Sumário: 17.1. Introdução. 17.2. Aspectos legais. 17.3. Direito à integridade biológica. 17.4. A ética e a ciência. 17.4.1. A tecnologia biomédica e o princípio da equidade. 17.4.2. Tecnologia biomédica e relação médico-paciente. 17.4.3. A educação médica e a tecnologia. 17.5. Pesquisa em indivíduos sadios. 17.6. Engenharia Genética. 17.7. Experiências com células-tronco embrionárias. 17.8. Experiências em condenados. 17.9. Castração química. 17.10. Torturas por meios médicos. 17.11. A questão do consentimento. 17.12. Protocolo de pesquisa. 17.13. O projeto Genoma Humano. 17.14. Referências bibliográficas.
Código Penal
Art. 132. Expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente. Pena – detenção, de três meses a um ano, se o fato não constitui crime mais grave.
Lei n.º 11.105, de 24 de março de 2005
Capítulo I
DISPOSIÇÕES PRELIMINARES E GERAIS
Art. 1.º Esta Lei estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização sobre a construção, o cultivo, a produção, a manipulação, o transporte, a transferência, a importação, a exportação, o armazenamento, a pesquisa, a comercialização, o consumo, a liberação no meio ambiente e o descarte de organismos geneticamente modificados – OGM e seus derivados, tendo como diretrizes o estímulo ao avanço científico na área de biossegurança e biotecnologia, a proteção à vida e à saúde humana, animal e vegetal, e a observância do princípio da precaução para a proteção do meio ambiente.
§ 1.º Para os fins desta Lei, considera-se atividade de pesquisa a realizada em laboratório, regime de contenção ou campo, como parte do processo de obtenção de OGM e seus derivados ou de avaliação da biossegurança de OGM e seus derivados, o que engloba, no âmbito experimental, a construção, o cultivo, a manipulação, o transporte, a transferência, a importação, a exportação, o armazenamento, a liberação no meio ambiente e o descarte de OGM e seus derivados.
§ 2.º Para os fins desta Lei, considera-se atividade de uso comercial de OGM e seus derivados a que não se enquadra como atividade de pesquisa, e que trata do cultivo, da produção, da manipulação, do transporte, da transferência, da comercialização, da importação, da exportação, do armazenamento, do consumo, da liberação e do descarte de OGM e seus derivados para fins comerciais.
Art. 2.º As atividades e projetos que envolvam OGM e seus derivados, relacionados ao ensino com manipulação de organismos vivos, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico e à produção industrial ficam restritos ao âmbito de entidades de direito público ou privado, que serão responsáveis pela obediência aos preceitos desta Lei e de sua regulamentação, bem como pelas eventuais consequências ou efeitos advindos de seu descumprimento.
§ 1.º Para os fins desta Lei, consideram-se atividades e projetos no âmbito de entidade os conduzidos em instalações próprias ou sob a responsabilidade administrativa, técnica ou científica da entidade.
§ 2.º As atividades e projetos de que trata este artigo são vedados a pessoas físicas em atuação autônoma e independente, ainda que mantenham vínculo empregatício ou qualquer outro com pessoas jurídicas.
§ 3.º Os interessados em realizar atividade prevista nesta Lei deverão requerer autorização à Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio, que se manifestará no prazo fixado em regulamento.
§ 4.º As organizações públicas e privadas, nacionais, estrangeiras ou internacionais, financiadoras ou patrocinadoras de atividades ou de projetos referidos no caput deste artigo devem exigir a apresentação de Certificado de Qualidade em Biossegurança, emitido pela CTNBio, sob pena de se tornarem corresponsáveis pelos eventuais efeitos decorrentes do descumprimento desta Lei ou de sua regulamentação.
Art. 3.º Para os efeitos desta Lei, considera-se:
I – organismo: toda entidade biológica capaz de reproduzir ou transferir material genético, inclusive vírus e outras classes que venham a ser conhecidas;
II – ácido desoxirribonucleico – ADN, ácido ribonucleico – ARN: material genético que contém informações determinantes dos caracteres hereditários transmissíveis à descendência;
III – moléculas de ADN/ARN recombinante: as moléculas manipuladas fora das células vivas mediante a modificação de segmentos de ADN/ARN natural ou sintético e que possam multiplicar-se em uma célula viva, ou ainda as moléculas de ADN/ARN resultantes dessa multiplicação; consideram-se também os segmentos de ADN/ARN sintéticos equivalentes aos de ADN/ARN natural;
IV – engenharia genética: atividade de produção e manipulação de moléculas de ADN/ARN recombinante;
V – organismo geneticamente modificado – OGM: organismo cujo material genético – ADN/ARN tenha sido modificado por qualquer técnica de engenharia genética;
VI – derivado de OGM: produto obtido de OGM e que não possua capacidade autônoma de replicação ou que não contenha forma viável de OGM;
VII – célula germinal humana: célula-mãe responsável pela formação de gametas presentes nas glândulas sexuais femininas e masculinas e suas descendentes diretas em qualquer grau de ploidia;
VIII – clonagem: processo de reprodução assexuada, produzida artificialmente, baseada em um único patrimônio genético, com ou sem utilização de técnicas de engenharia genética;
IX – clonagem para fins reprodutivos: clonagem com a finalidade de obtenção de um indivíduo;
X – clonagem terapêutica: clonagem com a finalidade de produção de células-tronco embrionárias para utilização terapêutica;
XI – células-tronco embrionárias: células de embrião que apresentam a capacidade de se transformar em células de qualquer tecido de um organismo.
§ 1.º Não se inclui na categoria de OGM o resultante de técnicas que impliquem a introdução direta, num organismo, de material hereditário, desde que não envolvam a utilização de moléculas de ADN/ARN recombinante ou OGM, inclusive fecundação in vitro, conjugação, transdução, transformação, indução poliploide e qualquer outro processo natural.
§ 2.º Não se inclui na categoria de derivado de OGM a substância pura, quimicamente definida, obtida por meio de processos biológicos e que não contenha OGM, proteína heteróloga ou ADN recombinante.
Art. 4.º Esta Lei não se aplica quando a modificação genética for obtida por meio das seguintes técnicas, desde que não impliquem a utilização de OGM como receptor ou doador:
I – mutagênese;
II – formação e utilização de células somáticas de hibridoma animal;
III – fusão celular, inclusive a de protoplasma, de células vegetais, que possa ser produzida mediante métodos tradicionais de cultivo;
IV – autoclonagem de organismos não patogênicos que se processe de maneira natural.
Art. 5.º É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento, atendidas as seguintes condições:
I – sejam embriões inviáveis; ou
II – sejam embriões congelados há 3 (três) anos ou mais, na data da publicação desta Lei, ou que, já congelados na data da publicação desta Lei, depois de completarem 3 (três) anos, contados a partir da data de congelamento.
§ 1.º Em qualquer caso, é necessário o consentimento dos genitores.
§ 2.º Instituições de pesquisa e serviços de saúde que realizem pesquisa ou terapia com células-tronco embrionárias humanas deverão submeter seus projetos à apreciação e aprovação dos respectivos comitês de ética em pesquisa.
§ 3.º É vedada a comercialização do material biológico a que se refere este artigo e sua prática implica o crime tipificado no artigo 15 da Lei n.º 9.434, de 4 de fevereiro de 1997.
Art. 6.º Fica proibido:
I – implementação de projeto relativo a OGM sem a manutenção de registro de seu acompanhamento individual;
II – engenharia genética em organismo vivo ou o manejo in vitro de ADN/ARN natural ou recombinante, realizado em desacordo com as normas previstas nesta Lei;
III – engenharia genética em célula germinal humana, zigoto humano e embrião humano;
IV – clonagem humana;
V – destruição ou descarte no meio ambiente de OGM e seus derivados em desacordo com as normas estabelecidas pela CTNBio, pelos órgãos e entidades de registro e fiscalização, referidos no artigo 16 desta Lei, e as constantes desta Lei e de sua regulamentação;
VI – liberação no meio ambiente de OGM ou seus derivados, no âmbito de atividades de pesquisa, sem a decisão técnica favorável da CTNBio e, nos casos de liberação comercial, sem o parecer técnico favorável da CTNBio, ou sem o licenciamento do órgão ou entidade ambiental responsável, quando a CTNBio considerar a atividade como potencialmente causadora de degradação ambiental, ou sem a aprovação do Conselho Nacional de Biossegurança – CNBS, quando o processo tenha sido por ele avocado, na forma desta Lei e de sua regulamentação;
VII – a utilização, a comercialização, o registro, o patenteamento e o licenciamento de tecnologias genéticas de restrição do uso.
Parágrafo único. Para os efeitos desta Lei, entende-se por tecnologias genéticas de restrição do uso qualquer processo de intervenção humana para geração ou multiplicação de plantas geneticamente modificadas para produzir estruturas reprodutivas estéreis, bem como qualquer forma de manipulação genética que vise à ativação ou desativação de genes relacionados à fertilidade das plantas por indutores químicos externos.
Art. 7.º São obrigatórias:
I – a investigação de acidentes ocorridos no curso de pesquisas e projetos na área de engenharia genética e o envio de relatório respectivo à autoridade competente no prazo máximo de 5 (cinco) dias a contar da data do evento;
II – a notificação imediata à CTNBio e às autoridades da saúde pública, da defesa agropecuária e do meio ambiente sobre acidente que possa provocar a disseminação de OGM e seus derivados;
III – a adoção de meios necessários para plenamente informar à CTNBio, às autoridades da saúde pública, do meio ambiente, da defesa agropecuária, à coletividade e aos demais empregados da instituição ou empresa sobre os riscos a que possam estar submetidos, bem como os procedimentos a serem tomados no caso de acidentes com OGM.
Capítulo II
DO CONSELHO NACIONAL DE BIOSSEGURANÇA – CNBS
Art. 8.º Fica criado o Conselho Nacional de Biossegurança – CNBS, vinculado à Presidência da República, órgão de assessoramento superior do Presidente da República para a formulação e implementação da Política Nacional de Biossegurança – PNB.
§ 1.º Compete ao CNBS:
I – fixar princípios e diretrizes para a ação administrativa dos órgãos e entidades federais com competências sobre a matéria;
II – analisar, a pedido da CTNBio, quanto aos aspectos da conveniência e oportunidade socioeconômicas e do interesse nacional, os pedidos de liberação para uso comercial de OGM e seus derivados;
III – avocar e decidir, em última e definitiva instância, com base em manifestação da CTNBio e, quando julgar necessário, dos órgãos e entidades referidos no artigo 16 desta Lei, no âmbito de suas competências, sobre os processos relativos a atividades que envolvam o uso comercial de OGM e seus derivados;
IV – (VETADO)
§ 2.º (Vetado.)
§ 3.º Sempre que o CNBS deliberar favoravelmente à realização da atividade analisada, encaminhará sua manifestação aos órgãos e entidades de registro e fiscalização referidos no artigo 16 desta Lei.
§ 4.º Sempre que o CNBS deliberar contrariamente à atividade analisada, encaminhará sua manifestação à CTNBio para informação ao requerente.
Art. 9.º O CNBS é composto pelos seguintes membros:
I – Ministro de Estado Chefe da Casa Civil da Presidência da República, que o presidirá;
II – Ministro de Estado da Ciência e Tecnologia;
III – Ministro de Estado do Desenvolvimento Agrário;
IV – Ministro de Estado da Agricultura, Pecuária e Abastecimento;
V – Ministro de Estado da Justiça;
VI – Ministro de Estado da Saúde;
VII – Ministro de Estado do Meio Ambiente;
VIII – Ministro de Estado do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior;
IX – Ministro de Estado das Relações Exteriores;
X – Ministro de Estado da Defesa;
XI – Secretário Especial de Aquicultura e Pesca da Presidência da República.
§ 1.º O CNBS reunir-se-á sempre que convocado pelo Ministro de Estado Chefe da Casa Civil da Presidência da República, ou mediante provocação da maioria de seus membros.
§ 2.º (Vetado.)
§ 3.º Poderão ser convidados a participar das reuniões, em caráter excepcional, representantes do setor público e de entidades da sociedade civil.
§ 4.º O CNBS contará com uma Secretaria Executiva, vinculada à Casa Civil da Presidência da República.
§ 5.º A reunião do CNBS poderá ser instalada com a presença de 6 (seis) de seus membros e as decisões serão tomadas com votos favoráveis da maioria absoluta.
Capítulo III
DA COMISSÃO TÉCNICA NACIONAL DE BIOSSEGURANÇA – CTNBio
Art. 10. A CTNBio, integrante do Ministério da Ciência e Tecnologia, é instância colegiada multidisciplinar de caráter consultivo e deliberativo, para prestar apoio técnico e de assessoramento ao Governo Federal na formulação, atualização e implementação da PNB de OGM e seus derivados, bem como no estabelecimento de normas técnicas de segurança e de pareceres técnicos referentes à autorização para atividades que envolvam pesquisa e uso comercial de OGM e seus derivados, com base na avaliação de seu risco zoofitossanitário à saúde humana e ao meio ambiente.
Parágrafo único. A CTNBio deverá acompanhar o desenvolvimento e o progresso técnico e científico nas áreas de biossegurança, biotecnologia, bioética e afins, com o objetivo de aumentar sua capacitação para a proteção da saúde humana, dos animais e das plantas e do meio ambiente.
Art. 11. A CTNBio, composta de membros titulares e suplentes, designados pelo Ministro de Estado da Ciência e Tecnologia, será constituída por 27 (vinte e sete) cidadãos brasileiros de reconhecida competência técnica, de notória atuação e saber científicos, com grau acadêmico de doutor e com destacada atividade profissional nas áreas de biossegurança, biotecnologia, biologia, saúde humana e animal ou meio ambiente, sendo:
I – 12 (doze) especialistas de notório saber científico e técnico, em efetivo exercício profissional, sendo:
a) 3 (três) da área de saúde humana;
b) 3 (três) da área animal;
c) 3 (três) da área vegetal;
d) 3 (três) da área de meio ambiente;
II – um representante de cada um dos seguintes órgãos, indicados pelos respectivos titulares:
a) Ministério da Ciência e Tecnologia;
b) Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento;
c) Ministério da Saúde;
d) Ministério do Meio Ambiente;
e) Ministério do Desenvolvimento Agrário;
f) Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior;
g) Ministério da Defesa;
h) Secretaria Especial de Aquicultura e Pesca da Presidência da República;
i) Ministério das Relações Exteriores;
III – um especialista em defesa do consumidor, indicado pelo Ministro da Justiça;
IV – um especialista na área de saúde, indicado pelo Ministro da Saúde;
V – um especialista em meio ambiente, indicado pelo Ministro do Meio Ambiente;
VI – um especialista em biotecnologia, indicado pelo Ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento;
VII – um especialista em agricultura familiar, indicado pelo Ministro do Desenvolvimento Agrário;
VIII – um especialista em saúde do trabalhador, indicado pelo Ministro do Trabalho e Emprego.
§ 1.º Os especialistas de que trata o inciso I do caput deste artigo serão escolhidos a partir de lista tríplice, elaborada com a participação das sociedades científicas, conforme disposto em regulamento.
§ 2.º Os especialistas de que tratam os incisos III a VIII do caput deste artigo serão escolhidos a partir de lista tríplice, elaborada pelas organizações da sociedade civil, conforme disposto em regulamento.
§ 3.º Cada membro efetivo terá um suplente, que participará dos trabalhos na ausência do titular.
§ 4.º Os membros da CTNBio terão mandato de 2 (dois) anos, renovável por até mais 2 (dois) períodos consecutivos.
§ 5.º O presidente da CTNBio será designado, entre seus membros, pelo Ministro da Ciência e Tecnologia para um mandato de 2 (dois) anos, renovável por igual período.
§ 6.º Os membros da CTNBio devem pautar a sua atuação pela observância estrita dos conceitos ético-profissionais, sendo vedado participar do julgamento de questões com as quais tenham algum envolvimento de ordem profissional ou pessoal, sob pena de perda de mandato, na forma do regulamento.
§ 7.º A reunião da CTNBio poderá ser instalada com a presença de 14 (catorze) de seus membros, incluído pelo menos um representante de cada uma das áreas referidas no inciso I do caput deste artigo.
§ 8.º (Vetado.)
§ 8.º-A. As decisões da CTNBio serão tomadas com votos favoráveis da maioria absoluta de seus membros.
§ 9.º Órgãos e entidades integrantes da administração pública federal poderão solicitar participação nas reuniões da CTNBio para tratar de assuntos de seu especial interesse, sem direito a voto.
§ 10. Poderão ser convidados a participar das reuniões, em caráter excepcional, representantes da comunidade científica e do setor público e entidades da sociedade civil, sem direito a voto.
Art. 12. O funcionamento da CTNBio será definido pelo regulamento desta Lei.
§ 1.º A CTNBio contará com uma Secretaria Executiva e cabe ao Ministério da Ciência e Tecnologia prestar-lhe o apoio técnico e administrativo.
§ 2.º (Vetado.)
Art. 13. A CTNBio constituirá subcomissões setoriais permanentes na área de saúde humana, na área animal, na área vegetal e na área ambiental, e poderá constituir subcomissões extraordinárias, para análise prévia dos temas a serem submetidos ao plenário da Comissão.
§ 1.º Tanto os membros titulares quanto os suplentes participarão das subcomissões setoriais e caberá a todos a distribuição dos processos para análise.
§ 2.º O funcionamento e a coordenação dos trabalhos nas subcomissões setoriais e extraordinárias serão definidos no regimento interno da CTNBio.
