Sumário: 13.1. Introdução. 13.2. Aspectos médico-legais. 13.3. Aspectos jurídicos. 13.4. Implantação ovular e a “barriga de aluguel”. 13.5. Normas éticas para a utilização das técnicas de reprodução assistida (Anexo único da Resolução CFM n.º 2.013/2013). 13.6. Bancos de embriões humanos. 13.7. Aspectos negativos das técnicas de reprodução assistida. 13.8. A adoção de embriões congelados: uma alternativa ético-política. 13.9. Clonação humana. 13.10. Seleção de sexo. 13.11. O sigilo médico e a reprodução humana assistida. 13.12. Conclusão. 13.13. Referências bibliográficas.
Código Civil
Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:
I – nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal;
II – nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento;
III – havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido;
IV – havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga;
V – havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.
Código de Ética Médica
I – A Medicina é uma profissão a serviço da saúde do ser humano e da coletividade e será exercida sem discriminação de nenhuma natureza.
II – O alvo de toda a atenção do médico é a saúde do ser humano, em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional.
V – Compete ao médico aprimorar continuamente seus conhecimentos e usar o melhor do progresso científico em benefício do paciente.
VI – O médico guardará absoluto respeito pelo ser humano e atuará sempre em seu benefício. Jamais utilizará seus conhecimentos para causar sofrimento físico ou moral, para o extermínio do ser humano ou para permitir e acobertar tentativa contra sua dignidade e integridade.
XXV – Na aplicação dos conhecimentos criados pelas novas tecnologias, considerando-se suas repercussões tanto nas gerações presentes quanto nas futuras, o médico zelará para que as pessoas não sejam discriminadas por nenhuma razão vinculada a herança genética, protegendo-as em sua dignidade, identidade e integridade.
É direito do médico:
IX – Recusar-se a realizar atos médicos que, embora permitidos por lei, sejam contrários aos ditames de sua consciência.
É vedado ao médico:
Art. 14. Praticar ou indicar atos médicos desnecessários ou proibidos pela legislação vigente no País.
Art. 15. Descumprir legislação específica nos casos de transplantes de órgãos ou de tecidos, esterilização, fecundação artificial, abortamento, manipulação ou terapia genética.
§ 1.º No caso de procriação medicamente assistida, a fertilização não deve conduzir sistematicamente à ocorrência de embriões supranumerários.
§ 2.º O médico não deve realizar a procriação medicamente assistida com nenhum dos seguintes objetivos:
I – criar seres humanos geneticamente modificados;
II – criar embriões para investigação;
III – criar embriões com finalidades de escolha de sexo, eugenia ou para originar híbridos ou quimeras.
§ 3.º Praticar procedimento de procriação medicamente assistida sem que os participantes estejam de inteiro acordo e devidamente esclarecidos sobre o mesmo.
Art. 16. Intervir sobre o genoma humano com vista à sua modificação, exceto na terapia gênica, excluindo-se qualquer ação em células germinativas que resulte na modificação genética da descendência.
Art. 20. Permitir que interesses pecuniários, políticos, religiosos ou de quaisquer outras ordens, do seu empregador ou superior hierárquico ou do financiador público ou privado da assistência à saúde interfiram na escolha dos melhores meios de prevenção, diagnóstico ou tratamento disponíveis e cientificamente reconhecidos no interesse da saúde do paciente ou da sociedade.
Art. 21. Deixar de colaborar com as autoridades sanitárias ou infringir a legislação pertinente.
A reprodução assistida é um conjunto de operações que vai desde a introdução de gametas masculinos no aparelho genital feminino por meios diferentes da cópula carnal até as técnicas mais sofisticadas de fertilização in vitro.
Não há uma denominação satisfatória para esta técnica: fertilização matrimonial, fecundação artificial, fecundação por meios artificiais, impregnação artificial, fertilização artificial, concepção artificial, semeadura artificial e inseminação artificial. E, mais recentemente, reprodução assistida.
Na verdade, fecundação é o processo biológico da união do espermatozoide com o óvulo, dando origem ao ser humano. Ora, a expressão fecundação artificial sugere uma união dos gametas fora do organismo feminino e, no entanto, o processo consiste em tentar-se a fecundação dentro desse próprio organismo.
Optamos pela denominação fecundação artificial por ser a expressão mais corrente e mais consagrada.
Chevalier relata que Le Bon, em 1300, realizou tais processos em animais, tendo sido, porém, o veterinário Ivanoff o propulsor da técnica moderna da reprodução assistida. Em 1790, o médico inglês John Hunter realizou, com êxito, numa mulher, essa operação pela primeira vez. No entanto, somente em 1978 nascia o primeiro “bebê de proveta”, Louise Brown, no Oldhan and District General Hospital de Lancashire, perto de Manchester.
As estatísticas americanas publicadas por Segmond e Koerner no JAMA (Artificial Insemination, 759, v. 135, 15.11.1957) mostravam, naquela época, nos EUA, a realização de 9.489 fecundações assistidas.
São elas indicadas quando no homem existem defeitos penianos (adquiridos ou congênitos), deficiência na ejaculação, pseudo-hermafroditismo e, na mulher, quando esta apresenta, entre outras causas, problemas psíquicos, pseudo-hermafroditismo, más formações congênitas ou adquiridas.
A técnica mais simples consiste em colher-se o esperma humano e introduzir no útero da mulher, atendendo-se aos cuidados da assepsia e ao período correspondente à ovulação. Sobre a implantação de embriões, falaremos mais adiante.
Há países em que funcionam os “bancos de esperma”, onde os gametas masculinos podem manter-se em estado de congelação por um período até de um ano, sem perder sua capacidade de fecundação.
A reprodução assistida pode adotar duas modalidades completamente distintas em seus aspectos morais, filosóficos, sociais e jurídicos: 1. a fecundação intraconjugal, homóloga ou homofecundação; 2. a fecundação extraconjugal, heteróloga ou heterofecundação.
A fecundação homóloga é plenamente aceita por todos e não fere os princípios da Moral e do Direito. Essa prática, numa mulher, com sêmen de seu próprio esposo, em casos de impotência sexual, é hoje plenamente admitida.
E a fecundação heteróloga ou extraconjugal é um ato lícito?
Antes de definirmos a licitude em tais circunstâncias, é necessário examinarem-se diversos aspectos, diante dos complexos problemas que envolvem vários seres humanos, considerados não só sob o ponto de vista pessoal, mas também no seu meio ambiente social.
A fecundação heteróloga afeta várias pessoas ao mesmo tempo, cujas funções, responsabilidades, direitos e reações temos que avaliar com todo cuidado, a fim de darmos uma definição mais precisa. Essas pessoas são: a mulher, o esposo (quando existe), o médico, o doador, a esposa do doador (quando existe), o filho que venha a nascer e a sociedade (pessoa moral).
Os autores que defendem a heterofecundação são concordes em dois pontos de vista: 1. a receptadora não deve conhecer a identidade do doador; 2. o doador não deve conhecer a identidade da receptadora.
Isto implica que apenas uma pessoa pode conhecer a identidade de um e de outro: o médico responsável pela operação, o que faz a eleição do doador, tendo em vista as consequências que possam surgir na gravidez e na higidez do novo ser. Assim, toda responsabilidade recai única e exclusivamente na pessoa do operador.
Todo ato médico pode encerrar aspectos morais, deontológicos, civis e penais.
A responsabilidade médica exige, na prática dessas técnicas, os seguintes requisitos:
1. Execução por um médico lealmente autorizado. De antemão, não se deve esquecer que, em todo ato humano em que existe uma possibilidade de risco, este só está justificado diante de um estado de necessidade, além de ser executado por profissional técnico e legalmente habilitado.
2. Análise cuidadosa e prévia dos prós e contras. Nenhum médico poderá afirmar categoricamente que numa dessas práticas não venha a surgir uma complicação ou resultados indesejáveis.
