Sumário: 2.1. Introdução. 2.2. Exercício legal da medicina. 2.3. Conselhos de Medicina. 2.4. Médico estrangeiro domiciliado na fronteira. 2.5. Inscrição de médico deficiente. 2.6. Exame de qualificação de médico recém-formado. 2.7. Inscrição de médico estrangeiro asilado. 2.8. Suspensão do registro por doença incapacitante. 2.9. Anotações de penalidades na carteira profissional do médico infrator. 2.10. Exercício ilegal da Medicina. 2.11. Charlatanismo. 2.12. Curandeirismo. 2.13. Os limites do ato médico. 2.14. Interdição cautelar. 2.15. Revalidação de diploma médico. 2.16. Referências bibliográficas.
Constituição Federal
Art. 5.º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...);
XIII – É livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer.
Decreto-lei n.º 4.113, de 14 de fevereiro de 1942
Art. 1.º É proibido aos médicos anunciar:
(...)
III – exercício de mais de duas especialidades;
(...)
V – especialidade ainda não admitida pelo ensino médico, ou que não tenha tido a sanção das sociedades médicas.
LEI N.º 12.842, DE 10 DE JULHO DE 2013.
Dispõe sobre o exercício da Medicina.
A PRESIDENTA DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1.º O exercício da Medicina é regido pelas disposições desta Lei.
Art. 2.º O objeto da atuação do médico é a saúde do ser humano e das coletividades humanas, em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo, com o melhor de sua capacidade profissional e sem discriminação de qualquer natureza.
Parágrafo único. O médico desenvolverá suas ações profissionais no campo da atenção à saúde para:
I – a promoção, a proteção e a recuperação da saúde;
II – a prevenção, o diagnóstico e o tratamento das doenças;
III – a reabilitação dos enfermos e portadores de deficiências.
Art. 3.º O médico integrante da equipe de saúde que assiste o indivíduo ou a coletividade atuará em mútua colaboração com os demais profissionais de saúde que a compõem.
Art. 4.º São atividades privativas do médico:
I – (Vetado.);
II – indicação e execução da intervenção cirúrgica e prescrição dos cuidados médicos pré e pós-operatórios;
III – indicação da execução e execução de procedimentos invasivos, sejam diagnósticos, terapêuticos ou estéticos, incluindo os acessos vasculares profundos, as biópsias e as endoscopias;
IV – intubação traqueal;
V – coordenação da estratégia ventilatória inicial para a ventilação mecânica invasiva, bem como das mudanças necessárias diante das intercorrências clínicas, e do programa de interrupção da ventilação mecânica invasiva, incluindo a desintubação traqueal;
VI – execução de sedação profunda, bloqueios anestésicos e anestesia geral;
VII – emissão de laudo dos exames endoscópicos e de imagem, dos procedimentos diagnósticos invasivos e dos exames anatomopatológicos;
VIII – (Vetado.);
IX – (Vetado.);
X – determinação do prognóstico relativo ao diagnóstico nosológico;
XI – indicação de internação e alta médica nos serviços de atenção à saúde;
XII – realização de perícia médica e exames médico-legais, excetuados os exames laboratoriais de análises clínicas, toxicológicas, genéticas e de biologia molecular;
XIII – atestação médica de condições de saúde, doenças e possíveis sequelas;
XIV – atestação do óbito, exceto em casos de morte natural em localidade em que não haja médico.
§ 1.º Diagnóstico nosológico é a determinação da doença que acomete o ser humano, aqui definida como interrupção, cessação ou distúrbio da função do corpo, sistema ou órgão, caracterizada por, no mínimo, 2 (dois) dos seguintes critérios:
I – agente etiológico reconhecido;
II – grupo identificável de sinais ou sintomas;
III – alterações anatômicas ou psicopatológicas.
§ 2.º (Vetado.)
§ 3.º As doenças, para os efeitos desta Lei, encontram-se referenciadas na versão atualizada da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde.
§ 4.º Procedimentos invasivos, para os efeitos desta Lei, são os caracterizados por quaisquer das seguintes situações:
I – (Vetado.);
II – (Vetado.);
III – invasão dos orifícios naturais do corpo, atingindo órgãos internos.
§ 5.º Excetuam-se do rol de atividades privativas do médico:
I – (Vetado.);
II – (Vetado.);
III – aspiração nasofaringeana ou orotraqueal;
IV – (Vetado.);
V – realização de curativo com desbridamento até o limite do tecido subcutâneo, sem a necessidade de tratamento cirúrgico;
VI – atendimento à pessoa sob risco de morte iminente;
VII – realização de exames citopatológicos e seus respectivos laudos;
VIII – coleta de material biológico para realização de análises clínico-laboratoriais;
IX – procedimentos realizados através de orifícios naturais em estruturas anatômicas visando à recuperação físico-funcional e não comprometendo a estrutura celular e tecidual.
§ 6.º O disposto neste artigo não se aplica ao exercício da Odontologia, no âmbito de sua área de atuação.
§ 7.º O disposto neste artigo será aplicado de forma que sejam resguardadas as competências próprias das profissões de assistente social, biólogo, biomédico, enfermeiro, farmacêutico, fisioterapeuta, fonoaudiólogo, nutricionista, profissional de educação física, psicólogo, terapeuta ocupacional e técnico e tecnólogo de radiologia.
Art. 5.º São privativos de médico:
I – (Vetado.);
II – perícia e auditoria médicas; coordenação e supervisão vinculadas, de forma imediata e direta, às atividades privativas de médico;
III – ensino de disciplinas especificamente médicas;
IV – coordenação dos cursos de graduação em Medicina, dos programas de residência médica e dos cursos de pós-graduação específicos para médicos.
Parágrafo único. A direção administrativa de serviços de saúde não constitui função privativa de médico.
Art. 6.º A denominação de “médico” é privativa dos graduados em cursos superiores de Medicina, e o exercício da profissão, dos inscritos no Conselho Regional de Medicina com jurisdição na respectiva unidade da Federação.
Art. 7.º Compreende-se entre as competências do Conselho Federal de Medicina editar normas para definir o caráter experimental de procedimentos em Medicina, autorizando ou vedando a sua prática pelos médicos.
Parágrafo único. A competência fiscalizadora dos Conselhos Regionais de Medicina abrange a fiscalização e o controle dos procedimentos especificados no caput, bem como a aplicação das sanções pertinentes em caso de inobservância das normas determinadas pelo Conselho Federal.
Art. 8.º Esta Lei entra em vigor 60 (sessenta) dias após a data de sua publicação.
Brasília, 10 de julho de 2013; 192.º da Independência e 125.º da República.
MENSAGEM N.º 287, DE 10 DE JULHO DE 2013.
Ouvidos, os Ministérios da Saúde, do Planejamento, Orçamento e Gestão, da Fazenda e a Secretaria-Geral da Presidência da República manifestaram-se pelo veto aos seguintes dispositivos:
Inciso I do caput e § 2.º do art. 4.º
“I – formulação do diagnóstico nosológico e respectiva prescrição terapêutica;”
“§ 2.º Não são privativos do médico os diagnósticos funcional, cinésio-funcional, psicológico, nutricional e ambiental, e as avaliações comportamental e das capacidades mental, sensorial e perceptocognitiva.”
Razões dos vetos
“O texto inviabiliza a manutenção de ações preconizadas em protocolos e diretrizes clínicas estabelecidas no Sistema Único de Saúde e em rotinas e protocolos consagrados nos estabelecimentos privados de saúde. Da forma como foi redigido, o inciso I impediria a continuidade de inúmeros programas do Sistema Único de Saúde que funcionam a partir da atuação integrada dos profissionais de saúde, contando, inclusive, com a realização do diagnóstico nosológico por profissionais de outras áreas que não a médica. É o caso dos programas de prevenção e controle à malária, tuberculose, hanseníase e doenças sexualmente transmissíveis, dentre outros. Assim, a sanção do texto poderia comprometer as políticas públicas da área de saúde, além de introduzir elevado risco de judicialização da matéria.
O veto do inciso I implica também o veto do § 2.º, sob pena de inverter completamente o seu sentido. Por tais motivos, o Poder Executivo apresentará nova proposta que mantenha a conceituação técnica adotada, porém compatibilizando-a com as práticas do Sistema Único de Saúde e dos estabelecimentos privados.”
Os Ministérios da Saúde, do Planejamento, Orçamento e Gestão e a Secretaria-Geral da Presidência da República opinaram, ainda, pelo veto aos dispositivos a seguir transcritos:
“VIII – indicação do uso de órteses e próteses, exceto as órteses de uso temporário;
IX – prescrição de órteses e próteses oftalmológicas;”
Razões dos vetos
“Os dispositivos impossibilitam a atuação de outros profissionais que usualmente já prescrevem, confeccionam e acompanham o uso de órteses e próteses que, por suas especificidades, não requerem indicação médica. Tais competências já estão inclusive reconhecidas pelo Sistema Único de Saúde e pelas diretrizes curriculares de diversos cursos de graduação na área de saúde. Trata-se, no caso do inciso VIII, dos calçados ortopédicos, das muletas axilares, das próteses mamárias, das cadeiras de rodas, dos andadores, das próteses auditivas, dentre outras. No caso do inciso IX, a Organização Mundial da Saúde e a Organização Pan-Americana de Saúde já reconhecem o papel de profissionais não médicos no atendimento de saúde visual, entendimento este que vem sendo respaldado no País pelo Superior Tribunal de Justiça. A manutenção do texto teria um impacto negativo sobre o atendimento à saúde nessas hipóteses.”
Incisos I e II do § 4.º do art. 4.º
“I – invasão da epiderme e derme com o uso de produtos químicos ou abrasivos;
II – invasão da pele atingindo o tecido subcutâneo para injeção, sucção, punção, insuflação, drenagem, instilação ou enxertia, com ou sem o uso de agentes químicos ou físicos;”
Razões dos vetos
“Ao caracterizar de maneira ampla e imprecisa o que seriam procedimentos invasivos, os dois dispositivos atribuem privativamente aos profissionais médicos um rol extenso de procedimentos, incluindo alguns que já estão consagrados no Sistema Único de Saúde a partir de uma perspectiva multiprofissional. Em particular, o projeto de lei restringe a execução de punções e drenagens e transforma a prática da acupuntura em privativa dos médicos, restringindo as possibilidades de atenção à saúde e contrariando a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares do Sistema Único de Saúde. O Poder Executivo apresentará nova proposta para caracterizar com precisão tais procedimentos.”