Art. 14. Compete à CTNBio:
I – estabelecer normas para as pesquisas com OGM e derivados de OGM;
II – estabelecer normas relativamente às atividades e aos projetos relacionados a OGM e seus derivados;
III – estabelecer, no âmbito de suas competências, critérios de avaliação e monitoramento de risco de OGM e seus derivados;
IV – proceder à análise da avaliação de risco, caso a caso, relativamente a atividades e projetos que envolvam OGM e seus derivados;
V – estabelecer os mecanismos de funcionamento das Comissões Internas de Biossegurança – CIBio, no âmbito de cada instituição que se dedique ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico e à produção industrial que envolvam OGM ou seus derivados;
VI – estabelecer requisitos relativos à biossegurança para autorização de funcionamento de laboratório, instituição ou empresa que desenvolverá atividades relacionadas a OGM e seus derivados;
VII – relacionar-se com instituições voltadas para a biossegurança de OGM e seus derivados, em âmbito nacional e internacional;
VIII – autorizar, cadastrar e acompanhar as atividades de pesquisa com OGM ou derivado de OGM, nos termos da legislação em vigor;
IX – autorizar a importação de OGM e seus derivados para atividade de pesquisa;
X – prestar apoio técnico consultivo e de assessoramento ao CNBS na formulação da PNB de OGM e seus derivados;
XI – emitir Certificado de Qualidade em Biossegurança – CQB para o desenvolvimento de atividades com OGM e seus derivados em laboratório, instituição ou empresa e enviar cópia do processo aos órgãos de registro e fiscalização referidos no artigo 16 desta Lei;
XII – emitir decisão técnica, caso a caso, sobre a biossegurança de OGM e seus derivados no âmbito das atividades de pesquisa e de uso comercial de OGM e seus derivados, inclusive a classificação quanto ao grau de risco e nível de biossegurança exigido, bem como medidas de segurança exigidas e restrições ao uso;
XIII – definir o nível de biossegurança a ser aplicado ao OGM e seus usos, e os respectivos procedimentos e medidas de segurança quanto ao seu uso, conforme as normas estabelecidas na regulamentação desta Lei, bem como quanto aos seus derivados;
XIV – classificar os OGM segundo a classe de risco, observados os critérios estabelecidos no regulamento desta Lei;
XV – acompanhar o desenvolvimento e o progresso técnico-científico na biossegurança de OGM e seus derivados;
XVI – emitir resoluções, de natureza normativa, sobre as matérias de sua competência;
XVII – apoiar tecnicamente os órgãos competentes no processo de prevenção e investigação de acidentes e de enfermidades, verificados no curso dos projetos e das atividades com técnicas de ADN/ARN recombinante;
XVIII – apoiar tecnicamente os órgãos e entidades de registro e fiscalização, referidos no artigo 16 desta Lei, no exercício de suas atividades relacionadas a OGM e seus derivados;
XIX – divulgar no Diário Oficial da União, previamente à análise, os extratos dos pleitos e, posteriormente, dos pareceres dos processos que lhe forem submetidos, bem como dar ampla publicidade no Sistema de Informações em Biossegurança – SIB a sua agenda, processos em trâmite, relatórios anuais, atas das reuniões e demais informações sobre suas atividades, excluídas as informações sigilosas, de interesse comercial, apontadas pelo proponente e assim consideradas pela CTNBio;
XX – identificar atividades e produtos decorrentes do uso de OGM e seus derivados potencialmente causadores de degradação do meio ambiente ou que possam causar riscos à saúde humana;
XXI – reavaliar suas decisões técnicas por solicitação de seus membros ou por recurso dos órgãos e entidades de registro e fiscalização, fundamentado em fatos ou conhecimentos científicos novos, que sejam relevantes quanto à biossegurança do OGM ou derivado, na forma desta Lei e seu regulamento;
XXII – propor a realização de pesquisas e estudos científicos no campo da biossegurança de OGM e seus derivados;
XXIII – apresentar proposta de regimento interno ao Ministro da Ciência e Tecnologia.
§ 1.º Quanto aos aspectos de biossegurança do OGM e seus derivados, a decisão técnica da CTNBio vincula os demais órgãos e entidades da administração.
§ 2.º Nos casos de uso comercial, dentre outros aspectos técnicos de sua análise, os órgãos de registro e fiscalização, no exercício de suas atribuições em caso de solicitação pela CTNBio, observarão, quanto aos aspectos de biossegurança do OGM e seus derivados, a decisão técnica da CTNBio.
§ 3.º Em caso de decisão técnica favorável sobre a biossegurança no âmbito da atividade de pesquisa, a CTNBio remeterá o processo respectivo aos órgãos e entidades referidos no artigo 16 desta Lei, para o exercício de suas atribuições.
§ 4.º A decisão técnica da CTNBio deverá conter resumo de sua fundamentação técnica, explicitar as medidas de segurança e restrições ao uso do OGM e seus derivados e considerar as particularidades das diferentes regiões do País, com o objetivo de orientar e subsidiar os órgãos e entidades de registro e fiscalização, referidos no artigo 16 desta Lei, no exercício de suas atribuições.
§ 5.º Não se submeterá a análise e emissão de parecer técnico da CTNBio o derivado cujo OGM já tenha sido por ela aprovado.
§ 6.º As pessoas físicas ou jurídicas envolvidas em qualquer das fases do processo de produção agrícola, comercialização ou transporte de produto geneticamente modificado que tenham obtido a liberação para uso comercial estão dispensadas de apresentação do CQB e constituição de CIBio, salvo decisão em contrário da CTNBio.
Art. 15. A CTNBio poderá realizar audiências públicas, garantida participação da sociedade civil, na forma do regulamento.
Parágrafo único. Em casos de liberação comercial, audiência pública poderá ser requerida por partes interessadas, incluindo-se entre estas organizações da sociedade civil que comprovem interesse relacionado à matéria, na forma do regulamento.
Capítulo IV
DOS ÓRGÃOS E ENTIDADES DE REGISTRO E FISCALIZAÇÃO
Art. 16. Caberá aos órgãos e entidades de registro e fiscalização do Ministério da Saúde, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e do Ministério do Meio Ambiente, e da Secretaria Especial de Aquicultura e Pesca da Presidência da República entre outras atribuições, no campo de suas competências, observadas a decisão técnica da CTNBio, as deliberações do CNBS e os mecanismos estabelecidos nesta Lei e na sua regulamentação:
I – fiscalizar as atividades de pesquisa de OGM e seus derivados;
II – registrar e fiscalizar a liberação comercial de OGM e seus derivados;
III – emitir autorização para a importação de OGM e seus derivados para uso comercial;
IV – manter atualizado no SIB o cadastro das instituições e responsáveis técnicos que realizam atividades e projetos relacionados a OGM e seus derivados;
V – tornar públicos, inclusive no SIB, os registros e autorizações concedidas;
VI – aplicar as penalidades de que trata esta Lei;
VII – subsidiar a CTNBio na definição de quesitos de avaliação de biossegurança de OGM e seus derivados.
§ 1.º Após manifestação favorável da CTNBio, ou do CNBS, em caso de avocação ou recurso, caberá, em decorrência de análise específica e decisão pertinente:
I – ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento emitir as autorizações e registros e fiscalizar produtos e atividades que utilizem OGM e seus derivados destinados a uso animal, na agricultura, pecuária, agroindústria e áreas afins, de acordo com a legislação em vigor e segundo o regulamento desta Lei;
II – ao órgão competente do Ministério da Saúde emitir as autorizações e registros e fiscalizar produtos e atividades com OGM e seus derivados destinados a uso humano, farmacológico, domissanitário e áreas afins, de acordo com a legislação em vigor e segundo o regulamento desta Lei;
III – ao órgão competente do Ministério do Meio Ambiente emitir as autorizações e registros e fiscalizar produtos e atividades que envolvam OGM e seus derivados a serem liberados nos ecossistemas naturais, de acordo com a legislação em vigor e segundo o regulamento desta Lei, bem como o licenciamento, nos casos em que a CTNBio deliberar, na forma desta Lei, que o OGM é potencialmente causador de significativa degradação do meio ambiente;
IV – à Secretaria Especial de Aquicultura e Pesca da Presidência da República emitir as autorizações e registros de produtos e atividades com OGM e seus derivados destinados ao uso na pesca e aquicultura, de acordo com a legislação em vigor e segundo esta Lei e seu regulamento.
§ 2.º Somente se aplicam as disposições dos incisos I e II do artigo 8.º e do caput do artigo 10 da Lei no 6.938, de 31 de agosto de 1981, nos casos em que a CTNBio deliberar que o OGM é potencialmente causador de significativa degradação do meio ambiente.
§ 3.º A CTNBio delibera, em última e definitiva instância, sobre os casos em que a atividade é potencial ou efetivamente causadora de degradação ambiental, bem como sobre a necessidade do licenciamento ambiental.
§ 4.º A emissão dos registros, das autorizações e do licenciamento ambiental referidos nesta Lei deverá ocorrer no prazo máximo de 120 (cento e vinte) dias.
§ 5.º A contagem do prazo previsto no § 4.º deste artigo será suspensa, por até 180 (cento e oitenta) dias, durante a elaboração, pelo requerente, dos estudos ou esclarecimentos necessários.
§ 6.º As autorizações e registros de que trata este artigo estarão vinculados à decisão técnica da CTNBio correspondente, sendo vedadas exigências técnicas que extrapolem as condições estabelecidas naquela decisão, nos aspectos relacionados à biossegurança.
§ 7.º Em caso de divergência quanto à decisão técnica da CTNBio sobre a liberação comercial de OGM e derivados, os órgãos e entidades de registro e fiscalização, no âmbito de suas competências, poderão apresentar recurso ao CNBS, no prazo de até 30 (trinta) dias, a contar da data de publicação da decisão técnica da CTNBio.
Capítulo V
DA COMISSÃO INTERNA DE BIOSSEGURANÇA – CIBio
Art. 17. Toda instituição que utilizar técnicas e métodos de engenharia genética ou realizar pesquisas com OGM e seus derivados deverá criar uma Comissão Interna de Biossegurança – CIBio, além de indicar um técnico principal responsável para cada projeto específico.
Art. 18. Compete à CIBio, no âmbito da instituição onde constituída:
I – manter informados os trabalhadores e demais membros da coletividade, quando suscetíveis de serem afetados pela atividade, sobre as questões relacionadas com a saúde e a segurança, bem como sobre os procedimentos em caso de acidentes;
II – estabelecer programas preventivos e de inspeção para garantir o funcionamento das instalações sob sua responsabilidade, dentro dos padrões e normas de biossegurança, definidos pela CTNBio na regulamentação desta Lei;
III – encaminhar à CTNBio os documentos cuja relação será estabelecida na regulamentação desta Lei, para efeito de análise, registro ou autorização do órgão competente, quando couber;
IV – manter registro do acompanhamento individual de cada atividade ou projeto em desenvolvimento que envolvam OGM ou seus derivados;
V – notificar à CTNBio, aos órgãos e entidades de registro e fiscalização, referidos no artigo 16 desta Lei, e às entidades de trabalhadores o resultado de avaliações de risco a que estão submetidas as pessoas expostas, bem como qualquer acidente ou incidente que possa provocar a disseminação de agente biológico;
VI – investigar a ocorrência de acidentes e as enfermidades possivelmente relacionados a OGM e seus derivados e notificar suas conclusões e providências à CTNBio.
Capítulo VI
DO SISTEMA DE INFORMAÇÕES EM BIOSSEGURANÇA – SIB
Art. 19. Fica criado, no âmbito do Ministério da Ciência e Tecnologia, o Sistema de Informações em Biossegurança – SIB, destinado à gestão das informações decorrentes das atividades de análise, autorização, registro, monitoramento e acompanhamento das atividades que envolvam OGM e seus derivados.
§ 1.º As disposições dos atos legais, regulamentares e administrativos que alterem, complementem ou produzam efeitos sobre a legislação de biossegurança de OGM e seus derivados deverão ser divulgadas no SIB concomitantemente com a entrada em vigor desses atos.
§ 2.º Os órgãos e entidades de registro e fiscalização, referidos no artigo 16 desta Lei, deverão alimentar o SIB com as informações relativas às atividades de que trata esta Lei, processadas no âmbito de sua competência.
Capítulo VII
DA RESPONSABILIDADE CIVIL E ADMINISTRATIVA
Art. 20. Sem prejuízo da aplicação das penas previstas nesta Lei, os responsáveis pelos danos ao meio ambiente e a terceiros responderão, solidariamente, por sua indenização ou reparação integral, independentemente da existência de culpa.
Art. 21. Considera-se infração administrativa toda ação ou omissão que viole as normas previstas nesta Lei e demais disposições legais pertinentes.
Parágrafo único. As infrações administrativas serão punidas na forma estabelecida no regulamento desta Lei, independentemente das medidas cautelares de apreensão de produtos, suspensão de venda de produto e embargos de atividades, com as seguintes sanções:
I – advertência;
II – multa;
III – apreensão de OGM e seus derivados;
IV – suspensão da venda de OGM e seus derivados;
V – embargo da atividade;
VI – interdição parcial ou total do estabelecimento, atividade ou empreendimento;
VII – suspensão de registro, licença ou autorização;
VIII – cancelamento de registro, licença ou autorização;
IX – perda ou restrição de incentivo e benefício fiscal concedidos pelo governo;
X – perda ou suspensão da participação em linha de financiamento em estabelecimento oficial de crédito;
XI – intervenção no estabelecimento;
XII – proibição de contratar com a administração pública, por período de até 5 (cinco) anos.
Art. 22. Compete aos órgãos e entidades de registro e fiscalização, referidos no artigo 16 desta Lei, definir critérios, valores e aplicar multas de R$ 2.000,00 (dois mil reais) a R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais), proporcionalmente à gravidade da infração.
§ 1.º As multas poderão ser aplicadas cumulativamente com as demais sanções previstas neste artigo.
§ 2.º No caso de reincidência, a multa será aplicada em dobro.
§ 3.º No caso de infração continuada, caracterizada pela permanência da ação ou omissão inicialmente punida, será a respectiva penalidade aplicada diariamente até cessar sua causa, sem prejuízo da paralisação imediata da atividade ou da interdição do laboratório ou da instituição ou empresa responsável.
Art. 23. As multas previstas nesta Lei serão aplicadas pelos órgãos e entidades de registro e fiscalização dos Ministérios da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, da Saúde, do Meio Ambiente e da Secretaria Especial de Aquicultura e Pesca da Presidência da República, referidos no art. 16 desta Lei, de acordo com suas respectivas competências.
§ 1.º Os recursos arrecadados com a aplicação de multas serão destinados aos órgãos e entidades de registro e fiscalização, referidos no artigo 16 desta Lei, que aplicarem a multa.
§ 2.º Os órgãos e entidades fiscalizadores da administração pública federal poderão celebrar convênios com os Estados, Distrito Federal e Municípios, para a execução de serviços relacionados à atividade de fiscalização prevista nesta Lei e poderão repassar-lhes parcela da receita obtida com a aplicação de multas.
§ 3.º A autoridade fiscalizadora encaminhará cópia do auto de infração à CTNBio.
§ 4.º Quando a infração constituir crime ou contravenção, ou lesão à Fazenda Pública ou ao consumidor, a autoridade fiscalizadora representará junto ao órgão competente para apuração das responsabilidades administrativa e penal.
DOS CRIMES E DAS PENAS
Art. 24. Utilizar embrião humano em desacordo com o que dispõe o artigo 5.º desta Lei:
Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.
Art. 25. Praticar engenharia genética em célula germinal humana, zigoto humano ou embrião humano:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
Art. 26. Realizar clonagem humana:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
Art. 27. Liberar ou descartar OGM no meio ambiente, em desacordo com as normas estabelecidas pela CTNBio e pelos órgãos e entidades de registro e fiscalização:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
§ 1.º (Vetado.)
§ 2.º Agrava-se a pena:
I – de 1/6 (um sexto) a 1/3 (um terço), se resultar dano à propriedade alheia;
II – de 1/3 (um terço) até a metade, se resultar dano ao meio ambiente;
III – da metade até 2/3 (dois terços), se resultar lesão corporal de natureza grave em outrem;
IV – de 2/3 (dois terços) até o dobro, se resultar a morte de outrem.
Art. 28. Utilizar, comercializar, registrar, patentear e licenciar tecnologias genéticas de restrição do uso:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
Art. 29. Produzir, armazenar, transportar, comercializar, importar ou exportar OGM ou seus derivados, sem autorização ou em desacordo com as normas estabelecidas pela CTNBio e pelos órgãos e entidades de registro e fiscalização:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 2 (dois) anos, e multa.
Capítulo IX
DISPOSIÇÕES FINAIS E TRANSITÓRIAS
Art. 30. Os OGM que tenham obtido decisão técnica da CTNBio favorável a sua liberação comercial até a entrada em vigor desta Lei poderão ser registrados e comercializados, salvo manifestação contrária do CNBS, no prazo de 60 (sessenta) dias, a contar da data da publicação desta Lei.
Art. 31. A CTNBio e os órgãos e entidades de registro e fiscalização, referidos no art. 16 desta Lei, deverão rever suas deliberações de caráter normativo, no prazo de 120 (cento e vinte) dias, a fim de promover sua adequação às disposições desta Lei.
Art. 32. Permanecem em vigor os Certificados de Qualidade em Biossegurança, comunicados e decisões técnicas já emitidos pela CTNBio, bem como, no que não contrariarem o disposto nesta Lei, os atos normativos emitidos ao amparo da Lei n.º 8.974, de 5 de janeiro de 1995.
Art. 33. As instituições que desenvolverem atividades reguladas por esta Lei na data de sua publicação deverão adequar-se as suas disposições no prazo de 120 (cento e vinte) dias, contado da publicação do decreto que a regulamentar.
Art. 34. Ficam convalidados e tornam-se permanentes os registros provisórios concedidos sob a égide da Lei n.º 10.814, de 15 de dezembro de 2003.
Art. 35. Ficam autorizadas a produção e a comercialização de sementes de cultivares de soja geneticamente modificadas tolerantes a glifosato registradas no Registro Nacional de Cultivares – RNC do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.
Art. 36. Fica autorizado o plantio de grãos de soja geneticamente modificada tolerante a glifosato, reservados pelos produtores rurais para uso próprio, na safra 2004/2005, sendo vedada a comercialização da produção como semente.
Parágrafo único. O Poder Executivo poderá prorrogar a autorização de que trata o caput deste artigo.
Art. 37. A descrição do Código 20 do Anexo VIII da Lei n.º 6.938, de 31 de agosto de 1981, acrescido pela Lei no 10.165, de 27 de dezembro de 2000, passa a vigorar com a seguinte redação:
“ANEXO VIII
Código |
Categoria |
Descrição |
Pp/gu |
.............. |
................. |
............................................................................. |
............... |
20 |
Uso de Recursos Naturais |
Silvicultura; exploração econômica da madeira ou lenha e subprodutos florestais; importação ou exportação da fauna e flora nativas brasileiras; atividade de criação e exploração econômica de fauna exótica e de fauna silvestre; utilização do patrimônio genético natural; exploração de recursos aquáticos vivos; introdução de espécies exóticas, exceto para melhoramento genético vegetal e uso na agricultura; introdução de espécies geneticamente modificadas previamente identificadas pela CTNBio como potencialmente causadoras de significativa degradação do meio ambiente; uso da diversidade biológica pela biotecnologia em atividades previamente identificadas pela CTNBio como potencialmente causadoras de significativa degradação do meio ambiente. |
Médio |
.............. |
................. |
............................................................................ |
.............. |
Art. 38. (Vetado.)
Art. 39. Não se aplica aos OGM e seus derivados o disposto na Lei n.º 7.802, de 11 de julho de 1989, e suas alterações, exceto para os casos em que eles sejam desenvolvidos para servir de matéria-prima para a produção de agrotóxicos.
Art. 40. Os alimentos e ingredientes alimentares destinados ao consumo humano ou animal que contenham ou sejam produzidos a partir de OGM ou derivados deverão conter informação nesse sentido em seus rótulos, conforme regulamento.
Art. 41. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 42. Revogam-se a Lei n.º 8.974, de 5 de janeiro de 1995, a Medida Provisória n.º 2.191-9, de 23 de agosto de 2001, e os arts. 5.º, 6.º, 7.º, 8.º, 9.º, 10 e 16 da Lei n.º 10.814, de 15 de dezembro de 2003.
