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UMA E OUTRA VEZ

O novo Conselho dos Anciãos encheu as duas filas da bancada superior. Uma vez mais, Jake e Kady eram o centro da atenção de seis pares de olhos. No topo, os mesmos três anciãos que anteriormente — Tiberius, Ulfsdottir e Wu —, todos eles magoados, ensanguentados e mais velhos.

Haviam passado três dias desde que Jake reativara o escudo do vale. Os habitantes da cidade tinham de enfrentar uma verdade difícil. Embora o seu vale estivesse seguro por agora, essa segurança não era permanente. Eles teriam de estar mais vigilantes dali em diante.

Balam começou solenemente:

— O nosso novo mestre pediu que fosse feita uma pequena cerimónia privada para honrar os cinco que protegeram o nosso vale e o grande templo.

Balam afastou-se para o seu lado esquerdo.

O novo membro do Conselho dos Anciãos levantou-se apoiando-se no seu bordão. As argolas de bronze penduradas no bordão de madeira dançaram sob a luz e tilintaram como espanta-espíritos. O ancião dos Ur acenou com a cabeça aos cinco que se tinham reunido aos pés da bancada.

Atrás de Jake e Kady, estavam Marika, Pindor e Bach’uuk. Envergavam todos a sua melhor roupa e mantinham-se muito direitos. Jake e Kady usavam os seus fatos de safári, recentemente lavados e engomados. Era tão formal quanto podiam. Nenhum deles sabia o que esperar.

O ancião Ur — chamado Mer’uuk — saiu pesadamente de trás da bancada e dirigiu-se lentamente aos cinco. O idoso homem era o primeiro da tribo de Ur a ser nomeado mestre para o Conselho dos Anciãos. Essa elevada posição era uma recompensa pela participação dos Ur na salvação de Calypsos e um há muito merecido reconhecimento. Os Ur e os habitantes da cidade já não podiam dar-se ao luxo de se ignorarem mutuamente. Não, se queriam sobreviver. O Rei Caveira voltaria a atacar e, quando isso acontecesse, todo o vale precisava de estar unido.

Mer’uuk fez um gesto para os cinco se alinharem numa fila. Depois de alguma confusão, o ancião começou na ponta mais afastada de Jake. Aproximou-se de Pindor, pegou no seu braço esquerdo e pôs a descoberto o seu pulso. Depois Mer’uuk levantou ao alto uma única argola de metal prateado para que todos pudessem ver.

— Do céu noturno, este metal caiu num clarão de fogo — entoou o velho neandertal. — Contém uma alquimia rara e potente… uma alquimia de ligação. Para unir todos vós como um só.

Dando um passo em frente, Mer’uuk pôs a pulseira no pulso de Pindor, depois dirigiu-se a Bach’uuk. Outra pulseira foi posta no pulso do rapaz de Neandertal.

Marika estava ao lado de Jake. Ela viu quando Mer’uuk pôs uma terceira argola no pulso de Kady. Todas as pulseiras pareciam iguais. Um momento depois, Marika brincava com a argola à volta do seu pulso.

— Deve ser feita de pedra-íman — murmurou ela.

Jake calculou que as pulseiras fossem feitas de magnetite, um mineral que tinha propriedades naturais de magnetismo. Estendeu o braço e arregaçou a manga. Mer’uuk agarrou numa quinta pulseira. Estava aberta e era articulada. O ancião pô-la no pulso de Jake e fechou-a.

— Assim se completa a ligação — finalizou Mer’uuk. — Vocês agora são um.

Jake examinou a sua pulseira. Rodou-a à volta do pulso e franziu o sobrolho. Não conseguia descobrir o fecho, nem mesmo uma linha de junção onde as duas metades se uniam. Era perfeitamente lisa, como se tivesse sido forjada à volta do seu pulso. Jake levantou o braço e semicerrou os olhos. Não conseguiu encontrar quebras na superfície perfeita da pulseira, mas descobriu outra coisa. Letras estranhas tinham sido gravadas muito ao de leve ao longo da face externa da pulseira. Jake reconheceu a escrita. Era a mesma que aparecia em toda a pirâmide.

Perplexo, Jake baixou o braço e olhou para cima. Mer’uuk ainda estava à sua frente e tinha no rosto o vestígio de um sorriso.