Incisos I, II e IV do § 5.º do art. 4.º
“I – aplicação de injeções subcutâneas, intradérmicas, intramusculares e intravenosas, de acordo com a prescrição médica;
II – cateterização nasofaringeana, orotraqueal, esofágica, gástrica, enteral, anal, vesical, e venosa periférica, de acordo com a prescrição médica;”
“IV – punções venosa e arterial periféricas, de acordo com a prescrição médica;”
Razões dos vetos
“Ao condicionar os procedimentos à prescrição médica, os dispositivos podem impactar significativamente o atendimento nos estabelecimentos privados de saúde e as políticas públicas do Sistema Único de Saúde, como o desenvolvimento das campanhas de vacinação. Embora esses procedimentos comumente necessitem de uma avaliação médica, há situações em que podem ser executados por outros profissionais de saúde sem a obrigatoriedade da referida prescrição médica, baseados em protocolos do Sistema Único de Saúde e dos estabelecimentos privados.”
Inciso I do art. 5.º
“I – direção e chefia de serviços médicos;”
Razões dos vetos
“Ao não incluir uma definição precisa de ‘serviços médicos’, o projeto de lei causa insegurança sobre a amplitude de sua aplicação. O Poder Executivo apresentará uma nova proposta que preservará a lógica do texto, mas conceituará o termo de forma clara.”
Código Penal
Art. 282. Exercer, ainda que a título gratuito, a profissão de médico, dentista ou farmacêutico, sem autorização legal ou excedendo-lhe os limites: Pena – detenção, de seis meses a dois anos.
Parágrafo único. Se o crime é praticado com o fim de lucro, aplica-se também multa.
Art. 283. Inculcar ou anunciar cura por meio secreto ou infalível: Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa.
Art. 284. Exercer o curandeirismo:
I – prescrevendo, ministrando ou aplicando, habitualmente, qualquer substância;
II – usando gestos, palavras ou qualquer outro meio;
III – fazendo diagnósticos:
Pena – detenção, de seis meses a dois anos.
Parágrafo único. Se o crime é praticado mediante qualquer remuneração, o agente fica também sujeito à multa.
Lei das Contravenções Penais
Art. 47. Exercer profissão ou atividade econômica ou anunciar que a exerce, sem preencher as condições a que por lei está subordinado o seu exercício: Pena – Prisão simples, de quinze dias a três meses, ou multa.
Lei n.º 9.649, de 27 de maio de 1998
Art. 58. Os serviços de fiscalização de profissões regulamentadas serão exercidos em caráter privado, por delegação do poder público, mediante autorização legislativa.
§ 1.º A organização, a estrutura e o funcionamento dos conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas serão disciplinados mediante decisão do plenário do conselho federal da respectiva profissão, garantindo-se que na composição deste estejam representados todos seus conselhos regionais.
§ 2.º Os conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas, dotadas de personalidade jurídica de direito privado, não manterão com os órgãos da Administração Pública qualquer vínculo funcional ou hierárquico.
§ 3.º Os empregados dos conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas são regidos pela legislação trabalhista, sendo vedada qualquer forma de transposição, transferência ou deslocamento para o quadro da Administração Pública direta ou indireta.
§ 4.º Os conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas ficam autorizados a fixar, cobrar e executar contribuições anuais devidas por pessoas físicas e jurídicas, bem como preços de serviços e multas, que constituirão receitas próprias, considerando-se título executivo extrajudicial a certidão relativa aos créditos decorrentes.
§ 5.º O controle das atividades financeiras e administrativas dos conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas será realizado por seus órgãos internos, devendo os conselhos regionais prestar contas, anualmente, ao conselho federal das respectivas profissões, e estes aos conselhos regionais.
§ 6.º Os conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas, por constituírem serviço público, gozam de imunidade tributária total em relação aos seus bens, rendas e serviços.
§ 7.º Os conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas promoverão, até 30 de junho de 1998, a adaptação de seus estatutos e regimentos ao estabelecido neste artigo.
§ 8.º Compete à Justiça Federal a apreciação das controvérsias que envolvam os conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas, quando no exercício dos serviços a eles delegados, conforme disposto no caput.
Código de Ética Médica
Capítulo I
PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS
I – A Medicina é uma profissão a serviço da saúde do ser humano e da coletividade e será exercida sem discriminação de nenhuma natureza.
II – O alvo de toda a atenção do médico é a saúde do ser humano, em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional.
III – Para exercer a Medicina com honra e dignidade, o médico necessita ter boas condições de trabalho e ser remunerado de forma justa.
IV – Ao médico cabe zelar e trabalhar pelo perfeito desempenho ético da Medicina, bem como pelo prestígio e bom conceito da profissão.
V – Compete ao médico aprimorar continuamente seus conhecimentos e usar o melhor do progresso científico em benefício do paciente.
VI – O médico guardará absoluto respeito pelo ser humano e atuará sempre em seu benefício. Jamais utilizará seus conhecimentos para causar sofrimento físico ou moral, para o extermínio do ser humano ou para permitir e acobertar tentativa contra sua dignidade e integridade.
VII – O médico exercerá sua profissão com autonomia, não sendo obrigado a prestar serviços que contrariem os ditames de sua consciência ou a quem não deseje, excetuadas as situações de ausência de outro médico, em caso de urgência ou emergência, ou quando sua recusa possa trazer danos à saúde do paciente.
VIII – O médico não pode, em nenhuma circunstância ou sob nenhum pretexto, renunciar à sua liberdade profissional, nem permitir quaisquer restrições ou imposições que possam prejudicar a eficiência e a correção de seu trabalho.
IX – A Medicina não pode, em nenhuma circunstância ou forma, ser exercida como comércio.
X – O trabalho do médico não pode ser explorado por terceiros com objetivos de lucro, finalidade política ou religiosa.
XI – O médico guardará sigilo a respeito das informações de que detenha conhecimento no desempenho de suas funções, com exceção dos casos previstos em lei.
XII – O médico empenhar-se-á pela melhor adequação do trabalho ao ser humano, pela eliminação e controle dos riscos à saúde inerentes às atividades laborais.
XIII – O médico comunicará às autoridades competentes quaisquer formas de deterioração do ecossistema, prejudiciais à saúde e à vida.
XIV – O médico empenhar-se-á em melhorar os padrões dos serviços médicos e em assumir sua responsabilidade em relação à saúde pública, à educação sanitária e à legislação referente à saúde.
XV – O médico será solidário com os movimentos de defesa da dignidade profissional, seja por remuneração digna e justa, seja por condições de trabalho compatíveis com o exercício ético-profissional da Medicina e seu aprimoramento técnico-científico.
XVI – Nenhuma disposição estatutária ou regimental de hospital ou de instituição, pública ou privada, limitará a escolha, pelo médico, dos meios cientificamente reconhecidos a serem praticados para o estabelecimento do diagnóstico e da execução do tratamento, salvo quando em benefício do paciente.
XVII – As relações do médico com os demais profissionais devem basear-se no respeito mútuo, na liberdade e na independência de cada um, buscando sempre o interesse e o bem-estar do paciente.
XVIII – O médico terá, para com os colegas, respeito, consideração e solidariedade, sem se eximir de denunciar atos que contrariem os postulados éticos.
XIX – O médico se responsabilizará, em caráter pessoal e nunca presumido, pelos seus atos profissionais, resultantes de relação particular de confiança e executados com diligência, competência e prudência.
XX – A natureza personalíssima da atuação profissional do médico não caracteriza relação de consumo.
XXI – No processo de tomada de decisões profissionais, de acordo com seus ditames de consciência e as previsões legais, o médico aceitará as escolhas de seus pacientes, relativas aos procedimentos diagnósticos e terapêuticos por eles expressos, desde que adequadas ao caso e cientificamente reconhecidas.
XXII – Nas situações clínicas irreversíveis e terminais, o médico evitará a realização de procedimentos diagnósticos e terapêuticos desnecessários e propiciará aos pacientes sob sua atenção todos os cuidados paliativos apropriados.
XXIII – Quando envolvido na produção de conhecimento científico, o médico agirá com isenção e independência, visando ao maior benefício para os pacientes e a sociedade.
XXIV – Sempre que participar de pesquisas envolvendo seres humanos ou qualquer animal, o médico respeitará as normas éticas nacionais, bem como protegerá a vulnerabilidade dos sujeitos da pesquisa.
XXV – Na aplicação dos conhecimentos criados pelas novas tecnologias, considerando-se suas repercussões tanto nas gerações presentes quanto nas futuras, o médico zelará para que as pessoas não sejam discriminadas por nenhuma razão vinculada à herança genética, protegendo-as em sua dignidade, identidade e integridade.
O princípio constitucional de livre exercício de uma profissão não é a garantia para que qualquer um possa entregar-se sem restrição a uma atividade, mas o direito de exercê-la desde que legalmente habilitado e capaz para um determinado fim. A liberdade constitucional referente ao exercício pleno da profissão exige, de quem a exerce, autorização, idoneidade e competência.
Essa liberdade a que se refere a Carta Magna é a de poder qualquer pessoa, rica ou pobre, nacional ou estrangeira, dedicar-se a um determinado ofício, desde que tenha adquirido capacidade e habilitação legal.
Encontra-se essa liberdade relativa sujeita ao poder de polícia do Estado, pois, mesmo exercendo-se a profissão médica em caráter privado, há interesses individuais e coletivos que exigem amparo e proteção. Daí a disciplinação e a regulamentação da medicina.
A medicina é uma das profissões intrinsecamente ligadas à saúde pública, e a violação das suas exigências não poderia furtar-se à categoria de crime. O que a lei prevê não é simplesmente a defesa de interesses de uma classe, nem a concorrência desonesta e ilegal que se possa verificar, mas o bem-estar da comunidade, a fim de que pessoas inescrupulosas e incompetentes não ponham em perigo a vida e a saúde pública.
O exercício da medicina está regulamentado em todos os países do mundo, através de normas e princípios. Os interesses da profissão médica, embora implique esta um relacionamento mais ou menos reservado entre o paciente e o médico, não estão exclusivamente na esfera privada, pois a saúde dos indivíduos encontra-se no âmbito da ordem pública, admitindo-se haver maiores vantagens sociais se lhes for dada uma correta assistência.