3. Consentimento dos interessados. A permissão do paciente e das pessoas diretamente ligadas a ele nem sempre exclui, a nosso ver, a responsabilidade médica, pois a pessoa não tem o direito de violar as regras que norteiam a ordem pública. O consentimento, mesmo por escrito, não afasta a antijuridicidade. Essas autorizações podem carecer de valor, pois as obrigações no casamento estão justificadas pela ordem pública. No entanto, quando o ato está corretamente indicado, deve existir o consentimento esclarecido.
4. Imposições legais. A obrigação que se deve ter em conta do respeito entre o direito superior e a dos invocados, para justificar o ato. O direito privado deixa de existir quando entra em conflito com um direito superior.
Assim, um filho que nasce de uma fecundação artificial intraconjugal responde perfeitamente aos quatro requisitos acima, sempre que haja o consentimento. O filho nascerá dos gametas dos esposos, pai e mãe, afetivos e legais.
A fecundação extraconjugal não se processa, porém, da mesma forma. Um ato duvidoso só impõe seu uso se está justificado por um estado de necessidade, e o médico não pode assumir a posição de juiz num problema tão complexo. Mesmo assim, ainda está obrigado a explicar a incidência dos fracassos, as consequências psicológicas, morais e jurídicas que surgem com o nascimento de um filho nessa eventualidade.
Outro fato que não pode ser esquecido é o do consentimento do doador, o qual renunciará ao direito sobre o filho. É importante também o consentimento da esposa do doador.
Para alguns, todas essas permissões carecem de valor, pois as obrigações impostas pelo casamento contrapõem-se a um conjunto de interesses, isto justificado pelo interesse social. A. Almeida Júnior, grande mestre da Medicina Legal brasileira, em seu livro Paternidade, falando sobre o problema, simplifica dizendo tratar-se de “uma prática insólita de adultério científico”. Com todo respeito, não deixa de existir certo exagero, no que diz respeito ao “adultério”.
Sob esse ângulo, a fecundação artificial encerra problemas extremamente graves, como:
1. O problema da filiação. Devemos levar em consideração que a paternidade desempenha um papel importante na manutenção, na educação e nos direitos de herança.
Um filho nascido num processo de heterofecundação, caso a mulher seja casada, não deixa de levantar algumas questões; pois, em algumas situações, pode-se até provar que o pressuposto pai não interferiu na concepção, e com muito mais razão se o fato se verificou sem o seu consentimento.
No entanto, em muitos países que criaram um estatuto da criança gerado pelo processo de reprodução assistida heteróloga, a tendência é pela não ilegitimidade do filho. Na Inglaterra, pela “Family Law Reform Act”, sempre que uma criança nasce como resultado de uma reprodução assistida heteróloga de uma mulher que ao tempo da inseminação achava-se ligada pelo casamento não dissolvido ou anulado, a criança será havida como filho desse casal, não devendo considerar-se filho de qualquer outra pessoa, a não ser que fique judicialmente provado que o marido da mulher não deu o seu consentimento. No Canadá, o “Relatório sobre a Reprodução Artificial” diz mais: “O doador de sêmen não deverá manter qualquer relação jurídica com a criança, não tendo em relação a ela quaisquer direitos ou deveres parentais”.
Agora, com a vigência do novo Código Civil, presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos: I – havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido; II – havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga; III – havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido (artigo 1.597).
Desse modo, será atribuída aos beneficiários a condição de paternidade plena da criança nascida mediante o emprego de técnica de Reprodução Assistida. Não temos ainda uma legislação específica sobre o assunto, mas achamos que deve constar nela o seguinte: a) a morte dos beneficiários não restabelece o poder parental dos pais biológicos; b) o doador e seus parentes biológicos não terão qualquer espécie de direito ou vínculo, quanto à paternidade ou maternidade, em relação à pessoa nascida a partir do emprego das técnicas de Reprodução Assistida, salvo os impedimentos matrimoniais elencados na legislação civil.
2. No caso dos casais homossexuais e da mulher solteira que se valem dos centros de reprodução humana. Nos casos de um casal homossexual masculino em que um deles entra com o sêmen, tudo faz crer que a solução será, em face do interesse da criança, a de ter dois genitores e que o genitor biológico seja também o genitor legal. Se a inseminação é heteróloga, o filho terá dois genitores e o sobrenome dos dois, grafados no documento “pais” e não pai e mãe, e “avós” e não avós maternos e avós paternos. Também não se vê nenhum problema em uma mulher solteira realizar uma prática de reprodução assistida a partir de sêmen doado em banco para este fim. Em tal situação a criança não terá um pai e por isso terá apenas um progenitor.
Por fim, entendemos que, na falta de consentimento do marido e se este não aceita a paternidade, o doador do sêmen não pode fugir dessa responsabilidade. Na França, em seu Código da Segurança Social, está estatuído que o doador, mesmo que pese a gratuidade do seu gesto, está moralmente obrigado a manter sigilo da doação, a se manter no anonimato e a não exigir nada em relação ao filho.
3. Problemas de responsabilidade civil e penal. Teoricamente, o médico está sujeito à responsabilidade por qualquer dano produzido por um erro técnico durante a fecundação.
Não se pode considerar ilícito ou imoral o fato de uma mulher, não podendo fecundar, ter seu óvulo fertilizado em laboratório com espermatozoide do esposo, sendo depois o ovo implantado em seu próprio útero. A isto chamaríamos de autoimplantação ovular.
Todavia, se um ovo fecundado in vitro é implantado numa “mãe-suporte” ou “mãe-hospedeira” (heteroimplantação ovular), ao que nos parece, começamos a pisar num terreno de muitas dúvidas, onde algumas indagações nem sempre se mostram de respostas fáceis. O processo de fertilização in vitro e a subsequente implantação do ovo nas chamadas “mães de aluguel” têm criado e vão criar, entre juristas, teólogos e moralistas, profundas controvérsias e muitas discussões, mesmo que essa técnica seja reconhecida como um avanço da biotecnologia moderna.
O grande risco está na razão de a ciência, quase sempre, felicitar-se com o fato consagrado num resultado. Para o homem, esse fato, não muito raro, tem importância insignificante e ameaçadora. Muitos deles sem nenhuma repercussão social, principalmente no que diz respeito às formas amenizadoras dos horrores da iniquidade e da injustiça.
Algumas mulheres se valem desse recurso não porque querem, mas por situações impeditivas da maternidade. Outras, aptas à gestação, procuram uma “mãe-incubadora” unicamente para evitar o desconforto da gravidez ou as inconveniências do pós-parto. Nessa última hipótese não há o que discutir sobre a sua ilegitimidade e o ato médico estaria desaconselhado pelo seu conteúdo aético.
Assim, já começamos a perceber que no futuro criar-se-ão as placentas artificiais nos laboratórios, passando o útero a ser um órgão de pouca monta para determinadas gravidezes, e que algumas descobertas nada mais representariam senão simples divertimentos científicos.
A engenharia genética, por meio de micromanipulações, irá querer criar homens programados. É claro que resultados desse teor não apenas abrem terríveis abismos para a pessoa do amanhã, como comprometem mais e mais a dignidade humana, estabelecendo-se quando, onde e como alguém deva nascer.
Por isso, é preciso que a sociedade passe a refletir sobre algumas questões, até então confusas e inusitadas, sobre o que representa a maternidade, quais os direitos adquiridos pela mãe, qual o papel de cada pessoa envolvida nessas técnicas, o que isto reflete sobre a vida da mulher e o que significa mais: o conteúdo genético transmitido ao filho ou o vínculo afetivo criado entre a gestante e o feto.
Não vamos negar, em nome de um humanismo mais nostálgico, a necessidade de a ciência evoluir, na tentativa de dar a esse homem, cada vez mais sofrido e angustiado, perspectivas de dias melhores. Porém, daí partir-se para experimentações puramente especulativas, distantes e distintas de uma realidade, há uma grande diferença.
Por outro lado, resultados dessa natureza trazem em seu bojo inúmeras questões de ordem jurídica e moral. Por exemplo: na heteroimplantação ovular, qual a verdadeira mãe? A que cedeu o óvulo fecundado ou a que abrigou durante a gravidez um feto alheio?
