18
CORRIDA ATRAVÉS DA CIDADE
Jake sentia os olhos do centurião na sua nuca ao mesmo tempo que tentava pensar numa forma de se escapar. Gaius não seria facilmente enganado. Para piorar as coisas, o jogo ia a caminho de uma derrota.
De súbito, um coro de vozes gritou:
— Muito bem! Toda a gente de pé! Agora não é altura de aceitar uma derrota!
Jake obedeceu, não por submissão, mas por uma férrea sensação de horror. Juntou-se a Pindor junto à linha lateral e olhou para a ponta do campo.
Oh, não…
Uma formação de raparigas viquingues encontrava-se aí. Como Jake receava, Kady estava à frente. Apoiava-se numa perna com os braços erguidos em V. As raparigas atrás dela imitavam-na.
Kady baixou os braços à altura dos ombros e apontou para a assistência.
— Vamos, romanos! Vamos! — Ela acenou para a fila das jovens da claque para que continuassem o cântico, enquanto ela se aproximava mais das bancadas e entoava: — Mostrem o vosso espírito. — Ela moveu os braços para cima e para baixo, em sincronia com o cântico, incitando a multidão a segui-la. — Vamos, romanos! Vamos!
Os olhos de Kady encontraram Jake e fixaram-se intensamente nele. Ele percebeu. Alguém tinha de começar aquilo. Jake aclarou a garganta e no refrão juntou-se a elas.
— Vamos, romanos! Vamos!
Deu uma cotovelada a Pindor, que desajeitadamente começou a cantar. Marika juntou-se a eles uns segundos depois. Lentamente, o cântico alastrou-se ao seu grupo e para lá dele.
— Batam os pés! — gritou Kady. — Ao ritmo! Vamos, romanos! Vamos! — Ela e a claque deram o exemplo batendo os pés no fim de cada refrão.
Jake não precisou de ser o primeiro desta vez. Em segundos, as bancadas tremiam com o bater das botas. As pessoas puseram-se de pé, gritando com ela.
Kady encorajava-os batendo as mãos sobre a sua cabeça.
O seu esforço não foi em vão. No campo, a equipa romana captou o entusiasmo e lutou com mais determinação pela bola. Heronidus saltou com a cabeça para baixo para fora da sela e apanhou um passe perdido. Voltou a aterrar na sela com a bola sob o braço. A sua equipa fechou numa formação cerrada à sua volta e juntos lançaram através de um ponto fraco na linha dos sumérios. Heronidus fez voar a sua bola. Ela elevou-se bem alto, escapou dos dedos de um defesa e navegou a direito através dos anéis da baliza.
As bancadas ficaram em delírio à volta de Jake. Já inflamados pela claque, a multidão aproximou-se mais da linha do campo.
Em baixo, Kady apontou para Jake, depois para o céu. Prepara-te para ir, indicou ela silenciosamente.
Ela acenou com o outro braço para a claque. A equipa espalhou-se mais e formou uma linha que se estendia até meio do seu lado do campo.
— Mesmo em cheio! — gritou Kady. — Vamos, romanos! Vamos mostrar-lhes o que valemos!
A um sinal seu, as raparigas caíram sobre um joelho uma a uma ao longo da linha, depois voltaram a erguer-se. Fizeram isto repetidamente para a frente e para trás. Jake reconheceu que estavam a fazer a onda. Fora do campo, à direita, a secção viquingue retomou a onda, levantando-se dos seus lugares com um grito, depois sentando-se de novo.
Kady animou a secção de Jake para fazer o mesmo.
— Vamos, romanos! Mostrem o vosso espírito! — Ela fez a dança em baixo, agachando-se e levantando-se com a claque. — De pé… ou enfrentem a derrota!
Com a onda seguinte, os romanos entusiasmados apanharam o ritmo e estenderam a onda. O cântico continuou e a onda fluiu para trás e para a frente com gritos de apoio.
Jake olhou por cima do ombro. Gaius estava bloqueado pelos seus compatriotas romanos, forçado a erguer-se e a descer com a onda. Jake virou-se para Marika.
— Prepara-te! Na próxima onda!
— O quê?