A licença para o exercício da medicina é um ato exclusivo da autoridade do Estado. A profissão está regida por obrigações e deveres, disciplinados nas normas administrativas e universitárias. E o exercício ilegal, por sua vez, está submetido às infrações do Código Penal.
Desde os tempos mais remotos, a medicina foi sempre uma profissão liberal revestida da mais alta dignidade, em que pese não ser absoluta essa liberdade.
Em 1335, na França, João I restringiu o exercício da profissão médica aos licenciados nas Universidades. Daí em diante, em vários países da Europa, só se permitia a prática da profissão àqueles que possuíssem um curso médico. Entre nós, somente a partir de 1891 é que se legislou acerca da profissão médica.
A Constituição Federal, em seu artigo 5.º, diz: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...);
XIII – É livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”.
Assim, compreende-se que para exercer a medicina necessita-se de uma habilitação profissional e de uma habilitação legal. A primeira é adquirida pelo adestramento através dos currículos das escolas médicas autorizadas ou reconhecidas, e a habilitação legal, pela posse de um título idôneo e pelo registro desse título nas repartições competentes.
São títulos idôneos os fornecidos por faculdades autorizadas e reconhecidas. Os médicos formados por escolas ou universidades estrangeiras terão seus títulos revalidados ao se habilitarem perante as faculdades brasileiras, independentemente de nacionalização e prestação de serviço militar.
Lei n.º 12.842/2013, que dispõe sobre o exercício da Medicina, diz em seu art. 2.º que “O objeto da atuação do médico é a saúde do ser humano e das coletividades humanas, em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo, com o melhor de sua capacidade profissional e sem discriminação de qualquer natureza”. E em seu parágrafo único: O médico desenvolverá suas ações profissionais no campo da atenção à saúde para: I – a promoção, a proteção e a recuperação da saúde; II – a prevenção, o diagnóstico e o tratamento das doenças; III – a reabilitação dos enfermos e portadores de deficiências. Art. 3.º O médico integrante da equipe de saúde que assiste o indivíduo ou a coletividade atuará em mútua colaboração com os demais profissionais de saúde que a compõem. Art. 4.º São atividades privativas do médico: I – (Vetado.); II – indicação e execução da intervenção cirúrgica e prescrição dos cuidados médicos pré e pós-operatórios; III – indicação da execução e execução de procedimentos invasivos, sejam diagnósticos, terapêuticos ou estéticos, incluindo os acessos vasculares profundos, as biópsias e as endoscopias; IV – intubação traqueal; V – coordenação da estratégia ventilatória inicial para a ventilação mecânica invasiva, bem como das mudanças necessárias diante das intercorrências clínicas, e do programa de interrupção da ventilação mecânica invasiva, incluindo a desintubação traqueal; VI – execução de sedação profunda, bloqueios anestésicos e anestesia geral; VII – emissão de laudo dos exames endoscópicos e de imagem, dos procedimentos diagnósticos invasivos e dos exames anatomopatológicos; VIII – (Vetado.); IX – (Vetado.); × – determinação do prognóstico relativo ao diagnóstico nosológico; XI – indicação de internação e alta médica nos serviços de atenção à saúde; XII – realização de perícia médica e exames médico-legais, excetuados os exames laboratoriais de análises clínicas, toxicológicas, genéticas e de biologia molecular; XIII – atestação médica de condições de saúde, doenças e possíveis sequelas; XIV – atestação do óbito, exceto em casos de morte natural em localidade em que não haja médico.
Os Conselhos Regionais e Federal de Medicina são, em seu conjunto, órgãos dotados de personalidade jurídica de direito público e forma federativa, por delegação do poder público, conforme estabelecem a Lei n.º 3.268/1957 e o Decreto-lei n.º 44.045/1958. Goza cada um deles de autonomia administrativa e financeira e tem, como finalidade, disciplinar, fiscalizar e julgar a postura ética da atividade profissional médica em todo território nacional. Cabe-lhes, assim, zelar, por todos os meios ao seu alcance, pelo melhor desempenho ético da medicina e dos que a exercem legalmente.
A organização, a estrutura e o funcionamento dos Conselhos serão regulados mediante decisão do plenário do Conselho Federal de Medicina, ficando vedado o estabelecimento de vínculos com a Administração Pública ou qualquer forma de intervenção por parte do poder estatal.
Os empregados dos Conselhos de profissões regulamentadas serão regidos pela legislação trabalhista, sendo vedada qualquer forma de transposição, transferência ou agregação para os quadros da Administração Pública direta ou indireta. Estes Conselhos, por constituírem serviço público, gozam de imunidade tributária total em relação aos seus bens, rendas e serviços.
Não são propriamente instituições de defesa de classe. No entanto, o são se levarmos em conta sua ação saneadora, quando, pela orientação e disciplina, mantêm a profissão no seu mais alto conceito e no seu melhor prestígio.
São atribuições do Conselho Federal de Medicina, conforme estabelece a Lei n.º 9.649, de 27 de maio de 1998: organizar seu regimento interno, inclusive adaptando à sua nova condição de órgão dotado de personalidade de direito privado não integrado à Administração Pública; aprovar regimentos internos organizados pelos Conselhos Regionais; votar e alterar o Código de Ética Médica ouvindo os Regionais, expedir instruções necessárias ao bom desempenho da medicina; assessorar os Conselhos Regionais em questões administrativas, processuais e financeiras; e atender em grau de recurso aos Regionais ou às partes sobre penalidades impostas em processos ético-disciplinares. Compete-lhe ainda promover diligências ou verificações relativas ao funcionamento dos Regionais, convocar eleições suplementares para os Conselhos Regionais nos casos de vacância ou de renúncia de pelo menos metade dos conselheiros e propor e aprovar seu orçamento ou os orçamentos dos Regionais.
Os Conselhos Regionais de Medicina estão instalados em cada capital do Estado ou no Distrito Federal, com as seguintes atribuições: deliberar a respeito de inscrição de médicos legalmente habilitados; manter um registro de profissionais numa determinada região; fiscalizar o exercício profissional e impor as devidas penalidades; velar pela conservação da dignidade e da independência do Conselho; apreciar e decidir sobre ética profissional, impondo as penas cabíveis; proteger e contribuir para o perfeito desempenho técnico e moral da medicina e exercer atos para os quais a lei lhes confere competência. Cabe-lhes, também, elaborar proposta de seu regimento interno, expedir carteira profissional com valor legal de carteira de identidade, fiscalizar o exercício profissional de pessoa física e de pessoa jurídica de direito público ou privado, em sua jurisdição, e expedir normas ou resoluções para o pleno cumprimento do Código de Ética Médica. Para o médico inscrever-se no Conselho Regional de Medicina, faz-se necessário apresentar à Secretaria desse órgão os seguintes documentos: a) requerimento dirigido ao Presidente; b) cópia autêntica ou original do Diploma registrado no MEC ou na Universidade; c) recibo de recolhimento da Contribuição Sindical; d) prova de estar em dia com o serviço militar; e) título de eleitor; f) três fotografias 3 × 4.
No Brasil, o estrangeiro tem sua situação regulada pela Lei n.º 6.815, de 19 de agosto de 1980. No seu artigo 21, parágrafo 1.º, diz que ao estrangeiro que pretenda exercer atividade remunerada ou frequentar estabelecimento de ensino nos municípios de fronteira será fornecido documento especial que o identifique e caracterize sua condição.
Assim, de princípio, poder-se-ia admitir a possibilidade de o estrangeiro exercer, em nossas cidades de fronteira, qualquer atividade remunerada. Todavia, a mesma lei, em seu título X, prevê as restrições ao exercício da atividade remunerada, impossibilitando a inscrição em entidade fiscalizadora do exercício profissional, conforme se verifica textualmente em seu artigo 99: “Ao estrangeiro titular de visto temporário e ao que se encontre no Brasil na condição do artigo 21, § 1.º, é vedado estabelecer-se com firma individual, ou exercer cargo ou função de administrador, gerente ou diretor de sociedade comercial ou civil, bem como inscrever-se em entidade fiscalizadora do exercício de profissão regulamentada”.
Atualmente, ainda sujeita a modificações, prevalece a MP 621/2013 (Programa Mais Médicos), especialmente quando se reporta do seguinte modo: “Art. 10. O médico intercambista exercerá a medicina exclusivamente no âmbito das atividades de ensino, pesquisa e extensão do Projeto Mais Médicos para o Brasil, dispensada, para tal fim, a revalidação de seu diploma nos termos do § 2.º do art. 48 da Lei n.º 9.394, de 20 de dezembro de 1996. § 3.º A declaração de participação do médico intercambista no Projeto Mais Médicos para o Brasil, fornecida pela coordenação do programa, é condição necessária e suficiente para a expedição de registro provisório pelos Conselhos Regionais de Medicina, não sendo aplicável o art. 99 da Lei n.º 6.815, de 19 de agosto de 1980, e o art. 17 da Lei n.º 3.268, de 30 de setembro de 1957”.
Em face da situação de médico deficiente visual ou físico, caso venha o Ministério a registrar seu diploma com restrições, entendemos que sua inscrição deve ser efetivada, seguindo a mesma linha, ou seja, inscrevendo-o para exercer sua profissão nas mesmas limitações consignadas, registrando-se tais limitações em sua carteira, até porque não poderia ser diferente, pois é ao MEC que compete avaliar e outorgar a capacidade e os conhecimentos necessários para se receber o título de médico.
O Conselho Federal de Medicina, através do Parecer-Consulta CFM n.º 02/1995, ratificou o direito de registro do diploma e inscrição no CRM de médicos formados como portador de deficiência, sem imposição de limitação para o exercício da medicina.
No entanto, acreditamos que cabe também aos Conselhos Regionais e ao Conselho Federal de Medicina, juntamente com as outras entidades médicas, agirem politicamente em defesa dos direitos e das garantias individuais, tentando romper com todas as formas abusivas de discriminação, capazes de criarem cidadãos de segunda e terceira categorias ou de colocá-los numa classe inferior de homens. A privação dos direitos civis de um cidadão pelo fato de ser deficiente físico ou visual deve merecer da fração consciente da sociedade a mais veemente repulsa, pois isso representa um vilipêndio aos direitos do ser humano e um desrespeito aos postulados constitucionais.
