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Um belo dia nosso coração se prende em alguma coisa. Uma coisinha qualquer, insignificante. Um botão de rosa, um chapéu perdido, um suéter que você gostava quando era criança, um velho disco de Gene Pitney… toda a lista de pequenas coisas que não têm mais destino. Por dois ou três dias isso fica perambulando pelo nosso coração, depois volta para a escuridão de onde surgiu. Há poços profundos escavados nos nossos peitos. Pássaros cruzam o ar sobre eles.

No crepúsculo daquele domingo de outono, o que invadiu meu coração foi o pinball. Eu estava sentado com as gêmeas ao lado do buraco oito no campo de golfe, assistindo ao pôr do sol. O buraco oito é um par 5, sem nenhum obstáculo. O fairway se estendia diante de nós perfeitamente reto, como um corredor de escola. No buraco sete um estudante da vizinhança estava praticando flauta. Tendo como trilha sonora esse treino de escalas em duas oitavas de partir o coração, metade do sol já se escondera atrás das montanhas. Não sei por que, naquele instante, a máquina de pinball agarrou meu coração.

E não só isso: conforme o tempo passava, a imagem do pinball ia crescendo dentro de mim. Eu fechava os olhos e escutava os bumpers lançando as bolas, o placar revirando os números.

*

Em 1970, quando eu e o Rato passávamos os dias bebendo cerveja no J’s Bar, eu não era um jogador muito fervoroso de pinball. A máquina que ficava no bar era um modelo chamado Spaceship, com três flippers, coisa rara para aquela época. O playfield era dividido em duas partes, com um flipper na parte de cima e dois na parte de baixo. Era um modelo dos saudosos tempos de paz antes da tecnologia de estado sólido chegar e inflacionar o mundo do pinball. Na época em que o Rato estava viciado no jogo, tiramos uma foto comemorativa para registrar sua melhor pontuação, 92 500. O Rato está sorrindo apoiado na máquina, que exibe, também sorrindo, os números “92 500” no placar. Essa foi a única fotografia emocionante que eu tirei com a minha pequena máquina Kodak. O Rato parecia um ás da aviação da Segunda Guerra, e a máquina de pinball, um velho avião caça. Daquele tipo de caça que um mecânico precisava girar a hélice para que ele decolasse, e o piloto fechava o vidro da cabine com um baque depois que já estava no ar. Os números 92 500 criavam uma atmosfera de intimidade entre o Rato e a máquina.

Uma vez por semana, passava no J’s Bar o coletor de moe­das e técnico da empresa de máquinas de pinball. Era um sujeito de uns trinta anos, extraordinariamente magro, que não falava quase nada. Ele entrava no bar e, sem nem sequer olhar na direção do J, seguia direto até a máquina, abria com uma chave o compartimento na parte de baixo e jogava as moedas para dentro de uma bolsa de lona. Então pegava uma dessas moedas e a inseria na máquina para testar se estava tudo funcionando. Checava duas ou três vezes a mola do lançador antes de começar, desinteressado, a jogar. Com aquela única bola, acertava todos os bumpers para testar os ímãs, passava por todas as pistas e acertava todos os alvos. Alvos móveis, ­kick-out hole, spinner. Por fim fazia a lâmpada de bônus acender e, com uma expressão de tédio, derrubava a bola na canaleta para terminar o jogo. Então se voltava para o J, assentia com a cabeça indicando que estava tudo certo e ia embora. Tudo isso no tempo de um cigarro queimar até a metade.

Eu me esquecia de bater as cinzas do meu cigarro, o Rato se esquecia de tomar sua cerveja, ambos assistindo boquiabertos a essa performance gloriosa.

— Parece um sonho — disse o Rato. — Com uma técnica dessas, fazer cento e cinquenta mil seria fichinha! Que na­da, deve dar pra chegar nos duzentos!

— É a vida, o cara é profissional… — falei como consolo. Mas seu ar orgulhoso de ás da aviação não voltou mais.

— Comparado com isso, esse meu recorde é tipo segurar a ponta do dedinho de uma menina — disse ele, e se calou.

Mas continuou sonhando com o dia em que o placar chegaria aos seis dígitos.

— Isso é só um trabalho pra ele — tentei mais uma vez consolá-lo. — Talvez seja legal no começo… Mas fazendo todo dia, de manhã até de noite, qualquer um fica de saco cheio.

— Não. — O Rato sacudiu a cabeça. — Eu não ficaria.