Jake agarrou Marika pelo cotovelo e arrastou-a para baixo, deslocando-se a coberto da onda que se erguia à volta deles. Ela agarrou numa ponta da toga de Pindor e forçou-o a segui-los.
Ele protestou.
— Fica calado! E corre! — urgiu Marika.
Juntos, correram para o túnel da saída, esgueirando-se por entre as pessoas que continuavam a empurrar para chegar à parte da frente das bancadas.
Rapidamente, chegaram ao túnel. Pindor mantinha-se a par deles, mas continuava a olhar para trás.
— Para onde é que vamos? — gritou ele para Jake e Marika.
— Vamos voltar a Kalakryss! — respondeu Marika.
— O quê? Porquê?
Eles saíram disparados do estádio e meteram-se pela rua empedrada que os levaria de volta à cidade. Pindor abrandou ao ouvir uma grande aclamação à equipa romana.
— Marika Balam! Jacob Ransom! Pindor Tiberius! Apareçam já! — chamou Gaius.
Jake correu ainda mais depressa ao lado de Marika, mas Pindor ultrapassou-os com as suas pernas compridas. Viraram uma curva para uma área onde estavam paradas carroças e bigas.
— Por aqui! — chamou Pindor mais à frente, junto de uma biga de duas rodas atrelada a um dinossauro pigmeu. Saltando para a biga, indicou a Marika o poste onde os animais estavam presos.
— Hum… podes soltar as rédeas?
Marika fê-lo rapidamente e juntou-se a Jake e a Pindor na biga.
Pindor deu uma palmada nos quartos traseiros do dinossauro para ele começar a andar.
— Aié! Mexe-te, coxas grossas!
Estalou o chicote no ar e a besta andou mais rapidamente, com o pescoço esticado junto ao chão. À medida que ganhavam velocidade e o sacolejar da biga piorava, Jake achou uma maneira fácil de se equilibrar com os joelhos ligeiramente fletidos e as pernas afastadas.
— Aié!
A biga andou ainda mais depressa, voando agora através dos portões da cidade. Pindor podia ficar nervoso quando tinha sáurios por perto, mas claramente sabia como conduzir uma biga.
Pindor continuou a um ritmo imprudente pela estrada principal. Com a cidade quase deserta, não precisava de abrandar. Os edifícios passavam por eles à velocidade de relâmpagos.
— Mas porque é que estamos a fugir do centurião Gaius?
— Para ajudar a caçadora Livia.
— O quê?
Marika explicou-lhe resumidamente o que queriam fazer.
— Levar emprestada esta biga foi bem pensado, Pin — rematou ela. — Assim até talvez consigamos apanhar o meu pai e o mestre Oswin.
Mesmo com o cumprimento, Pindor ficou pálido. As suas mãos firmes nas rédeas falharam. Bateram de lado numa tenda de venda de fruta e mandaram uma fonte de melões de casca grossa pelo ar. Pindor fez um gesto com a mão na direção do coliseu que ficara para trás.
— Eu pensava que estávamos em apuros ali! A fugir para salvar as nossas vidas! Mas não! Tudo isto não passava de uma ideia idiota de usar a ci-enzia para curar a caçadora Livia. Pelos joelhos de Júpiter, isso é pura loucura!
Marika bufou.
— Vamos deixar que seja o meu pai a decidir, Pin! Limita-te a conduzir! — Ela apontou para o castelo.
Uma estranha tensão instalou-se na biga. Jake sabia que aquilo se devia a estarem todos assustados — tanto pelo que tinham deixado para trás como pelo que os esperava. Iriam meter-se em sérios sarilhos se Pindor tivesse razão e toda a ideia fosse um disparate.
Se falhassem, Jake perderia qualquer hipótese de entrar na pirâmide. Mas ele não podia deixar a caçadora Livia morrer por não ter tentado. Sabia que o seu pai e a sua mãe fariam o mesmo. Kady, por outro lado, tinha-se dado a muito trabalho para o ajudar a fugir. Ela ficaria zangada se descobrisse que ele nunca tinha chegado à pirâmide.
Ele não tinha escolha.
— Depressa! — gritou Marika enquanto corriam para salvar a caçadora. — Toda a gente já deve estar lá em baixo nas caves.
