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O ruído do pinball desapareceu totalmente da minha vida. Assim como os pensamentos sem destino. É claro que isso não quer dizer que todos viveram felizes para sempre, como no Rei Arthur e os Cavaleiros da Távola Redonda. Isso só acontece muito depois. Quando meu cavalo estiver exausto, minha espada se partir e minha armadura enferrujar, me deitarei em um campo florido para, tranquilo, escutar o vento. Irei percorrer o caminho que for preciso percorrer, quer ele me leve para o fundo de um lago ou para o armazém frigorífico de uma granja.

O que eu tenho para oferecer como epílogo para este breve período da minha vida é trivial, como um varal exposto à chuva.

É o seguinte:

Certo dia, as gêmeas compraram uma caixa de cotonetes no supermercado. Uma caixa com trezentos cotonetes. Desde então, sempre que eu saía do banho elas limpavam minhas orelhas, as duas ao mesmo tempo, cada uma sentada de um lado. Elas eram realmente muito boas em limpar orelhas. De olhos fechados, eu tomava uma cerveja e escutava o som seco dos dois cotonetes dentro dos meus ouvidos. Só que certa noite, bem no meio desse processo, eu espirrei. E, no mesmo instante, fiquei quase totalmente surdo dos dois ouvidos.

— Você tá me ouvindo? — perguntou a da direita.

— Bem baixinho — respondi.

Minha própria voz ecoava atrás do meu nariz.

— E deste lado? — perguntou a da esquerda.

— Tá igual.

— Quem mandou você espirrar!

— Que burrice!

Eu suspirei. Parecia que eu estava diante de uma pista de boliche e os pinos 7 e 10, ainda em pé lá no fundo, tentavam conversar comigo.

— Se você beber água, será que passa?

— Tá maluca? — berrei, irritado.

Mesmo assim, as duas me fizeram tomar um balde inteiro de água, o que só me deu dor de estômago. Meus ouvidos não doíam, então sem dúvida o que tinha acontecido é que a cera tinha sido empurrada para dentro quando espirrei. Era a única explicação que me ocorria. Tirei do armário duas lanternas e pedi que examinassem meus ouvidos. As duas passaram longos minutos iluminando as profundezas dos meus ouvidos, como espeleólogas.

— Não tem nada.

— Nem uma poeirinha.

— Então por que é que eu não estou ouvindo nada? — berrei novamente.

— Acho que acabou a vida útil das suas orelhas.

— É isso, agora você é surdo.

Ignorei as duas, olhei na lista telefônica e liguei para o otorrino mais perto de casa. Foi muito difícil ouvir a voz do outro lado do telefone, mas, talvez por isso mesmo, a enfermeira se sensibilizou e disse para eu ir imediatamente, pois ela iria manter o consultório aberto até um pouco mais tarde. Nos vestimos correndo, saímos de casa e caminhamos acompanhando o corredor de ônibus.

A médica era uma mulher dos seus cinquenta anos e, apesar de seu penteado lembrar um emaranhado de arame farpado, parecia uma pessoa agradável. Ela abriu a porta da sala de espera, bateu palmas para silenciar as gêmeas, me mandou sentar e perguntou, com ar de enfado, o que é que tinha acontecido.

Quando eu terminei de explicar, ela disse que já tinha entendido, então que eu, por favor, parasse de gritar. Pegou uma seringa gigante sem agulha, encheu-a de um líquido cor de caramelo e me fez segurar abaixo da orelha um negócio parecido com um megafone de latão. A seringa entrou no meu ouvido, o líquido cor de caramelo se espalhou por dentro dele como uma manada de zebras descontroladas e depois escorreu ao longo da orelha para dentro do megafone. Ela repetiu a operação três vezes, depois cutucou meu ouvido com um pequeno algodão. Quando ela terminou de fazer isso nos dois ouvidos, eu voltei a escutar normalmente.

— Estou escutando tudo! — exclamei.

Cera de ouvido — resumiu ela.

Parecia uma resposta naquele jogo de crianças em que você tem que falar uma palavra com a última sílaba da ­anterior.

— Mas não dava pra ver nada!

— É que ele é curvo.

— Curvo?

— O seu ouvido tem uma curva muito maior do que o das outras pessoas.

Ela desenhou um esquema do meu ouvido no fundo de uma caixa de fósforos.