Não se pode invocar para esses casos o item I das Disposições Gerais do Código de Ética Médica em vigor, quando assim se expressa: “O médico portador de doença incapacitante para o exercício da medicina, apurada pelo Conselho Regional de Medicina em procedimento administrativo com perícia médica, terá seu registro suspenso enquanto perdurar sua incapacidade”. Tal dispositivo tem como alvo certos profissionais que, no decorrer do exercício de sua profissão, são acometidos de doença incapacitante e em decorrência da qual, por perturbações físicas ou mentais, passam a causar danos aos seus pacientes.
A exigência de um controle e avaliação de competência profissional do médico recém-formado, ora denominada de “exame de ordem” ou “exame de qualificação”, numa suposta finalidade de estabelecer critérios de avaliação do médico egresso das escolas, e a ser aplicado pelos Conselhos Regionais de Medicina, como pré-requisito da sua inscrição, não encontra respaldo nem como instrumento legal ou ético, nem se justifica como capaz de corrigir as possíveis distorções do aparelho formador.
A Lei n.º 3.268/1957, que dispõe sobre os Conselhos de Medicina e dá outras providências, em seu artigo 1.º diz: “Os médicos legalmente habilitados ao exercício da profissão em virtude dos diplomas que lhes foram conferidos pelas Faculdades de Medicina oficiais ou reconhecidas do país só poderão desempenhá-la efetivamente depois de inscreverem-se nos Conselhos de Medicina que jurisdicionarem a área de sua atividade profissional”. Fica claro que não cabe aos Conselhos Regionais julgar a competência profissional do médico. Isso é tarefa do Ministério da Educação.
Ninguém é contra a preocupação legítima para com a qualidade profissional do médico que se inscreve diariamente nos Conselhos. Mas certamente não seria com algumas dezenas de testes de múltipla escolha que iríamos afirmar quem estaria apto ou inapto para exercer a profissão.
A proposta mais correta é estimular-se uma política no sentido de uma ampla revisão dos critérios adotados na formação médica, sabermos que tipo de profissional nós queremos e qual o perfil que ele deve assumir na relação com a sociedade.
Pensar que os chamados “exames de ordem” representam uma resposta às nossas preocupações é, no mínimo, ingenuidade. É desconhecer o processo de aniquilamento do ensino superior entre nós, como forma sub-reptícia de desmantelar o ensino público e gratuito, desmoralizando-o e entregando-o à iniciativa privada. É adotar uma postura imobilista, reacionária e simplista, sem qualquer conteúdo pedagógico, negando-se a refletir sobre as causas determinantes da inadequada formação do profissional médico. É procurar combater o efeito e negligenciar a causa. É, finalmente, recusar-se a assumir politicamente a implementação de mudanças que se fazem necessárias e urgentes no aparelho formador com vistas a atender às necessidades de uma nova ordem social.
Desse modo, o “exame de qualificação”, além de não encontrar justificativa na lei, não apresenta um significado mais importante na tentativa de estimular um melhor padrão profissional. Por isso, desaconselha-se seu procedimento. E censura-se, de forma veemente, a distribuição de carteiras com a alusão de ter sido aprovado ou não ter sido aprovado o médico nesses “exames de ordem”.
Médico estrangeiro detentor de visto de refugiado/asilado, conforme a Lei n.º 9.474, de 22 de julho de 1997, que define mecanismos para a implementação do Estatuto dos Refugiados de 1951:
§ Com diploma estrangeiro devidamente revalidado por uma universidade pública brasileira, conforme estabelece a Lei n.º 9.394/1996, poderá obter inscrição com validade obrigatoriamente igual a da Cédula de Identidade de Estrangeiro – visto de Refugiado/Asilado, conforme a Resolução CFM n.º 1.244/1987, de 8 de agosto de 1987, podendo exercer qualquer atividade médica remunerada, excetuados somente os casos em que a lei exija o requisito de brasileiro nato ou naturalizado. Caso não possua a Cédula de Identidade de Estrangeiro, será expedida Certidão (Anexo XXVII) até a apresentação da mesma.
1. Requerimento de inscrição (fornecido pelo CRM).
2. Diploma original (se expedido por universidade estrangeira, deverá estar devidamente revalidado por uma universidade pública brasileira, conforme estabelece a Lei n.º 9.394/1996).
3. Cópia autenticada do diploma.
4. Cópia autenticada da tradução oficializada do diploma.
5. Certificado de Proficiência em Língua Portuguesa para Estrangeiros (CELPE-BRAS), expedido por instituição oficial de ensino.
6. Cópia autenticada da Cédula de Identidade de Estrangeiro – visto de Refugiado/Asilado.
7. Cópia autenticada do CPF.
8. Três fotos 3x4 (recentes).
9. Pagamento de taxa de expedição da Cédula de Identidade de Médico Estrangeiro e pagamento proporcional da anuidade do exercício.
Procedimentos do CRM
Os mesmos utilizados para a inscrição primária.
Observação
Caso o médico possua apenas o protocolo da Polícia Federal, para comprovação de que está aguardando a expedição da Cédula de Identidade de Estrangeiro – visto de Refugiado/Asilado, a Assessoria Jurídica do CRM verificará, além da cópia autenticada do referido protocolo, os seguintes documentos:
1. Cópia autenticada do passaporte (páginas onde constam a identificação, o visto e a validade do mesmo).
2. Certidão concedida pelo Setor de Cadastro da Polícia Federal, contendo informações do deferimento do pedido de visto de Refugiado/Asilado, data de validade do referido visto e o número do Registro Nacional de Estrangeiro – RNE que constará na Cédula de Identidade de Estrangeiro.
Em primeiro instante, cabe estabelecer a diferença entre procedimento administrativo e processo ético-disciplinar. Os dois não se confundem. São completamente diferentes. O primeiro é um conjunto de formalidades que devem ser observadas para a prática de determinados atos administrativos do interesse público e referidos em norma específica. Já o processo ético-disciplinar é, em algumas vezes (como o dos funcionários públicos), constitucionalmente obrigatório e, no nosso caso, de fundamento legal regulado pela Lei n.º 3.268, de 30 de setembro de 1957, e pelo Decreto n.º 44.045, de 19 de julho de 1958, desde que existam razões para a aplicação de penas previstas por infração a dispositivos do Código de Ética Médica. Desdobra-se nas seguintes fases: instauração (denúncia), instrução, defesa, relatórios e decisão. Baseia-se no direito que tem o Estado de manter sobre todos aqueles que se subordinam aos seus interesses, definitiva ou transitoriamente, de forma direta ou delegada. Em suma, o processo éticodisciplinar é o meio de apuração de faltas de pessoas ligadas, de uma ou de outra forma, à administração pública; e o procedimento administrativo é a maneira específica de cumprimento de um ato exigido pelo poder público.
Logo, não há como misturar os dois conceitos: um segue as regras do Processo Ético-Profissional, lastreadas pelo seu diploma específico; e o outro, um procedimento administrativo regulado por uma Resolução, com interesses e diretrizes particulares e bem diversos.
Dizíamos, noutra ocasião, que o procedimento de suspensão do registro de médico portador de doença incapacitante, física ou mental, é um ato administrativo e, por isso, não depende dos Tribunais de Ética dos Conselhos de Medicina em processos ético-profissionais. A competência dessa decisão é do plenário dos Conselhos Regionais com instância e tutela administrativas, por meio de um procedimento comum, cabendo recurso ao Conselho Federal de Medicina, sem efeito suspensivo (Comentários ao Código de Ética Médica. 6. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2010).
Preceitua o item I das Disposições Gerais do Código de Ética vigente desde 13 de abril de 2010 que “o médico portador de doença incapacitante para o exercício profissional, apurada pelo Conselho Regional de Medicina em procedimento administrativo com perícia médica, terá seu registro suspenso enquanto perdurar sua incapacidade”.
O médico portador de doença considerada como incapacitante, de cujo registro no Conselho tenha sido solicitada suspensão, será ali avaliado em procedimento especial, com perícia médica para comprovação da existência ou não de condições que o impeçam de exercer sua profissão. Terá ele o direito de indicar especialista para funcionar como perito, acesso a todas as peças dos autos em qualquer de suas fases, amplo direito de contestação que vise comprovar sua capacidade para o exercício de suas funções e acesso aos laudos emitidos para que ele ou seu procurador possa contestá-los no prazo de 30 dias, a partir da data do conhecimento deles. Caso o médico se recuse a submeter-se à perícia médica, o Conselho Regional de Medicina decidirá mediante os documentos e as provas materiais e testemunhais disponíveis, inclusive com cópias de prontuário médico, se existir. Caso venha o Conselho Regional a decidir pela existência de uma doença incapacitante, terá obrigatoriamente de fixar a duração da suspensão do registro. Após o cumprimento do prazo de suspensão do exercício profissional, deverá ser instaurado novo procedimento administrativo para julgar a necessidade ou não de prorrogar essa suspensão, apresentando ele ou não atestado de sua capacidade para exercer suas atividades médicas.
Nos casos de incapacidade do exercício profissional por distúrbios mentais, parte do processo já se acha fixada no Código de Processo Civil em seus artigos 1.177 e seguintes, relacionados ao procedimento de interdição de direitos civis, por interesse de ordem pública. Quando existir interdição decretada pela via judiciária, na conformidade dos artigos citados, pensamos não necessitar de procedimento administrativo pelos Conselhos. Simplesmente, suspender o registro pelo tempo constante da sentença.
Ainda mais: não cabe a presença de “denunciado”. Simplesmente porque não há acusação de infração aos ditames éticos da profissão, contidos no Código de Ética Médica, e, portanto, não se exigindo do médico a prova de sua “inocência”. Não há que se acusar ou solicitar defesa de um médico portador de patologia incapacitante. O que existe de fato é uma ação promovida por parentes, terceiros ou pelo Ministério Público, sobre alegadas restrições para as atividades profissionais de um médico, cujos indícios induzem à falta de capacidade física ou mental para exercer sua profissão. O requerente deve demonstrar de maneira clara e segura que o estado do incapacitando necessita da decretação da medida, por ela constituir-se indispensável aos interesses de ordem pública e social. O próprio interditando pode apresentar advogado e, se não tiver condições de fazê-lo, o advogado será constituído por qualquer parente seu.
Ao plenário do Conselho Regional cabe analisar os laudos periciais, proceder de acordo com as normas específicas e decidir sobre a suspensão ou não da atividade profissional por tempo limitado. Não é, portanto, um procedimento acusatório e, por isso, sua decisão não é em forma de sentença condenatória, mas em uma decisão administrativa.