O encarquilhado ancião aproximou-se mais de Jake e falou baixinho junto do seu ouvido.

— Para conheceres a verdade, tens de deixar de viver no tempo curto.

Com estas palavras crípticas, ele endireitou-se e martelou o seu caminho de volta para o seu lugar na bancada.

Enquanto esperavam, Jake olhou para os outros. Os cinco usavam pulseiras semelhantes. Vocês agora são um, tinha dito Mer’uuk. O que queria isso dizer… ou aquele último comentário sussurrado? Para conheceres a verdade, tens de deixar de viver no tempo curto.

Por fim, Tiberius falou.

— Há algum último pedido antes de nos retirarmos?

A pergunta era dirigida aos outros anciãos, mas Jake deu um passo em frente e levantou a mão. As palavras do ancião de Ur continuavam a ecoar na sua cabeça. Especialmente a palavra tempo. Lembrava a Jake o peso do relógio de ouro do pai dentro do seu bolso. E o lugar onde o encontrara: dentro das engrenagens do gigantesco calendário maia quando ele marcava lentamente os dias.

Tudo — todos os mistérios deste lugar — parecia resumir-se a um conceito.

Tempo.

Tiberius acenou com a cabeça para Jake.

— Queres dizer alguma coisa, Jacob Ransom?

— Queria pedir um favor, se me for permitido.

Tiberius fez um gesto para ele continuar.

— Queria visitar a pirâmide mais uma vez — disse Jake. — Para regressar ao lugar onde encontrei o relógio do meu pai.

Kady juntou-se a ele.

— Eu também quero.

Os dois irmãos já tinham falado sobre o assunto. Kady queria ver a câmara com os seus próprios olhos, e Jake sentia que havia alguma pista que lhe escapara na sua anterior incursão à pirâmide.

Tiberius franziu o sobrolho.

— Embora eu aprecie tudo o que fizeram por Calypsos, entrar no templo continua a ser proibido. Especialmente agora. Mas deixo a decisão nas mãos dos mestres.

Balam levantou uma mão.

— Por princípio, aos mestres é permitido entrar no grande templo. Isso é claro e deve continuar assim.

Jake sentiu a esperança fugir-lhe.

— No entanto — continuou ele —, não há nada que diga que os mestres só possam ser três. Levo a votação do conselho que concedamos a estes dois, pelo período de um dia, o título de mestres juniores. Votação de mão levantada?

Seis braços ergueram-se no ar.

Balam bateu com o punho na mesa e dirigiu a Jake um dissimulado piscar de olho.

— Sendo assim, foi aprovado.

Duas horas depois, Jake e Kady estavam no topo da pirâmide. Sobre as suas cabeças, o dragão de pedra mantinha a sua vigília silenciosa. Um passo à frente deles, Balam tinha as palmas das mãos erguidas contra o escudo invisível que selava a abertura redonda.

— Mantém-se forte — disse Balam com um suspiro de alívio.

Mesmo onde Jake estava, podia senti-lo. Uma força, como um vento, tentava empurrá-lo. Ele deslocou a mochila mais para cima no seu ombro, ansioso por entrar na pirâmide de novo.

— Primeiro, temos todos de dar as mãos — disse Balam —, para poder conduzir os dois lá para dentro.

Kady deu a mão ao ancião, depois estendeu a outra mão para Jake a agarrar. Mas em vez disso Jake deu meia-volta.

Marika, Pindor e Bach’uuk esperavam no degrau em baixo. Eles não iam ser autorizados a entrar, mas tinham vindo na mesma. Sabiam como aquilo era importante para Jake.

Este saltou para o degrau abaixo e agarrou na mão de Pindor à maneira romana.

— Obrigado por teres vindo — disse ele. — Se não fosses tu… se não fossem todos vocês… não sei onde eu estaria.

Pindor ficou vermelho. Estava pouco habituado a que lhe agradecessem, mas Jake suspeitava que isso iria mudar.

Jake cumprimentou Bach’uuk da mesma maneira, mas, quando tentou apertar a mão de Marika, ela esquivou-se e abraçou-o.

— Vamos ficar aqui fora à tua espera — disse ela ao seu ouvido.