Acreditam uns, mesmo em que pesem certas contestações de ordem afetiva e moral, pertencer o filho à mãe natural, ou seja, àquela que geneticamente contribuiu para esse filho. A outra, que apenas manteve o feto durante uma gestação, nada mais fez do que dar-lhe os elementos nutritivos, necessários para o desenvolvimento fetal. Seria apenas uma “ama de sangue”. No entanto, outros admitem que a verdadeira mãe é a que pariu, pelo indiscutível vínculo afetivo com o feto; pelas razões do direito natural, onde a gravidez e o parto marcam vincos muito fortes na personalidade da mulher e na percepção das outras pessoas; pelas exigências da burocracia cartorial no registro do filho, através de atestados do profissional que assistiu o parto ou da maternidade, com as características do recém-nascido e da puérpera. Pelo menos, é assim que preceitua o artigo 31 do Código Civil búlgaro: “A maternidade se determina pelo nascimento, ainda que o filho tenha sido concebido com material genético de outra mulher”.
Qualquer que seja nossa opinião a respeito da mãe legal, nos casos de “barriga de aluguel”, haverá sempre argumentos pró e contra, pois não existem entre nós critérios definidos e nem legislação específica. Restará à Justiça o direito de arbitrar, caso a caso, diante de cada circunstância, da palavra empenhada ou do contrato firmado.
Um fato é certo: o processo já é viciado na sua raiz, não só pela degradação da mulher no que lhe existe de mais exaltado – a maternidade, mas, também, porque não estamos muito preocupados com a outra mulher, a mais carente, a que enfrentará o ônus físico e psicológico da gravidez e do parto, que sofrerá a discriminação e o repúdio da sociedade consumista.
Mesmo admitindo a validade do progresso desse ramo das ciências biológicas para determinados casos, não podemos esquecer que muitas vezes ele torna-se inviável e desnecessário frente às mais imperiosas e iminentes angústias das populações carentes do mundo inteiro.
Em vez dos formidáveis investimentos dos programas dos chamados “bebês de proveta”, melhor seria uma alternativa mais solidária e mais humana em favor dos “bebês de sarjeta” – marginalizados, sofridos e abandonados nos alagados, nos mocambos e nas palafitas e, até, nas creches e orfanatos, à espera de uma mãe acolhedora e afetuosa. É certo que ninguém está obrigado a aceitar um filho por adoção nem pode exigir-se de qualquer pessoa um gesto tão terno e solene. No entanto, não menos justo é que a ciência venha a preocupar-se por outro sentimento mais especulativo. Mais importante que acudir uma mulher sem filho é salvar um filho sem mãe.
E não se diga que tudo isso estaria justificado simplesmente por existir um consentimento. Há certos atos nos quais, mesmo existindo o consentimento tácito ou expresso, não se justifica a intervenção, nem tal permissão tem valor, pois a norma jurídica e a consciência social podem se impor a essa vontade e a autorização não outorgaria certas concessões. A licitude se impõe pela sua imperiosa necessidade, e não por interpretações ou por comodidade de algumas consciências mais afoitas.
E a utilização post mortem de sêmen de um doador? Se houver expressa manifestação de vontade do falecido, não há o que discutir sua licitude, ainda mais se essa fertilização é interconjugal. Todavia, se não existe manifesta predisposição nesse sentido, julgamos atentatória à dignidade humana, mesmo entre marido e mulher. Aqui não se pode reproduzir as razões ditadas pela legislação dos transplantes que autoriza a utilização de órgãos e tecidos humanos, mesmo sem uma autorização expressa do doador ou de seus parentes. O mesmo se aplica aos óvulos e embriões.
Outro problema de difícil solução: o que fazer com o ovo ou embrião humanos não implantados? Destruí-los? Destiná-los à pesquisa científica ou à utilização comercial? Não. Achamos que as únicas posturas defensáveis seriam mantê-los congelados à disposição dos pais genéticos ou sua anuência para utilização em casais estéreis.
Não temos ainda entre nós uma legislação específica sobre Reprodução Humana, ao contrário de países como Estados Unidos, França e Inglaterra. A norma legal que chega próximo é a Lei de Biossegurança editada em 2005, que tem por finalidade regulamentar a pesquisa com células-tronco embrionárias. Temos apenas normas éticas para utilização das técnicas de reprodução assistida orientadas pela Resolução CFM n.º 2.013/2013. Essa nova Resolução trouxe, entre outras, as seguintes inovações: a idade máxima das candidatas à gestação de reprodução assistida será de 50 anos; define a idade-limite do doador de 35 anos para mulher e 50 para homem; nos casos de útero de aluguel, ampliou-se para parentesco consanguíneo de até 4.º grau; fica mais claro quanto ao número de oócitos e embriões a serem transferidos no caso de doação; os embriões criopreservados acima de cinco anos poderão ser descartados, se esta for a vontade dos pacientes; e fica permitido o uso das técnicas de reprodução assistida para relacionamentos homoafetivos e pessoas solteiras, respeitado o direito da objeção de consciência.
I – PRINCÍPIOS GERAIS
1 – As técnicas de reprodução assistida (RA) têm o papel de auxiliar a resolução dos problemas de reprodução humana, facilitando o processo de procriação.
2 – As técnicas de RA podem ser utilizadas desde que exista probabilidade efetiva de sucesso e não se incorra em risco grave de saúde para a paciente ou o possível descendente, e a idade máxima das candidatas à gestação de RA é de 50 anos.
3 – O consentimento informado será obrigatório para todos os pacientes submetidos às técnicas de reprodução assistida. Os aspectos médicos envolvendo a totalidade das circunstâncias da aplicação de uma técnica de RA serão detalhadamente expostos, bem como os resultados obtidos naquela unidade de tratamento com a técnica proposta. As informações devem também atingir dados de caráter biológico, jurídico, ético e econômico. O documento de consentimento informado será elaborado em formulário especial e estará completo com a concordância, por escrito, das pessoas a serem submetidas às técnicas de reprodução assistida.
4 – As técnicas de RA não podem ser aplicadas com a intenção de selecionar o sexo (presença ou ausência de cromossomo Y) ou qualquer outra característica biológica do futuro filho, exceto quando se trate de evitar doenças ligadas ao sexo do filho que venha a nascer.
5 – É proibida a fecundação de ócitos humanos, com qualquer outra finalidade que não a procriação humana.
6 – O número máximo de oócitos e embriões a serem transferidos para a receptora não pode ser superior a quatro. Quanto ao número de embriões a serem transferidos, fazem-se as seguinte recomendações: a) mulheres com até 35 anos: até 2 embriões; b) mulheres entre 36 e 39 anos: até 3 embriões; c) mulheres entre 40 e 50 anos: até 4 embriões; d) nas situações de doação de óvulos e embriões, considera-se a idade da doadora no momento da coleta dos óvulos.
7 – Em caso de gravidez múltipla, decorrente do uso de técnicas de RA, é proibida a utilização de procedimentos que visem a redução embrionária.
II – PACIENTES DAS TÉCNICAS DE RA
1 – Todas as pessoas capazes, que tenham solicitado o procedimento e cuja indicação não se afaste dos limites desta resolução, podem ser receptoras das técnicas de RA desde que os participantes estejam de inteiro acordo e devidamente esclarecidos sobre a mesma, de acordo com a legislação vigente.
2 – É permitido o uso das técnicas de RA para relacionamentos homoafetivos e pessoas solteiras, respeitado o direito da objeção de consciência do médico.
III – REFERENTE ÀS CLÍNICAS, CENTROS OU SERVIÇOS QUE APLICAM TÉCNICAS DE RA
As clínicas, centros ou serviços que aplicam técnicas de RA são responsáveis pelo controle de doenças infectocontagiosas, coleta, manuseio, conservação, distribuição, transferência e descarte de material biológico humano para a paciente de técnicas de RA, devendo apresentar como requisitos mínimos:
1 – um diretor técnico responsável por todos os procedimentos médicos e laboratoriais executados, que será, obrigatoriamente, um médico registrado no Conselho Regional de Medicina de sua jurisdição;
2 – um registro permanente (obtido por meio de informações observadas ou relatadas por fonte competente) das gestações, nascimentos e malformações de fetos ou recém-nascidos, provenientes das diferentes técnicas de RA aplicadas na unidade em apreço, bem como dos procedimentos laboratoriais na manipulação de gametas e embriões;
3 – um registro permanente das provas diagnósticas a que é submetido o material biológico humano que será transferido aos pacientes das técnicas de RA, com a finalidade precípua de evitar a transmissão de doenças;
4 – os registros deverão estar disponíveis para fiscalização dos Conselhos Regionais de Medicina.