Estatui a norma máxima disciplinadora das ações dos Conselhos de Medicina – a Lei n.º 3.268, de 30 de setembro de 1957, precisamente no parágrafo 4.º do artigo 18, que “no prontuário do médico serão feitas anotações referentes ao mesmo, inclusive os elogios e as penalidades”.
Estabelece, dessa forma, o legislador que, no prontuário de cada médico inscrito num Conselho de Medicina, devem constar os aspectos positivos e negativos de sua vida profissional. Admite-se, é claro, que esses prontuários estejam sempre em arquivos e sejam manipulados por funcionários do setor competente, como elemento de registro burocrático reservado e como fonte de informações, inclusive sobre reincidência de infração aos dispositivos do Código de Ética Médica em sentenças transitadas em julgado.
No entanto, de forma inoportuna, o Decreto n.º 44.045, de 19 de julho de 1958, editado no sentido de regulamentar a Lei n.º 3.268/1957, dando-lhe condições de aplicabilidade e reforço, outra coisa não faz senão alterar e subverter o espírito e a forma desta Lei, extrapolando o que ela determina, através de interpretação extraordinária, quando, no caput do artigo 23, afirma que “as execuções das penalidades impostas pelos Conselhos Regionais e pelo Conselho Federal de Medicina processar-se-ão na forma estabelecida pelas respectivas decisões, sendo anotadas tais penalidades na carteira profissional do médico infrator, como estatuído no parágrafo 4.º do artigo 18 da Lei n.º 3.268, de 30.09.57”.
Ora, uma coisa é o prontuário médico e outra, muito diferente, é a carteira profissional do médico, a qual tem o valor legal de carteira de identidade. Por isso, um fato é anotar informação num prontuário existente num arquivo de repartição pública. Outro, muito diverso, é anotar essas informações numa carteira profissional.
Poder-se-ia, ainda, imaginar que um decreto tivesse por finalidade, entre outras, acrescentar medidas sobre lacunas da Lei. Puro engano. A função da norma regulamentadora é sedimentar os princípios e oferecer meios de praticabilidade da Lei. A forma de preencher lacunas na Lei é através de sua alteração ou de sua revogação, com a consequente edição de um texto adequado, na instância legislativa. Em suma: através de outra lei.
Lei é um princípio da legalidade, emanado de órgãos de representação popular e elaborado de conformidade com o processo legislativo previsto na Constituição Federal. Cabe, por outro lado, ao Poder Executivo, sancionar, homologar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução. Assim, o decreto tem o destino de permitir e facilitar que a lei seja executada fielmente, desenvolvendo-lhe os princípios, estabelecendo os pormenores de sua aplicabilidade, sempre que o Executivo os julgue indispensáveis ou convenientes. Em síntese, o decreto tem a finalidade de permitir a justa e exata execução da lei, dispondo sobre procedimento da norma, mas sempre “na forma da lei”.
O sistema constitucional brasileiro não admite o chamado regimento independente ou autônomo, ficando sempre sujeito a uma reserva relativa da lei. O poder regulamentador é um poder limitado, não pode criar normatividade que se insurja contra a ordem jurídica. O poder regulamentador deve respeitar os dispositivos constitucionais, a lei regulamentada, a legislação em geral e, segundo alguns, até mesmo as fontes subsidiárias a que elas se reporta. Inovar em questão jurídica é tarefa da lei.
Bastaria o que foi dito para justificar o absurdo que constitui tais anotações nas carteiras profissionais dos médicos. No entanto, veja-se o que diz a Constituição Federal ao tratar dos Direitos e Garantias Individuais e Coletivas: “Não haverá penas de caráter perpétuo”. Existe alguma dúvida de que uma pena assinalada na carteira profissional de um indivíduo, seja ele médico ou não, deixe de representar a perenidade da punição e a execração do seu portador? Afinal, qual seria o sentido da pena? Humilhar? Estigmatizar? Não, acreditamos que não. Mesmo que ela represente uma reação da sociedade organizada a um fato que viola uma das suas normas, no interesse da ordem e da segurança social, a pena deve ser uma proposta civilizada no sentido de reeducar, ressocializar e recuperar o autor da infração. E nunca ter o sentido de achincalhar ou menosprezar quem quer que seja, por mais inconsequente que tenha sido a sua atitude.
Uma punição que continua pelo seu efeito, mesmo depois de cumprida a medida punitiva, é infamante. Esta forma de pena, além de cruel pelo seu sentido de vingança, prolonga o sofrimento por toda vida e, por isso, ela é também instrumento de injustiça.
A história jurídica da liberdade pessoal no mundo de agora concilia-se mais e mais com a ideia de proteção da esfera íntima de cada homem e de cada mulher. Outra coisa: a própria publicação festiva e barulhenta das sentenças pelos Conselhos não deixa de ter sua acentuada função infamante e seu objetivo de degradar. Ou, outras vezes, apenas de “mostrar serviço”.
Assim não temos dúvida de que, no caso em tela, está patente a extrapolação da norma legal que acrescenta medida permitindo anotações de punibilidade nas carteiras profissionais dos médicos infratores ao seu Código de Ética Médica. Além disso, um desrespeito aos princípios constitucionais de amparo à dignidade humana, um vilipêndio aos direitos consagrados à cidadania e um desestimulo à recuperação do infrator. Uma forma anacrônica e infeliz de fazer justiça.
Este também é o pensamento do Conselho Federal de Medicina, ao aprovar em reunião de Diretoria o Parecer n.º 017/1997, do seu Setor Jurídico, que considera tais anotações na carteira profissional do médico infrator como inconstitucionais e vexatórias, e recomenda que as anotações das penas sejam feitas exclusivamente nos respectivos prontuários dos facultativos, os quais devem permanecer arquivados no próprio Conselho onde o profissional está inscrito.
Os não formados em Medicina não podem nem devem exercer a profissão. Todavia, devem e podem exercer o ato médico em algumas situações, consideradas inadiáveis e imprescindíveis, que o estado de necessidade aplaudiu e consagrou como lícitas.
Assim, o acadêmico de Medicina que, diante de um caso urgente e grave, assistir o paciente, impondo uma conduta ou uma terapêutica exigida, não estará exercendo ilegalmente a medicina. É célebre o caso do estudante Lecène, mais tarde famoso cirurgião, que, em certa ocasião, recebeu uma jovem mulher com um quadro grave de abdome agudo. Praticou a laparotomia, retirando-lhe o apêndice infectado e drenando a cavidade. Notou, no entanto, os ovários intensamente comprometidos e optou pela sua retirada. A paciente entrou com uma ação civil contra o estudante e o professor responsável, pois, segundo ela, não teria autorizado aquela ampliação, ao ponto de uma castração imprevista, não consentida nem cogitada.
O Tribunal absolveu o mestre e o discípulo, evocando as seguintes razões:
1. É impossível a formação médica sem facultar ao estudante o direito de praticar, sob orientação dos professores.
2. Seria injusto e, até certo ponto, temerário, permitir a prática médica apenas depois da formatura.
3. Não se pode considerar ato ilícito o fato de uma cirurgia não seguir um plano preestabelecido, nem seria aconselhável fechar a cavidade e em seguida pedir a autorização da paciente, principalmente quando essa situação é intransferível e necessária.
O que se procura impedir, pela sanção penal, no exercício ilegal da Medicina, é que a saúde pública venha a ser ameaçada por pessoas não qualificadas e incompetentes. Para configurar-se o crime, basta apenas o perigo, não exigindo a lei que venham a consumar-se quaisquer lesões ou malefícios, sendo necessária unicamente a possibilidade de dano.
A Medicina é uma profissão que de maneira alguma pode ser exercida sem as exigências legais de habilitação, o que deixa bem claro a Lei das Contravenções Penais, em seu artigo 47, quando sanciona o exercício profissional “sem preencher as condições a que por lei está subordinado seu exercício”. Esse fato não se constitui apenas em contravenção, mas, também, em crime.
Diz o artigo 282 do Código Penal em vigor: “Exercer, ainda que a título gratuito, a profissão de médico, dentista ou farmacêutico, sem autorização legal ou excedendo-lhe os limites”.
Por exercer entende-se praticar, exercitar, levar a efeito, dedicar-se, desempenhar. Esse ato, é claro, há de ser contínuo, tendo como princípio a mesma sistemática da profissão, que no caso em foco é a medicina. Essa habitualidade não está condicionada apenas à pluralidade de pacientes, mas, da mesma forma, aos sucessivos atos de tratamento em uma só pessoa. Não se pode considerar infração delituosa quando a prática está justificada pelo estado de necessidade. Sendo assim, se um indivíduo, com certa vivência em serviços médico-hospitalares, tentasse salvar um paciente em iminente perigo de vida, usando de meios médicos, não poderia tal situação ter a característica de crime.
Em contrapartida, entende-se por exercício ilegal não apenas o tratamento por meios medicamentosos, mas todo ato que vise à prevenção ou à cura através de aparelhos médicos, elétricos, ou por meio de manobras e condutas cuja atribuição seja da profissão médica.
Alguns entendem que cometem a infração tanto o que não é possuidor de um título que lhe permita exercer legalmente a profissão como o que, possuindo esse título, não o registrou nos Conselhos de Medicina. Achamos que não pode classificar-se como crime a segunda situação, pois compreende-se haver nesse fato apenas uma transgressão administrativa, mesmo faltando-lhe preencher as exigências legais, pois a saúde pública não estaria aí em jogo.
Não é apenas o leigo que pode cometer tal delito, mas também o médico quando excede os limites da profissão. Bento de Farias (apud E. Magalhães Noronha, Direito penal, São Paulo: Saraiva, 1971, v. 4, p. 77) considera como práticas excessivas: “O médico assumir a responsabilidade de tratamento dirigido por quem não for profissional; firmar atestado de óbito de pessoa que foi tratada por leigo; atestar graciosamente, ou sem haver examinado o doente; manipular medicamentos, não se tratando de produtos de laboratório, mediante prévia licença, por serem exigidos os conhecimentos extrafarmacêuticos etc. (...)”.
Constitui agravamento especial o fato de ter o agente cometido o exercício ilegal da medicina com intuito de lucro, acrescentando-se à pena, nesse caso, a multa.
