cabeça de um jornalista que perguntou a Mamoon se ele tinha se vendido para se tornar um pseudogentleman.”
“O Império Britânico não ganhou com essa atitude. Alice, você não está me apoiando? O que quer que eu faça?”
“De verdade? Eu gostaria que você fosse professor numa escola comum.”
“E nós iríamos morar numa confortável casinha geminada de subúrbio?”
“Por que não?”
“Você não sobreviveria cinco minutos com esse dinheiro.”
“Seríamos pessoas diferentes, com menos sapatos.”
Ele disse: “Meu amor, você sabe muito bem que eu preciso subir na vida. Até meu pai disse que ainda pareço um estudante. Na minha família, ser um homem é sempre uma boa ideia.”
“E o que isso significa de verdade, Harry?”
“Ser uma companhia divertida e articulada. Jogar para ganhar, ter sucesso no mundo, ficar por cima. Esse livro é minha dívida com meu pai. Além do mais, Rob vai cuidar de mim. Ele recomendou esperteza e silêncio e ainda tem outros conselhos escondidos na manga.”
Ela virou para o outro lado. “Você não liga para o que eu falo.”
“Escute. Aconteceu uma coisa importante no trem. Rob jogou o contrato na mesa e fez questão que eu assinasse.”
“E você assinou?”
“Foi meu momento de decisão. Agora estou entusiasmado. Você vai me visitar lá no campo, por favor? Tenho certeza de que eles não vão se opor. Vão adorar você como eu adoro, tenho certeza.”
“Acho que não vou.”
“Por que não?”
“É intimidador demais. Não vou ter a menor ideia do que falar, se ele me perguntar sobre o efeito de longo prazo da revolução iraniana. Vou cuidar da minha vida aqui em Londres. Quero aprender a desenhar.”
“Ah, Alice”, disse ele. “Por favor.”
“Não me pressione. Preciso de espaço”, disse ela, beijando-o outra vez. “Vamos ver o que acontece. Tenho a sensação de que você vai voltar para casa e para mim em pouco tempo.”