MINISTÉRIO DA SAÚDE CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE
RESOLUÇÃO CNS N.º 466, DE 12 DE DEZEMBRO DE 2012
O Plenário do Conselho Nacional de Saúde em sua 240.ª Reunião Ordinária, realizada nos dias 11 e 12 de dezembro de 2012, no uso de suas competências regimentais e atribuições conferidas pela Lei n.º 8.080, de 19 de setembro de 1990, e pela Lei n.º 8.142, de 28 de dezembro de 1990, e
Considerando o respeito pela dignidade humana e pela especial proteção devida aos participantes das pesquisas científicas envolvendo seres humanos;
Considerando o desenvolvimento e o engajamento ético, que é inerente ao desenvolvimento científico e tecnológico;
Considerando o progresso da ciência e da tecnologia, que desvendou outra percepção da vida, dos modos de vida, com reflexos não apenas na concepção e no prolongamento da vida humana, como nos hábitos, na cultura, no comportamento do ser humano nos meios reais e virtuais disponíveis e que se alteram e inovam em ritmo acelerado e contínuo;
Considerando o progresso da ciência e da tecnologia, que deve implicar em benefícios, atuais e potenciais para o ser humano, para a comunidade na qual está inserido e para a sociedade, nacional e universal, possibilitando a promoção do bem-estar e da qualidade de vida e promovendo a defesa e preservação do meio ambiente, para as presentes e futuras gerações;
Considerando as questões de ordem ética suscitadas pelo progresso e pelo avanço da ciência e da tecnologia, enraizados em todas as áreas do conhecimento humano;
Considerando que todo o progresso e seu avanço devem, sempre, respeitar a dignidade, a liberdade e a autonomia do ser humano;
Considerando os documentos que constituem os pilares do reconhecimento e da afirmação da dignidade, da liberdade e da autonomia do ser humano, como o Código de Nuremberg, de 1947, e a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948;
Considerando os documentos internacionais recentes, reflexo das grandes descobertas científicas e tecnológicas dos séculos XX e XXI, em especial a Declaração de Helsinque, adotada em 1964 e suas versões de 1975, 1983, 1989, 1996 e 2000; o Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966; o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, de 1966; a Declaração Universal sobre o Genoma Humano e os Direitos Humanos, de 1997; a Declaração Internacional sobre os Dados Genéticos Humanos, de 2003; e a Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos, de 2004;
Considerando a Constituição Federal da República Federativa do Brasil, cujos objetivos e fundamentos da soberania, da cidadania, da dignidade da pessoa humana, dos valores sociais do trabalho e da livre-iniciativa e do pluralismo político e os objetivos de construir uma sociedade livre, justa e solidária, de garantir o desenvolvimento nacional, de erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais e de promover o bem de todos, sem qualquer tipo de preconceito, ou de discriminação coadunam-se com os documentos internacionais sobre ética, direitos humanos e desenvolvimento;
Considerando a legislação brasileira correlata e pertinente; e
Considerando o disposto na Resolução n.º 196/96, do Conselho Nacional de Saúde, do Ministério da Saúde, que impõe revisões periódicas a ela, conforme necessidades nas áreas tecnocientífica e ética, resolve:
Aprovar as seguintes diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos:
I – DAS DISPOSIÇÕES PRELIMINARES
A presente Resolução incorpora, sob a ótica do indivíduo e das coletividades, referenciais da bioética, tais como autonomia, não maleficência, beneficência, justiça e equidade, dentre outros, e visa a assegurar os direitos e deveres que dizem respeito aos participantes da pesquisa, à comunidade científica e ao Estado.
Projetos de pesquisa envolvendo seres humanos deverão atender a esta Resolução.
II – DOS TERMOS E DEFINIÇÕES
A presente Resolução adota as seguintes definições:
II.1 – achados da pesquisa – fatos ou informações encontrados pelo pesquisador no decorrer da pesquisa e que sejam considerados de relevância para os participantes ou comunidades participantes;
II.2 – assentimento livre e esclarecido – anuência do participante da pesquisa, criança, adolescente ou legalmente incapaz, livre de vícios (simulação, fraude ou erro), dependência, subordinação ou intimidação. Tais participantes devem ser esclarecidos sobre a natureza da pesquisa, seus objetivos, métodos, benefícios previstos, potenciais riscos e o incômodo que esta possa lhes acarretar, na medida de sua compreensão e respeitados em suas singularidades;
II.3 – assistência ao participante da pesquisa:
II.3.1 – assistência imediata – é aquela emergencial e sem ônus de qualquer espécie ao participante da pesquisa, em situações em que este dela necessite; e
II.3.2 – assistência integral – é aquela prestada para atender complicações e danos decorrentes, direta ou indiretamente, da pesquisa;
II.4 – benefícios da pesquisa – proveito direto ou indireto, imediato ou posterior, auferido pelo participante e/ou sua comunidade em decorrência de sua participação na pesquisa;
II.5 – consentimento livre e esclarecido – anuência do participante da pesquisa e/ou de seu representante legal, livre de vícios (simulação, fraude ou erro), dependência, subordinação ou intimidação, após esclarecimento completo e pormenorizado sobre a natureza da pesquisa, seus objetivos, métodos, benefícios previstos, potenciais riscos e o incômodo que esta possa acarretar;
II.6 – dano associado ou decorrente da pesquisa – agravo imediato ou posterior, direto ou indireto, ao indivíduo ou à coletividade, decorrente da pesquisa;
II.7 – indenização – cobertura material para reparação a dano, causado pela pesquisa ao participante da pesquisa;
II.8 – instituição proponente de pesquisa – organização, pública ou privada, legitimamente constituída e habilitada, à qual o pesquisador responsável está vinculado;
II.9 – instituição coparticipante de pesquisa – organização, pública ou privada, legitimamente constituída e habilitada, na qual alguma das fases ou etapas da pesquisa se desenvolve;
II.10 – participante da pesquisa – indivíduo que, de forma esclarecida e voluntária, ou sob o esclarecimento e autorização de seu(s) responsável(eis) legal(is), aceita ser pesquisado. A participação deve se dar de forma gratuita, ressalvadas as pesquisas clínicas de Fase I ou de bioequivalência;
II.11 – patrocinador – pessoa física ou jurídica, pública ou privada que apoia a pesquisa, mediante ações de financiamento, infraestrutura, recursos humanos ou apoio institucional;
II.12 – pesquisa – processo formal e sistemático que visa à produção, ao avanço do conhecimento e/ou à obtenção de respostas para problemas mediante emprego de método científico;
II.13 – pesquisa em reprodução humana – pesquisas que se ocupam com o funcionamento do aparelho reprodutor, procriação e fatores que afetam a saúde reprodutiva de humanos, sendo que nesses estudos serão considerados “participantes da pesquisa” todos os que forem afetados pelos procedimentos dela;
II.14 – pesquisa envolvendo seres humanos – pesquisa que, individual ou coletivamente, tenha como participante o ser humano, em sua totalidade ou partes dele, e o envolva de forma direta ou indireta, incluindo o manejo de seus dados, informações ou materiais biológicos;
II.15 – pesquisador – membro da equipe de pesquisa, corresponsável pela integridade e bem-estar dos participantes da pesquisa;
II.16 – pesquisador responsável – pessoa responsável pela coordenação da pesquisa e corresponsável pela integridade e bem-estar dos participantes da pesquisa;
II.17 – protocolo de pesquisa – conjunto de documentos contemplando a descrição da pesquisa em seus aspectos fundamentais e as informações relativas ao participante da pesquisa, à qualificação dos pesquisadores e a todas as instâncias responsáveis;
II.18 – provimento material prévio – compensação material, exclusivamente para despesas de transporte e alimentação do participante e seus acompanhantes, quando necessário, anterior à participação deste na pesquisa;
II.19 – relatório final – é aquele apresentado após o encerramento da pesquisa, totalizando seus resultados;
II.20 – relatório parcial – é aquele apresentado durante a pesquisa demonstrando fatos relevantes e resultados parciais de seu desenvolvimento;
II.21 – ressarcimento – compensação material, exclusivamente de despesas do participante e seus acompanhantes, quando necessário, tais como transporte e alimentação;
II.22 – risco da pesquisa – possibilidade de danos à dimensão física, psíquica, moral, intelectual, social, cultural ou espiritual do ser humano, em qualquer pesquisa e dela decorrente;
II.23 – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE – documento no qual é explicitado o consentimento livre e esclarecido do participante e/ou de seu responsável legal, de forma escrita, devendo conter todas as informações necessárias, em linguagem clara e objetiva, de fácil entendimento, para o mais completo esclarecimento sobre a pesquisa a qual se propõe participar;
II.24 – Termo de Assentimento – documento elaborado em linguagem acessível para os menores ou para os legalmente incapazes, por meio do qual, após os participantes da pesquisa serem devidamente esclarecidos, explicitarão sua anuência em participar da pesquisa, sem prejuízo do consentimento de seus responsáveis legais; e
II.25 – vulnerabilidade – estado de pessoas ou grupos que, por quaisquer razões ou motivos, tenham a sua capacidade de autodeterminação reduzida ou impedida, ou de qualquer forma estejam impedidos de opor resistência, sobretudo no que se refere ao consentimento livre e esclarecido.
III – DOS ASPECTOS ÉTICOS DA PESQUISA ENVOLVENDO SERES HUMANOS
As pesquisas envolvendo seres humanos devem atender aos fundamentos éticos e científicos pertinentes.
III.1 – A eticidade da pesquisa implica em:
a) respeito ao participante da pesquisa em sua dignidade e autonomia, reconhecendo sua vulnerabilidade, assegurando sua vontade de contribuir e permanecer, ou não, na pesquisa, por intermédio de manifestação expressa, livre e esclarecida;
b) ponderação entre riscos e benefícios, tanto conhecidos como potenciais, individuais ou coletivos, comprometendo–se com o máximo de benefícios e o mínimo de danos e riscos;
c) garantia de que danos previsíveis serão evitados; e
d) relevância social da pesquisa, o que garante a igual consideração dos interesses envolvidos, não perdendo o sentido de sua destinação sócio-humanitária.
III.2 – As pesquisas, em qualquer área do conhecimento envolvendo seres humanos, deverão observar as seguintes exigências:
a) ser adequada aos princípios científicos que a justifiquem e com possibilidades concretas de responder a incertezas;
b) estar fundamentada em fatos científicos, experimentação prévia e/ou pressupostos adequados à área específica da pesquisa;
c) ser realizada somente quando o conhecimento que se pretende obter não possa ser obtido por outro meio;
d) buscar sempre que prevaleçam os benefícios esperados sobre os riscos e/ou desconfortos previsíveis;
e) utilizar os métodos adequados para responder às questões estudadas, especificando-os, seja a pesquisa qualitativa, quantitativa ou quali-quantitativa;
f) se houver necessidade de distribuição aleatória dos participantes da pesquisa em grupos experimentais e de controle, assegurar que, a priori, não seja possível estabelecer as vantagens de um procedimento sobre outro, mediante revisão de literatura, métodos observacionais ou métodos que não envolvam seres humanos;
g) obter consentimento livre e esclarecido do participante da pesquisa e/ou seu representante legal, inclusive nos casos das pesquisas que, por sua natureza, impliquem justificadamente, em consentimento a posteriori;
h) contar com os recursos humanos e materiais necessários que garantam o bem-estar do participante da pesquisa, devendo o(s) pesquisador(es) possuir(em) capacidade profissional adequada para desenvolver sua função no projeto proposto;
i) prever procedimentos que assegurem a confidencialidade e a privacidade, a proteção da imagem e a não estigmatização dos participantes da pesquisa, garantindo a não utilização das informações em prejuízo das pessoas e/ou das comunidades, inclusive em termos de autoestima, de prestígio e/ou de aspectos econômico-financeiros;
j) ser desenvolvida preferencialmente em indivíduos com autonomia plena. Indivíduos ou grupos vulneráveis não devem ser participantes de pesquisa quando a informação desejada possa ser obtida por meio de participantes com plena autonomia, a menos que a investigação possa trazer benefícios aos indivíduos ou grupos vulneráveis;
k) respeitar sempre os valores culturais, sociais, morais, religiosos e éticos, como também os hábitos e costumes, quando as pesquisas envolverem comunidades;
l) garantir que as pesquisas em comunidades, sempre que possível, traduzir-se-ão em benefícios cujos efeitos continuem a se fazer sentir após sua conclusão. Quando, no interesse da comunidade, houver benefício real em incentivar ou estimular mudanças de costumes ou comportamentos, o protocolo de pesquisa deve incluir, sempre que possível, disposições para comunicar tal benefício às pessoas e/ou comunidades;
m) comunicar às autoridades competentes, bem como aos órgãos legitimados pelo Controle Social, os resultados e/ou achados da pesquisa, sempre que estes puderem contribuir para a melhoria das condições de vida da coletividade, preservando, porém, a imagem e assegurando que os participantes da pesquisa não sejam estigmatizados;
n) assegurar aos participantes da pesquisa os benefícios resultantes do projeto, seja em termos de retorno social, acesso aos procedimentos, produtos ou agentes da pesquisa;
o) assegurar aos participantes da pesquisa as condições de acompanhamento, tratamento, assistência integral e orientação, conforme o caso, enquanto necessário, inclusive nas pesquisas de rastreamento;
p) comprovar, nas pesquisas conduzidas no exterior ou com cooperação estrangeira, os compromissos e as vantagens, para os participantes das pesquisas e para o Brasil, decorrentes de sua realização. Nestes casos deve ser identificado o pesquisador e a instituição nacional, responsáveis pela pesquisa no Brasil. Os estudos patrocinados no exterior também deverão responder às necessidades de transferência de conhecimento e tecnologia para a equipe brasileira, quando aplicável e, ainda, no caso do desenvolvimento de novas drogas, se comprovadas sua segurança e eficácia, é obrigatório seu registro no Brasil;
q) utilizar o material e os dados obtidos na pesquisa exclusivamente para a finalidade prevista no seu protocolo, ou conforme o consentimento do participante;
r) levar em conta, nas pesquisas realizadas em mulheres em idade fértil ou em mulheres grávidas, a avaliação de riscos e benefícios e as eventuais interferências sobre a fertilidade, a gravidez, o embrião ou o feto, o trabalho de parto, o puerpério, a lactação e o recém-nascido;
s) considerar que as pesquisas em mulheres grávidas devem ser precedidas de pesquisas em mulheres fora do período gestacional, exceto quando a gravidez for o objeto fundamental da pesquisa;
t) garantir, para mulheres que se declarem expressamente isentas de risco de gravidez, quer por não exercerem práticas sexuais ou por as exercerem de forma não reprodutiva, o direito de participarem de pesquisas sem o uso obrigatório de contraceptivos; e
u) ser descontinuada somente após análise e manifestação, por parte do Sistema CEP/CONEP/CNS/MS que a aprovou, das razões dessa descontinuidade, a não ser em casos de justificada urgência em benefício de seus participantes.
III.3 – As pesquisas que utilizam metodologias experimentais na área biomédica, envolvendo seres humanos, além do preconizado no item III.2, deverão ainda:
a) estar fundamentadas na experimentação prévia, realizada em laboratórios, utilizando-se animais ou outros modelos experimentais e comprovação científica, quando pertinente;
b) ter plenamente justificadas, quando for o caso, a utilização de placebo, em termos de não maleficência e de necessidade metodológica, sendo que os benefícios, riscos, dificuldades e efetividade de um novo método terapêutico devem ser testados, comparando-o com os melhores métodos profiláticos, diagnósticos e terapêuticos atuais. Isso não exclui o uso de placebo ou nenhum tratamento em estudos nos quais não existam métodos provados de profilaxia, diagnóstico ou tratamento;
c) utilizar o material biológico e os dados obtidos na pesquisa exclusivamente para a finalidade prevista no seu protocolo, ou conforme o consentimento dado pelo participante da pesquisa; e
d) assegurar a todos os participantes ao final do estudo, por parte do patrocinador, acesso gratuito e por tempo indeterminado, aos melhores métodos profiláticos, diagnósticos e terapêuticos que se demonstraram eficazes:
d.1) o acesso também será garantido no intervalo entre o término da participação individual e o final do estudo, podendo, nesse caso, esta garantia ser dada por meio de estudo de extensão, de acordo com análise devidamente justificada do médico assistente do participante.
IV – DO PROCESSO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
O respeito devido à dignidade humana exige que toda pesquisa se processe com consentimento livre e esclarecido dos participantes, indivíduos ou grupos que, por si e/ou por seus representantes legais, manifestem a sua anuência à participação na pesquisa.
Entende-se por Processo de Consentimento Livre e Esclarecido todas as etapas a serem necessariamente observadas para que o convidado a participar de uma pesquisa possa se manifestar, de forma autônoma, consciente, livre e esclarecida.
IV.1 – A etapa inicial do Processo de Consentimento Livre e Esclarecido é a do esclarecimento ao convidado a participar da pesquisa, ocasião em que o pesquisador, ou pessoa por ele delegada e sob sua responsabilidade, deverá:
a) buscar o momento, condição e local mais adequados para que o esclarecimento seja efetuado, considerando, para isso, as peculiaridades do convidado a participar da pesquisa e sua privacidade;
b) prestar informações em linguagem clara e acessível, utilizando-se das estratégias mais apropriadas à cultura, faixa etária, condição socioeconômica e autonomia dos convidados a participar da pesquisa; e
c) conceder o tempo adequado para que o convidado a participar da pesquisa possa refletir, consultando, se necessário, seus familiares ou outras pessoas que possam ajudá-los na tomada de decisão livre e esclarecida.
IV.2 – Superada a etapa inicial de esclarecimento, o pesquisador responsável, ou pessoa por ele delegada, deverá apresentar, ao convidado para participar da pesquisa, ou a seu representante legal, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para que seja lido e compreendido, antes da concessão do seu consentimento livre e esclarecido.
IV.3 – O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido deverá conter, obrigatoriamente:
a) justificativa, os objetivos e os procedimentos que serão utilizados na pesquisa, com o detalhamento dos métodos a serem utilizados, informando a possibilidade de inclusão em grupo controle ou experimental, quando aplicável;
b) explicitação dos possíveis desconfortos e riscos decorrentes da participação na pesquisa, além dos benefícios esperados dessa participação e apresentação das providências e cautelas a serem empregadas para evitar e/ou reduzir efeitos e condições adversas que possam causar dano, considerando características e contexto do participante da pesquisa;
c) esclarecimento sobre a forma de acompanhamento e assistência a que terão direito os participantes da pesquisa, inclusive considerando benefícios e acompanhamentos posteriores ao encerramento e/ou a interrupção da pesquisa;
d) garantia de plena liberdade ao participante da pesquisa, de recusar-se a participar ou retirar seu consentimento, em qualquer fase da pesquisa, sem penalização alguma;
e) garantia de manutenção do sigilo e da privacidade dos participantes da pesquisa durante todas as fases da pesquisa;
f) garantia de que o participante da pesquisa receberá uma via do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido;
g) explicitação da garantia de ressarcimento e como serão cobertas as despesas tidas pelos participantes da pesquisa e dela decorrentes; e
h) explicitação da garantia de indenização diante de eventuais danos decorrentes da pesquisa.
