27

Tive um sonho desagradável.

Eu era um pássaro grande e negro e voava sobre a selva, rumo ao Oeste. Tinha sido gravemente ferido, e minhas penas estavam sujas com manchas escuras de sangue. Uma nuvem sombria e agourenta começava a se espalhar por todo o céu ocidental, e o ar tinha um leve cheiro de chuva.

Fazia tempo que eu não sonhava. Tanto tempo que eu demorei para me dar conta de que era um sonho.

Levantei da cama, tomei um banho para lavar todo o suor desagradável do corpo e comi uma torrada e tomei suco de maçã de café da manhã. Minha garganta parecia feita de estopa por causa do cigarro e da cerveja. Larguei a louça na pia, vesti um terno de algodão verde-escuro com uma camisa razoavelmente bem passada, escolhi uma gravata preta de tricô e, com ela nas mãos, sentei diante do ar-condicionado na sala de estar.

O âncora do noticiário anunciava na televisão, com ar triunfante, que aquele seria o dia mais quente do verão. Desliguei a televisão, entrei no quarto ao lado, o do meu irmão mais velho, escolhi alguns exemplares na sua gigantesca pilha de livros, e me estiquei com eles no sofá da sala.

Dois anos antes, meu irmão havia partido para os Estados Unidos sem dar explicações, deixando para trás um quarto cheio de livros e uma namorada. Às vezes eu e ela saímos para comer. Ela diz que nós dois somos muito parecidos.

— Parecidos? Em quê? — perguntei certa vez, surpreso.

— Em tudo! — respondeu ela.

Talvez ela esteja certa. Acho que a culpa é dos sapatos, que nós nos revezamos para engraxar durante mais de dez anos.

Quando o relógio deu meio-dia, eu coloquei a gravata e vesti o paletó, pensando com desgosto no calor que fazia lá fora.

Eu tinha tempo de sobra e nada para fazer. Rodei devagar de carro pela cidade. Ela se estende entre o mar e as montanhas, uma cidade tão estreita e comprida que chega a dar dó. O rio, as quadras de tênis, o campo de golfe, as grandes mansões lado a lado, alguns restaurantes arrumadinhos, butiques, a velha biblioteca, os campos cobertos de pequenas flores, o parque com uma jaula de macacos: a cidade era sempre igual.

Rodei por algum tempo pelas ruas tortuosas da área residencial cheia de ladeiras, depois acompanhei o rio morro abaixo, rumo ao mar, e desci do carro perto da foz para refrescar os pés na água. Na quadra de tênis duas meninas jogavam, elas estavam queimadas de sol, com bonés brancos e óculos escuros. O sol da tarde ardia violentamente, e, a cada movimento das raquetes, o suor das duas espirrava sobre o chão.

Assisti ao jogo por uns cinco minutos, depois voltei para o carro, reclinei o banco, fechei os olhos e fiquei ouvindo o som da bola contra as raquetes se misturar ao ruído das ondas do mar. O cheiro de mar e de asfalto quente, trazido por um vento sul suave, me fazia lembrar de verões distantes. O toque quente da pele de uma menina, uma velha música de rock, uma camisa recém-lavada, o cheiro de um cigarro fumado no vestiário da piscina, um leve pressentimento. Eram verões tranquilos como sonhos, e parecia que iam durar para sempre. Até que, em certo ano (quando terá sido?), eles desapareceram para sempre.

Quando parei o carro diante do J’s Bar precisamente às duas horas, o Rato estava encostado na mureta, lendo O Cristo recrucificado, de Kazantzákis.

— E aí, cadê ela? — perguntei.

— Desencanei.

— Desencanou?

— É, desencanei.

Afrouxei a gravata com um suspiro, arremessei o paletó no banco de trás e acendi um cigarro.

— Bom, quer ir pra algum lugar, então?

— Pro zoológico.

— Legal — respondi.