Por outro lado, não se pode considerar exercício ilegal da medicina a participação de atendentes, auxiliares de serviços gerais e agentes comunitários, recrutados ou identificados na própria comunidade, para atender às populações dispersas, através de atividades elementares e sob orientação e supervisão, tais como: notificação de casos suspeitos, imunização, coleta de dados, programas de educação para a saúde, ações de melhorias do ambiente e saneamento básico, tudo isso com recursos e tecnologia simplificados.
É um crime de perigo abstrato, cujo bem jurídico protegido é a saúde e a vida das pessoas sujeitas à fraude e ao engodo de agentes mais ou menos hábeis, que se aproveitam de outros menos avisados. Entendemos que o crime é mais de fraude que de perigo.
A expressão é derivada de ciarlare, que significa, em italiano, conversar muito, tagarelar, iludir.
O artigo 283 do Código Penal brasileiro, ao tratar do charlatanismo, vê a espécie delituosa em torno da cura inculcada ou anunciada, através de meios infalíveis e secretos, de terapêutica simulada, diagnóstico e prognóstico falsos, bem como de curas sensacionais e extraordinárias. O charlatão quase que atribui a si próprio, e aos seus meios, poderes realmente miraculosos.
O agente desse crime é, na maioria das vezes, o médico que, ao desviar-se dos caminhos traçados pela ciência hipocrática, envereda por processos de mistificação, fraudulentos e desonestos. Flamínio Fávero (Medicina legal, 4. ed., São Paulo: Livraria Martins Editora, 1956) relata de Eugênio Cordeiro (Tese de doutoramento, 1917) que certa jovem procurou um determinado médico, o qual lhe fez diagnóstico de tuberculose pulmonar no 3.º grau, assegurando-lhe que somente através de um tratamento especial e rigoroso poderia salvar-lhe a vida. E prescreveu: “Vinho de minha fórmula, ampolas de minha fórmula, aniodolina de minha fórmula, regularina de minha fórmula e cinamato segundo minha prescrição”. Esse médico era também proprietário de uma farmácia, onde os medicamentos seriam adquiridos.
Outro fato que bem caracteriza o charlatanismo foi o tão decantado “toque de Assuero”, de repercussão mundial, e que arrastou inúmeros adeptos. Consistia em tocar com o termocautério a mucosa nasal e aí estava o milagre: todas as doenças eram curadas, inclusive aquelas para as quais não existia tratamento.
Essas situações retratam muito bem o que seja o charlatanismo. Alguns entendem que outras pessoas, mesmo as leigas, podem ser consideradas charlatães, em situações específicas. Achamos, no entanto, que estas se enquadram no artigo 282, que trata do exercício ilegal da medicina, ou, no artigo 284, que se refere ao curandeirismo. Charlatanismo, para nós, é privativo dos médicos.
Segue o nosso raciocínio a legislação argentina, pois no artigo 208, n.º 2, do seu estatuto penal, exige habilitação do exercício médico, para a caracterização do charlatanismo. Tem a seguinte redação: “O que, com título ou autorização para o exercício de uma arte de curar, anuncia ou promete a cura de enfermidades a prazo fixo ou por meios secretos e infalíveis”.
Os médicos despreparados e ultrapassados, que não procuram acompanhar o progresso de sua ciência, não podem ser considerados infratores, pois a ignorância, o atraso e a falta de motivação para o estudo não caracterizam o dolo. Tais médicos, no máximo, poderiam ser rotulados como charlatães inconscientes, que Eugênio Cordeiro classifica em estacionários, superficiais e sistemáticos. Os estacionários são aqueles que se descuidam do aprimoramento e da leitura, permanecendo no que aprenderam, ou em situação mais precária do que quando iniciaram. Os superficiais são os que mal olham para o paciente, preenchem seus formulários sem os exames necessários e se restringem apenas ao tratamento sintomático. E os sistemáticos são os que conhecem duas ou três drogas, previamente formuladas, receitando-as para todos os males.
Assim, o charlatanismo é a vontade consciente e livre de anunciar e inculcar meios de tratamento, curas infalíveis, de maneira secreta. É o conhecimento da fraude e da inverdade que se proclama, mesmo sabendo, de antemão, que essa prática é falsa e nociva.
Nossa legislação, ao tratar do charlatanismo, diz: “Inculcar ou anunciar cura por meios secretos e infalíveis”. Inculcar quer dizer recomendar, aconselhar, propor, indicar com elogios, apregoar. A característica é a falsa indicação. Anunciar é a forma de divulgar e difundir por qualquer meio de comunicação: rádio, jornal, televisão, impressos, pregões etc.
Os elementos fundamentais do crime são o segredo e a infalibilidade. Os autores, em geral, dispensam o caráter habitualidade, bastando um único ato para configurar a infração criminosa, como também se houve a possibilidade de enganar alguém ou não. A forma do dispositivo legal do nosso estatuto pune por antecipação, qualquer que seja o resultado ou os efeitos da ação do sujeito ativo do delito.
O Decreto-lei n.º 4.113, de 14 de fevereiro de 1942, disciplina, em seu artigo 1.º, a propaganda dos médicos, dentistas e farmacêuticos, proibindo o anúncio de cura de determinadas doenças, para as quais não haja tratamento próprio, segundo os atuais conhecimentos da ciência. E não admite, por outro lado, atestados de cura de certas enfermidades, para as quais não exista tratamento estabelecido por meio de preparados farmacêuticos.
O curandeirismo é também um crime de perigo abstrato. Essa forma de delito caracteriza-se por uma situação de risco, independentemente de uma efetiva ameaça de dano a uma pessoa ou algo determinado. Assim, mesmo que nenhuma ameaça real de dano tenha existido, há de se considerar como consumado o crime de perigo abstrato, ou seja, de perigo presumido.
O curandeiro não se confunde com exercício ilegal da medicina, pois não usa meios médicos nem se faz passar por médico. Ele tenta a cura ou a fraude invocando o sobrenatural ou seus conhecimentos empíricos, através de meios intimidativos, coreográficos, místicos, ou da prescrição ou administração de ervas ou de outras substâncias, as mais bizarras possíveis.
A verdade é que o problema não foi ainda devidamente analisado na sua profundeza. O moralismo jurídico e o orgulho da ciência não permitiram uma abordagem mais séria.
O curandeirismo é fruto de uma desagregação social e cultural do negro, não só pelo processo de urbanização, mas ainda pela marginalização e pelo abandono, dando, em consequência, margem a que ele deságue suas frustrações no mundo das representações místicas e fantásticas. Dessa forma, o curandeiro tornou-se, em seu meio, o centro das consultas e das decisões, viabilizadas pela marginalização e pela pobreza, pelo abandono e pela doença. Essa foi a forma de ajuda mais prática e mais direta que os desassistidos conseguiram.
Ninguém pode negar os malefícios que o curandeirismo pode trazer quando se propõe a tratar de doenças. No entanto, é indiscutível que ele vem servindo de elemento conciliador e agregador das massas empobrecidas e desgraçadas, através de um equilíbrio social e psicológico.
José Duarte (Comentários à Lei das Contravenções Penais, Rio de Janeiro: Forense, 1944, p. 336) afirma a respeito disso: “É, pois, uma prevenção moral e higiênica porque, muitas vezes, as bruxarias, os sortilégios, a magia negra e práticas semelhantes produzem nos espíritos fracos impressões nocivas que perturbam a própria mente e comprometem a saúde. São, às vezes, pequenas fraudes, mistificações ridículas, revestindo um caráter aparentemente inofensivo, sem visos de chantagem. Mas contêm a ameaça de um grande perigo, dada a influência que exercem na gente inculta, simplória e crédula”.
O espiritismo, quando tratado como ciência ou filosofia, pode ainda ser tolerado, se é que se deve considerá-lo como tal. A verdade, porém, é que ninguém pode retirar da mente de outrem a crença no sobrenatural ou sua credulidade nos espíritos. Mas, quando essa prática começa a penetrar no domínio da saúde física ou mental de seus adeptos, não há como negar tratar-se de curandeirismo, pelo menos naquilo que a lei prevê.
“Mais que todos os sortilégios mágicos e bruxedos, a prática do espiritismo-medicina constitui um grave e generalizado perigo, pois, inculcando curas milagreiras, induz os crédulos a repudiar, com sério e, às vezes, irreparável dano à própria saúde, os recursos preconizados pela ciência médica. E tem-se de reconhecer que, entre nós, a jurisprudência tem contribuído, com uma tolerância que aberra inteiramente do texto penal, para a expansão dessa maléfica atividade dos profusos ‘centros’ do espiritismo. Sob a capa de exercício de culto, os espiritistas levaram o seu arrojo ao extremo de montarem verdadeiras ‘policlínicas’, onde fazem aplicação de seus fluidos e passes, por meio de seus improvisados medicine-men ou com a intervenção dos chamados ‘aparelhos mediúnicos’, as mais das vezes agentes de grosseira simulação” (Nélson Hungria, Comentários ao Código Penal, Rio de Janeiro: Forense, 1959, v. IX, p. 155).
O artigo 284 do nosso texto penal trata do curandeirismo, enumerando a forma delituosa em três incisos. O primeiro é prescrever, ministrar ou aplicar habitualmente qualquer substância, dando a entender que mesmo as não nocivas constituem infração, o que leva a várias contradições doutrinárias. O segundo diz respeito ao emprego de gestos, palavras ou outro qualquer meio, o que nos faz crer tratar-se de postura, passes e atitudes, rezas ou benzeduras, tendo como apoio a superstição do crente. E o terceiro refere-se à feitura do diagnóstico; pois, como sabemos, essa atribuição é privativa dos médicos.
Na configuração do crime exige-se a habitualidade, não podendo caracterizá-lo apenas um ato esporádico, pois é difícil excluir alguém que, pelo menos uma vez, não tenha feito um diagnóstico ou prescrito um medicamento. Impõe-se aqui o velho ditado popular: “De médico e louco todos nós temos um pouco”.
Constitui circunstância agravante a prática do curandeirismo mediante remuneração. E. Magalhães Noronha (op. cit., p. 93) diz acertadamente: “Praticando o delito mediante remuneração, a lei procura puni-lo em sua ganância, ferindo-o no bolso. Módica, porém, é a multa”.