IV.4 – O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido nas pesquisas que utilizam metodologias experimentais na área biomédica, envolvendo seres humanos, além do previsto no item IV.3 supra, deve observar, obrigatoriamente, o seguinte:
a) explicitar, quando pertinente, os métodos terapêuticos alternativos existentes;
b) esclarecer, quando pertinente, sobre a possibilidade de inclusão do participante em grupo controle ou placebo, explicitando, claramente, o significado dessa possibilidade; e
c) não exigir do participante da pesquisa, sob qualquer argumento, renúncia ao direito à indenização por dano. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido não deve conter ressalva que afaste essa responsabilidade ou que implique ao participante da pesquisa abrir mão de seus direitos, incluindo o direito de procurar obter indenização por danos eventuais.
IV.5 – O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido deverá, ainda:
a) conter declaração do pesquisador responsável que expresse o cumprimento das exigências contidas nos itens IV. 3 e IV.4, este último se pertinente;
b) ser adaptado, pelo pesquisador responsável, nas pesquisas com cooperação estrangeira concebidas em âmbito internacional, às normas éticas e à cultura local, sempre com linguagem clara e acessível a todos e, em especial, aos participantes da pesquisa, tomando o especial cuidado para que seja de fácil leitura e compreensão;
c) ser aprovado pelo CEP perante o qual o projeto foi apresentado e pela CONEP, quando pertinente; e
d) ser elaborado em duas vias, rubricadas em todas as suas páginas e assinadas, ao seu término, pelo convidado a participar da pesquisa, ou por seu representante legal, assim como pelo pesquisador responsável, ou pela(s) pessoa(s) por ele delegada(s), devendo as páginas de assinaturas estar na mesma folha. Em ambas as vias deverão constar o endereço e contato telefônico ou outro, dos responsáveis pela pesquisa e do CEP local e da CONEP, quando pertinente.
IV.6 – Nos casos de restrição da liberdade ou do esclarecimento necessários para o adequado consentimento, deve-se, também, observar:
a) em pesquisas cujos convidados sejam crianças, adolescentes, pessoas com transtorno ou doença mental ou em situação de substancial diminuição em sua capacidade de decisão, deverá haver justificativa clara de sua escolha, especificada no protocolo e aprovada pelo CEP, e pela CONEP, quando pertinente. Nestes casos deverão ser cumpridas as etapas do esclarecimento e do consentimento livre e esclarecido, por meio dos representantes legais dos convidados a participar da pesquisa, preservado o direito de informação destes, no limite de sua capacidade;
b) a liberdade do consentimento deverá ser particularmente garantida para aqueles participantes de pesquisa que, embora plenamente capazes, estejam expostos a condicionamentos específicos, ou à influência de autoridade, caracterizando situações passíveis de limitação da autonomia, como estudantes, militares, empregados, presidiários e internos em centros de readaptação, em casas-abrigo, asilos, associações religiosas e semelhantes, assegurando-lhes inteira liberdade de participar, ou não, da pesquisa, sem quaisquer represálias;
c) as pesquisas em pessoas com o diagnóstico de morte encefálica deverão atender aos seguintes requisitos:
c.1) documento comprobatório da morte encefálica;
c.2) consentimento explícito, diretiva antecipada da vontade da pessoa, ou consentimento dos familiares e/ou do representante legal;
c.3) respeito à dignidade do ser humano;
c.4) inexistência de ônus econômico-financeiro adicional à família;
c.5) inexistência de prejuízo para outros pacientes aguardando internação ou tratamento;
c.6) possibilidade de obter conhecimento científico relevante, ou novo, que não possa ser obtido de outra maneira;
d) que haja um canal de comunicação oficial do governo, que esclareça as dúvidas de forma acessível aos envolvidos nos projetos de pesquisa, igualmente, para os casos de diagnóstico com morte encefálica; e
e) em comunidades cuja cultura grupal reconheça a autoridade do líder ou do coletivo sobre o indivíduo, a obtenção da autorização para a pesquisa deve respeitar tal particularidade, sem prejuízo do consentimento individual, quando possível e desejável. Quando a legislação brasileira dispuser sobre competência de órgãos governamentais, a exemplo da Fundação Nacional do Índio – FUNAI, no caso de comunidades indígenas, na tutela de tais comunidades, tais instâncias devem autorizar a pesquisa antecipadamente.
IV.7 – Na pesquisa que dependa de restrição de informações aos seus participantes, tal fato deverá ser devidamente explicitado e justificado pelo pesquisador responsável ao Sistema CEP/CONEP. Os dados obtidos a partir dos participantes da pesquisa não poderão ser usados para outros fins além dos previstos no protocolo e/ou no consentimento livre e esclarecido.
IV.8 – Nos casos em que seja inviável a obtenção do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ou que esta obtenção signifique riscos substanciais à privacidade e confidencialidade dos dados do participante ou aos vínculos de confiança entre pesquisador e pesquisado, a dispensa do TCLE deve ser justificadamente solicitada pelo pesquisador responsável ao Sistema CEP/CONEP, para apreciação, sem prejuízo do posterior processo de esclarecimento.
Toda pesquisa com seres humanos envolve risco em tipos e gradações variados. Quanto maiores e mais evidentes os riscos, maiores devem ser os cuidados para minimizá-los e a proteção oferecida pelo Sistema CEP/CONEP aos participantes. Devem ser analisadas possibilidades de danos imediatos ou posteriores, no plano individual ou coletivo. A análise de risco é componente imprescindível à análise ética, dela decorrendo o plano de monitoramento que deve ser oferecido pelo Sistema CEP/CONEP em cada caso específico.
V.1 – As pesquisas envolvendo seres humanos serão admissíveis quando:
a) o risco se justifique pelo benefício esperado; e
b) no caso de pesquisas experimentais da área da saúde, o benefício seja maior, ou, no mínimo, igual às alternativas já estabelecidas para a prevenção, o diagnóstico e o tratamento.
V.2 – São admissíveis pesquisas cujos benefícios a seus participantes forem exclusivamente indiretos, desde que consideradas as dimensões física, psíquica, moral, intelectual, social, cultural ou espiritual desses.
V.3 – O pesquisador responsável, ao perceber qualquer risco ou dano significativos ao participante da pesquisa, previstos, ou não, no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, deve comunicar o fato, imediatamente, ao Sistema CEP/CONEP, e avaliar, em caráter emergencial, a necessidade de adequar ou suspender o estudo.
V.4 – Nas pesquisas na área da saúde, tão logo constatada a superioridade significativa de uma intervenção sobre outra(s) comparativa(s), o pesquisador deverá avaliar a necessidade de adequar ou suspender o estudo em curso, visando oferecer a todos os benefícios do melhor regime.
V.5 – O Sistema CEP/CONEP deverá ser informado de todos os fatos relevantes que alterem o curso normal dos estudos por ele aprovados e, especificamente, nas pesquisas na área da saúde, dos efeitos adversos e da superioridade significativa de uma intervenção sobre outra ou outras comparativas.
V.6 – O pesquisador, o patrocinador e as instituições e/ou organizações envolvidas nas diferentes fases da pesquisa devem proporcionar assistência imediata, nos termos do item II.3, bem como responsabilizarem-se pela assistência integral aos participantes da pesquisa no que se refere às complicações e danos decorrentes da pesquisa.
V.7 – Os participantes da pesquisa que vierem a sofrer qualquer tipo de dano resultante de sua participação na pesquisa, previsto ou não no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, têm direito à indenização, por parte do pesquisador, do patrocinador e das instituições envolvidas nas diferentes fases da pesquisa.
VI – DO PROTOCOLO DE PESQUISA
O protocolo a ser submetido à revisão ética somente será apreciado se for apresentada toda documentação solicitada pelo Sistema CEP/CONEP, considerada a natureza e as especificidades de cada pesquisa. A Plataforma BRASIL é o sistema oficial de lançamento de pesquisas para análise e monitoramento do Sistema CEP/CONEP.
VII – DO SISTEMA CEP/CONEP
É integrado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa – CONEP/CNS/MS do Conselho Nacional de Saúde e pelos Comitês de Ética em Pesquisa – CEP – compondo um sistema que utiliza mecanismos, ferramentas e instrumentos próprios de inter-relação, num trabalho cooperativo que visa, especialmente, à proteção dos participantes de pesquisa do Brasil, de forma coordenada e descentralizada por meio de um processo de acreditação.
VII.1 – Pesquisas envolvendo seres humanos devem ser submetidas à apreciação do Sistema CEP/CONEP, que, ao analisar e decidir, se torna corresponsável por garantir a proteção dos participantes.
VII.2 – Os CEP são colegiados interdisciplinares e independentes, de relevância pública, de caráter consultivo, deliberativo e educativo, criados para defender os interesses dos participantes da pesquisa em sua integridade e dignidade e para contribuir no desenvolvimento da pesquisa dentro de padrões éticos:
VII.2.1 – as instituições e/ou organizações nas quais se realizem pesquisas envolvendo seres humanos podem constituir um ou mais de um Comitê de Ética em Pesquisa – CEP, conforme suas necessidades e atendendo aos critérios normativos; e
VII.2.2 – na inexistência de um CEP na instituição proponente ou em caso de pesquisador sem vínculo institucional, caberá à CONEP a indicação de um CEP para proceder à análise da pesquisa dentre aqueles que apresentem melhores condições para monitorá-la.
VII.3 – A CONEP é uma instância colegiada, de natureza consultiva, deliberativa, normativa, educativa e independente, vinculada ao Conselho Nacional de Saúde/MS.
VII.4 – A revisão ética dos projetos de pesquisa envolvendo seres humanos deverá ser associada à sua análise científica.
VII.5 – Os membros integrantes do Sistema CEP/CONEP deverão ter, no exercício de suas funções, total independência na tomada das decisões, mantendo em caráter estritamente confidencial, as informações conhecidas. Desse modo, não podem sofrer qualquer tipo de pressão por parte de superiores hierárquicos ou pelos interessados em determinada pesquisa. Devem isentar-se da tomada de decisões quando envolvidos na pesquisa em análise.
VII.6 – Os membros dos CEP e da CONEP não poderão ser remunerados no desempenho de sua tarefa, podendo, apenas, receber ressarcimento de despesas efetuadas com transporte, hospedagem e alimentação, sendo imprescindível que sejam dispensados, nos horários de seu trabalho nos CEP, ou na CONEP, de outras obrigações nas instituições e/ou organizações às quais prestam serviço, dado o caráter de relevância pública da função.
VIII – DOS COMITÊS DE ÉTICA EM PESQUISA (CEP) ATRIBUIÇÕES
VIII.1 – avaliar protocolos de pesquisa envolvendo seres humanos, com prioridade nos temas de relevância pública e de interesse estratégico da agenda de prioridades do SUS, com base nos indicadores epidemiológicos, emitindo parecer, devidamente justificado, sempre orientado, dentre outros, pelos princípios da impessoalidade, transparência, razoabilidade, proporcionalidade e eficiência, dentro dos prazos estabelecidos em norma operacional, evitando redundâncias que resultem em morosidade na análise;
VIII.2 – desempenhar papel consultivo e educativo em questões de ética; e
VIII.3 – elaborar seu Regimento Interno.
IX – DA COMISSÃO NACIONAL DE ÉTICA EM PESQUISA (CONEP)
ATRIBUIÇÕES:
IX.1 – examinar os aspectos éticos da pesquisa envolvendo seres humanos, como também a adequação e atualização das normas atinentes, podendo, para tanto, consultar a sociedade, sempre que julgar necessário;
IX.2 – estimular a participação popular nas iniciativas de Controle Social das Pesquisas com Seres Humanos, além da criação de CEP institucionais e de outras instâncias, sempre que tal criação possa significar o fortalecimento da proteção de participantes de pesquisa no Brasil;
IX.3 – registrar e supervisionar o funcionamento e cancelar o registro dos CEP que compõem o Sistema CEP/CONEP;
IX.4 – analisar os protocolos de pesquisa envolvendo seres humanos, emitindo parecer, devidamente justificado, sempre orientado, dentre outros, pelos princípios da impessoalidade, transparência, razoabilidade, proporcionalidade e eficiência, dentro dos prazos estabelecidos em norma operacional, evitando redundâncias que resultem em morosidade na análise;
1. genética humana, quando o projeto envolver:
1.1. envio para o exterior de material genético ou qualquer material biológico humano para obtenção de material genético, salvo nos casos em que houver cooperação com o Governo Brasileiro;
1.2. armazenamento de material biológico ou dados genéticos humanos no exterior e no País, quando de forma conveniada com instituições estrangeiras ou em instituições comerciais;
1.3. alterações da estrutura genética de células humanas para utilização in vivo;
1.4. pesquisas na área da genética da reprodução humana (reprogenética);
1.5. pesquisas em genética do comportamento; e
1.6. pesquisas nas quais esteja prevista a dissociação irreversível dos dados dos participantes de pesquisa;
2. reprodução humana: pesquisas que se ocupam com o funcionamento do aparelho reprodutor, procriação e fatores que afetam a saúde reprodutiva de humanos, sendo que nessas pesquisas serão considerados “participantes da pesquisa” todos os que forem afetados pelos procedimentos delas. Caberá análise da CONEP quando o projeto envolver:
2.1. reprodução assistida;
2.2. manipulação de gametas, pré-embriões, embriões e feto; e
2.3. medicina fetal, quando envolver procedimentos invasivos;
3. equipamentos e dispositivos terapêuticos, novos ou não registrados no País;
4. novos procedimentos terapêuticos invasivos;
5. estudos com populações indígenas;
6. projetos de pesquisa que envolvam organismos geneticamente modificados (OGM), células-tronco embrionárias e organismos que representem alto risco coletivo, incluindo organismos relacionados a eles, nos âmbitos de: experimentação, construção, cultivo, manipulação, transporte, transferência, importação, exportação, armazenamento, liberação no meio ambiente e descarte;
7. protocolos de constituição e funcionamento de biobancos para fins de pesquisa;
8. pesquisas com coordenação e/ou patrocínio originados fora do Brasil, excetuadas aquelas com copatrocínio do Governo Brasileiro; e
9. projetos que, a critério do CEP e devidamente justificados, sejam julgados merecedores de análise pela CONEP;
IX.5 – fortalecer a participação dos CEP por meio de um processo contínuo de capacitação, qualificação e acreditação;
IX.6 – coordenar o processo de acreditação dos CEP, credenciando-os de acordo com níveis de competência que lhes possibilitem ser delegadas responsabilidades originárias da CONEP;
IX.7 – analisar e monitorar, direta ou indiretamente, no prazo estipulado em normativa, os protocolos de pesquisa que envolvam necessidade de maior proteção em relação aos seus participantes, em especial os riscos envolvidos. Deve, nesse escopo, ser considerado sempre em primeiro plano o indivíduo e, de forma associada, os interesses nacionais no desenvolvimento científico e tecnológico, como base para determinação da relevância e oportunidade na realização dessas pesquisas;
IX.8 – analisar e monitorar, direta ou indiretamente, protocolos de pesquisas com conflitos de interesse que dificultem ou inviabilizem a justa análise local;
IX.9 – analisar, justificadamente, qualquer protocolo do Sistema CEP/CONEP, sempre que considere pertinente; e
IX.10 – analisar, em caráter de urgência e com tramitação especial, protocolos de pesquisa que sejam de relevante interesse público, tais como os protocolos que contribuam para a saúde pública, a justiça e a redução das desigualdades sociais e das dependências tecnológicas, mediante solicitação do Ministério da Saúde, ou de outro órgão da Administração Pública, ou ainda a critério da Plenária da CONEP/CNS.
X – DO PROCEDIMENTO DE ANÁLISE ÉTICA
X.1 – DA ANÁLISE ÉTICA DOS CEP DAS COMPETÊNCIAS:
1. compete ao CEP, após análise, emitir parecer devidamente motivado, no qual se apresente de forma clara, objetiva e detalhada, a decisão do colegiado, em prazo estipulado em norma operacional;
2. encaminhar, após análise fundamentada, os protocolos de competência da CONEP, observando de forma cuidadosa toda a documentação que deve acompanhar esse encaminhamento, conforme norma operacional vigente, incluindo a comprovação detalhada de custos e fontes de financiamento necessários para a pesquisa;
3. incumbe, também, aos CEP:
a) manter a guarda confidencial de todos os dados obtidos na execução de sua tarefa e arquivamento do protocolo completo;
b) acompanhar o desenvolvimento dos projetos, por meio de relatórios semestrais dos pesquisadores e de outras estratégias de monitoramento, de acordo com o risco inerente à pesquisa;
c) o CEP deverá manter em arquivo o projeto, o protocolo e os relatórios correspondentes, por um período de 5 anos após o encerramento do estudo, podendo esse arquivamento processar-se em meio digital;
d) receber denúncias de abusos ou notificação sobre fatos adversos que possam alterar o curso normal do estudo, decidindo pela continuidade, modificação ou suspensão da pesquisa, devendo, se necessário, solicitar a adequação do Termo de Consentimento;
e) requerer a instauração de apuração à direção da instituição e/ou organização, ou ao órgão público competente, em caso de conhecimento ou de denúncias de irregularidades nas pesquisas envolvendo seres humanos e, havendo comprovação, ou se pertinente, comunicar o fato à CONEP e, no que couber, a outras instâncias; e
f) manter comunicação regular e permanente com a CONEP, por meio de sua Secretaria Executiva.
X.2 – DO PROCEDIMENTO DE ANÁLISE ÉTICA DA CONEP:
1. compete à CONEP, dentro do prazo a ser estipulado em Norma Operacional, emitir parecer devidamente motivado, com análise clara, objetiva e detalhada de todos os elementos e documentos do projeto;
2. compete, também, à CONEP, o monitoramento, direto ou indireto, dos protocolos de pesquisa de sua competência; e
3. aplica-se à CONEP, nas hipóteses em que funciona como CEP, as disposições sobre Procedimentos de Análise Ética dos CEP.
X.3 – DAS DISPOSIÇÕES COMUNS AOS CEP E À CONEP:
1. os membros do CEP/CONEP deverão isentar-se da análise e discussão do caso, assim como da tomada de decisão, quando envolvidos na pesquisa;
2. os CEP e a CONEP poderão contar com consultores ad hoc, pessoas pertencentes, ou não, à instituição/organização, com a finalidade de fornecer subsídios técnicos;
3. pesquisa que não se faça acompanhar do respectivo protocolo não deve ser analisada;
4. considera-se antiética a pesquisa aprovada que for descontinuada pelo pesquisador responsável, sem justificativa previamente aceita pelo CEP ou pela CONEP;
5. a revisão do CEP culminará em seu enquadramento em uma das seguintes categorias:
a) aprovado;
b) pendente: quando o CEP considera necessária a correção do protocolo apresentado, e solicita revisão específica, modificação ou informação relevante, que deverá ser atendida em prazo estipulado em norma operacional; e
c) não aprovado;
6. o CEP poderá, se entender oportuno e conveniente, no curso da revisão ética, solicitar informações, documentos e outros, necessários ao perfeito esclarecimento das questões, ficando suspenso o procedimento até a vinda dos elementos solicitados;
7. das decisões de não aprovação caberá recurso ao próprio CEP e/ou à CONEP, no prazo de 30 dias, sempre que algum fato novo for apresentado para fundamentar a necessidade de uma reanálise;
8. os CEP e a CONEP deverão determinar o arquivamento do protocolo de pesquisa nos casos em que o pesquisador responsável não atender, no prazo assinalado, às solicitações que lhe foram feitas. Poderão ainda considerar o protocolo retirado, quando solicitado pelo pesquisador responsável;
9. uma vez aprovado o projeto, o CEP, ou a CONEP, nas hipóteses em que atua como CEP ou no exercício de sua competência originária, passa a ser corresponsável no que se refere aos aspectos éticos da pesquisa; e
10. consideram-se autorizados para execução os projetos aprovados pelos CEP, ou pela CONEP, nas hipóteses em que atua originariamente como CEP ou no exercício de suas competências.