Ela precipitou-se pelas escadas abaixo, algumas vezes saltando dois degraus de uma só vez. Jake sabia o que a preocupava. E se já fosse demasiado tarde? Marika tinha uma expressão arrasada, culpada… como se devesse ter tido aquela ideia mais cedo.
As caves ficavam mais fundo do que Jake esperava. Marika passou dois patamares com portas, mas continuou a descer. A pedra acinzentada tornou-se preta à volta das escadas de caracol, possivelmente chamuscadas pelos antigos incêndios que tinham feito desaparecer a cela do Rei Caveira.
— É já ali à frente — disse Marika, sem fôlego. Apontou para onde as escadas finalmente acabavam junto de uma porta ligeiramente aberta.
Ela chegou lá primeiro, bateu com força e chamou:
— Mestre Zahur! Pai!
Jake e Pindor juntaram-se a ela no patamar. A única luz vinha de um par de tochas de ferro de cada lado da porta. As pancadas de Marika tinham aberto mais a porta.
Jake espreitou lá para dentro e viu que havia mais escadas que desciam ainda mais. A claridade das tochas do patamar estendia-se o suficiente para revelar a sala comum em baixo. Conseguia ver a forma escura de uma mesa e uma cadeira.
— Mestre Zahur? — chamou Marika de novo, parecendo menos segura.
Apenas o silêncio lhe respondeu.
— Talvez eles tenham voltado para as caves ainda mais em baixo — disse Pindor. — Ouvi que aquilo é um autêntico labirinto.
Ao ouvi-lo, Marika moveu-se devagarinho, mas a sua preocupação por Livia fê-la avançar.
Jake seguiu-a muito de perto.
— Talvez eles a tenham levado para outro lado. Talvez lá para cima, para tua casa, ou para o Astromicon.
Ou talvez Livia já estivesse morta.
Quando entraram na sala comum, ouviram um gemido espectral. Alguém estava ali em baixo.
— Acendam as luzes — disse Marika.
Pindor procurou ao longo da parede perto das escadas. Jake fez o mesmo na outra.
— Encontrei uma — disse Pindor.
Jake ouviu um zunido quando o seu amigo acendeu a lâmpada com a unha. Tudo continuou às escuras. A mão de Jake encontrou outra tocha na parede do seu lado. Ele tateou, encontrou o pedaço de cristal e bateu ao de leve na lâmpada.
Nada.
— Não funciona — disse Pindor.
O raspar de uma bota chamou a atenção de Jake. A porta no cimo das escadas fechou-se com um estrondo. A luz na entrada apagou-se, e uma escuridão negra caiu sobre eles.
— Ei! — gritou Pindor, chocando com Jake. — Estamos aqui em baixo!
Jake agarrou Pindor pelo braço.
— Fica calado! — Uns passos afastada, Marika gritou de medo.
Pindor tentou libertar-se de Jake.
— O que estás…?
Jake apertou com mais força, silenciando-o.
Depois, ouviu outra vez. Um zumbido ténue… como o de mil abelhas. Jake reconheceu aquele som. Tinha-o ouvido a meio da noite. Um cauda-ferrão. Um dos escorpiões voadores. Então, sobre a sua cabeça, Jake ouviu um igualmente familiar scritch-scritch de garras, como se alguma coisa rastejasse ao longo do teto. Outro cauda-ferrão.
— Marika — murmurou Jake. — Chega aqui.
Ele empurrou Pindor para as escadas.
— Tenta a porta.
Ao mesmo tempo que Marika rastejava para junto dele, mais zumbidos elevaram-se da escuridão. Jake lembrou-se do comentário de Zahur sobre o cauda-ferrão desaparecido que acabara no quarto de Jake — de que ele era um de seis.
O zumbido tornou-se mais alto e foi respondido por outros na escuridão, tornando-se um coro letal.
Jake saltou quando Marika chocou com ele.
— Caudas-ferrão — murmurou ela ao seu ouvido.
No topo das escadas, Pindor soltou um murmúrio frenético.
— Está fechada.
Jake e Marika recuaram para longe do arranhar de garras e do zumbido de asas. Não tinham armas… nem maneira de sair dali.