A respiração dela fez-lhe cócegas no pescoço. O rosto de Jake ficou quente e provavelmente tão vermelho como o de Pindor.

— Somos capazes de demorar um bocado — murmurou ele dando um passo atrás.

— Nós esperamos — disse Pindor. Olhou para os outros dois e ambos acenaram com a cabeça.

Jake sorriu, sentindo-se desajeitado e pateta, mas era sincero. Nunca tinha tido amigos como aqueles. Só neste momento, via o que tinha faltado na sua vida. Nos últimos três anos, estivera tão focado em seguir as pisadas dos pais que se esquecera de que um tal caminho se fazia melhor com amigos ao seu lado. Porém, da mesma maneira que Pindor com os agradecimentos, Jake suspeitava que era melhor habituar-se a isso.

— Vens? — perguntou Kady com um suspiro exasperado.

Jake saltou para junto dela, fez um aceno aos amigos e deu a mão à irmã. Com Balam à frente, cruzaram a entrada. De novo, sentiu um formigueiro percorrê-lo e os pelos do seu corpo eriçaram-se. Uma vez lá dentro, desceram para o interior da pirâmide.

Balam falava com Kady à medida que caminhavam, mas Jake mal os ouvia. A sua cabeça estava já na câmara do calendário mais. Ele sentira a falta de alguma coisa lá em baixo. Tinha a certeza… mas de quê?

Logo que chegaram ao coração da pirâmide, Kady observou a imensa esfera de cristal. Ela girava e rodava, formando combinação atrás de combinação de estranhas letras.

— Posso sentir a sua pulsação — disse Kady espantada.

Jake também a sentia. Aquele vibrante pulsar de poder emanava da imensa esfera. Em baixo, os outros três cristais giravam alegremente. A esfera esmeralda estava tão brilhante como a rubi e a safira.

Balam reparou na atenção de Jake.

— A mancha de sombras não causou nenhum estrago permanente. Foi brilhante da tua parte refletir a luz do Sol sobre a esfera. Brilhante.

— Fui buscar a ideia a Mari. E ao que o mestre me ensinou — retorquiu Jake, não querendo ficar com os louros.

Balam arqueou uma sobrancelha.

Jake explicou, citando as palavras do mestre.

Toda a alquimia começa com o Sol.

Balam riu-se.

— Então há alguém que me ouve de vez em quando. Mas de qualquer modo foi brilhante da tua parte conceber tal plano.

O ancião despenteou o cabelo de Jake. Era um gesto paternal que fez uma onda de calor percorrer o corpo de Jake.

— E calculo — continuou Balam — que estejas ansioso por continuar para a câmara mais abaixo.

— Sim, senhor. E seria possível eu e Kady irmos sozinhos?

Jake queria privacidade para explorar a sala. Se tivesse alguma dúvida, poderia sempre ir ter com os mestres para lhes perguntar.

Balam não tinha nenhuma objeção a este plano e dispensou-os.

— Tenho muito que fazer aqui. Quando estiverem despachados, voltem para aqui.

Jake forçou-se a não correr. Conduziu Kady para a abertura mais distante e pela escada de caracol. A câmara redonda com o calendário maia parecia estar exatamente na mesma. No chão, as duas rodas dentadas brilharam sob a luz.

Kady arquejou — mas pelas razões erradas.

— Tanto ouro! Deve valer uma fortuna.

— Não foi por isso que viemos — disse Jake.

Kady revirou os olhos.

— Eu sei, mas isso não me impede de olhar.

— Mas não toques em nada.

Jake atravessou a câmara. Queria observar tudo outra vez, devagar e meticulosamente. O pai tinha-o avisado. A atenção está nos detalhes. Era responsabilidade de todos os cientistas trabalharem com toda a minúcia quando confrontados com os mistérios da vida.

Jake tirou o relógio do bolso.

E aqui estava um mistério que ele não queria perceber mal.

— Onde é que encontraste o relógio do pai? — perguntou Kady.

Jake apontou para a roda de dentro.

— Estava no chão ali.

— Estava só no chão?

— Sim, o que é que eu disse?

Kady estendeu a mão.

— Deixa-me ver.

Jake hesitou. Ele tinha mantido o relógio com ele, junto dele. Não o queria longe da sua vista. Por isso, Kady nunca tivera a oportunidade de o examinar.