XI – DO PESQUISADOR RESPONSÁVEL
XI.1 – A responsabilidade do pesquisador é indelegável e indeclinável e compreende os aspectos éticos e legais.
XI.2 – Cabe ao pesquisador:
a) apresentar o protocolo devidamente instruído ao CEP ou à CONEP, aguardando a decisão de aprovação ética, antes de iniciar a pesquisa;
b) elaborar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido;
c) desenvolver o projeto conforme delineado;
d) elaborar e apresentar os relatórios parciais e final;
e) apresentar dados solicitados pelo CEP ou pela CONEP a qualquer momento;
f) manter os dados da pesquisa em arquivo, físico ou digital, sob sua guarda e responsabilidade, por um período de 5 anos após o término da pesquisa;
g) encaminhar os resultados da pesquisa para publicação, com os devidos créditos aos pesquisadores associados e ao pessoal técnico integrante do projeto; e
h) justificar fundamentadamente, perante o CEP ou a CONEP, interrupção do projeto ou a não publicação dos resultados.
XII – OUTRAS DISPOSIÇÕES
XII.1 – Cada área temática de investigação e cada modalidade de pesquisa, além de respeitar os dispositivos desta Resolução, deve cumprir as exigências setoriais e regulamentações específicas.
XII.2 – As agências de fomento à pesquisa e o corpo editorial das revistas científicas deverão exigir documentação comprobatória de aprovação do projeto pelo Sistema CEP/CONEP.
XII.3 – A presente Resolução, por sua própria natureza, demanda revisões periódicas, conforme necessidades das áreas ética, científica e tecnológica.
XIII – DAS RESOLUÇÕES E DAS NORMAS ESPECÍFICAS
XIII.1 – O procedimento de avaliação dos protocolos de pesquisa, bem como os aspectos específicos do registro, como concessão, renovação ou cancelamento e, também, da acreditação de Comitês de Ética em Pesquisa serão regulamentados por Resolução do Conselho Nacional de Saúde.
XIII.2 – O processo de acreditação dos Comitês de Ética em Pesquisa que compõem o Sistema CEP/CONEP será tratado em Resolução do CNS.
XIII.3 – As especificidades éticas das pesquisas nas ciências sociais e humanas e de outras que se utilizam de metodologias próprias dessas áreas serão contempladas em resolução complementar, dadas suas particularidades.
XIII.4 – As especificidades éticas das pesquisas de interesse estratégico para o SUS serão contempladas em Resolução complementar específica.
XIII.5 – Os aspectos procedimentais e administrativos do Sistema CEP/CONEP serão tratados em Norma Operacional do CNS.
XIII.6 – A tipificação e gradação do risco nas diferentes metodologias de pesquisa serão definidas em norma própria, pelo Conselho Nacional de Saúde.
Ficam revogadas as Resoluções CNS n.ºs 196/96, 303/2000 e 404/2008.
Esta Resolução entrará em vigor na data de sua publicação.
ALEXANDRE ROCHA SANTOS PADILHA
Presidente do Conselho
Homologo a Resolução CNS n.º 466, de 12 de dezembro de 2012, nos termos do Decreto de Delegação de Competência de 12 de novembro de 1991.
ALEXANDRE ROCHA SANTOS PADILHA
Ministro de Estado da Saúde
Código de Ética Médica
I – A Medicina é uma profissão a serviço da saúde do ser humano e da coletividade e será exercida sem discriminação de nenhuma natureza.
II – O alvo de toda a atenção do médico é a saúde do ser humano, em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional.
V – Compete ao médico aprimorar continuamente seus conhecimentos e usar o melhor do progresso científico em benefício do paciente.
VI – O médico guardará absoluto respeito pelo ser humano e atuará sempre em seu benefício. Jamais utilizará seus conhecimentos para causar sofrimento físico ou moral, para o extermínio do ser humano ou para permitir e acobertar tentativa contra sua dignidade e integridade.
XXV – Na aplicação dos conhecimentos criados pelas novas tecnologias, considerando-se suas repercussões tanto nas gerações presentes quanto nas futuras, o médico zelará para que as pessoas não sejam discriminadas por nenhuma razão vinculada a herança genética, protegendo-as em sua dignidade, identidade e integridade.
É vedado ao médico:
Art. 14. Praticar ou indicar atos médicos desnecessários ou proibidos pela legislação vigente no País.
Art. 15. Descumprir legislação específica nos casos de transplantes de órgãos ou de tecidos, esterilização, fecundação artificial, abortamento, manipulação ou terapia genética.
§ 1.º No caso de procriação medicamente assistida, a fertilização não deve conduzir sistematicamente à ocorrência de embriões supranumerários.
§ 2.º O médico não deve realizar a procriação medicamente assistida com nenhum dos seguintes objetivos:
I – criar seres humanos geneticamente modificados;
II – criar embriões para investigação;
III – criar embriões com finalidades de escolha de sexo, eugenia ou para originar híbridos ou quimeras.
§ 3.º Praticar procedimento de procriação medicamente assistida sem que os participantes estejam de inteiro acordo e devidamente esclarecidos sobre o mesmo.
Art. 17. Deixar de cumprir, salvo por motivo justo, as normas emanadas dos Conselhos Federal e Regionais de Medicina e de atender às suas requisições administrativas, intimações ou notificações no prazo determinado.
Art. 18. Desobedecer aos acórdãos e às resoluções dos Conselhos Federal e Regionais de Medicina ou desrespeitá-los.
Art. 20. Permitir que interesses pecuniários, políticos, religiosos ou de quaisquer outras ordens, do seu empregador ou superior hierárquico ou do financiador público ou privado da assistência à saúde interfiram na escolha dos melhores meios de prevenção, diagnóstico ou tratamento disponíveis e cientificamente reconhecidos no interesse da saúde do paciente ou da sociedade.
Art. 21. Deixar de colaborar com as autoridades sanitárias ou infringir a legislação pertinente.
Art. 31. Desrespeitar o direito do paciente ou de seu representante legal de decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em caso de iminente risco de morte.
É vedado ao médico:
Art. 99. Participar de qualquer tipo de experiência envolvendo seres humanos com fins bélicos, políticos, étnicos, eugênicos ou outros que atentem contra a dignidade humana.
Art. 100. Deixar de obter aprovação de protocolo para a realização de pesquisa em seres humanos, de acordo com a legislação vigente.
Art. 101. Deixar de obter do paciente ou de seu representante legal o termo de consentimento livre e esclarecido para a realização de pesquisa envolvendo seres humanos, após as devidas explicações sobre a natureza e as consequências da pesquisa.
Parágrafo único. No caso do sujeito de pesquisa ser menor de idade, além do consentimento de seu representante legal, é necessário seu assentimento livre e esclarecido na medida de sua compreensão.
Art. 102. Deixar de utilizar a terapêutica correta, quando seu uso estiver liberado no País.
Parágrafo único. A utilização de terapêutica experimental é permitida quando aceita pelos órgãos competentes e com o consentimento do paciente ou de seu representante legal, adequadamente esclarecidos da situação e das possíveis consequências.
Art. 103. Realizar pesquisa em uma comunidade sem antes informá-la e esclarecê-la sobre a natureza da investigação e deixar de atender ao objetivo de proteção à saúde pública, respeitadas as características locais e a legislação pertinente.
Art. 104. Deixar de manter independência profissional e científica em relação a financiadores de pesquisa médica, satisfazendo interesse comercial ou obtendo vantagens pessoais.
Art. 105. Realizar pesquisa médica em sujeitos que sejam direta ou indiretamente dependentes ou subordinados ao pesquisador.
Art. 106. Manter vínculo de qualquer natureza com pesquisas médicas, envolvendo seres humanos, que usem placebo em seus experimentos, quando houver tratamento eficaz e efetivo para a doença pesquisada.
Art. 107. Publicar em seu nome trabalho científico do qual não tenha participado; atribuir-se autoria exclusiva de trabalho realizado por seus subordinados ou outros profissionais, mesmo quando executados sob sua orientação, bem como omitir do artigo científico o nome de quem dele tenha participado.
Art. 108. Utilizar dados, informações ou opiniões ainda não publicados, sem referência ao seu autor ou sem sua autorização por escrito.
Art. 109. Deixar de zelar, quando docente ou autor de publicações científicas, pela veracidade, clareza e imparcialidade das informações apresentadas, bem como deixar de declarar relações com a indústria de medicamentos, órteses, próteses, equipamentos, implantes de qualquer natureza e outras que possam configurar conflitos de interesses, ainda que em potencial.
Art. 110. Praticar a Medicina, no exercício da docência, sem o consentimento do paciente ou de seu representante legal, sem zelar por sua dignidade e privacidade ou discriminando aqueles que negarem o consentimento solicitado.
O homem será sempre a realidade primeira, origem e fim de qualquer sociedade organizada. A vida humana é, portanto, o bem mais fundamental, e o estado garante essa integridade como um interesse acima de todos os outros. É a forma mais racional de garantir a sua existência e perpetuidade.
Essa proteção não visa apenas ao interesse do próprio indivíduo, mas, antes de tudo, ao interesse ético-político da coletividade. Assim, desde o momento da fecundação, com a formação do ovo pela união dos gametas masculino e feminino, começa o estado a resguardar essa vida, com o rigor da sanção punitiva. O bem jurídico protegido é a vida humana, em qualquer circunstância e em qualquer fase de seu desenvolvimento. Aqui, o conceito de vida é eminentemente biológico e não jurídico-civil. É, portanto, a vida o estado em que se encontra o ser humano animado, quaisquer que sejam suas condições físicas e psíquicas.
Dessa maneira, toda ameaça à integridade física ou à saúde do homem, como, por exemplo, uma experimentação científica, é, indiscutivelmente, um ato ilícito, mesmo que haja voluntariedade nessa permissão.
A pesquisa em seres humanos é tão antiga quanto a medicina, pelo seu caráter especulativo e observador, e continuará sempre pela necessidade de avançar em novos processos diagnósticos, terapêuticos e preventivos.
Já no Cânones da Medicina, escrito pelos chineses 200 anos a.C., e no Juramento Hindu de Iniciação, havia referências ao assunto, embora muito vagamente. A experimentação científica foi mencionada de forma bem precisa, pela primeira vez, no juramento da Escola Médica de Berlim.
Em 1946, a Associação Médica Americana, através do Comitê Médico Americano para Experiência de Guerra, estabelece três princípios que deveriam ser levados em conta nas pesquisas com seres humanos:
1. consentimento voluntário do experimentado;
2. conhecimento prévio dos riscos da pesquisa em animais;
3. execução, proteção e acompanhamento médico na experimentação.
Em 1949, a Associação Médica Mundial edita o Código Internacional de Ética Médica, trazendo apenas num dos seus enunciados que “qualquer ato ou conselho que possa enfraquecer física ou moralmente a resistência do ser humano só poderá ser admitido em seu próprio benefício”. Embora seja esse Código omisso na disciplinação da experimentação científica, uma coisa ficou definida: a pesquisa tem sua licitude garantida quando é feita em favor do experimentado.
Somente em 1964, durante a 18.ª Assembleia da Associação Médica Mundial, adotou-se a Declaração de Helsinque, na qual aprovava-se um conjunto de normas éticas que disciplina a pesquisa, apontando diferenças entre a experimentação clínica combinada com o tratamento e a pesquisa clínica não terapêutica. Há muitos pontos de divergência com o Código de Nüremberg.
Hoje, o documento básico sobre ética na pesquisa científica em seres humanos é a Declaração de Helsinque II, adotada em 1975, em Tóquio, onde foram incluídas algumas cláusulas, entre as quais a de o protocolo experimental ser aprovado por uma comissão independente, de o protocolo conter fundamentos éticos e referências à obediência aos princípios dos termos originais da Declaração de Helsinque e de não aceitação de publicação em revistas científicas quando em desacordo com a nova versão dessa Declaração.
Mais recentemente, o Conselho Nacional de Saúde, através da Resolução número 196, de 10 de outubro de 1996, estabeleceu, no item destinado aos aspectos éticos da pesquisa em seres humanos, que qualquer experimentação nesse particular deve ter em conta o critério de respeito à sua dignidade e a proteção de seus direitos e bem-estar (ver final deste Capítulo).
Quando a experiência é ilícita, nosso Código disciplina em espécie própria, caracterizada pela situação de perigo a que expõe um indivíduo. Para ser configurado o delito, basta a ação ou omissão que leve a uma circunstância objetiva de probabilidade de dano à integridade do ser humano.
Portanto, não há necessidade de que se realize o dano, pois por essa situação responderia o agente por crime mais grave, como, por exemplo, de lesões corporais de natureza grave ou gravíssima, ou homicídio. Basta apenas a consciência de que determinada prática pode levar a vítima a perigo grave e iminente.
Diante disso, é fácil entender-se que o crime é eminentemente de perigo, e, desde que o indivíduo esteja em risco de sofrer um dano, aí está consumada a infração. Destarte, não há por que negar que a experimentação científica especulativa in anima nobili constitui-se, inegavelmente, no crime de periclitação da vida e da saúde, pois foi criada uma situação de perigo para a incolumidade pessoal do experimentado.
É princípio indiscutível e consagrado que o corpo humano é inviolável e inalienável. É res sacra.
Mesmo sendo a Medicina uma ciência viva e dinâmica, não é ela um valor absoluto ao qual todos os outros devam estar sistematicamente subordinados. Começa ela a encontrar objeções quando surgem as prerrogativas que amparam e protegem a dignidade humana. Seu progresso conseguido através de experimentações no homem não justifica para a humanidade o sacrifício de uma só criatura. É preferível correr o risco da demora do que precipitar-se na pressa e na audácia, que são muitas vezes a tentação da glória e da fama, muito mais no interesse de quem realiza do que propriamente de quem está sendo experimentado.
A Moral e o Direito não são freios às conquistas da ciência, mas, neste caso, uma forma conciliatória de harmonizar o progresso tecnológico e científico com os interesses do indivíduo e da comunidade.
O homem não é dono absoluto do seu próprio corpo. É apenas um administrador de sua vida, realizando seu destino, com direito a usufruir de sua existência. Não tem o direito ilimitado de autorizar uma prática lesiva contra si. Também não é lícito e admissível o cientista fazer experimentação em si próprio. O homem dispõe de um direito relativo sobre seu corpo.
Aceita-se a licitude da experimentação quando ela responde unicamente ao interesse do próprio experimentado. Qualquer pesquisa científica sobre um paciente sem as considerações desse interesse é, indubitavelmente, condenável. O médico não pode usar seu paciente como simples material de estudo. Se o homem tem sobre seu corpo um direito limitado, muito mais limitado é o direito do médico, cuja missão é preservar a vida até onde suas forças e sua ciência o permitam.
Toda experimentação deve ter um fim essencialmente terapêutico, e por isso não se pode considerar prática honesta o uso de pessoas humanas com o único objetivo de pesquisar.
Não se pode negar que a coletividade esteja diretamente interessada no progresso das ciências, e que todos devem colocar à disposição da pesquisa científica os meios que lhe são indispensáveis. No entanto, é necessário saber sempre se esse interesse não se sobrepõe aos inconvenientes que certamente tais experiências podem trazer ao homem. Mesmo que a sociedade venha a ter interesse sobre determinada pesquisa experimental, não se justifica tal procedimento. Devem-se criar situações em que se equilibrem os interesses da coletividade e do indivíduo em si mesmo.
As vantagens que possam advir para um agregado humano não se constituem em liceidade, nem se apresentam como corolário indispensável à justificativa de uma experimentação.
Muitas vezes, um ato de generosidade parece, de princípio, plenamente aceitável porque, ao lado da profunda abnegação pelo semelhante, poderia, inclusive, revestir-se de certo heroísmo. Ainda assim, esse consentimento não garante a legitimidade da operação, pois a vontade individual não pode prevalecer sobre o interesse de todos, cujas diretrizes foram traçadas dentro de um critério ajustável à ordem pública e ao interesse social.
A despeito disso, sabe-se que nenhuma regra é absoluta. Assim, administrar, pela primeira vez, um novo medicamento, ou uma técnica cirúrgica nova em primeira mão, numa pessoa à beira da morte, quando todos os recursos convencionais foram exauridos, não pode ser considerado como simples experiência, mas um meio extremo, na tentativa de salvar uma vida. Se essas práticas fossem consideradas sempre ilícitas, o progresso da ciência médica estaria irremediavelmente prejudicado. É necessário, portanto, que se estabeleça um limite entre uma simples experimentação e uma conduta heroica de arrastar alguém da morte.
Entre a experiência puramente científica e a tentativa arriscada de salvar um homem por um processo ainda não utilizado, quando todos os outros se mostram impotentes, existe uma grande diferença, embora a técnica e a ciência possam tirar proveito de tais situações. Num certo sentido, pode-se afirmar que a Medicina, como algumas ciências, é amoral, mas cabe ao médico conduzir sua arte e sua ciência dentro de um critério justo, puro e nobre.
Fazer uso de uma droga em um caso de câncer considerado incurável, onde todos os meios convencionais foram utilizados, é completamente diferente das tristes e reprováveis experiências nazistas de 1938-1945 na Alemanha. Entre as pesquisas de Pasteur e as realizadas deploravelmente em indefesos prisioneiros nos campos de concentração nazistas, existe uma tremenda e cruel diferença.
Mesmo nas clínicas universitárias, onde o internado não é apenas um doente, mas a motivação do ensino prático da Medicina aos estudantes, devem-se usar sempre a conduta mais acertada e a terapêutica mais eficaz. Jamais poderíamos admitir que tais clínicas subordinassem o interesse terapêutico dos doentes aos interesses didáticos e científicos. Esses pacientes não podem ser, em hipótese alguma, simples instrumento de experimentação.
O Código Internacional de Ética Médica, adotado pela 3.ª Assembleia-Geral da Associação Médica Mundial, estabeleceu no Título “Deveres dos Médicos em Geral” que: “Qualquer ato ou conselho que possa diminuir a resistência do ser humano só pode ser admitido em seu próprio interesse”.
Na Declaração de Helsinque, a Associação Médica Mundial adotou, pela 18.ª Assembleia Médica Mundial, um guia de recomendações em pesquisa clínica, onde, no item 2.1, lê-se: “No tratamento de uma pessoa doente, terá o médico liberdade para usar uma nova medida terapêutica se, a seu ver, oferece ela a esperança de salvar a vida, restabelecendo a saúde ou aliviando o sofrimento”.