IV – DOAÇÃO DE GAMETAS OU EMBRIÕES
1 – A doação nunca terá caráter lucrativo ou comercial.
2 – Os doadores não devem conhecer a identidade dos receptores e vice-versa.
3 – A idade-limite para a doação de gametas é de 35 anos para a mulher e 50 anos para o homem.
4 – Obrigatoriamente será mantido o sigilo sobre a identidade dos doadores de gametas e embriões, bem como dos receptores. Em situações especiais, as informações sobre doadores, por motivação médica, podem ser fornecidas exclusivamente para médicos, resguardando-se a identidade civil do doador.
5 – As clínicas, centros ou serviços que empregam a doação devem manter, de forma permanente, um registro de dados clínicos de caráter geral, características fenotípicas e uma amostra de material celular dos doadores, de acordo com a legislação vigente.
6 – Na região de localização da unidade, o registro dos nascimentos evitará que um(a) doador(a) tenha produzido mais que duas gestações de crianças de sexos diferentes, numa área de um milhão de habitantes.
7 – A escolha dos doadores é de responsabilidade da unidade. Dentro do possível, deverá garantir que o doador tenha a maior semelhança fenotípica e imunológica e a máxima possibilidade de compatibilidade com a receptora.
8 – Não será permitido ao médico responsável pelas clínicas, unidades ou serviços, nem aos integrantes da equipe multidisciplinar que nelas prestam serviços, participarem como doadores nos programas de RA.
9 – É permitida a doação voluntária de gametas, bem como a situação identificada como doação compartilhada de oócitos em RA, onde doadora e receptora, participando como portadoras de problemas de reprodução, compartilham tanto do material biológico quanto dos custos financeiros que envolvem o procedimento de RA. A doadora tem preferência sobre o material biológico que será produzido.
V – CRIOPRESERVAÇÃO DE GAMETAS OU EMBRIÕES
1 – As clínicas, centros ou serviços podem criopreservar espermatozoides, óvulos e embriões e tecidos gonádicos.
2 – O número total de embriões produzidos em laboratório será comunicado aos pacientes, para que decidam quantos embriões serão transferidos a fresco, devendo os excedentes, viáveis, ser criopreservados.
3 – No momento da criopreservação os pacientes devem expressar sua vontade, por escrito, quanto ao destino que será dado aos embriões criopreservados, quer em caso de divórcio, doenças graves ou falecimento de um deles ou de ambos, e quando desejam doá-los.
4 – Os embriões criopreservados com mais de 5 (cinco) anos poderão ser descartados se esta for a vontade dos pacientes, e não apenas para pesquisas de células-tronco, conforme previsto na Lei de Biossegurança.
VI – DIAGNÓSTICO GENÉTICO PRÉ-IMPLANTAÇÃO DE EMBRIÕES
1 – As técnicas de RA podem ser utilizadas acopladas à seleção de embriões submetidos a diagnóstico de alterações genéticas causadoras de doenças.
2 – As técnicas de RA também podem ser utilizadas para tipagem do sistema HLA do embrião, com o intuito de seleção de embriões HLA compatíveis com algum filho(a) do casal já afetado por doença, doença esta que tenha como modalidade de tratamento efetivo o transplante de células-tronco ou de órgãos.
3 – O tempo máximo de desenvolvimento de embriões in vitro será de 14 dias.
VII – SOBRE A GESTAÇÃO DE SUBSTITUIÇÃO (DOAÇÃO TEMPORÁRIA DO ÚTERO)
As clínicas, centros ou serviços de reprodução humana podem usar técnicas de RA para criarem a situação identificada como gestação de substituição, desde que exista um problema médico que impeça ou contraindique a gestação na doadora genética ou em caso de união homoafetiva.
1 – As doadoras temporárias do útero devem pertencer à família de um dos parceiros num parentesco consanguíneo até o quarto grau (primeiro grau – mãe; segundo grau – irmã/avó; terceiro grau – tia; quarto grau – prima), em todos os casos respeitada a idade-limite de até 50 anos.
2 – A doação temporária do útero não poderá ter caráter lucrativo ou comercial.
3 – Nas clínicas de reprodução os seguintes documentos e observações deverão constar no prontuário do paciente:
– Termo de Consentimento Informado assinado pelos pacientes (pais genéticos) e pela doadora temporária do útero, consignado. Obs.: gestação compartilhada entre homoafetivos onde não existe infertilidade;
– relatório médico com o perfil psicológico, atestando adequação clínica e emocional da doadora temporária do útero;
– descrição pelo médico assistente, pormenorizada e por escrito, dos aspectos médicos envolvendo todas as circunstâncias da aplicação de uma técnica de RA, com dados de caráter biológico, jurídico, ético e econômico, bem como os resultados obtidos naquela unidade de tratamento com a técnica proposta;
– contrato entre os pacientes (pais genéticos) e a doadora temporária do útero (que recebeu o embrião em seu útero e deu à luz), estabelecendo claramente a questão da filiação da criança;
– os aspectos biopsicossociais envolvidos no ciclo gravídico-puerperal;
– os riscos inerentes à maternidade;
– a impossibilidade de interrupção da gravidez após iniciado o processo gestacional, salvo em casos previstos em lei ou autorizados judicialmente;
– a garantia de tratamento e acompanhamento médico, inclusive por equipes multidisciplinares, se necessário, à mãe que doará temporariamente o útero, até o puerpério;
– a garantia do registro civil da criança pelos pacientes (pais genéticos), devendo esta documentação ser providenciada durante a gravidez;
– se a doadora temporária do útero for casada ou viver em união estável, deverá apresentar, por escrito, a aprovação do cônjuge ou companheiro.
VIII – REPRODUÇÃO ASSISTIDA POST MORTEM
É possível desde que haja autorização prévia específica do(a) falecido(a) para o uso do material biológico criopreservado, de acordo com a legislação vigente.
IX – DISPOSIÇÃO FINAL
Casos de exceção, não previstos nesta resolução, dependerão da autorização do Conselho Regional de Medicina.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), por meio da Resolução DC/ANVISA n.º 23, de 27 de maio de 2011, aprovou novas regras para tratar a questão dos bancos de células e tecidos germinativos (BCTGs) no sentido de dar maior segurança principalmente nas práticas de técnicas de reprodução assistida e nas pesquisas com células-tronco. Esta Resolução altera as regras dispostas na RDC/33, 2006.
Uma das inovações desta Resolução é a exigência de informações mais detalhadas nos relatórios que estes bancos devem enviar para o sistema SisEmbrio, desenvolvido e gerenciado pela Anvisa no que se refere ao armazenamento de óvulos, espermatozoides e tecidos germinativos ovarianos e testiculares, assim como a guarda dos embriões, informações que devem acontecer a cada dois anos. Os dados informados pelas clínicas deverão constar não só do número de embriões armazenados, mas também de outros detalhes, como o número de óvulos captados e quantos embriões foram transferidos para as pacientes.
Os procedimentos técnicos avançados na reprodução humana, como a coleta de óvulos, a fertilização in vitro e o congelamento de células e tecidos terão de ser conduzidos e aprovados segundo padrões técnico-científicos de reconhecido valor.
O Termo de Consentimento assinado pelos pais contará com mais itens, entre eles o que disciplina a autorização da paciente receptora, no caso de recebimento de óvulos doados a fresco, contendo as devidas informações no que diz respeito à possibilidade de contrair determinadas patologias. A paciente deve ser informada de que quando o embrião é coletado a fresco, mesmo que se proceda a uma triagem clínica, há uma janela imunológica.
O BCTGs é o responsável por todos os procedimentos relacionados ao preparo das células, tecidos germinativos e embriões, incluindo a coleta, o transporte, o registro, o processamento, o armazenamento, o descarte e a liberação do material.
