— Os ricos são todos uns merdas! — vociferou o Rato, me encarando com as mãos apoiadas no balcão do bar.
Ou talvez ele não estivesse gritando comigo, mas com o moedor de café atrás de mim. Estávamos sentados um do lado do outro, e para gritar comigo ele não precisava se dar ao trabalho de virar desse jeito. Seja como for, depois de gritar aquilo ele recuperou o ar satisfeito de sempre e bebeu sua cerveja com gosto.
Ninguém deu a mínima para o seu grito. O bar apertado transbordava de gente, e todos conversavam aos berros. A cena lembrava um navio prestes a naufragar.
— São uns vermes. — O Rato sacudiu a cabeça com nojo. — Não sabem fazer porra nenhuma. Me dá ânsia só de olhar pra cara de riquinho deles.
Concordei em silêncio, o copo de cerveja encostado nos lábios. Então Rato ficou quieto e se pôs a examinar minuciosamente as mãos magras sobre o balcão, revirando-as como se as aquecesse numa fogueira. Eu desisti e levantei os olhos para o teto. Sabia que a conversa não ia recomeçar enquanto ele não terminasse de checar, na ordem, cada um dos dez dedos. Era sempre assim.
Durante um verão inteiro, o Rato e eu, como se estivéssemos enfeitiçados, bebemos uma piscina semiolímpica de cerveja e comemos amendoins suficientes para cobrir o chão do J’s Bar com cinco centímetros de cascas. Foi um verão tão tedioso que, sem isso, não teríamos sobrevivido.
Atrás do balcão do J’s Bar havia uma gravura, manchada pela fumaça de cigarro, que eu encarava por horas a fio quando estava entediado demais. Era o tipo de desenho que poderia ser usado em um teste de Rorschach. Para mim, pareciam dois macacos-verdes arremessando bolas murchas de tênis um para o outro.
Quando falei isso para J, o barman, ele encarou a gravura por algum tempo e disse, sem grande entusiasmo:
— É, até que parece.
— Será que é algum tipo de símbolo? — perguntei.
— O macaco da esquerda é você, o da direita sou eu. Eu jogo a cerveja pra você, você me joga o dinheiro.
Admirado, tomei mais um gole.
— Me dá ânsia — repetiu o Rato, que tinha terminado de examinar todos os dedos.
Não era nenhuma novidade ele falar mal dos ricos; ele realmente os odiava. A família do próprio Rato era consideravelmente rica, mas quando eu mencionava isso ele sempre dizia o mesmo:
— Não é culpa minha.
Às vezes (geralmente quando tinha bebido demais) eu respondia:
— É culpa sua, sim.
E depois sempre me sentia mal por ter dito isso. Afinal, até que ele tinha razão.
— Sabe por que é que eu não gosto de gente rica?
Naquela noite, o Rato continuou com o assunto. Era a primeira vez que a conversa chegava até aí. Eu fiz que não com a cabeça.
— Porque, pra falar a verdade, os ricos não pensam em nada. Não conseguem nem coçar a própria bunda se não tiverem uma lanterna e uma régua.
O Rato tinha mania de dizer “pra falar a verdade”.
— Ah, é?
— É. Eles não pensam em nada que importe. Só fingem que estão pensando. Sabe por quê?
— Hum…
— Porque eles não precisam. Tá, pra ficar rico o cara tem que usar um pouco a cabeça, mas pra continuar sendo rico, não precisa de nada. É que nem um satélite: não precisa de gasolina, só fica rodando no mesmo lugar e pronto. Mas pra mim não funciona assim, nem pra você. A gente tem que pensar pra viver. Tem que pensar sobre como vai estar o tempo amanhã, sobre o tamanho do ralo da banheira. Não é?
— Ahã — respondi.
— É isso.
Tendo dito tudo o que queria, o Rato tirou um lenço de papel do bolso e assoou o nariz ruidosamente, mal-humorado. Eu não sabia dizer se ele estava falando sério ou não.
— Mas, no fim das contas, todo mundo morre — experimentei dizer.
— É verdade. Cedo ou tarde todo mundo morre. Mas, sabe, até lá a gente ainda tem que viver mais uns cinquenta anos e, pra falar a verdade, viver cinquenta anos pensando sobre um monte de coisa cansa mais do que viver cinco mil anos sem pensar em nada. Não é?
Ele tinha razão.