Também na Declaração de Genebra está prescrito: “Manterei o mais alto respeito pela vida humana desde a concepção”.
Em 1947, em Paris, no I Congresso da Associação Médica Mundial, foi proposto por Charles Richet, e aprovado por unanimidade, que se acrescentasse ao Juramento de Hipócrates: “Meu dever, superior a qualquer outro, escrito ou não escrito, será cuidar o melhor possível de quem me for confiado ou que se confiar a mim; respeitar sua liberdade moral, opor-me a toda sevícia que queiram praticar nele e recusar meu concurso a qualquer autoridade que, para esse fim, me pedir que atue, quer esse doente seja meu amigo ou meu inimigo, mesmo em tempo de guerra ou de perturbações internas. Sejam quais forem suas opiniões, sua raça, seu partido, sua classe social, sua pátria, sua religião, meus cuidados e minha preocupação pela dignidade humana serão os mesmos”.
Essa iniciativa foi motivada pelas terríveis experiências praticadas por médicos alemães nos campos de concentração nazistas, durante a II Guerra Mundial, onde, através de falsas e pretensas pesquisas, cujos resultados nada acrescentaram à ciência e que enchiam de pasmo e horror o mundo inteiro, foram sacrificadas inúmeras vidas, inoculando-se tifo e câncer nos pacientes, provocando-se queimaduras de 1.º e 2.º graus com compostos de fósforo, ministrando-se doses de substâncias tóxicas, esterilizando-se em larga escala, amarrando-se as pernas das mulheres na hora de parir, entre outras atrocidades.
Tais fatos até hoje vivem a inquietar a consciência de todos, porque um povo de tão grandes tradições e de tão sólida cultura aceitou, passivamente, práticas dessa natureza. A única explicação plausível é a de terem acertado, pouco a pouco, pequenas experiências no homem, com a ingênua e pretensiosa ideia de se criar uma raça superior.
A melhor maneira de evitar que se chegue a uma situação idêntica àquela é sermos radicalmente contrários a toda e qualquer espécie de experimentação científica no ser humano, a não ser que essa prática seja em seu próprio e vital interesse. Uma pesquisa é indiscutivelmente lícita desde que realizada, como último recurso, num doente onde a terapêutica convencional tenha falhado.
Fato notório que não pode ser esquecido é o de Neisser. Encontrando uma criança à morte por escrofulose, inoculou gonococos por via venosa. O pequeno paciente não morreu, mas adquiriu, em consequência, blenorragia. O tribunal de Breslau condenou o experimentador à multa e à pena de detenção, pela prática de experimentação humana.
Ao contrário, considera-se louvável a experiência de Pasteur. Estudava a vacina antirrábica em animais e, ao encontrar um pequeno pastor mordido por um cão raivoso, não hesitou em aplicá-la pela primeira vez no ser humano, tendo a felicidade de salvá-lo. Foi uma prática lícita, pois visou à saúde do enfermo.
Seja como for, apenas como único recurso terapêutico, ou se com a finalidade curativa em benefício do paciente, pode-se admitir a liceidade da experimentação. Jamais com o caráter simplesmente especulativo.
Ninguém tem o direito de permitir, nem tampouco exigir, que alguém se submeta a pesquisas científicas, quando essas práticas, por si sós, acarretam danos à vida e à saúde.
Concluindo, podemos afirmar que absolutamente nada justifica a experiência especulativa no homem. Nem o progresso da técnica, nem o da ciência, nem a voluntariedade da pessoa, nem o bem da coletividade, a não ser que exista uma perspectiva curativa em favor do experimentado.
A partir do momento em que se tornaram mais e mais viáveis certas manipulações no campo das ciências biológicas, necessita-se de uma reformulação ou de uma adaptação às ciências do comportamento. É preciso balizar esse “mundo novo” na dimensão que merece a dignidade de cada homem e de cada mulher, e dizer ao mais afoito que ele não é onipotente e que suas investidas são moralmente perturbadoras.
Aqui trataremos não só do direito à integridade física e moral assegurado constitucionalmente a cada ser humano – como o de não sofrer sevícias e torturas, ou de não ser submetido a outras formas de tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante –, mas, principalmente, do direito de ser protegido contra as manipulações biológicas de interesses condenáveis, como as experiências especulativas e as manobras reprováveis em torno da reprodução humana.
Incontestável é que as descobertas científicas mais recentes e o extraordinário progresso da tecnologia aumentam, dia a dia, o poder do homem sobre a natureza. Mas não se pode esquecer que crescem, ao lado disso, os perigos da destruição da vida. Desse modo, é preciso deixar nossa consciência em vigília permanente ao descompasso entre o bem e o mal, segundo os padrões éticos e morais da civilização a que pertencemos, para que a natureza humana jamais possa ser desvirtuada.
Para se ter respostas imediatas a tantas questões, seria indispensável um entendimento muito transparente e definitivo, pelo menos, para alguns problemas como o destino dos embriões congelados após o uso da reprodução chamada assistida; a decisão sobre regime de filiação e da sucessão na heteroprocriação assistida; a licitude da clonação com a produção de indivíduos iguais e em série; a possibilidade da gravidez masculina, da fecundação entre gametas humanos e animais e da gestação de embriões humanos por animais; a modificação intencional do código genético humano para formação de um indivíduo “melhorado”; entre outros.
O fato é que, se de um lado ninguém nega as vantagens do progresso técnico-científico no terreno da biologia, despertando esperanças entre os que padecem de perturbações causadas pelas desordens genéticas, por outro, há exigência da proteção dos valores que consagram a dignidade da pessoa humana e a imperiosidade da preservação da vida humana. O valor da vida é tão grande que a cultura humana tenta preservá-la até mesmo nos momentos mais precários e excepcionais, como, por exemplo, nos conflitos internacionais, na hora em que o direito da força se instala e quando tudo é paradoxal e inconcebível. Ainda assim o bem da vida é de tal magnitude que a intuição humana tenta protegê-la contra a insânia coletiva, criando-se regras que impeçam sacrifícios inúteis. Todos se empenham no reencontro da mais indeclinável de suas normas: o respeito pela vida humana.
A primeira coisa a ser considerada, portanto, no que se refere ao direito à integridade biológica, é que essas intervenções ocorrem sobre o homem e que elas podem afetar não apenas seu corpo, mas sua dignidade. Não se trata, pois, de uma simples questão moral ou de uma opinião política, senão da preservação do próprio homem, no seu contexto mais amplo. O perigo está, por isso, mais para diante, em se estender o conceito utilitarista de pessoa que hoje já exclui os nascituros e os pacientes terminais, ou estimular a “coisificação” do corpo humano, divorciando o conceito de pessoa de sua estrutura corporal, ou estimulando qualificações entre o indivíduo da espécie humana e pessoa.
Assim, a intervenção indiscriminada e eminentemente especulativa à integridade biológica do ser humano, principalmente no que se refere à manipulação genética, constitui atentado à espécie humana e à dignidade da pessoa concreta, principalmente se isso é capaz de alterar a descendência, estimular a coletivização e descaracterizar a pessoa como pessoa. Há certas áreas da pesquisa, entre elas a da pesquisa genética em fetos e embriões, que não receberam ainda um cuidado mais imediato nos seus aspectos éticos e legais, certamente porque são seres humanos não considerados como pessoas.
Existe uma considerável demanda de situações novas a exigir do Direito respostas e soluções nesses intricados assuntos da biotecnologia. Mesmo sabendo-se que tais temas pertencem a um acervo muito recente do conhecimento humano, essa contribuição será insuprível na regulamentação das técnicas e no destino das aplicações às necessidades da população, e que existe uma tradição na nossa ordenação jurídica em questões dessa ordem, quase a garantir a autonomia dos que promovem programas mais sofisticados. A tradição é legislar a partir de uma noção consensual e insuspeita, e não sobre o que deriva das necessidades mais prementes.
Pelo menos no que tange à reprodução assistida, será necessário que se criem normas de bioética precisas e uma política de controle sobre as intervenções genéticas, evitando os tribunais paralelos da eugenia, como já se vem fazendo no “controle da qualidade dos bebês”, através do exame no líquido amniótico, descartando-se os fetos de “má qualidade” ou eliminando os considerados “fora de padrão”, por meio do chamado aborto eugênico.
Espera-se que o Congresso Nacional aprove lei, a exemplo de outros países, sobre ética e segurança de experimentos biológicos, com regras definidas e proibições abrangentes a respeito de patentes de genes; terapias genéticas e alterações gênicas em animais que lhes causem sofrimentos ou defeitos orgânicos; manipulação, produção e conservação de embriões humanos; patenteamento de sequências do DNA; modificação do material genético de pessoas vivas, com exceção para o tratamento de doenças; e liberação na natureza de partículas do DNA ou organismos geneticamente transformados capazes de vida livre independente.
Estamos sob a égide de uma Constituição que orienta o estado no sentido da “dignidade da pessoa humana”, tendo como normas a promoção do bem comum, a garantia da integridade física e moral do cidadão e a proteção incondicional do direito à vida. Torna-se evidente a necessidade do controle das manipulações biológicas, com normas específicas, como fator indispensável na manutenção da ordem pública e do equilíbrio social. Seu fim precípuo é a criação de meios e condições para que as pessoas sejam protegidas em todos os seus valores e que elas possam desenvolver plenamente todas as suas aptidões e ocuparem o lugar que está destinado a cada um de nós. Mesmo que as ciências biológicas sejam uma área do conhecimento viva e dinâmica, não são valores absolutos a que todos os outros devam estar sistematicamente subordinados. Começam eles a merecer objeções quando comprometem o indivíduo ou os interesses de ordem social. Essa proteção, portanto, não visa apenas à defesa da própria pessoa, mas, antes de tudo, ao interesse ético-político da coletividade. Qualquer ameaça à integridade física ou à saúde de um único homem numa intervenção especulativa é, indubitavelmente, um ato de lesa-humanidade, um atentado contra todos os homens.
A humanidade vive uma crise que remonta os valores e conceitos que ela tem sobre si mesma. É a crise da identidade do homem e do seu relacionamento com a realidade. A ideia de que o ser humano é a medida de todas as coisas começa a perder o seu sentido nos dias de hoje.
Uma das razões desta mudança certamente está no fato de que a ciência e a tecnologia conseguiram modelar um tipo de relacionamento entre o homem e a natureza, marcado pelo descompasso entre as ciências naturais e as ciências humanas. E tudo isto tem um sentido: a incorporação da cultura pelo capital que, entre outros, dita um código de propriedade e protege o direito de patente.
A primeira advertência que se conhece a este respeito partiu da Organização das Nações Unidas em 1975, através do documento chamado Declaração sobre a Utilização do Progresso Científico e Tecnológico no Interesse da Paz e em Benefício da Humanidade, onde se exalta o progresso como forma de melhorar as condições de vida dos povos e das nações, mas chama atenção para os seus perigos, principalmente no que se refere aos direitos humanos e às liberdades fundamentais dos indivíduos.
Ninguém discute que a ciência e a tecnologia constituam na atualidade a principal força produtiva da sociedade. Nem podemos deixar de reconhecer que a não tecnologia é uma atitude antiética. Portanto, o que se discute não é a tecnologia em si, mas sua tirania, seu monopólio na construção da convivência humana. Até podemos necessitar dela, porém sem o seu caráter de dominação e de hegemonia. Enfim, o importante será mantermos sempre uma reflexão ética ajustada aos novos paradigmas científicos sem o racionalismo utilitarista que se utiliza a sociedade consumista.
A ciência necessita conviver dentro de uma ordem ditada pela deontologia e moldada em regras de conduta que balizem os deveres e obrigações dos seus agentes, principalmente quando esta nova ordem permitiu uma mudança nunca imaginável. Assim, este formidável avanço, mesmo significativo pelos grandes resultados, não poderia passar sem uma análise mais cuidadosa, sempre no sentido de preservar os interesses do progresso e a dignidade humana.
Os avanços biotecnológicos podem ser classificados em três categorias: 1. os que permitem a cura das doenças a custo moderado; 2. os que facilitam e fazem prevenir as doenças e a promoção da saúde com pouco gasto; 3. os que permitem manter a saúde e uma qualidade de vida aceitável, porém para sua manutenção necessitam grandes investimentos materiais e humanos.
Este último tipo de avanço tecnológico é o que cria os maiores dilemas frente à necessidade de progredir tecnologicamente e de avançar em termos de saúde. Além do mais é necessário entender que o fato de determinado procedimento ser tecnicamente consagrado não implica necessariamente, de forma absoluta, que seja eticamente certo. Assim, o ato médico disponível pode ser visto por dois aspectos: o do procedimento correto e o da retidão moral.
Ninguém nega que as ciências da saúde associadas à tecnologia têm oportunidades maiores de diagnosticar e curar pela sua precisão, mesmo levando-se em conta o seu alto custo e o seu risco cada vez maior. A prática atual das ações de saúde mostra que já nos deparamos com terríveis conflitos éticos quando se discute a transplantologia de massa e as modernas técnicas de imagem que, apesar dos induvidáveis resultados, seus elevados custos limitam a assistência de um número considerável de outros indivíduos que necessitam de diagnóstico e de tratamento.
Salta à vista de todos o emprego abusivo dos meios tecnológicos na prática médica hodierna, quando muitos ainda ignoram a utilidade e os resultados das provas que solicitam. Some-se a isso a omissão do profissional na participação crítica do processo de transformação que se verifica em seu derredor.
Vivemos tempos em que se depende de forma crescente da ciência e da tecnologia, seja nos processos de produção, de educação e de comunicação e transporte, seja no campo das ciências da saúde. Verdade se diga, muitas têm sido as contribuições que se conquistam no sentido de aumentar a esperança de vida. Todavia, na esteira desta melhoria das condições de vida surgem alguns problemas e riscos que exigem uma reflexão mais demorada. Assim, não é mistério o perigo da contaminação, a deterioração do meio ambiente, o empobrecimento da flora e da fauna, os acidentes e as doenças relacionadas à tecnologia.
A ciência e a tecnologia são instrumentos irrecusáveis na transformação do nosso mundo, das nossas relações e dos nossos costumes. No entanto, não são fatores que apenas por si justifiquem os meios. O perigo do avanço da tecnologia no campo biomédico é perdermos a dimensão das pessoas como seres humanos e descaracterizarmos a medicina como arte.
O grande problema é não usar a ciência e a tecnologia nos segredos da vida como quem age num jogo de azar, como dizia Hans Jonas (El principio de la responsabilidad: ensayo de una ética para la civilización tecnológica, Barcelona: Herder, 1995). Quando se reporta, por exemplo, à manipulação genética, faz as seguintes indagações: Estamos qualificados para essa tarefa? Quem serão os escultores da nova imagem do homem? Segundo que critérios? Obedecendo a que modelos? Teremos o direito de alterar nosso patrimônio genético? Finalmente, adverte: “Ante o potencial quase escatológico de nossa tecnologia, a ignorância sobre as últimas consequências de nossos atos será em si mesma razão suficiente para uma moderação responsável”.
Miguel Unamunu (La vida literaria, Madrid: Espasa-Calpe, 1977) definiu o paciente como “um ser humano, de carne e osso, que sofre, ama, pensa e sonha”. Nem sempre nos lembramos do que é justo e necessário.
Não podemos omitir o fato de as ciências da saúde terem tomado rumos diferentes das ciências de antigamente. Uma verdadeira multidão de acontecimentos e situações começa a se verificar em nosso derredor como contingência da modernização de meios e de pensamentos. Não estamos mais na época em que o profissional de saúde exercia, de forma quase solitária e espiritual, uma atividade junto a quem pessoalmente conhecia.
Este extraordinário e excitante progresso obrigou o profissional de saúde a enfrentar situações novas, algumas delas até em conflito com seu compromisso histórico. Situações jamais imagináveis começam a compor a rotina comum da prática médica, como os transplantes de órgãos e tecidos, a fertilização assistida, o descarte de embriões e o próprio uso da cartografia do gene humano. E do desdobramento disso, a necessidade de se criar limites de regras éticas, colocando cada coisa no seu devido lugar: de um lado, a necessidade de se propiciar condições de vida e de saúde cada vez melhor; de outro, a preocupação de não se descuidar da dignidade humana.
A Medicina-Arte, por exemplo, agoniza nas mãos da Medicina-Técnica. A erudição médica vai sendo substituída por uma sólida estrutura instrumental. O médico de família morreu. Deu lugar ao técnico altamente especializado, que trabalha de forma fria e impessoal, voltado quase que exclusivamente para esses meios extraordinários que a tecnologia do momento pode oferecer. Surge o profissional de plantão, ou de turno.
O ensino das profissões de saúde têm profundas implicações com a tecnologia moderna, e as escolas que formam estes assumem um grande papel neste particular, em virtude da possibilidade de que dispõem os hospitais universitários em termos de diagnósticos e procedimentos.
Por incrível que pareça, no campo didático, os fundamentos da semiologia são empanados pelas máquinas de tratamento e diagnóstico. Este cientificismo exagerado das práticas didáticas, desvinculado da arte propedêutica, cria uma relação estranha entre o médico e o paciente, pois o que se verifica é muito mais uma relação entre o profissional e o equipamento.
Entende-se que, nas ciências da saúde, formar um profissional não é apenas um processo de ensino, mas é também um processo de relações de ensino. No primeiro tem-se um cronograma de metas de meios e condutas na sua formação profissional. Já o processo de relações de ensino é uma filosofia que reflete sobre vínculos entre professores e alunos com vistas ao papel que cada novo profissional desempenhará em favor da sociedade.
Dentro desta concepção, a opção por uma “medicina armada” leva de forma inexorável à criação de uma “formação médica tecnológica”. A educação médica, notadamente nos hospitais universitários, assimilam propostas que servem muito mais às empresas e fabricantes de modernos aparelhos do que à criação de um modelo de serviços e estratégias em favor dos níveis de vida e de saúde dos indivíduos e das populações.
A partir dos anos 80 verificou-se entre nós um movimento articulado principalmente pelas associações de docentes médicos no sentido de promover reformas educacionais nas escolas médicas. Tais reformas teriam como justificativa a própria reorganização da prática médica em face das modificações que chegavam da prática em saúde individual e coletiva.
A OPAS, em 1992, junto com as associações nacionais de educação médica latino-americanas, apontou em um documento de referência intitulado As mudanças na profissão médica e sua influência sobre a educação médica severas críticas à incorporação tecnológica indiscriminada, nos seguintes termos: a) há necessidade de gerar um novo modelo científico, biomédico e social que projete e fundamente um novo paradigma educacional em função do indivíduo e da sociedade; b) há necessidade de um novo sistema de valores que transcenda a influência da mudança da prática, reconstrua a ética do exercício profissional e garanta a função social do atendimento às necessidades de saúde da população; c) há vantagens no desenvolvimento de trabalho interdisciplinar e de metodologias problematizadoras.