São atribuições do BCTGs: I – efetuar e garantir a qualidade do processo de seleção do paciente e/ou doador de células e tecidos germinativos; II – obter Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, conforme modelo padronizado pelo BCTG, de acordo com a legislação vigente; III – orientar, viabilizar e proceder à coleta, quando necessário; IV – avaliar, processar, armazenar e liberar as células ou tecidos recebidos ou coletados; V – providenciar a realização dos exames laboratoriais para identificação de possíveis contraindicações e condições especiais necessárias ao uso das amostras; VI – fornecer todas as informações necessárias a respeito da amostra a ser utilizada, respeitando o sigilo, cabendo ao médico do paciente a responsabilidade pela sua utilização, quando couber, segundo legislação vigente; VII – manter arquivo próprio com dados sobre coleta, processamento, armazenamento, avaliação, transporte e liberação do material; VIII – enviar relatório anual com os dados quantitativos de produção do BCTG por meio do Sistema Nacional de Produção de Embriões (SisEmbrio) informando: a) o número de ciclos realizados com pelo menos um oócito captado; b) o número de oócitos produzidos; c) o número de oócitos inseminados; d) o número de oócitos com 2 pró-núcleos (2PN) formados; e) o número de embriões clivados; f) o número de embriões transferidos a fresco; g) o número de embriões transferidos após descongelamento; h) o número de embriões desprezados por ausência de clivagem em período superior a 48 horas.
O BCTGs possui um Manual Técnico Operacional que deve: I – definir as atribuições dos profissionais para cada procedimento; II – conter as condutas frente às não conformidades; III – conter as normas de biossegurança, tais como: a) condutas de segurança biológica, química, física, ocupacional e ambiental; b) instruções de uso para os equipamentos de proteção individual – EPI e coletiva – EPC; c) procedimentos em caso de acidentes; e d) manuseio e transporte de amostra biológica. O manual a que se refere o caput deste artigo deve ser revisado anualmente ou em prazo inferior, sempre que necessário, bem como permanecer atualizado e devidamente assinado e datado pelo Responsável Técnico.
A doação de células, tecidos germinativos e embriões deve respeitar os preceitos legais e éticos sobre o assunto, devendo garantir o sigilo, a gratuidade e a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, que deve ser obtido antes da coleta da amostra, por escrito, e assinado pelo médico e pelos pacientes ou doador.
Toda a informação relativa a doadores e receptores de células, tecidos germinativos e embriões deve ser coletada, tratada e custodiada no mais estrito sigilo. Não pode ser facilitada nem divulgada informação que permita a identificação do doador ou do receptor. Na doação anônima, o receptor não pode conhecer a identidade do doador, nem o doador a do receptor. As autoridades de vigilância sanitária podem ter acesso aos registros para fins de inspeção e investigação.
Em casos especiais, por motivo médico ou jurídico, as informações sobre o doador ou receptor podem ser fornecidas exclusivamente para o médico que assiste o receptor, resguardando-se a identidade civil do doador. A doação não pode ser remunerada.
É candidato à doação de células e tecidos germinativos e embriões indivíduo que satisfaça pelo menos as seguintes condições: I – maioridade civil; II – concordar em realizar uma avaliação médico-laboratorial; III – concordar em assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido; IV – se doador de sêmen, concordar em realizar os testes para marcadores de doenças infectocontagiosas; V – se doadora de oócito, concordar em realizar os testes para marcadores de doenças infectocontagiosas; VI – se doador de embriões, concordar em realizar os testes para marcadores de doenças infectocontagiosas. Os testes a que se refere o supracitado item IV deste artigo devem ser repetidos num prazo nunca inferior a seis meses, no caso de serem realizados por sorologia.
As doadoras de oócito a fresco não são submetidas à quarentena nem à repetição dos testes em prazo de seis meses, devendo os resultados dos testes laboratoriais ter prazo máximo de 30 dias antes do procedimento da coleta oocitária. Caso haja doação de oócitos criopreservados, os testes para marcadores de doenças infectocontagiosas devem ser repetidos num prazo nunca inferior a seis meses, no caso de serem realizados por sorologia. Caso haja doação de embriões criopreservados para uso terapêutico, esses testes devem ser repetidos num prazo nunca inferior a seis meses, no caso de serem realizados por sorologia. E se forem realizados testes de ácido nucleico (NAT), devem ser respeitadas as instruções do fabricante quanto ao período mínimo necessário à detecção do agente.
O descarte de amostras de células ou tecidos germinativos e de resíduos de laboratório do BCTG deve estar descrito no Plano de Gerenciamento de Resíduos de Serviços de Saúde (PGRSS), e deverá ser feito de acordo com as normas vigentes.
Além das recomendações trazidas pela Resolução CFM n.º 2.013/2013, devem-se levar em conta as seguintes considerações:
1. Elevada mortalidade de embriões. Pelas técnicas de reprodução assistida disponíveis atualmente, ainda se registra um cifra muito elevada de embriões sacrificados. Justificam esta elevada mortalidade pelo fato de as técnicas serem incipientes e amenizam tal situação insinuando que no processo natural também ocorrem essas perdas. É claro que tal desculpa não convence, pois elas têm a responsabilidade humana.
2. Sobra de embriões. Essa talvez seja a questão mais delicada das técnicas de fertilização in vitro. Na Espanha, a legislação permite o congelamento de embriões durante 5 anos e depois deste prazo obriga sua destruição. Em outros países, sentenças judiciais vêm sendo dadas, ora em favor da manutenção e doação, ora pelo simples descarte. O grande problema está nos casos de separação ou divórcio, mas a tendência por novas implantações ou descarte tem sido em respeito à vontade das mães. Muitos entendem que um pré-embrião no estágio de oito células sem desenvolvimento da placa neural não pode ser considerado um ser humano. No entanto, outros com muito mais razão acham que o ser humano não é apenas uma questão de quantidade, mas, e muito mais, uma questão de valor. É claro que não se pode manter a guarda dos embriões criopreservados por tempo indeterminado. Todavia há de encontrar uma fórmula capaz de atender aos imperativos das novas técnicas de fertilização e, ao mesmo tempo, manter o respeito pela dignidade humana. Uma das propostas seria a adoção de pré-embriões, e não a simples doação.
3. Uso de embriões na pesquisa. Se não houver uma política correta no sentido de proteger os pré-embriões criopreservados, certamente eles irão cair nas mãos dos especuladores em programas de experiências e manipulação genética de embriões humanos. Muitos já disseram ser o programa de fertilização apenas uma cortina de fumaça para encobrir os verdadeiros interesses da experimentação em projetos de genética humana, sem os problemas éticos e jurídicos. O grande risco é essa ciência sem limite. Já se anuncia a produção de embriões hermafroditas.
4. Relação de filiação. Numa reprodução assistida o filho não é mais o resultado da união dos pais como expressão do amor do homem e da mulher; é tão só a manipulação de gametos. Pode até ser um direito dos pais, mas será que isto justifica ao filho uma forma digna de nascer? Infelizmente começamos a viver a fase da “medicina do desejo”, já manifestada desde a época em que se decidiu quem, quando, onde e como deve nascer alguém. Agora surge a entrada dos “filhos muito desejados” e a técnica se alia a essas ansiosas paternidades, como enfatiza Lopez Moratalla (Deontologia Biológica, Pamplona: Faculdade de Ciencias de la Universidade de Navarra, 1987).
5. Manipulação genética. Com o advento do Projeto Genoma Humano, que pretende identificar e sequenciar os cem mil genes humanos, acredita-se que será um pretexto para alguns pesquisadores utilizar-se da engenharia genética para manipular principalmente as células germinativas humanas. Isso não quer dizer que a humanidade não esteja necessitando dos resultados daquele projeto, no sentido de solucionar algumas doenças hereditárias. O risco está em utilizarem-se os embriões humanos na tentativa de se criar um hipotético progresso genético.
