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Quando eu era pequeno, era uma criança extremamente calada. Meus pais, preocupados, me levaram para ver um psiquiatra amigo deles.

A casa do médico ficava em uma colina com vista para o mar. Sentei no sofá da ensolarada sala de visitas, e uma senhora elegante nos serviu suco de laranja e dois donuts. Comi meio donut, tomando cuidado para não derrubar açúcar no colo, e bebi todo o suco.

— Quer mais? — perguntou o doutor, e eu fiz que não com a cabeça.

Estávamos sozinhos, frente a frente. Da parede oposta, um retrato de Mozart me encarava com ar de reprovação, como um gato arisco.

— Era uma vez um bode muito simpático — falou o doutor.

Era um ótimo começo. Fechei os olhos e imaginei o bode simpático.

— O bode andava por aí ofegante, carregando no pescoço um enorme relógio de ouro. Esse relógio, além de ser extraor­dinariamente pesado, estava quebrado. Um dia apareceu o coe­lho, seu amigo, e perguntou: “Ei, bode, por que você sempre carrega esse relógio, que nem funciona? Ele pesa muito e não presta pra nada!”. “É, ele pesa mesmo”, respondeu o bode. “Mas é que eu já me acostumei. Já me acostumei com o peso, e também com o fato de ele não funcionar.”

O doutor tomou seu suco e me olhou sorridente. Eu continuei calado, esperando o resto da história.

— Certo dia, no aniversário do bode, ele ganhou de presente do coelho uma pequena caixa com um laço de fita. Era um relógio novinho em folha, reluzente, muito leve, e que fun­cio­na­va com precisão. O bode ficou muito feliz, pendurou o relógio no pescoço e saiu mostrando ele pra todo mundo.

A história terminou aí, de repente.

— Você é o bode, eu sou o coelho, e o relógio é seu coração.

Me senti ludibriado, mas, sem saber o que fazer, assenti com a cabeça.

Uma vez por semana, nas tardes de domingo, eu pegava um trem e um ônibus para chegar na casa do médico, onde prosseguia com a terapia enquanto comia pães doces, tortas de maçã, panquecas, croissants com mel.

Foi apenas um ano, mas o resultado foi que acabei tendo que frequentar também um dentista.

— Civilização é comunicação — disse ele. — Se você não puder expressar uma coisa, é como se ela não existisse. Entendeu? É o mesmo que zero. Vamos dizer que você esteja com fome. É só você falar: “Estou com fome” e pronto. Eu te dou uma bolacha. Pode comer! — Eu peguei uma bolacha. — Mas se você não disser nada, não tem bolacha. — O médico escondeu o prato de bolachas embaixo da mesa com um ar malvado. — Zero. Deu pra entender, né? Você não quer falar. Mas está com fome. Então você quer expressar isso sem usar palavras, como num jogo de mímica. Vamos, tenta.

Eu apertei a barriga e fiz cara de sofrimento. O médico deu risada.

— Isso aí é uma indigestão.

Indigestão…

A próxima coisa que fizemos foram conversas de livre asso­ciação.

— Fala alguma coisa sobre gatos, qualquer coisa.

Inclinei a cabeça, fingindo que pensava.

— Pode ser qualquer coisa que te venha na cabeça.

— É um animal de quatro patas.

— O elefante também.

— É bem menor.

— E?

— Eles são criados em casa e, quando têm vontade, matam ratos.

— O que eles comem?

— Peixe.

— E linguiça?

— Linguiça também.

E assim por diante.

O médico tinha razão. Civilização é comunicação. Quando não houver mais nada para expressar, para comunicar, será o fim da civilização. Clique!… OFF.

É difícil de acreditar, mas, de repente, na primavera em que fiz catorze anos, comecei a falar como se tivessem aberto as comportas de uma represa. Não me lembro de mais nada do que eu disse, mas sei que falei por três meses sem parar, como se precisasse preencher o vazio de catorze anos. Quando terminei de falar, lá pelo meio de julho, tive uma febre de quarenta graus e faltei à escola por três dias. Quando a febre passou, eu era um menino comum, nem calado, nem tagarela.