Deve-se entender como ato médico genérico todo esforço traduzido de forma organizada e tecnicamente reconhecido em favor da qualidade da vida e da saúde do ser humano e da coletividade. Assim, não é apenas aquilo que somente o médico pode realizar, mas também o que é da competência de outros profissionais de mesma área que podem e devem fazer em favor deste projeto, ou o que pressupõe, pelo menos, a supervisão e a responsabilidade do médico.
Tal conceito visa a atender à necessidade da estruturação das disponibilidades físicas e da implantação de uma política de recursos humanos, como forma de proteger e potencializar a assistência à saúde e à vida de cada um e de todos, como aquele realizado por um agente de saúde que tenha como proposta de ação a saúde individual ou coletiva. Assim, as atividades profissionais do enfermeiro, do dentista ou do fonoaudiólogo não deixam de ser, no nosso entendimento, um ato médico lato sensu (FRANÇA, G. V. Comentários ao Código de Ética Médica, 6. ed., Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2010).
Por outro lado, existe o que se pode chamar de ato médico específico como sendo a utilização de estratégias e recursos para prevenir a doença, recuperar e manter a saúde do ser humano ou da coletividade, inseridos nas normas técnicas (lex artis) dos conhecimentos adquiridos nos cursos regulares de medicina e aceitos pelos órgãos competentes, estando quem o executa, supervisiona ou solicita profissional e legalmente habilitado. Este é o ato médico stricto sensu e somente o médico pode realizar.
Este ato médico específico está delimitado por um núcleo conceitual que inclui a propedêutica e a terapêutica médicas como atividades estritamente privativas do médico. Exemplo: atestar óbito, praticar uma anestesia ou proceder a uma laparotomia.
Deste modo, o ato médico específico seria o conjunto de práticas e de ensinamentos exercido ou supervisionado de forma exclusiva pelos que estão legalmente habilitados para o exercício da profissão médica e aceito e recomendado pelas instituições responsáveis pela fiscalização da medicina, pelas instituições médicas científicas e pelos aparelhos formadores desta profissão.
Deve-se ainda considerar como ato médico específico todo procedimento que, mesmo não sendo necessariamente realizado pelo médico, pressupõe de forma absoluta sua responsabilidade e sua supervisão. Citam-se como exemplos a adaptação de lentes de contato (“a indicação e prescrição de lentes de grau e de contato são de exclusiva competência dos médicos” – Parecer CFM n.º 09/1986), a colocação de aparelho gessado (“a indicação de colocação de aparelhos gessados, talas gessadas etc. é de exclusiva competência médica”) e a leitura e interpretação de exames (“a leitura e interpretação dos testes espirométricos constitui parte do diagnóstico clínico, sendo considerado ato privativo da medicina” – Parecer CFM n.º 11/1996).
O mesmo se diga até, sem nenhuma estranheza, da participação de técnicos de saúde e agentes comunitários recrutados e identificados na própria comunidade, desde que num conjunto de ações de saúde organizado e aprovado pelos órgãos públicos de saúde e sob permanente orientação e responsabilidade médica.
Até mesmo a solicitação de exames complementares e a prescrição de medicamentos por enfermeiros, por exemplo, podem ser consideradas desde que a medicação esteja restrita a medicamentos estabelecidos em programas de saúde pública ou em rotina aprovada pela instituição de saúde. Assim orientam o Parecer-Consulta CFM n.º 04/1995 (“É lícita aos enfermeiros a prescrição apenas de medicamentos estabelecidos em programas de saúde pública ou em rotina aprovada pela instituição de saúde”) e a Lei n.º 7.498, de 25 de junho de 1986, que dispõe sobre a regulamentação da Enfermagem no Brasil (“Artigo 11. O enfermeiro exerce todas as atribuições de Enfermagem, cabendo-lhe: (...); II – Como integrante da equipe de saúde: (...); c) prescrição de medicamentos estabelecidos em programas de saúde pública e em rotina aprovada pela instituição de saúde”); (...). Ou como adverte o Parecer-Consulta CFM n.º 30/1996 (“Atos que visem a diagnóstico, prognóstico ou terapêutica só podem ser praticados por médicos ou executados por outros profissionais quando prescritos e/ou supervisionados por médico”).
Assim, não se deve deixar de considerar a existência de um conjunto de meios e procedimentos que pode ser conduzido ou orientado pelos diversos profissionais de saúde, desde que esteja sob a orientação e controle do médico. Todavia, admitir que, em face de uma específica orientação, de características essenciais e exclusivas na formação do médico, determinados atos não se reproduzem aos demais segmentos da profissão saúde. A estes, acreditamos, não lhes cabe diagnosticar, indicar tratamentos e dar alta. Sua função é a de executar os métodos e técnicas prescritas pelos que estão habilitados para tanto.
Fora de tais considerações pode-se entender como desvio de competência, constituindo-se num fato a ser avaliado pelo Conselho Regional de determinada categoria de saúde em cuja jurisdição ocorreu o indevido procedimento.
Mais recentemente, agora dentro de suas atribuições, o Conselho Federal de Medicina, por meio da Resolução CFM n.º 1.958/2010, define e regulamenta “o ato da consulta médica” nos seguintes termos:
“Art. 1.º Definir que a consulta médica compreende a anamnese, o exame físico e a elaboração de hipóteses ou conclusões diagnósticas, solicitação de exames complementares, quando necessários, e prescrição terapêutica como ato médico completo e que pode ser concluído ou não em um único momento.
§ 1.º Quando houver necessidade de exames complementares que não possam ser apreciados nesta mesma consulta, o ato terá continuidade para sua finalização, com tempo determinado a critério do médico, não gerando cobrança de honorário.
§ 2.º Mesmo dentro da hipótese prevista no parágrafo 1.º, existe a possibilidade do atendimento de distinta doença no mesmo paciente, o que caracteriza novo ato profissional passível de cobrança de novos honorários médicos. Art. 2.º No caso de alterações de sinais e/ou sintomas que venham a requerer nova anamnese, exame físico, hipóteses ou conclusão diagnóstica e prescrição terapêutica o procedimento deverá ser considerado como nova consulta e dessa forma ser remunerado.
Art. 3.º Nas doenças que requeiram tratamentos prolongados com reavaliações e até modificações terapêuticas, as respectivas consultas poderão, a critério do médico assistente, ser cobradas.
Art. 4.º A identificação das hipóteses tipificadas nesta resolução cabe somente ao médico assistente, quando do atendimento.
Art. 5.º Instituições de assistência hospitalar ou ambulatorial, empresas que atuam na saúde suplementar e operadoras de planos de saúde não podem estabelecer prazos específicos que interfiram na autonomia do médico e na relação médico-paciente, nem estabelecer prazo de intervalo entre consultas. Parágrafo único. Os diretores técnicos das entidades referidas no caput deste artigo serão eticamente responsabilizados pela desobediência a esta resolução”.
O Conselho Federal de Medicina, por meio de sua Resolução n.º 1.987/2012 (publicada no DOU de 5 de junho de 2012, Seção I, p. 68), sem qualquer fundamentação apontada em seus “considerandos”, permite que os Conselhos Regionais de Medicina possam interditar cautelarmente o exercício profissional de médico cuja ação ou omissão, decorrentes de sua profissão, esteja prejudicando gravemente a população, ou na iminência de fazê-lo.
Eis os termos:
“Art. 1.º O pleno dos Conselhos de Medicina, por maioria simples de voto e respeitando o quórum mínimo e com parecer fundamentado, poderá interditar cautelarmente o exercício profissional de médico cuja ação ou omissão, decorrentes de sua profissão, esteja notoriamente prejudicando gravemente a população, ou na iminência de fazê-lo.
Parágrafo único. O conselheiro sindicante poderá propor a interdição cautelar com imediata abertura do processo ético-profissional, com aprovação do pleno do Conselho.
Art. 2.º A interdição cautelar ocorrerá desde que exista prova inequívoca do procedimento danoso do médico, verossimilhança da acusação com os fatos constatados e haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, caso o profissional continue a exercer a Medicina.
Art. 3.º Na decisão que determinar o impedimento, o Conselho Regional indicará, de modo claro e preciso, as razões do seu convencimento.
Art. 4.º O interditado ficará impedido de exercer as atividades de médico até a conclusão final do processo ético, obrigatoriamente instaurado quando da ordem de interdição, sendo-lhe retida a carteira de registro profissional junto ao Conselho Regional.
Art. 5.º O processo ético-profissional deverá ser julgado no prazo de 6 (seis) meses, prorrogável por igual período uma única vez, desde que o interditado não dê causa a atraso processual de caráter protelatório.
Art. 6.º A interdição cautelar poderá ser total ou parcial, baseada em decisão fundamentada.
Art. 7.º A interdição cautelar total ou parcial poderá ser modificada ou revogada a qualquer tempo pela plenária do Conselho Regional de Medicina ou do Conselho Federal de Medicina, em decisão fundamentada.
Art. 8.º A interdição cautelar poderá ser aplicada em qualquer fase do processo ético-profissional, atendidos os requisitos previstos nesta resolução, inclusive no que se refere aos recursos e prazos.
Art. 9.º A interdição cautelar terá eficácia quando da intimação pessoal do interditado, cabendo recurso ao pleno do Conselho Federal de Medicina, no prazo de 30 (trinta) dias contados a partir do recebimento da ordem de interdição, sem efeito suspensivo, devendo ser julgado na reunião plenária subsequente ao recebimento do pedido do recurso.
Art. 10. Os casos de interdição cautelar serão imediatamente informados ao Conselho Federal de Medicina pelo Conselho Regional de Medicina de origem.
§ 1.º O procedimento tramitará em absoluto sigilo processual.
§ 2.º Na publicação do resultado do julgamento da interdição cautelar é vedada a citação dos nomes ou quaisquer dados que identifiquem os envolvidos nos processos”.
Brasília-DF, 23 de março de 2012.
A Constituição Federal destaca tais princípios no inciso LV do artigo 5.º: “Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com meios e recursos a ela inerentes”. Estes princípios não admitem exceção.
O princípio do contraditório assegura, tanto na esfera administrativa como na judicial, que todos os atos e termos processuais devem primar pela ciência bilateral das partes, e pela possibilidade de tais atos serem contrariados com alegações e provas. Em síntese, este princípio assegura: o conhecimento da demanda por meio de ato formal de citação; a oportunidade, em prazo razoável, de se contrariar o pedido inicial; a oportunidade de produzir prova e se manifestar sobre a prova produzida pelo adversário; a oportunidade de estar presente a todos os atos processuais orais, fazendo consignar as observações que desejar; a oportunidade de recorrer da decisão desfavorável.