Além destes aspectos manifestamente negativos, há aqueles que levantam certas dúvidas na prática da reprodução assistida. Vejamos:
1. O tempo de congelação dos embriões. Entre nós não existe nenhuma norma, ética ou jurídica, que discipline o tempo pelo qual possa ser mantido o embrião humano para fins de implantação futura. A dúvida que se impõe é a seguinte: até quando ele pode ser guardado? A Comissão Warnock admite um prazo de conservação de 10 anos, propondo, inclusive para a progenitura, a data e a hora do nascimento, e não a data da fecundação (ver Declaração de Bali, sobre “Aspectos éticos da redução embrionária”, adotada pela 47.ª Assembleia-Geral da AMM, em outubro de 1995, na Indonésia).
2. A condição jurídica do embrião congelado. O embrião fecundado in vitro teria a mesma tutela legal assegurada no Código Civil brasileiro ao nascituro? Ou seja, teria ele a mesma proteção do embrião fecundado in vivo? Como se sabe, o nascituro, mesmo sem ter adquirido a qualidade de pessoa, é detentor de direitos, levando em conta que ele tem personalidade especial ou provisória. Por isso não se pode considerar como proposta absurda ser-lhe dispensada tutela jurídica. Acreditamos que o embrião fecundado in vitro e congelado, no futuro, deverá merecer esta proteção, dentro do que poderíamos chamar de “Estatuto Jurídico do Feto e do Embrião”.
3. Fertilização após a morte do marido. Hoje, entre nós, com a vigência do novo Código Civil, presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos: I – havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido; II – havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga. Outros, como no caso do Conselho da Europa, proíbem a inseminação post mortem, a não ser que definam previamente quais os direitos dos nascidos na continuidade deste processo.
4. A natureza jurídica da obrigação médica na RA. Entendemos que o médico tenha com a paciente uma obrigação de meios e não de resultado, no emprego destas técnicas, quando provado que ele usou de todos os recursos procedentes e dos cuidados que se exigem em tais situações. Todavia, tal entendimento não lhe tira a obrigação de responder civilmente por erros em que fique patente ter ele faltado com os deveres de vigilância, de abstenção de abusos e de qualificação específica nesta atividade profissional. Indaga-se muito se o médico é responsável pela não compatibilização de algumas características da criança, como cor dos cabelos e dos olhos. Alguns acham que sim, desde que o médio tenha se obrigado a isto. No entanto, o fato mais delicado da questão é quando da reprodução assistida de um casal branco advenha o nascimento de uma criança negra, por exemplo. Acredito, neste particular, que não há responsabilidade a apurar. É difícil admitir-se que alguém se sinta lesado pelo nascimento de uma criança de raça diferente da sua. Não há nenhum dano biológico, nenhuma doença grave, nenhum defeito congênito. Diferente, no entanto, seria se das técnicas usadas resultasse o nascimento de uma criança doente, cujo mal fosse procedente do material do doador e evitado através de exames específicos. Assim, é da obrigação do médico a seleção das partes, a escolha do material genético, assim como sua implantação, conservação, diagnóstico e cuidados pré-natais.
5. Comercialização de sêmen, óvulos e embriões, e aluguel do útero. Por mais que as aparências neguem, sabe-se que existe a comercialização do sêmen, óvulos e embriões, e que nem sempre a cessão do útero para a fertilização heteróloga é simplesmente altruística. Inúmeras são as legislações no mundo inteiro que proíbem tais expedientes, mas dificilmente tem-se como controlar as relações entre receptores e os doadores. A Resolução CFM n.º 1.358/1992, que estabelece as normas éticas sobre reprodução assistida, recomenda que a doação “nunca deverá ter caráter lucrativo e comercial” e que a doação temporária do útero deve ser processada entre pessoas da família da doadora genética, num parentesco até o 2.º grau, sendo os demais casos sujeitos à autorização dos Conselhos Regionais de Medicina, exatamente para evitar os interesses comercial e lucrativo.
A questão do descarte de embriões congelados continua sendo uma questão muito delicada na reprodução humana assistida quando da fertilização in vitro. Há países, como a Espanha, que permitem o congelamento de embriões durante cinco anos e depois deste prazo obriga sua destruição. Na Dinamarca os que sobram são destruídos logo após a fertilização, sem necessidade de criopreservação. Outros defendem a ideia da doação de embriões para fins de pesquisa, como ocorre nos Estados Unidos e Bélgica. Na Alemanha não se permite gerar mais embriões do que o que se necessita implantar. E, enfim, aqueles que em face de legislação ou sentenças judiciais vêm decidindo em favor da manutenção ou da adoção.
No Brasil não há uma regulamentação sobre o assunto, a não ser a Resolução CFM n.º 2.013/2013, que aponta algumas normas éticas sobre a reprodução assistida. Mas já reconhecia, em seu Parecer-Consulta CFM n.º 23/1996, quando indagado sobre o descarte de embriões, que é preciso “promover estudos com o objetivo de aprofundar estudos sobre a necessidade de atualização das referidas normas sobre este e outros questionamentos”.
Todos sabem que esta questão não é de fácil solução. Mas exige uma posição rápida capaz de atender aos imperativos das novas técnicas de fertilização e, ao mesmo tempo, preservar o respeito pela dignidade humana. Uma proposta respeitável seria a adoção de pré-embriões e não a sua simples doação.
É parte do processo de fertilização por meio assistido in vitro que se obtenha alguns óvulos para fecundação com o espermatozoide, gerando daí os embriões que serão implantados no útero da mulher. Aqueles que não são implantados são chamados de embriões supranumerários e são criopreservados, com a finalidade de serem implantados numa futura tentativa de gravidez.
Todos sabem – por necessidade de ordem técnica, financeira e emocional – o que representa a necessidade de se ter mais embriões fecundados do que os que vão ser implantados. Mas, mesmo assim, este é o início de uma longa discussão, em seus aspectos éticos, morais, religiosos e jurídicos. Junte-se a isso a possibilidade de alguém utilizar a fecundação de embriões supranumerários como finalidade de obter células-mãe para a produção de clones.
Seria de excessivo rigor exigir do homem e da mulher que se socorrem da fertilização assistida in vitro a assinatura de um termo onde se estipulasse a permissão para uma adoção deste embrião congelado que sobrou.
De fato, duas são as opções éticas que se colocam nesta relação: uma seria a de fecundar apenas os óvulos a serem implantados, e com isso não se ter embriões excedentários. A outra seria a aceitação da adoção dos embriões criopreservados por casais adotantes.
A primeira alternativa parece ser a solução mais fácil, pois simplesmente não se teriam embriões supranumerários. Mas, em contrapartida, em casos de fracasso na implantação dos embriões não se teria outra coisa a fazer senão começar todo processo desde o início, com todos os custos, inconvenientes e frustrações.
A segunda alternativa tem a vantagem de se poder contar com outras tentativas de implantação uterina a partir de embriões criopreservados, e com isso se evitar os custos financeiros e emocionais. Todavia, poderia encontrar algumas objeções dos pais no sentido de não permitirem a adoção pré-natal por parte de outros casais de um dos seus embriões supranumerários.
Acreditamos ser necessário a estipulação de normas na adoção pré-natal de embriões muito próximas das existentes para as adoções de crianças nascidas. Antes de tudo, como primeira cláusula, o consentimento esclarecido dos pais, pessoas capazes civilmente e aptas para entender e considerar razoavelmente o ato que se propõe, isento de coação, influência ou indução. Não pode ser obtido este consentimento através de uma simples assinatura ou de uma leitura apressada em textos minúsculos de formulários. Mas por meio de linguagem acessível ao seu nível de convencimento e compreensão (princípio da informação adequada).
Se um dos doadores não pode falar por si ou é incapaz de entender o ato que se pretende executar, esta cessão não deve ser realizada mesmo com a permissão dos seus responsáveis legais.
Discute-se se os pais doadores devem conhecer a identidade dos adotantes e vice-versa. Há aqueles que advogam a ideia de que não devem saber de suas identidades, como se faz nos casos da utilização de material genético em bancos de sêmen, implicando a condição de que apenas uma pessoa deve conhecer as partes envolvidas: o médico responsável pela operação. Outros acham que na adoção de pré-embriões o fato se passa de forma distinta e deveria se processar como na adoção de uma criança nascida.