Com alguma relutância, Jake pôs o relógio na mão dela.

— Tem cuidado com ele.

Ela revirou os olhos outra vez e afastou-se com o relógio para o examinar por conta própria.

Jake focou de novo a sua atenção na sala. As paredes estavam cobertas de escritos. Seguramente que havia muitas respostas encerradas naquela língua desconhecida. Tinha perguntado a Balam, mas ninguém em Calypsos sabia traduzi-la.

O olhar de Jake percorreu as letras e parou nos três mapas esculpidos como um baixo-relevo numa secção da parede. As suas pernas levaram-no para mais perto sem que ele desse conta. Alguma coisa acerca dos mapas…

Ele voltou a ficar imóvel à frente dos três mapas, estudando a maneira como os continentes modernos se fundiam como um puzzle numa gigantesca massa terrena chamada Pangeia. O que é que havia naqueles mapas que o incomodava?

Só então é que Jake reparou nas letras debaixo do mapa. Antes, estava tão chocado com a sua descoberta de que estava na Pangeia que não reparara no que estava escrito em baixo. De qualquer modo, eram só letras daquela língua estranha.

Não significavam nada para ele. Voltou a sua atenção para os mapas redondos. O seu olhar dançou para a frente e para trás. Sete continentes formavam um supercontinente. Mas não conseguia deixar de pensar nas letras em baixo. Pairavam no canto dos seus olhos. Oito letras ao todo. Oito peças do puzzle. Jake via a Pangeia juntar-se mais uma vez, fundindo-se num continente. Depois as letras de novo.

E se…?

Jake juntou as letras na sua mente.

Alguma coisa tentava ganhar forma. Alguma coisa que parecia familiar. O seu cérebro parecia à beira de alguma coisa.

Jake meteu a mão no bolso e tirou o livrinho de esboços da mãe. Rasgou uma folha em branco e tirou o lápis de carvão da encadernação. Com a folha encostada à parede, Jake raspou com o lápis a sua superfície para fazer um decalque das letras.

Feito isto, ficou com uma cópia das letras gravada no papel. Ajoelhou-se e vincou o papel entre cada letra, para que ficassem todas unidas numa só peça. Exatamente como os continentes tinham formado a Pangeia.

Com muito cuidado, uniu todas as letras até formarem uma única palavra. Jake ficou a olhar para o que tinha criado.

O choque fez Jake levantar-se. O papel começou a tremer nas suas mãos. Agora percebia o que é que o tinha levado a voltar ali. Na sua cabeça, ele decompusera as letras em formas que lhe eram mais familiares.

Leu-a alto.

— Atlantis.

Jake afastou-se da parede. Poderia ser verdade? Poderia a pirâmide e o conhecimento aqui exposto remontar à Atlântida, a mitológica ilha onde uma raça avançada reinara em tempos? Lutou para se lembrar de tudo o que sabia sobre a Atlântida. As primeiras histórias tinham sido escritas por Platão, um dos mais famosos filósofos gregos. Ele reivindicara ter visitado a Atlântida e visto as suas maravilhas. E, de acordo com as suas histórias, a ilha tinha sido destruída violentamente e afundara-se no mar.

Jake voltou a aproximar-se do mapa. Tocou a superfície da Pangeia. O supercontinente parecia-se com uma ilha. Era isto que Platão tinha visto? Tinha o filósofo grego sido trazido aqui… da mesma maneira que Jake e Kady? E estaria Platão a ser poético quando disse que a Atlântida desaparecera na vastidão dos mares? Talvez ele quisesse dizer que a civilização tinha desaparecido nos mares do tempo.

Era demasiado para apreender. Jake afastou-se. Virou-se, atordoado, olhando para as paredes, visualizando o coração de cristal em cima. Tinha tudo isto sido construído pela civilização perdida da Atlântida? Tinha sido a sua tecnologia que atraíra as outras Tribos Perdidas para trás no tempo até à Pangeia? Ou eram os atlantes a primeira das Tribos Perdidas? Tinham eles começado tudo isto? Se sim, para onde tinham ido?

Perguntas atrás de perguntas encheram a sua cabeça.

Jake pressionou as palmas das mãos contra os ouvidos. Tinha resolvido um enigma apenas para ele se despedaçar em mil outros mistérios.