Em suma, todo este esforço na conquista dos meios tecnológicos só se justifica se eles servirem para desenvolver nos futuros médicos uma compreensão não apenas do que é mais moderno e avançado, senão também uma estratégia capaz de estabelecer uma relação médico-paciente e médico-família dentro de padrões éticos, técnicos e humanísticos legítimos e adequados a cada realidade. Ou seja, formar profissionais mais solidários, críticos e criativos, capazes de utilizarem os meios tecnológicos disponíveis politicamente, subordinando o desenvolvimento tecnológico aos interesses e necessidades da saúde da população e do exercício digno, responsável e de qualidade.
Não é exagero dizer, portanto, que a saúde e a doença, como fenômenos puramente sociais, exigem soluções políticas. Reclama-se do médico uma saída imediata em busca de uma conscientização crítica, no sentido de não perder seu direito de decisão. Ele não pode permanecer na periferia das doenças. Tem de reduzir seu poder sobre o indivíduo e ampliar sua capacidade de intervenção sobre o meio. Assim, as regras éticas contemporâneas, mesmo sem se distanciarem das influências hipocráticas, serão necessariamente incorporadas às ideias oriundas de muitos anos de exercício profissional, de sentidas reflexões e de duros confrontos.
Fica muito difícil justificar uma evolução tão fantástica da tecnologia e das ciências médicas que não esteja seriamente comprometida com a melhoria de vida e com o bem-estar das pessoas, mas que se incline deliberadamente como forma de dominação e usurpação da cultura médica pela máquina.
A Declaração de Genebra prescreve em tom solene: “Manterei o mais alto respeito pela vida humana desde a concepção”. E o Código Internacional de Ética Médica, adotado pela Terceira Assembleia-Geral da Associação Médica Mundial: “Qualquer ato ou conselho que possa diminuir a resistência do ser humano só pode ser admitido em seu próprio interesse”. Iniciativas como essas exaltam, entre outros, o repúdio às terríveis e torpes experimentações praticadas por médicos alemães nos campos de concentração, durante a II Guerra Mundial, cuja lembrança vive até hoje inquietando a consciência de todos. Cientistas de mentes frias e sujas, em nome da ciência, utilizaram indefesos prisioneiros como cobaias das mais indecentes experiências. Agora, há repetidas denúncias da Anistia Internacional de que médicos estariam participando no Cone Sul de sessões de tortura, ora aplicando o “soro da verdade”, ora verificando as condições físicas do interrogado para resistir às sevícias, ou, ainda, como recuperadores dos presos quando anunciada a quebra da sua incomunicabilidade. Sentimentos como esses começaram, tenho certeza, com a aceitação de simples experimentações científicas no homem.
A experimentação em indivíduos sadios, qualquer que seja seu alcance, não se recomenda. Qualquer que seja o progresso conseguido através de tais resultados não justifica, para a Humanidade, o sacrifício de uma só pessoa. A experiência só é lícita quando ela atende ao interesse do próprio doente.
Ainda que os médicos, por exemplo, estejam expostos diariamente às injunções manipuladoras e às pressões da indústria farmacêutica internacional, a finalidade da ação terapêutica é no sentido de resgatar a normalidade das funções mais importantes ou das estruturas mais significativas. Já a experimentação científica de caráter exclusivamente especulativo transforma o indivíduo numa aventura. Não se pode negar, nessa atitude, um procedimento imoral.
Outra coisa: o fato de o experimentado estar ciente da experimentação que lhe é feita nem sempre é moralmente correto, pois o que se tem verificado, na maioria das vezes, é a habilidade e o esforço dissimulador da intenção especulativa, escamoteada por motivações “justas” e “necessárias”. A licitude de um ato não está no seu consentimento, mas na sua necessidade e na sua legitimidade.
Assim, mesmo que a permissão tenha todas as aparências e justificativas de idoneidade, e que exista aquiescência por escrito, chega-se à conclusão de que a vida e a saúde de um indivíduo são bens inalienáveis e irrecusáveis, os quais o bem comum tem interesse em resguardar de forma irrestrita e incondicional. Ninguém pode dar a si mais direitos e privilégios do que a lei e a moral lhe outorgam, nem modificar em proveito próprio aquilo que já está juridificado pelo bom senso e pelo interesse coletivo.
As ciências necessitam mais e mais de progredir. Algumas vezes, até pela observação de seus resultados mais fantásticos e inesperados. No entanto, isso não justifica a violência sobre um só homem, qualquer que seja sua condição, qualquer que seja o progresso pretendido.
Finalmente, é preciso que a comunidade esteja sempre vigilante e organizada. Primeiro, para saber quais são os critérios e quem são as pessoas que podem ser envolvidas numa investigação científica. Depois, o mais importante: quem controlará o pesquisador? Mesmo se dizendo que projetos dessa natureza exigem uma legislação específica, faz-se mister repetir que a qualidade da lei depende muito da opinião pública e da participação cada vez mais efetiva da coletividade, como meio de purificar essa lei. Ninguém pode permanecer fora dessa responsabilidade. Estão em jogo a sorte das liberdades humanas e o destino da pessoa como espécie.
Não há como omitir as vantagens que possam advir do uso correto e programado da Genética, no sentido de favorecer o homem e o seu meio, de prevenir e curar doenças e de corrigir os ecossistemas. Todavia, em face da sua má utilização, podem surgir a “programação de pessoas”, o “controle da sociedade” e o “domínio da natureza”.
Mesmo que exista teoricamente uma possibilidade incalculável de informações no material genético indefinido, o cientista não pode especular sobre isso, muito menos fazer tudo o que a ciência permite.
É necessário fazer uma diferença entre Genética Clínica e Genética. A primeira tem como proposta o paciente e sua árvore genética. A segunda está preocupada com a pesquisa de um suposto paciente. É preciso também que se criem normas jurídicas e fundamentos de uma bioética capazes de garantir no futuro um quadro compatível com a dignidade humana, com o interesse da ciência, com a disponibilidade do cientista e com a ordem social. É claro que não vamos considerar um gene como objeto de regulamentação jurídica, mas suas técnicas e seus resultados. Os modernos conhecimentos da Genética devem ser colocados no sentido de oferecer sempre uma contribuição positiva em favor do homem e do seu meio.
As conquistas da engenharia genética, no seu esforço compensador de tornar a condição humana livre ou suavizada de sofrimentos, não podem deixar de ser acolhidas como úteis e necessárias quando, por exemplo, tenta-se modificar ou alterar as informações erradas no DNA em favor da espécie. Ou seja, na pretensão de melhorar o ser humano e sem romper com a sua natureza. Uma coisa é aperfeiçoar a herança genética do homem e outra, muito diferente, é a insensatez de mudar a espécie humana. Assim, se esse modo de agir não se aproxima das esperanças do homem e do respeito à sua dignidade, essa forma de manipulação pode despencar num trágico resultado.
Em 1990, na Inglaterra, pesquisadores médicos da área da reprodução assistida fertilizaram in vitro vários óvulos humanos e, nas primeiras fases de blastocito, removeram-lhe uma célula e a usaram para determinar o sexo dos embriões. Em seguida, bloquearam os embriões masculinos, pelo fato de eles serem todos portadores de desordens genéticas ligadas a esse sexo. Um dos embriões “feminilizados” foi implantado no útero da própria doadora, dando origem a uma criança saudável. Nesse caso, a escolha do sexo, assim obtido, não macula nenhum princípio ético ou jurídico porque não se fez outra coisa senão optar por um deles, pela qualidade de vida favorecida por aquela prática.
Mais recente, ainda, é o projeto que surgiu também na Inglaterra, onde cientistas injetaram DNA humano num embrião de porco na expectativa de que o gene implantado nesse animal transgênico tornaria seus órgãos mais compatíveis com o sistema imunológico do homem, contribuindo assim para solucionar alguns problemas na área da transplantologia. Os genes que compõem nosso sistema imunológico e que fazem com que cada um de nós seja imunologicamente único são codificados por um trecho muito grande de DNA conhecido como o “grande complexo de hiscompatibilidade”. Para produzir “animais-irmãos” basta neutralizar os genes desse complexo em cada animal por cópias pertencentes a cada “gêmeo” humano. Se a engenharia genética conseguir produzir órgãos de animais compatíveis com o sistema imunológico do homem, nada impede tecnicamente criar-se no futuro um animal transgênico, um gêmeo imunológico do homem – um verdadeiro “animal-irmão”, e cada pessoa ter um animal transgênico sob medida para suas futuras necessidades. Resta saber apenas como reagirão os antivivisseccionistas e os teóricos da bioética e onde serão levantados os limites das experimentações desnecessárias e constrangedoras e das prioridades do homem de amanhã.
A manipulação biológica no campo molecular, pela sua complexidade e pelo significado dos resultados, inclui uma série de reflexões sobre o valor de cada proposta e sobre os riscos advindos, para que a natureza ou o indivíduo não caiam no perigo da destruição nem sofram prejuízos que não possam ser reparados. Não se pode também dizer que sejam simples problemas de diversidade de opiniões. São dilemas que o homem atual tem de enfrentar diante das disponibilidades do poder da ciência sobre a vida e sobre o destino das pessoas. O perigo está em se conhecer a chave do mecanismo pelo qual são transmitidos os caracteres hereditários, desmontando a cadeia do DNA e reorientando sua construção no interesse irresponsável do gestor ou do programador, nesse verdadeiro trabalho de cirurgia genética. Teme-se que se coloque em andamento um processo e depois venha-se perder seu controle, levando-se ao surgimento não apenas de indivíduos “programados”, mas à criação e à multiplicação de agentes patógenos causadores de doenças novas, não tratáveis e causadores de todas as tragédias possíveis.
É claro que ninguém é contra qualquer projeto que proponha melhorar as condições de vida e de saúde das pessoas e das comunidades, principalmente das flageladas pelo sofrimento e pela injustiça. É legítimo e alentador. O risco está no uso de tecnologias capazes de interferir no patrimônio genético do homem, ora como forma exclusiva de especular, ora como projeto que significasse o ultraje e o desprezo aos valores humanos.
Fato muito polêmico e eticamente controvertido é o da clonação de embriões humanos. Esse processo já ocorre naturalmente nos casos de gêmeos monozigóticos ou univitelinos. No entanto, é possível a clonação de vários embriões, com a eventualidade do nascimento de um dos gêmeos e o congelamento dos demais, como verdadeiras cópias para nascerem a cada ano ou com vários anos de diferença. Assim, por exemplo, um indivíduo de sessenta anos poderia ter um irmão gêmeo recém-nascido.
Outra situação bastante duvidosa, não tanto pela intenção, mas pelos possíveis resultados, é a da terapia genética, cujo fundamento é transferir genes de um organismo para outro, a fim de adequar-se perfeitamente ao novo hospedeiro e como meio de substituir uma informação genética anômala causadora de perturbações por desordens genéticas. O problema está na integração desse novo material, como capaz de gerar danos irreversíveis no gene essencial da célula hospedeira, pois qualquer dano subsequente, em vez de encerrar-se com o indivíduo, continuará e marcará as gerações futuras. O grande risco na política da tecnologia genética é transformar isso numa ameaça em grande escala visando a interesses econômicos ou políticos, através de alterações gênicas irresponsáveis ou permitindo a existência de programas paralelos, atuando em verdadeiros “mercados negros” biológicos.
A partir de alguns anos atrás a comunidade científica internacional vem discutindo a possibilidade técnica, os riscos e os aspectos éticos que incluem as pesquisas envolvendo as células-tronco de embriões humanos.
Como as células-tronco têm funções constantes em nosso organismo como responsáveis pela formação e manutenção de qualquer tecido orgânico, elas foram eleitas como solução para muitos dos problemas. Por isso esse material passou a ter um papel significativo pela expectativa de cura de muitas doenças, algumas delas ainda sem solução.
Os que defendem a necessidade da pesquisas com células-tronco embrionárias afirmam que, por estas razões, muito se pode esperar de positivo nestes estudos.
Em contrapartida, há os que criticam o uso de embriões humanos nestas pesquisas admitindo que através das células-tronco medulares adultas e das células-tronco do cordão umbilical se poderia obter os mesmos resultados, inclusive sem as objeções éticas apresentadas. Mesmo assim, ambas as correntes admitem que estes resultados não são imediatos e que muito se tem a fazer até que se institua de vez uma terapêutica segura em favor do ser humano por estes métodos.
Agora, com a aprovação da Lei de Biossegurança está autorizada a pesquisa científica com células-tronco embrionárias, desde que obtidas em fertilização in vitro e congeladas há mais de três anos (Artigo 5.º É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento, atendidas as seguintes condições: I – sejam embriões inviáveis; ou II – sejam embriões congelados há 3 (três) anos ou mais, na data da publicação desta Lei, ou que, já congelados na data da publicação desta Lei, depois de completarem 3 (três) anos, contados a partir da data de congelamento. § 1.º Em qualquer caso, é necessário o consentimento dos genitores. § 2.º Instituições de pesquisa e serviços de saúde que realizem pesquisa ou terapia com células-tronco embrionárias humanas deverão submeter seus projetos à apreciação e aprovação dos respectivos comitês de ética em pesquisa).
Os que se opõem ao uso destas células-tronco insistem em afirmar que os embriões são seres humanos vivos, em pleno desenvolvimento, com identidade genética própria, e por isso com direitos iguais ao do nascituro, não merecendo o destino de matéria-prima a ser utilizada em processos de especulação científica.
Mesmo considerando de relevância significativa o tratamento com células-tronco para a cura de tantas doenças graves, há nesta discussão duas perguntas que merecem uma maior reflexão: 1. o que se deve fazer com o excedente de embriões humanos congelados? 2. quando se inicia a vida humana?
A questão do descarte de embriões congelados continua sendo um assunto muito delicado na reprodução humana assistida quando da fertilização in vitro. Há países, como a Espanha, que permitem o congelamento de embriões durante cinco anos e depois deste prazo obriga sua destruição. Na Dinamarca, os que sobram são destruídos logo após a fertilização, sem necessidade de criopreservação.
Para alguns uma proposta respeitável seria a adoção de pré-embriões e não a sua simples doação. Todos sabem – por imperativo de ordem técnica, financeira e emocional – o que representa a necessidade de se ter mais embriões fecundados do que os que vão ser implantados. Mas, mesmo assim, este é o início de uma longa discussão, em seus aspectos éticos, morais, religiosos e jurídicos.
Todavia, a adoção de embriões congelados não é uma opção que se apresente isenta de inconvenientes, pelo que ela implica no campo emocional, técnico e econômico-financeiro. Entretanto, esta forma de escolha, juntamente com a produção de embriões para uma única implantação, seriam as modalidades que não encontrariam os óbices já apontados.
Por outro lado, ainda permanece a polêmica sobre o momento em que se inicia a vida humana. Neste particular a tendência é aceitar-se a fecundação do óvulo como o momento de início da vida, até por entender-se que na maioria das legislações pune-se como aborto a partir deste instante.
Agora com a nova lei que aprovou a pesquisa científica a partir de células-tronco embrionárias obtidas em fertilização in vitro conservadas há mais de três anos, com certeza ainda teremos muito a discutir em seus aspectos éticos e técnicos, mesmo se sabendo que existe uma grande expectativa em torno destes estudos no que diz respeito ao tratamento de tantas doenças graves, ainda mais quando se sabe que as células-tronco da medula óssea e do sangue do cordão umbilical e placentário podem ser usadas sem maiores controvérsias, mesmo que não possuam o mesmo potencial de diferenciação que as células-tronco embrionárias.
Infelizmente o Brasil é um dos países que mais demoraram a ter um órgão público assessor para discutir e propor ideias e soluções sobre assuntos éticos ligados à ciência e à tecnologia. Um proposto Conselho Nacional de Bioética é ainda um sonho e uma promessa, mesmo que alguns organismos não oficiais venham, por conta própria, discutindo e divulgando suas ideias sobre este e outros assuntos na área da biomedicina.
Um assunto desta natureza não pode deixar de passar por uma discussão de ordem científica, ética e jurídica, tendo em conta a complexidade da questão e quanto este sinaliza para uma efetiva contribuição em favor dos níveis de vida e de saúde das pessoas.
Além disso, que as propostas a serem postas em prática estejam de acordo com as normas que regulamentam a proteção da ordem pública e do bem-estar social, e que se ajustem aos valores éticos que condicionam de forma consequente a proteção da dignidade humana.
Foi muito arriscado que se chegasse às decisões tomadas pelo Congresso Nacional antes de se ter definida a condição jurídico-civil do embrião in vivo ou in vitro, ainda mais quando esta decisão vem favorecer a pesquisa científica.
Há certos princípios dentro desta delicada questão que não podem passar sem reparo: a) o respeito pela vida humana desde a concepção e a proteção que merece o embrião mesmo em estado de congelação; b) a necessidade que tem a ciência de pesquisar desde que respeitadas a regras éticas e legais; c) a necessidade de propostas em favor da cura de doenças e do alívio ao sofrimento humano; d) a certeza de que estes processos não sejam deslocados para outros de interesses e resultados inconfessáveis.
No que se refere ao consentimento livre e esclarecido dos pais no sentido de destinar os embriões à pesquisa, há de merecer uma ponderação, embora reconhecendo que sem o seu consentimento o fato se torna arbitrário e afrontoso: o consentimento dos pais para utilização de embriões à pesquisa não deixa de transformá-los em simples coisa, até porque o consentimento dos pais para intervenção sobre os filhos é sempre no sentido do melhor interesse destes. E quando não é assim nenhum valor tem este consentimento.
A partir do instante em que se tem dos pais o consentimento para a destruição dos embriões nos programas de pesquisa, parece que os pais são na verdade proprietários deles decidindo conforme seu entendimento e não no interesse do embrião.
Toda lógica é desenvolvida no sentido de fazer acreditar que seria eticamente mais razoável utilizar embriões excedentes e congelados em pesquisa com expectativa de resultados favoráveis para a humanidade do que destruí-los simplesmente. Isto ainda é pouco diante da delicadeza do assunto.
Assim, chega-se à conclusão que há muita coisa a se discutir nesta questão, principalmente no tocante ao início da vida humana, ao destino dos embriões excedentes e às demais opções terapêuticas com células-tronco além das células embrionárias. A primeira providência seria a criação de uma Comissão Nacional de Bioética, ampla, pluriprofissional, independente e constituída de pessoas de reconhecido prestígio entre os estudiosos da bioética, das ciências e da biotecnologia, no sentido de contribuir com a discussão sobre tão polêmico tema.
A experiência especulativa em detentos “voluntários” também constitui prática ilícita e imoral. Essas pessoas, além de estarem sob a proteção da Justiça, não possuem a plena liberdade de decisão em tais circunstâncias. Muito lamentável seria, sem dúvida, impor ao condenado a realização experimental científica. Um indivíduo, mesmo o detento, pode exigir respeito à sua integridade física e psíquica, devendo ter a liberdade de não aceitar tais operações e de exigir a pena conforme estabelece a lei.
As experiências em condenados são sempre vistas com muita reserva, mesmo que eles se apresentem como voluntários, pois são sempre suspeitas tais generosidades, que outras coisas não refletem a não ser certas compensações, atribuições de determinados favores, ou uma maneira de adquirir a simpatia em busca de uma liberdade antecipada.