Por outro lado, todos são de acordo que os pais que vão adotar o pré-embrião tenham conhecimento da possibilidade de doenças em crianças geradas por fecundação in vitro através de embriões congelados e da possibilidade de doenças oriundas da herança, até das doenças de transmissão genética que porventura os pais doadores tenham. A mãe adotante também deve ser informada dos riscos inerentes a ela própria.
Não seria aconselhável que as normas a serem introduzidas nesta forma de adoção permitissem a seleção de embriões levando em conta o sexo da criança que vai nascer, até porque nestes casos não existiria nenhuma razão para se considerar uma ou outra doença ligada ao sexo.
Em suma, a alternativa da adoção de embriões congelados não é uma opção que se apresente isenta de inconvenientes, pelo que ela implica no campo emocional, técnico e econômico-financeiro. Entretanto, esta forma de escolha, juntamente com a produção de embriões para uma única implantação, seria a modalidade que não encontraria os óbices já apontados. Além do mais seria pela adoção pré-natal a forma de se manter vivo o embrião e a possibilidade de ele vir a termo.
De algum tempo para cá, vem se afirmando com certa insistência que, aqui e acolá, cientistas da área genética e embriologistas insinuam a predisposição e as condições de desenvolverem técnicas capazes de produzir a clonagem em seres humanos. A primeira pergunta que se deve fazer é a seguinte: o homem está preparado para assumir integralmente o destino biológico do seu semelhante?
É claro que será muito difícil admitir-se que o cientista não tenha tentado ou não venha tentar a clonagem do ser humano. Admitimos até que já é muito tarde para se impedir tais projetos.
Ninguém pode negar algumas vantagens que a clonagem de animais pode trazer em termos de benefícios para os homens, quando isso for feito no sentido da melhoria genética de raças animais, nos rebanhos selecionados, no uso dos animais transgênicos e no resgate de animais em extinção.
Não se pode deixar de considerar que o avanço das ciências e da tecnologia pode, quando bem dirigido, gerar melhores condições de vida e de saúde do homem e da coletividade. Somente desta forma teremos condições de não somente sobreviver, mas de melhorar os níveis de bem-estar ambiental.
Ao lado disso devemos nos concentrar na ideia de que é necessário adequar dois elementos fundamentais nesta trajetória do domínio sobre a natureza: o conhecimento científico e a consciência dos valores humanos.
Daí por que não se pode nem defender um pleno exercício da ciência e da técnica indiferente à ética nem admitir uma ética autoritária alheia ao progresso. Mas colocar a coisa no seu devido lugar: no interesse do avanço técnico-científico como projeto voltado à espécie humana e ao meio ambiente e no respeito incondicional à dignidade humana. Leonard Martin chama a atenção para a “questão técnica do que se pode fazer” e a “questão ética do que se deve fazer”.
Assim, a partir do momento em que se amplia o domínio sobre a engenharia genética, poderíamos perguntar: afinal de contas, qual seria o benefício da clonagem humana? De pronto, ao que nos acode, nenhum.
A clonagem é um processo reprodutivo baseado em um único patrimônio genético, de forma assexuada, que naturalmente já existe nos vegetais e em seres muito rudimentares. Para que se possa obtê-la fora destes padrões é necessário o recurso do laboratório onde um animal tenha exclusivamente o componente genético do seu doador. Em síntese, a clonagem é uma forma assexuada de reprodução, em que o novo ente gerado terá a carga genética (DNA nuclear) de uma única pessoa (o doador do DNA) com o citoplasma do óvulo de outra.
Toda preocupação está na possibilidade deste projeto na espécie humana trazer riscos de comprometimento à diversidade e à integridade da espécie e de implicações éticas irreparáveis. Estes riscos vão desde o erro na inclusão do DNA na célula até a despersonalização e o desrespeito à identidade do indivíduo, que é o selo da sua personalidade. Todo ser humano é único e não se pode duplicar uma identidade pessoal. A clonagem humana é o tema de maior questionamento ético atual.
Se tal acontecer será um dia sombrio para a história da humanidade. E o erro maior será contra o próprio indivíduo clonado, não apenas pelos riscos advindos de erros na inclusão, mas a privação da metade pai e da metade mãe, gerando réplicas, tudo isso para satisfazer o capricho e a vaidade do pesquisador.
Nestes últimos anos, com certa insistência, geneticistas e embriologistas vêm propondo técnicas capazes de produzir a clonagem de seres humanos. E sempre se perguntou qual seria na realidade o benefício desta prática.
Agora parece claro que alguns destes objetivos se centram em programas de experiências e manipulações genéticas orientadas na terapia com embriões humanos. Havia desconfiança de que alguns dos programas de fertilização assistida seriam apenas uma “cortina de fumaça” para encobrir os verdadeiros interesses em experimentações, como as de aproveitamento de órgãos para o indivíduo-matriz no futuro, escamoteando assim alguns óbices éticos e legais. Se aceito tal projeto, estariam consagrados a “ciência sem limites”, o “canibalismo científico” e o “cobaísmo humano”.
Qualquer que seja o estágio da ciência, qualquer que seja o avanço da biotecnocracia que tudo quer saber e tudo explicar, não existe argumento capaz de justificar a disposição incondicional sobre a vida de um ser humano, propondo sua destruição baseada em justificativas que se sustentem apenas numa presunção de benefícios, pois essa vida é intangível e inalienável.
Deve ficar bem claro que ninguém pode deter o avanço da ciência e da pesquisa, se ele vem destinado ao bem-estar individual ou coletivo. E que a ciência tenha também, além dos seus propósitos originais, um compromisso com a dignidade humana e com seus justos anseios sociais, principalmente com a fração mais desarrimada da sociedade.
Por outro lado, há aqueles que admitem ser a clonagem do ser humano um fato que redundaria apenas na criação de outra pessoa, sem ameaça do ser de onde teve sua origem, tal como ocorre com os gêmeos idênticos. Até porque, afirmam, o potencial genético de um recém-nascido só se organiza e se desenvolve completamente com a presença de um cuidador adulto, na maioria das vezes, a mãe.
No entanto, se considerarmos que o genoma humano constitui e determina cada indivíduo na sua identidade, o desrespeito dessa especificidade genética é uma agressão à sua dignidade e um vilipêndio aos valores de todos os homens. Todo ser humano é único e não se pode duplicar uma identidade pessoal.
Portanto, se isso vem a ocorrer, levará a uma redução entre os indivíduos e, assim, o futuro das gerações estaria comprometido, pois ele teria seu passado vinculado ao passado do indivíduo original. Sem a “identidade genética”, o homem não será nada. Apenas uma cópia. Alguém dirá que os gêmeos univitelinos têm a mesma identidade genética, mas aqui é diferente, pois cada um terá uma individualidade, visto que eles sabem dividir seu conteúdo genético com a formação de uma personalidade diversa.
Mariangela Badalotti diz em Bioética e reprodução assistida que há aqueles que consideram válida esta forma de clonagem quando aplicada em duas situações: no caso de um dos parceiros não possuir células germinativas e não haver acordo em relação à doação de gametas; e no caso de casais com alto risco de transmitir doenças hereditárias aos filhos, que não se dispõem a fazer biópsia pré-implantacional e descartar embriões afetados. E diz mais: nesses casos, a gama de ambiguidades introduzidas no relacionamento familiar por um clone de um dos pais poderia ser grande e a possibilidade de confusão emocional – não apenas por parte da criança – deve ser considerada.
Como se sabe, na legislação brasileira não existe permissão para a clonagem reprodutiva e, pelo que sabemos, também em outros países.
A seleção reprodutiva de sexo no ser humano é mais um questionamento que se agrega à reprodução assistida, diante de tantas disponibilidades técnicas e científicas que se dispõe nesta área, principalmente a partir do entendimento que deve existir numa sociedade fraterna e pluralista.
O desejo de escolher o sexo dos filhos, utilizando-se meios e condutas para aumentar a chance do nascimento de um filho deste ou daquele sexo, sempre foi cogitado pelos pais em determinadas ocasiões.
