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SEGREDO MÉDICO

Sumário: 5.1. Introdução. 5.2. Aspectos legais. 5.3. Escolas doutrinárias. 5.4. Os limites do sigilo. 5.5. Quando se diz que não houve quebra do sigilo. 5.6. Conflitos entre o médico e o segredo. 5.7. Privacidade e sigilo em informática médica. 5.8. Situações especiais. 5.9. Segredo médico: obrigação quando no exercício da profissão. 5.10. Conclusões. 5.11. Referências bibliográficas.

Código Penal

Art. 154. Revelar a alguém, sem justa causa, segredo de que tenha ciência, em razão de função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem:

Pena – detenção de 3 meses a um ano, ou multa.

Parágrafo único. Somente se procede mediante representação.

Art. 269. Deixar o médico de denunciar à autoridade pública doença cuja notificação é compulsória:

Pena – detenção de seis meses a dois anos, e multa.

Lei das Contravenções Penais

Art. 66. Deixar de comunicar à autoridade competente: (...)

II – crime de ação pública, de que teve conhecimento no exercício da medicina ou de outra profissão sanitária, desde que a ação penal não dependa de representação e a comunicação não exponha o cliente a procedimento criminal:

Pena – multa.

Código de Processo Penal

Art. 207. São proibidas de depor as pessoas que, em razão de função, ministério, ofício ou profissão, devam guardar segredo, salvo se, desobrigadas pela parte interessada, quiserem dar o seu testemunho.

Código de Ética Médica

XI – O médico guardará sigilo a respeito das informações de que detenha conhecimento no desempenho de suas funções, com exceção dos casos previstos em lei.

Capítulo IX

SIGILO PROFISSIONAL

É vedado ao médico:

Art. 73. Revelar fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, salvo por motivo justo, dever legal ou consentimento, por escrito, do paciente.

Parágrafo único. Permanece essa proibição: a) mesmo que o fato seja de conhecimento público ou o paciente tenha falecido; b) quando de seu depoimento como testemunha. Nessa hipótese, o médico comparecerá perante a autoridade e declarará seu impedimento; c) na investigação de suspeita de crime, o médico estará impedido de revelar segredo que possa expor o paciente a processo penal.

Art. 74. Revelar sigilo profissional relacionado a paciente menor de idade, inclusive a seus pais ou representantes legais, desde que o menor tenha capacidade de discernimento, salvo quando a não revelação possa acarretar dano ao paciente.

Art. 75. Fazer referência a casos clínicos identificáveis, exibir pacientes ou seus retratos em anúncios profissionais ou na divulgação de assuntos médicos, em meios de comunicação em geral, mesmo com autorização do paciente.

Art. 76. Revelar informações confidenciais obtidas quando do exame médico de trabalhadores, inclusive por exigência dos dirigentes de empresas ou de instituições, salvo se o silêncio puser em risco a saúde dos empregados ou da comunidade.

Art. 77. Prestar informações a empresas seguradoras sobre as circunstâncias da morte do paciente sob seus cuidados, além das contidas na declaração de óbito (Alterado pela Resolução CFM n.º 1.977/2012);

Art. 78. Deixar de orientar seus auxiliares e alunos a respeitar o sigilo profissional e zelar para que seja por eles mantido.

Art. 79. Deixar de guardar o sigilo profissional na cobrança de honorários por meio judicial ou extrajudicial.

5.1. INTRODUÇÃO

O sigilo médico é o mais antigo e universal princípio da tradição médica. Sua obrigação encontra-se fundamentalmente no mais remoto e sagrado documento médico: O Juramento de Hipócrates, onde em certa parte se lê: “O que, no exercício ou fora do exercício e no comércio da vida, eu vir ou ouvir, que não seja necessário revelar, conservarei como segredo”.