Parecia uma cantoneira.

— Então, se a sua cera de ouvido passar desta curva aqui, você pode chamar a vontade, que ela não volta mais.

Eu soltei um grunhido.

— E o que eu devo fazer?

— O que deve fazer? Tomar cuidado quando for limpar os ouvidos. Tomar cuidado.

— E fora isso, ter o ouvido mais curvo do que as outras pessoas tem algum outro efeito?

— Algum outro efeito?

— É, por exemplo… psicológico?

Não — respondeu ela.

Voltamos para casa por dentro do campo de golfe, um caminho quinze minutos mais longo. A curva tipo dogleg perto do buraco onze parecia o meu ouvido, e as bandeiras me lembravam os cotonetes. E não só isso. As nuvens passando sobre a lua pareciam uma formação de aviões B-52, o bosque denso no lado oeste me lembrou um peso de papel em forma de peixe, as estrelas no céu pareciam salsa em pó mofada… Bom, já chega. Seja como for, meus ouvidos estavam gloriosamente aguçados e captavam os ruídos de todo o planeta. Parecia que alguém tinha tirado um véu de cima do mundo. A quilômetros dali um pássaro noturno cantava, a quilômetros dali alguém fechava uma janela, a quilômetros dali as pessoas falavam de amor.

— Que bom que deu tudo certo, né? — disse uma delas.

— Muito bom, mesmo! — disse a outra.

*

Tennessee Williams escreveu o seguinte: “Sobre o passado e o presente falamos: é assim. Mas sobre o futuro, só podemos dizer ‘talvez’”.

Porém, quando me volto para olhar meu trajeto escuro até aqui, creio que o que existe ali não é nada além de um incerto “talvez”. A única coisa que nossos sentidos podem de fato captar claramente é o instante que chamamos de presente, mas ele apenas passa roçando por nós.

Era mais ou menos isso o que eu estava pensando enquanto acompanhava as gêmeas para me despedir delas. Segui em silêncio através do campo de golfe, até um ponto de ônibus duas paradas adiante. Eram sete horas de uma manhã de domingo, com o céu de um azul penetrante. O gramado sob nossos pés já pressentia sua morte passageira até a primavera. Em breve ele seria coberto pela geada, depois pela neve. Brilharia intensamente sob o sol límpido da manhã. A grama ressecada fazia um som áspero a cada passo nosso.

— O que você tá pensando? — perguntou uma das ­gêmeas.

— Nada — respondi.

Elas vestiam os suéteres que eu lhes dera e traziam sob os braços sacolas de papel com os moletons e suas poucas mudas de roupa.

— Pra onde vocês vão?

— Pro lugar de onde a gente veio.

— Vamos voltar pra casa, só isso.

Cruzamos a areia de um bunker, o fairway perfeitamente reto do buraco oito e descemos caminhando pela escada rolante a céu aberto. Do gramado e de cima do alambrado, uma quantidade extraordinária de passarinhos nos observava.

— Eu não sou muito bom pra me expressar — disse eu —, mas vou sentir muito a falta de vocês.

— A gente também.

— Vai ser triste.

— Mas vocês vão embora mesmo assim, não vão?

As duas concordaram.

— Vocês têm pra onde ir, de verdade?

— Claro que sim! — disse uma.

— Se a gente não tivesse, não ia — disse a outra.

Pulamos a cerca do campo de golfe, cruzamos o bosque e sentamos no banco para esperar o ônibus. O lugar estava maravilhosamente calmo no domingo de manhã, banhado na luz suave do sol. Sob essa luz, ficamos brincando de emendar palavras. Quando o ônibus chegou, cinco minutos mais tarde, dei para elas o dinheiro da passagem.

— Nos vemos por aí — disse eu.

— Nos vemos — disse uma.

— É, a gente se vê — disse a outra.

Suas palavras ecoaram no meu peito por alguns instantes.

A porta do ônibus se fechou com um baque, e as gêmeas acenaram pela janela. Tudo se repete… Voltei sozinho pelo mesmo caminho e, na sala inundada pelo sol de outono, escutei o Rubber Soul que elas tinham me dado e fiz um café. Passei o dia inteiro assistindo ao domingo de novembro que passava diante da janela. Um domingo de novembro tão calmo que fazia todas as coisas parecerem perfeitamente cristalinas.