Os motivos mais comuns desta opção tem sido: 1. a necessidade de evitar certas doenças genéticas ligadas ao sexo; 2. a tentativa de fazer um balanço ou equilíbrio familiar; 3. a preferência de determinado sexo por razões culturais, econômicas e até mesmo pessoais.
A primeira hipótese estaria justificada quando diante de doenças genéticas ligadas ao sexo e por desordens cromossomiais, mais comuns no sexo masculino, e tendo como exemplos mais comuns as distrofias musculares e a hemofilia. Se a tentativa é evitar doenças hereditárias graves, à primeira vista parece não existir qualquer infringência de ordem legal. Todavia levar em consideração que nem tudo que é terapêutico é ético.
A segunda situação seria a de uma família onde houvesse uma predominância bem acentuada de determinado sexo, desde que não seja feita para o primeiro filho e apenas em favor daquele sexo bem mais raro na família.
A terceira alternativa seria no sentido de privilegiar certo sexo, na maioria das vezes o masculino, seja por interesses sociais e culturais, seja por inclinação meramente pessoal. A motivação da escolha do sexo do filho como forma de proporcionar uma “melhor qualidade” de vida ou como forma de satisfação pessoal não encontram razões de ordem prática ou moral. Está claro que tais razões estão vincadas pela discriminação e pelo egoísmo, não escondendo o intento injusto. Este ato atentatório ao direito do ser humano não deixa de ser inaceitável sob o aspecto ético.
A seleção de sexo não terapêutico, com o sentido marcadamente eugenista e discriminador, não pode deixar de ser apontada como um atentado à dignidade humana comprometendo bens jurídicos relevantes.
Qualquer que seja a indicação em favor da seleção de sexo ficará aberto o caminho da discriminação, da eugenia e da elevação da imagem de um sexo sobre outro, criando sérias dificuldades no relacionamento e nas justas aspirações de cada um.
Um dos aspectos de maior relevância na execução de uma reprodução assistida é, sem dúvida, a imposição do sigilo profissional como forma de proteção a todos aqueles que estão envolvidos nesta prática médica. Essa exigência deve-se estender a todos os profissionais que estejam direta ou indiretamente ligados a tal procedimento. É básico que o doador e a doadora não devem se conhecer, a não ser em casos excepcionais em que a vida do filho dependa desse conhecimento e isto seja imperiosamente necessário. Ou que seja de livre vontade deles por meio de acordo prévio.
Há uma norma do Conselho Federal de Medicina que determina a obrigatoriedade do sigilo sobre a identidade dos doadores de gametas e pré-embriões, assim como dos receptores. E somente em situações especiais as informações sobre doadores, por motivação de saúde, podem ser fornecidas exclusivamente para médicos, preservando-se se a identidade civil doador. Depois de resolvida a situação relativa ao problema de saúde do filho gerado por técnica de reprodução assistida heteróloga pelo acesso de seus médicos a informações clínicas relativas à pessoa do doador, não há motivo para a revelação da identidade civil do pai.
Em geral, a mulher recebe um catálogo do banco de sêmen com características físicas (cor da pele, dos olhos e dos cabelos, altura) e psicológicas dos doadores, além de informações como religião, escolaridade, hobbies, tipo sanguíneo etc., que são identificados por códigos. O óvulo geralmente é escolhido pelo médico, também seguindo esses mesmos parâmetros.
Para alguns, o sigilo nestes casos é de tal sorte que nem mesmo o próprio direito da personalidade permitiria ao filho conhecer sua ascendência genética. Para a maioria, por meio de uma simples ação de paternidade pode-se ter o direito de acesso às informações genéticas para conhecer sua origem biológica, mesmo que o estado de filiação decorrente de uma prática de reprodução assistida não crie um vínculo jurídico que lhe dê o direito de recorrer a certos benefícios cujo ônus possa recair sobre aquele que concedeu material genético para a realização de fecundação em laboratório.
Dessa forma, mesmo que o anonimato dos doadores seja a regra na maioria das legislações sobre este assunto, quase todas abrem exceções no sentido de atender a alguns interesses da criança ou do adolescente. A Lei n.º 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), consagra a prerrogativa dos filhos de pleitearem o reconhecimento desse direito. Assim: “Art. 26. Os filhos havidos fora do casamento poderão ser reconhecidos pelos pais, conjunta ou separadamente, no próprio termo de nascimento, por testamento, mediante escritura ou outro documento público, qualquer que seja a origem da filiação”. E mais: “Art. 27. O reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de justiça”. É claro que o acesso à identidade dos doadores diminuirá o número de voluntários na doação de sêmen, o que poderá, no futuro, inviabilizar a inseminação artificial, reduzindo ainda mais o número desses doadores. Não será um contrato assinado entre o doador e o banco de sêmen que esta questão ficará plenamente resolvida.
Admite-se que o “direito à identidade genética” está fundamentado na dignidade da pessoa humana, que permite que um indivíduo fruto de inseminação artificial heteróloga possa ter conhecimento da identidade do doador anônimo do material genético cedido.
E o pai biológico tem o direito de propor ação reivindicatória de paternidade caso acredite ser dele um filho nascido da prática de uma reprodução assistida numa clínica onde foi doador de sêmen? Sim, por meio de uma petição de investigação de paternidade cumulada com um pedido de anulação do registro do nascimento da criança. E quanto ao pedido de guarda da criança? Também, difícil é saber qual seria a decisão sobre tal pedido. Aqui também se admite que um contrato em que o doador mostre desinteresse na identidade dos beneficiários venha resolver de todo a questão.
Há quase um consenso nas tentativas de legislação entre nós que será o anonimato o maior fator de garantia na existência e do desenvolvimento normal da família socioafetiva e que aquele que doa seu sêmen em um banco de material genético reprodutivo não está interessado em qualquer tipo de vinculação nem pretende ter sua paternidade reconhecida.
Mesmo que a adoção seja irrevogável, há casos na nossa jurisprudência em que se admitiu a possibilidade de o adotado investigar sua filiação biológica, ainda que a confirmação da paternidade biológica não lhe gere efeitos registrais nem lhe traga benefícios de caráter econômico e financeiro. Para muitos, ao se negar o conhecimento da identidade genética numa prática de reprodução assistida, está se negando a própria dignidade desta pessoa.
Para evitar que uma pessoa gerada por uma inseminação artificial heteróloga não venha se casar com um irmão ou uma irmã, filho ou filha “legítima” do doador de sêmen ou que se venha praticar a quebra do sigilo, só vemos uma solução: o material genético doado ser utilizado para uma única gestação.
Não se discute se, em alguns casos, a esterilidade cria estados psicológicos complexos num matrimônio. Porém, é certo que um filho concebido numa heterofecundação poderá provocar, em vez de paz e harmonia, sérios transtornos entre o homem e a mulher. Os direitos de paternidade podem existir também no homem, cujas prerrogativas são recíprocas no casamento.
Depois, deve ficar bem claro que essas técnicas de reprodução assistida devem favorecer exclusivamente as pessoas com problemas incontornáveis de esterilidade, quando os outros processos mostrarem-se ineficientes. Some-se a isso a necessidade do consentimento informado obrigatório a todas as pessoas envolvidas no processo, assim como aos possíveis resultados e suas implicações de caráter biológico, ético, jurídico e econômico. A mulher, se casada ou em união estável, necessariamente terá de contar com a aprovação do cônjuge ou companheiro.
Finalmente, não se deve esquecer que o grande responsável pelo progresso da Medicina, por incrível que pareça, não é essa extraordinária evolução tecnológica e científica, nem o avanço material que aparentemente se vive nos dias atuais; mas o próprio progresso do pensamento médico.
Infelizmente, já iniciamos a era dos grandes tumultos, desafiadores e terrivelmente confusos, onde se abrem veredas sombrias e duvidosas. Existe uma inquietude, um frenesi e uma ansiedade no homem de agora, neste exato momento em que o sentimento se alia, mais e mais, ao materialismo, e quando a indiferença aos valores humanos dá a impressão de ter tomado conta do mundo.
Uma coisa é certa: o sentimento que criou a adoção é maior, muitas vezes, do que qualquer resultado de laboratório, por mais espetacular que ele pareça.
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