— Jake!

O grito penetrou a confusão na sua cabeça. Virou-se para Kady. Ela estava de pé no centro da roda interior com o relógio de bolso nas suas mãos. Ela tinha-o aberto, como para ver as horas, mas olhava com os olhos semicerrados para alguma coisa lá dentro que a perturbava.

Jake agradeceu a distração. Atravessou a sala e juntou-se a ela na roda interior.

— O que é? — perguntou.

Ela inclinou o relógio num determinado ângulo e apontou para a parte inferior da tampa. Jake aproximou-se mais e moveu o relógio para a luz. Uma forma fora nitidamente gravada na superfície de ouro.

Jake reconheceu a forma. Era o ankh, o símbolo egípcio para vida. Era um dos símbolos mais importantes do antigo Egito, usado pelos faraós nas cerimónias importantes.

— E olha para isto — disse Kady, aproximando o relógio. — O ponteiro dos segundos está a andar ao contrário!

Jake já tinha reparado nisso, mas esquecera-se de o dizer a Kady. Era um mistério menor quando comparado com a descoberta do relógio.

Jack tentou recuperar o relógio. Queria ver melhor o ankh.

Kady impediu-o.

— Não percebo. Qual é o problema do relógio do pai? Talvez se o acertarmos.

Jake, ainda a lutar para conseguir ver melhor o símbolo egípcio, sentiu o coração falhar um batimento ao ouvir as palavras de Kady. Especialmente uma palavra.

Acertar.

Foi demasiado lento. Kady já tinha os dedos na corda do relógio. Era usada para acertar o relógio — mas também para ajustar o tempo.

— Não! — avisou Jake.

Por um breve momento, lembrou-se do ditado que Balam ensinara a Marika: Olha duas vezes e pisa uma. Era um pouco de sabedoria que recomendava contenção e cautela.

Kady não o aprendera. Ela puxou o mecanismo para fora.

De imediato, soou um grande rangido de engrenagens. Não vinha do relógio, mas das rodas de ouro à volta deles. As rodas do calendário maia começaram a rodar. O movimento, lento de início, foi acelerando mais e mais. As engrenagens dentadas giravam tão depressa que qualquer passo em falso de Jake ou Kady podia custar-lhes um pé. E a rotação aumentou ainda mais, transformando as rodas numa mancha dourada.

Jake ainda agarrava nas mãos de Kady, apertando o relógio entre elas. À medida que as engrenagens giravam para a destruição total, Jake sentiu uma força crescer sob os seus pés.

Um grito de aviso formou-se nos seus lábios.

— Aguenta…

Luz branca explodiu para cima e consumiu-os. A claridade cegou Jake de imediato. Embora não conseguisse ver, ele sentiu que era disparado para cima, como se estivesse num elevador amarrado a um foguetão. Tudo aquilo durou menos de um instante.

Depois, estava tudo acabado.

Ele pestanejou face ao clarão residual ao mesmo tempo que o trovão ribombava à sua volta.

Trovão?

A luz ofuscante extinguiu-se num relâmpago vulgar.

À medida que recuperava a visão, Jake olhou estupefacto à sua volta. Kady estava agachada ao seu lado, igualmente petrificada do choque. Por todos os lados havia expositores de vidro e pedestais com artefactos antigos. Um passo à sua frente, estava a pirâmide de ouro com o dragão de jade em exposição.

Estavam de volta ao Museu Britânico!

De volta a casa…

Tinha sido tudo um sonho?

Jake ainda agarrava as mãos de Kady. O relógio de bolso do pai repousava na palma da sua mão. As pulseiras de metal rodeavam os seus pulsos esquerdos.

Antes que conseguisse dar um sentido àquilo, um grito fez os dois saltar.

Não!

Jake olhou a toda a volta. Um homem corpulento corria para eles. Era Morgan Drummond, o guarda-costas da empresa destacado para os proteger. Segundos antes de eles desaparecerem, Drummond estava a correr para eles e a gritar.

Precisamente como agora.

— Saiam daí! — repreendeu Drummond. Porém, o homem parou de repente, coçou a cabeça, depois ficou a olhar em volta como se sentisse que qualquer coisa não estava bem. Mas, recuperando o fôlego, voltou a olhar para eles. A sua expressão era vagamente desconfiada.