Sendo assim, pode-se afirmar que o contraditório se traduz pela oportunidade de manifestação da parte, e que ele ocorre após a intimação à lide. O princípio do contraditório impõe que a parte seja efetivamente ouvida e que seus argumentos sejam devidamente considerados no julgamento. Este princípio sempre foi considerado como exigência da igualdade das partes, sempre irrecusável, e ao princípio arbitrário e inquisitorial.
Fundamental também é o princípio da ampla defesa que se manifesta através da liberdade que tem o indivíduo, num Estado Democrático, de, em defesa de seus interesses, alegar fatos e propor provas, dando oportunidade ao litigante exercer, sem qualquer restrição, seu direito de defesa.
O princípio da ampla defesa se aplica a qualquer tipo ou em qualquer fase do processo em que se exerça o poder sancionatório do Estado ou de seus órgãos delegados sobre as pessoas físicas e jurídicas. No direito administrativo, e os Conselhos seguem o rito em seus processos ético-disciplinares, os atos dos Tribunais Superior e Regionais de Ética devem ser praticados de forma que estejam sempre pautados não só pela legalidade, mas também estruturados em leis justapostas ao sistema constitucional em vigor.
Deve permanecer sempre viva na consciência do julgador a imperiosa sentença de que o correto emprego dos princípios incidentes em cada ação devem ter o significado, a importância e as decorrências de ordem prática. E, no processo administrativo, não é diferente.
Hoje, mais do que nunca, a procura da “verdade” não deve ficar sob a responsabilidade apenas do julgador, mas será exercida em parceria com as partes, que não podem mais ser admitidas como simples “objetos” de pronunciamento judicial. Só assim se poderá chegar à melhor decisão.
As razões do princípio do contraditório e da ampla defesa não podem se desvincular do devido processo legal. O artigo XI, n.º 1, da Declaração Universal dos Direitos do Homem, dispõe de forma solene e dogmática: “Todo homem acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa”.
Um médico portador de uma psicopatia grave, por exemplo, poderá ter seu registro suspenso através de um processo administrativo. Este procedimento administrativo é precedido de uma perícia médica, para comprovação da existência ou não de condições que o impeçam de exercer sua profissão. Terá ele o direito de indicar especialista para funcionar como perito, acesso a todas as peças dos autos em qualquer de suas fases, amplo direito de contestação que vise a comprovar sua capacidade para o exercício de suas funções e acesso aos laudos emitidos para que ele ou seu procurador possa contestá-lo no prazo de 30 dias, a partir da data do conhecimento dos laudos.
O que não se entende é o desrespeito a tais princípios quando se procede de forma anômala à chamada interdição cautelar da qual fala a Resolução CFM n.º 1.987/2012.
O Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos (Revalida), expedidos por Instituição de Educação Superior Estrangeira (Revalida), foi instituído por meio da Portaria Interministerial n.º 278, de 17.03.2011, nos termos do art. 48, § 2.º, da Lei n.º 9.394, de 1996.
O processo de revalidação de diplomas médicos obtidos no exterior é uma forma de avaliação proposta pelos Ministérios da Educação e da Saúde, que estabelece um processo apoiado em um instrumento unificado de avaliação e um exame para revalidação dos diplomas estrangeiros compatíveis com as exigências de formação correspondentes aos diplomas médicos expedidos por universidades brasileiras, em consonância com as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina, com parâmetros e critérios isonômicos adequados para aferição de equivalência curricular e definição da correspondente aptidão para o exercício profissional da medicina no Brasil.
O exame será orientado pela Matriz de Correspondência Curricular para Fins de Revalidação de Diplomas de Médico Expedidos por Universidades Estrangeiras. Na matriz foram definidos os conteúdos e as competências e habilidades das cinco grandes áreas de exercício profissional: 1) Cirurgia, 2) Medicina de Família e Comunidade (MFC), 3) Pediatria, 4) Ginecologia-Obstetrícia e 5) Clínica Médica. Além disso, estabelece níveis de desempenho esperados para as habilidades específicas de cada área.
O Revalida é implementado pelo Inep e conta com a colaboração da Subcomissão de Revalidação de Diplomas Médicos, também instituída pela Portaria n.º 278 do MEC/MS. Universidades públicas participam da elaboração da metodologia de avaliação, da supervisão e do acompanhamento da aplicação. O exame é feito em duas etapas: avaliação escrita – composta por uma prova objetiva, com questões de múltipla escolha, e uma prova do tipo discursiva. Em uma segunda etapa, é realizada a avaliação de habilidades clínicas.
Será exigido o número do Cadastro de Pessoas Físicas (CPF), emitido pela Receita Federal do Brasil, para inscrição no Exame. O candidato só poderá participar do Revalida caso seja brasileiro ou estrangeiro em situação legal de residência no Brasil. Deverá ainda ser portador de diploma médico expedido por instituição de ensino superior estrangeira reconhecida no país de origem pelo respectivo Ministério de Educação ou órgão equivalente, autenticado pela autoridade consular brasileira. Se for natural de país cuja língua oficial não é o português, precisará também apresentar o Certificado de Proficiência em Língua Portuguesa para Estrangeiros (Celpe-Bras), no nível intermediário-superior.
PORTARIA N.º 278, DE 17 DE MARÇO DE 2011
OS MINISTROS DE ESTADO DA EDUCAÇÃO E DA SAÚDE, no uso das atribuições que lhes confere o art. 87 da Constituição, e
Considerando o disposto no art. 48, § 2.º, da Lei n.º 9.394, de 20 de dezembro de 1996;
Considerando o objetivo comum do Ministério da Educação (MEC), do Ministério da Saúde (MS) e das universidades públicas, de estabelecer um processo apoiado em um instrumento unificado de avaliação e um exame para revalidação dos diplomas estrangeiros compatíveis com as exigências de formação correspondentes aos diplomas de médico expedidos por universidades brasileiras, em consonância com as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina, com parâmetros e critérios isonômicos adequados para aferição de equivalência curricular e definição da correspondente aptidão para o exercício profissional da medicina no Brasil;
Considerando a recente aplicação e os resultados do Projeto Piloto do Exame Nacional, coordenado pela Subcomissão Temática de Revalidação de Diplomas Médicos, instituída pela Portaria Interministerial MEC/MS n.º 383, de 19 de fevereiro de 2009, resolvem:
Art. 1.º Instituir o Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos expedidos por universidades estrangeiras, com a finalidade de subsidiar os procedimentos conduzidos por universidades públicas, nos termos do art. 48, § 2.º, da Lei n.º 9.394, de 1996, com base na Matriz de Correspondência Curricular publicada pela Portaria Interministerial MEC/MS n.º 865, de 15 de setembro de 2009 e republicada no Anexo desta portaria, elaborada pela Subcomissão Temática de Revalidação de Diplomas, instituída pela Portaria Interministerial MEC/MS n.º 383/2009.
Art. 2.º O Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos expedidos por universidades estrangeiras, de que trata esta Portaria Interministerial, tem por objetivo verificar a aquisição de conhecimentos, habilidades e competências requeridas para o exercício profissional adequado aos princípios e necessidades do Sistema Único de Saúde (SUS), em nível equivalente ao exigido dos médicos formados no Brasil.
Art. 3.º O Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos expedidos por universidades estrangeiras será implementado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), com a colaboração das universidades públicas participantes.
§ 1.º O INEP contará com a colaboração da Subcomissão de Revalidação de Diplomas Médicos, também instituída por esta portaria, para a elaboração da metodologia de avaliação, supervisão e acompanhamento de sua aplicação.
§ 2.º O Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos expedidos por universidades estrangeiras será elaborado em 2 (duas) etapas de avaliação, em conformidade com a Matriz de Correspondência Curricular, disposta no Anexo desta Portaria, e seu detalhamento constará de edital a ser publicado.
Art. 4.º As universidades públicas interessadas em participar do exame instituído por esta Portaria deverão firmar Termo de Adesão com o Ministério da Educação (MEC).
Art. 5.º Caberá às universidades públicas que aderirem ao Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos expedidos por universidades estrangeiras, após a divulgação do resultado do exame, adotar as providências necessárias à revalidação dos diplomas dos candidatos aprovados.
Art. 6.º Poderão candidatar-se à realização do exame de que trata esta Portaria os portadores de diplomas de Medicina expedidos no exterior, em curso devidamente reconhecido pelo ministério da educação ou órgão correspondente, no país de conclusão.
Art. 7.º O processo regulado por esta Portaria não exclui a prerrogativa conferida às universidades públicas para proceder à revalidação de diplomas em conformidade com a Resolução CNE/CES n.º 04/2001.
Art. 8.º Fica instituída a Subcomissão de Revalidação de Diplomas Médicos que tem como objetivo atuar junto aos Ministérios da Educação e da Saúde e junto ao INEP nas ações referentes ao planejamento e execução do processo de revalidação de diplomas médicos expedidos por universidades estrangeiras.
Art. 9.º A Subcomissão de Revalidação de Diplomas Médicos será composta por um grupo técnico de especialistas em educação médica e avaliação indicado pela SESu/MEC e pela SGTES/MS, e por representantes indicados pelas seguintes instituições:
I – Secretaria de Educação Superior do Ministério da Educação (SESu/MEC);
II – Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde do Ministério da Saúde (SGTES/MS);
III – Associação Nacional dos Dirigentes de Instituições Federais do Ensino Superior (ANDIFES);
IV – Diretoria de Avaliação da Educação Superior do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (DAES/INEP); e
V – Ministério das Relações Exteriores (MRE);
§ 1.º Os representantes dos incisos I, II, III e IV deste artigo formarão um Comitê Coordenador a ser presidido pelo representante da SESu/MEC e pelo representante da SGTES/MS.
§ 2.º A nomeação dos representantes da Subcomissão instituída por esta portaria dar-se-á por ato conjunto da SGTES/MS e da SESu/MEC.
Art. 10. Fica revogada a Portaria Interministerial MEC/MS n.º 383, de 19 de fevereiro de 2009 e a Portaria Interministerial MEC/MS n.º 865, de 15 de setembro de 2009.
Art. 11. Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.
FERNANDO HADDAD
Ministro de Estado da Educação
ALEXANDRE PADILHA
Ministro de Estado da Saúde
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