Não se pode pensar em plena liberdade e livre discernimento nesta perigosa e difícil decisão, tomada por um homem que sofre a opressão do estado e tem cerceado o seu campo de atuação.
No momento em que o País se defronta com uma assustadora onda de violência e criminalidade, surge mais uma ideia simplista e absurda, própria das mentes apressadas. Agora é no sentido de estimular a pesquisa no sentido de se instituir a chamada castração química como solução para coibir certos crimes contra a dignidade sexual, notadamente o crime de pedofilia. Tenta-se institucionalizar mais essa forma de violência, agora sob o eufemismo de “tratamento hormonal de inibição da libido”, o que não pode deixar de merecer a devida censura, ainda que se tenha a duvidosa “autorização” do infrator.
Pelo fato de a castração química não ter aparentemente o caráter permanente, isto não desfaz o seu sentido discriminador e cruel, atingindo o indivíduo na sua integridade física ou psíquica, com todas as alterações e anomalias que a inconsequente hormonioterapia pode trazer ao apenado. Em primeiro lugar, deve ficar patente que essa forma de castração não pode ser aceita não só pelos transtornos trazidos para o corpo do pesquisado, mas também pela vedação constitucional das penas de caráter permanente que atingem a dignidade do ser humano, independentemente da infração cometida. Ninguém, qualquer que seja sua intenção, pode negar a brutalidade cometida sobre um condenado pelo seu caráter cruel e desumano.
Portanto, não há negar que a castração química é repugnante e inaceitável como pena em nosso ordenamento jurídico, e atentaria aos princípios constitucionais regentes entre nós.
É desolador pensar que o corpo clínico de uma unidade hospitalar praticaria tais medidas, quando lhe cabe usar dos meios assistenciais adequados para que o detento venha a cumprir sua pena de forma justa e merecida.
Atualmente, em diversos lugares do mundo, várias gestões vêm sendo realizadas no sentido de apurar a veracidade em torno de sérias denúncias sobre a implicação de médicos em casos de torturas. Das reuniões de Oslo e Londres, e mais recentemente em Tóquio (29.ª Assembleia Médica Mundial) e Paris (11.º Congresso da Academia Internacional de Medicina Legal e Medicina Social), os pontos de vista resumem-se nos seguintes itens: 1. os médicos, devido à sua própria profissão, devem manter um respeito incondicionado à vida humana, como também não aceitar que sejam maltratados os pacientes por motivo de caráter político, racial ou religioso; 2. a primeira obrigação do médico é ajudar quem está sob seus cuidados, curando-o das ofensas recebidas e evitando que se repitam as sevícias; 3. as autoridades não devem usar o médico como instrumento de tortura em interrogatórios ou meios de castigo; 4. conseguir meios para proteger o médico, nos regimes totalitários, contra as pressões a que está sujeito e que visam a integrá-lo nos aparelhos repressivos; 5. criação de um núcleo médico encarregado de fiscalizar e denunciar os médicos que participam de violência contra o homem.
Um movimento intitulado Anistia Internacional vem comprovando, através de diversas fontes, que alguns países, inclusive na América do Sul, vêm utilizando médicos em interrogatórios de presos políticos, a fim de obterem confissões por meios farmacológicos, entre eles uma mistura de taquiflexil e pentotal sódico. O primeiro leva a uma paralisia muscular terrivelmente dolorosa, e nesse sofrimento são aplicadas pequenas doses de pentotal sódico, o qual produz relaxamento e um estado semi-inconsciente de euforia, que é aproveitado pelos inquisidores para obter seus fins. Há ainda informações de que outras drogas, entre elas o LSD, vêm sendo ministradas, com regular frequência, com o objetivo de colher confissões (J. A. Valtueña, Los médicos y la turtura, Nuestro Tiempo, Madrid, p. 33, jan. 74).
Há, no entanto, outras formas de participação nesses inacreditáveis e monstruosos processos: 1. exame do interrogado no sentido de verificar suas condições físicas e mentais para resistir à tortura; 2. participação do médico como espectador da tortura a fim de interrompê-la quando existe perigo de morte; 3. tratamento dos efeitos das sevícias, com o objetivo de recuperar de imediato o indivíduo para prosseguimento das torturas; 4. check-up inicial para adequar o quadro clínico do preso ao melhor tipo de tortura; 5. utilização de algumas patologias ou perturbações como instrumento de pressão psicológica; 6. processos de recuperação rápidos para presos com anunciada quebra da incomunicabilidade, audiências ou soltura.
Fatos dessa natureza, além de sua monstruosidade sob o aspecto humano, põem em sério risco e comprometem profundamente uma profissão que a tradição consagrou no mais alto respeito, como indiscutível forma de fazer o bem. E por isso não poderá tal estado de coisas deixar de merecer o mais veemente protesto e a mais enérgica repulsa da classe médica do mundo inteiro.
Dessa maneira, em dezembro de 1973, na Conferência de Abolição da Tortura, uma comissão encarregada de estudar a participação de médicos em sevícias estabeleceu um código de conduta, resumido nos seguintes pontos:
“Os médicos, bem como o pessoal paramédico em geral, devem recusar terminantemente qualquer tipo de exploração de suas atividades profissionais na execução de torturas ou castigos, e não devem participar da formação de outras pessoas para esses fins.
Igualmente, devem vigiar com cuidado a possibilidade de que suas investigações sejam utilizadas para fins contrários aos objetivos originais, e evitar a participação em qualquer trabalho em que se possa abusar de suas aptidões.
Convém estabelecer uma lista mundial de peritos médicos para investigar os casos suspeitos de torturas, enviando relatórios à Anistia Internacional”.
A 29.ª Assembleia Médica Mundial, realizada em Tóquio, em outubro de 1975, adotou uma resolução constituída de oito itens sobre a questão. O primeiro deles diz: “O médico não deve favorecer, ser conivente ou participar da prática de tortura ou outras formas de procedimentos cruéis, desumanos ou degradantes, em quaisquer situações, inclusive conflito armado e guerra civil, seja qual for a infração da qual a vítima submetida a tais procedimentos seja suspeita, acusada ou culpada e sejam quais forem as crenças”.
Mais recentemente chegam notícias de que médicos, enfermeiros e auxiliares da área de saúde dos Estados Unidos foram cúmplices em torturas e em outros procedimentos ilegais e desumano no Iraque, Afeganistão e Guantanamo Bay, assim como responsáveis pela entrega de documentos médicos dos prisioneiros aos interrogadores, com a finalidade de passar conhecimentos de suas condições mais vulneráveis.
Há também notícias de que médicos e auxiliares da área de saúde em Abu Ghraib foram solicitados a comparecer em locais onde se procedia a torturas para tratar de prisioneiros. Muitos foram aqueles que, mesmo não participando diretamente em torturas, foram se tornando indiferentes ao ambiente de crueldade e maus-tratos. Outros foram corrompidos e responsáveis por muitas atrocidades.
No Chile muitos foram os médicos que atuaram como torturadores assim como em outros países da América do Sul; no regime de Sadam Hussein, no Iraque, médicos amputaram orelhas como punição aos desertores; na União Soviética muitos foram levados aos hospitais psiquiátricos por decisão política; na África do Sul falsificaram prontuários de negros torturados ou assassinados; e, nos Estados Unidos, alguns participaram de programas de experiências de medicamentos sobre as mentes de prisioneiros.
Deve o médico prestar atendimento à vítima, amenizando os efeitos da tortura, sabendo que ela será depois submetida a novas repressões? Não parece existir outro caminho a não ser o de tratar, pois esta é a sua missão. Todavia, seu trabalho não está resumido apenas ao tratamento das lesões. Deve levar tal fato ao conhecimento da autoridade judicial competente. E, se porventura tiver ciência da participação de um colega como elemento de repressão, está obrigado a denunciar ao Conselho Regional de Medicina ou a outro órgão de classe médica que esteja conscientizado contra absurdos dessa natureza.
Mesmo que as informações a respeito da participação de médicos em torturas procedam dos próprios interessados, as coincidências são tantas que chegam a oferecer poucas dúvidas. O certo é que fatos dessa natureza não deveriam existir, pois a consciência social repele a realização de práticas tão insólitas e cruéis, principalmente numa profissão cuja missão é justamente o contrário de tudo isso, ou seja, proteger a vida, a saúde e a dignidade da pessoa humana.
Toda intervenção no patrimônio biológico do homem, além de ter sua inspiração no mais elevado propósito de quem interfere e no respeito absoluto pelos direitos da pessoa humana, deve contar, de forma patente, com a adesão consciente e informada daquele que se submete à intervenção, sendo ele maior, capaz, hígido e em condições de dar livre e conscientemente sua permissão. Mesmo considerando que o ideal seria que cada interferido tivesse uma razoável capacidade de compreensão e independência absoluta para exercer suas liberdades, temos de considerar que muitas vezes os indivíduos são desprovidos de certa capacidade intelectual e pertencem a grupos mais desarrimados da sorte pela iniquidade e pela penúria. Ainda assim o pesquisador terá a devida habilidade de passar todas as informações em linguagem simples e decodificada do jargão científico, de forma que o indivíduo possa entender o caráter da intervenção, seus objetivos, seus riscos e benefícios e, também, dar-lhe plena liberdade para abandonar a investigação no momento que pretender.
No que se refere aos indivíduos sem condição de dar consentimento, por limitação física, psíquica ou legal, mas que necessitam da intervenção biológica em seu próprio benefício, esta pode ser realizada após expressa autorização dos seus responsáveis legais. Fora deste parâmetro, é indefensável qualquer forma de intervenção com caráter especulativo em menores de idade ou incapazes que não traga um interesse em seu próprio bem, não só pelos riscos à sua saúde, desconforto físico e comprometimentos psicológicos ou morais, senão, também, pela incapacidade de quem quer que seja autorizar esse tipo de intervenção. É evidente que tal proibição não chega a invalidar coletas de pequenas amostras de sangue ou de fluidos biológicos, ou de discretas partes de tecidos que, de forma eventual e inócua, possam ser retirados para fins de diagnóstico ou rotina de controle.
O fato de o experimentado estar ciente da intervenção que lhe é feita nem sempre é moralmente defensável, pois o que se tem verificado, em alguns momentos, é a habilidade e o esforço dissimulador da intenção abusiva, escamoteada tantas vezes por motivações “justas” e “necessárias”. A licitude de um ato dessa natureza não está só no consentimento, mas na sua necessidade e na sua legitimidade. Assim, mesmo que a permissão tenha todas as aparências e justificativas de idoneidade, e mesmo que exista aquiescência por escrito, chega-se à conclusão que a vida e a saúde de um indivíduo são bens irrecusáveis e inalienáveis, os quais o bem comum tem interesse em resguardar de forma irrestrita e incondicional. As ciências necessitam mais e mais progredir. Algumas vezes até pela ousadia de suas intercessões, de resultados tão fantásticos e inesperados. Todavia, isso não justifica a violência sobre um só homem, qualquer que seja sua condição, qualquer que seja o progresso pretendido.
Nossas normas não se reportam a intervenções biológicas em presidiários. No entanto, poucos são os países que utilizam prisioneiros “voluntários” em projetos dessa ordem. Mesmo sabendo-se da existência de defensores de tais modelos, entendemos que essa intervenção não deva ser realizada. Primeiro, para não criar no recluso uma falsa perspectiva de benefícios extraordinários, como a amenização da pena ou a liberdade condicional, e aí já estaria comprometido o consentimento pela falta de opção e liberdade. Em segundo lugar, porque esses detentos, além de estarem sob a guarda e a proteção da Justiça, podem exigir o respeito à sua integridade física, e a sociedade tem o direito de vê-los cumprir a justa medida punitiva.
Até mesmo as políticas intervencionistas do governo na área da saúde pública, como, por exemplo, na vacinação em massa, na implementação de programas de erradicação de vetores e na adição de fluoretos nos sistemas de abastecimento de água, não devem ser vistas como condutas impostas por força de lei, mas como uma proposta vantajosa em favor da saúde coletiva. Como em alguns casos de vacinação e de controle de vetores podem surgir algum malefício causado por substâncias biologicamente ativas, um ou outro indivíduo pode recusar o tratamento. O que se procura evitar com tais precauções é o abuso contra pessoas de uma comunidade que, sem o seu devido conhecimento ou permissão, e sem um objetivo de proteção à saúde pública, possam ser vítimas involuntárias de ações deletérias de certas intervenções biológicas, muitas delas envolvendo pessoas humildes, simplesmente por interesses de grupos alienígenas, nem sempre bem-intencionados. Quando for impossível ter-se o consentimento de cada indivíduo numa intervenção dessa ordem, os projetos só devem ter prosseguimento se houver uma criteriosa avaliação da inocuidade, uma técnica de resultados comprovados e um consentimento de órgão independente e representativo do segmento social envolvido na pesquisa.
O protocolo de pesquisa é um documento que, além de conter os itens que justificam as razões da investigação, deve estabelecer de forma clara os riscos e benefícios advindos dessa prática. Sua análise será da responsabilidade dos Comitês de Ética em Pesquisa dos estabelecimentos de saúde onde se verifica a investigação.
Necessariamente, o protocolo de pesquisa há de constar de um breve resumo do projeto de experimentação, onde fiquem bem evidentes os propósitos do estudo, com destaque para os métodos e os meios empregados. Constar também a população de referência e o que será exigido de cada participante, assim como os nomes dos investigadores e do seu principal responsável.
Essas informações devem fazer referências ao tipo de material usado e se for em pacientes internados indicar os dados que serão usados de suas papeletas e como essas informações devem ser descartadas no final da investigação.
Um fato que não pode ser omitido de forma alguma no protocolo de pesquisa é a avaliação dos riscos, sejam físicos, psicológicos ou sociais, e, se existirem, como podem eles ser evitados ou minimizados. Quanto a esse aspecto, as pesquisas são classificadas em sem risco, com risco mínimo e com risco maior que o mínimo. As primeiras em geral são feitas com documentos, sem nenhuma modificação de variáveis e onde são empregados métodos de revisão, entrevistas e questionários. As segundas, por exemplo, estão representadas por procedimentos de diagnósticos não invasivos ou tratamentos rotineiros. E as pesquisas com risco maior que o mínimo são aquelas que podem trazer danos morais ou danos físicos significativos, como o emprego de novas terapêuticas, técnicas propedêuticas invasivas ou uso de placebos, entre tantos.
Por outro lado, devem ser registrados os benefícios que o investigado pode ter, ou o que o conjunto das outras pessoas venha se beneficiar com o resultado da pesquisa proposta.
No protocolo, exige-se sempre a presença do consentimento esclarecido assinado pelo participante. No caso das investigações realizadas em crianças ou pacientes com distúrbios mentais, além de serem bem justificadas, deverão ter a permissão por escrito dos seus responsáveis legais, assim como também a permissão desses investigados, os quais sob o ponto de vista moral não têm a mesma conceituação da capacidade jurídico-civil.
Também deve constar de maneira bem clara que o investigado poderá deixar de participar da pesquisa em qualquer tempo, sem que isso venha lhe trazer qualquer prejuízo à continuidade do tratamento ou da assistência.
E, finalmente, que exista firmado o compromisso de passar para o investigado as informações atualizadas durante a pesquisa, mesmo que isso possa modificar a conduta do indivíduo em continuar participando das pesquisas.
O projeto Genoma Humano teve início nos Estados Unidos por volta do fim da década de 80, com a inclusão de vários países, inclusive o Brasil, tendo como finalidade principal o mapeamento dos genes humanos e a sequencialização de todo nosso genoma. A aplicação desses conhecimentos deverá ser feita principalmente no que diz respeito ao diagnóstico das doenças genéticas e à possível contribuição para o tratamento dessas doenças e a sua prevenção em nível familiar. Com exceção de alguns casos, ninguém pode ser desfavorável a essa abordagem individual. Todavia, quanto à aplicação dessas pesquisas na direção da população, deve-se ter muito cuidado.
Os bioeticistas em geral estão de acordo que o genoma humano é patrimônio do indivíduo e bem da humanidade. Pertence ao corpo da pessoa e esse corpo pertence ao conjunto da população. Isso, no entanto, não quer dizer que o genoma de alguém, pelo fato de ser comum, possa ser objeto de manipulação e especulação. Neste particular, deve vigorar o princípio da autonomia. Tal fato se prende aos interesses que incorporam a dignidade humana. E não se diga que tal invasão deva ser apenas às células germinativas da pessoa, mas ao seu próprio componente genético somático, para que ele não venha terminar num banco de dados à disposição de interesses políticos ou econômicos. Assim, por exemplo, não é justo que chegue ao conhecimento de alguém, sem sua devida permissão, a revelação de suas anomalias genéticas.
Por outro lado, o indivíduo tem o direito de ser informado sobre tais alterações e de se recusar a passar informações, mesmo que aqui e ali possam surgir situações mais conflitantes. Desses conflitos, o mais delicado é aquele em que o próprio indivíduo se recusa a receber informações a seu respeito. Outra é quando grupos consanguíneos querem saber dessa verdade. Ou se o outro cônjuge quer essas informações em defesa da prole. Ou, ainda, quando esses dados possam favorecer o esclarecimento de um delito mais grave.
Clotet afirma que o princípio da autonomia autoriza enfatizar que “toda informação genética deve ser confidencial; não pode ser invadida ou alterada a integridade individual senão por razões terapêuticas e com o consentimento informado da própria pessoa ou de seus representantes legais; o exame genético e o rastreamento genético com o consentimento informado da pessoa, realizados por motivos de trabalho com o fim de proteger o indivíduo de possíveis doenças a serem desenvolvidas por causa do tipo de ocupação ou emprego, não atentam contra a autonomia do mesmo, mas sim o protegem” (Bioética como ética aplicada e genética, Bioética, n. 5, p. 173-183, 1997).
Mesmo que estejamos no início da pesquisa da genética molecular no que tange à utilização de testes detectores de enfermidades recessivas, isto não é motivo para deixar que todas essas práticas se desenvolvam e sejam aplicadas sem os cuidados éticos e jurídicos necessários. Essa garantia vai permitir sua justa utilização desde agora. É preciso ficar claro que nada justifica a propalada melhoria da espécie nem a terapia gênica que implica mutação do genoma. Por isso, quando se apregoa, de modo geral, que o genoma humano é patrimônio da humanidade, impõe-se de imediato o limite desses avanços, pela transcendência da vida humana e do valor que representa a dignidade de cada homem e de cada mulher. Não é por outra razão que o Projeto da Diversidade do Genoma Humano, desde 1993, vem sendo denunciado pelos desvios éticos. Esses “caçadores de genes”, como são chamados, estariam muito mais interessados na criação dos “museus genéticos, com a recriação de populações extintas como “peças”, do que com a sobrevivência das pessoas desses grupos.
Entre 21 de outubro e 12 de novembro de 1997, durante a 29.ª sessão da Conferência-Geral da UNESCO, foi aprovada a Declaração Universal do Genoma Humano e dos Direitos Humanos, esboço de um projeto apresentado pelo Comitê Internacional de Bioética. Essa declaração foi ratificada pelos 186 países-membros daquela organização. Basicamente, este documento confirma os direitos e garantias individuais.
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