— O que é que vocês os dois andaram a fazer?

Jake tirou o relógio de ouro das mãos de Kady e mostrou-o a Morgan. Antes que o homem o pudesse ver bem, Jake guardou-o no bolso.

— Estava só a ver as horas — disse Jake, acotovelando Kady dissimuladamente.

Ela saltou, depois acenou vigorosamente, ainda incapaz de falar.

— Se estás a ver as horas — disse Drummond, recuperando a autoridade —, então sabes que os dois já aqui estão sozinhos há muito tempo. Com o fim do eclipse, os mecenas do museu vão querer vir para aqui.

Jake olhou para uma janela. O eclipse? Se só agora estava a acabar, então não tinha passado tempo nenhum em Londres. Eles tinham estado dez dias na Pangeia… e voltado para o mesmo ponto onde tinham começado.

Tanto no espaço como no tempo.

Drummond observou a sala, como se estivesse à procura de alguma coisa. Os seus olhos ainda estavam semicerrados quando focou Jake e Kady.

— Tocaram em alguma coisa?

— É claro que não — respondeu Jake, fingindo estar ofendido.

Kady também abanou a cabeça.

— E não aconteceu nada estranho?

Jake franziu o sobrolho.

— Houve relâmpagos. E trovões. As luzes foram abaixo. — Encolheu os ombros. — Mas nós não temos medo do escuro nem de nada.

Jake manteve a sua expressão inocente, mas fitou muito mais intensamente o homem. Lembrou-se das suas anteriores suspeitas em relação a Morgan Drummond. O guarda-costas afirmara que Jake e Kady tinham sido trazidos para Londres como manobra publicitária para atrair a atenção dos meios de comunicação para a exibição. Mas e se houvesse um propósito mais tenebroso? Alguma coisa mais sinistra? Estaria o chefe de Drummond à espera de que eles abrissem um portal para a Pangeia? Seria essa a verdadeira razão para eles terem sido trazidos para aqui e deixados sozinhos no museu?

Os olhos de Drummond brilhavam com uma suspeita crescente, mas a agitação junto à porta atraiu a sua atenção. Soaram vozes excitadas. Homens e mulheres bem vestidos entraram na sala.

Drummond franziu o sobrolho aos recém-chegados. A sua voz refletia a sua deceção.

— Suponho que sejam horas de vos levar de volta ao hotel. Têm um voo cedo para casa de manhã.

Jake olhou para Kady. Puxou a manga para baixo para esconder a pulseira de metal. Seguindo o seu exemplo, ela fez o mesmo. Jake já lhe tinha falado do símbolo que vira na espada do grakyl e nas suas suspeitas sobre a Bledsworth.

Mesmo agora, quando Drummond se virou para enfrentar a multidão que se aproximava, um brilho prateado atraiu os olhos de Jake para o alfinete de gravata do homem. O pequeno grifo com as suas garras era o símbolo da Bledsworth Sundries and Industries, Inc. E do Kalverum Rex, o Rei Caveira.

Drummond virou-se para eles. Outro minúsculo reflexo atraiu a atenção de Jake para o alfinete. Jake poderia não o ter visto se não estivesse já a olhar. O olho do grifo cintilou com uma ponta de fogo escuro. Jake tinha reparado no olho durante a travessia de Londres na limusina. Na altura, pensara que era um minúsculo diamante negro.

Mas agora sabia a verdade.

Jake reconheceu a gema de que era feito aquele olho negro. Era um bocado minúsculo de pedra-de-sangue, o cristal forjado pela sinistra alquimia do Kalverum Rex.

Jake lutou contra um arrepio de repulsa. Aqui estava a prova viva de que existia alguma conexão entre o passado e o presente. Mas qual era essa ligação? Jake forçou-se a afastar o olhar, mantendo escondido o que sabia.

— Então, já acabaram aqui? — perguntou Drummond.

Jake trocou um olhar com Kady. À medida que o choque desaparecia, um fogo invadiu os olhos dela. Ele leu a resposta à pergunta de Drummond no rosto dela. Correspondia à sua.

Tinham acabado ali?

Por uma vez, Jake e Kady estavam de acordo na resposta.

Não… só agora estavam a começar.