Da maneira como está colocado o segredo no Juramento equipara-se a uma espécie de contrato entre os mestres de Cós e os neófitos de Asclepíades. Por isso, traduz uma obrigação quase religiosa, não repousando em bases jurídicas, nem sobre uma noção de ordem pública.

É claro que existe um interesse comum na tutela do segredo, pois a discrição e a reserva de certos fatos assimilados no exercício de uma profissão visam à proteção e à defesa dos bens morais e materiais, e o estado está diretamente interessado em que o indivíduo encontre amparo e guarida na inviolabilidade desse sigilo. Há também, por certo, um interesse coletivo.

Por isso, o médico de hoje não pode deixar de aceitar o fato de que, nas sociedades organizadas, a medicina se converte, queira ou não, num autêntico serviço público, com suas conveniências e inconveniências, pois a vida e a saúde das pessoas são tuteladas pelo estado como um bem comum.

A própria Medicina, pelos impressionantes progressos do momento, impõe uma evolução que, pouco a pouco, vai substituindo uma deontologia clássica e universal por um sistema de normas adaptáveis à realidade atual, mas que nem sempre os médicos aceitam. Chega-se a admitir que, hoje em dia, o sigilo médico deve tolerar certas limitações, pois prevalece no espírito de quase todos o interesse coletivo sobre o interesse particular.

Quando as cirurgias de transplante de coração são televisionadas e quando a imprensa noticia, diariamente, de forma sensacional e chocante, os célebres boletins, a medicina de agora não pode ser comparada àquela praticada pelos mestres de Cós. O sigilo médico, entre uma época e outra, não é o mesmo. É ele, talvez, nos dias que correm, o mais discutido e controvertido problema deontológico, em virtude dos múltiplos e variados aspectos que se oferecem. Os princípios éticos e jurídicos estabelecidos não se apresentam, muitas vezes, fáceis quanto à sua aplicação prática, em determinadas circunstâncias. Opostamente a outros assuntos deontológicos, o sigilo médico assume aspectos inteiramente filosóficos.

5.2. ASPECTOS LEGAIS

Nossas leis, ao tratar do segredo profissional, não fazem do sigilo médico uma forma particular de segredo. Há certas profissões, no entanto, que, pela sua própria natureza e circunstâncias, estão sujeitas a uma forma mais rígida de exigências, traçada pela tradição e pelos costumes. A medicina é uma delas.

Para a caracterização do delito de quebra do sigilo, faz-se necessário:

1. Existência de um segredo. O segredo é o fato conhecido por alguém ou por um número limitado de pessoas interessadas na sua inviolabilidade, às quais a divulgação poderia causar certos danos. É uma maneira de assegurar a vontade e o interesse, de forma expressa ou tácita, de que sejam mantidos em caráter sigiloso determinados assuntos que trariam inevitavelmente prejuízo de ordem moral ou material.

2. Conhecê-lo em razão de função, ofício, ministério ou profissão. Sigilo médico é o silêncio que o profissional da medicina está obrigado a manter sobre fatos de que tomou conhecimento em face de sua profissão, com as ressalvas feitas aos casos especiais.

Porthes afirmava: “Não há medicina sem confidências, não há confidências sem confiança, e não há confiança sem segredo”.

O objetivo do sigilo médico é estabelecer a confiança do paciente, cujas informações são fundamentais para assegurar um relacionamento tranquilo e um tratamento eficiente.

O notável progresso da Medicina e o número cada vez mais crescente de especialistas a serviço dos doentes trouxeram, inevitavelmente, uma nova estruturação no relacionamento médico-paciente.

3. Ausência de justa causa. Por “justa causa” entende-se o interesse de ordem moral ou social que autorize o não cumprimento de uma norma, contanto que os motivos apresentados sejam, na verdade, justificadores de tal violação.

O conceito de “justa causa” confunde-se com a noção do bem e do útil social, quando capazes de legitimar um ato proibido. Está voltada aos interesses coletivos e defendida por específicas preocupações, nobres em si mesmas, condizentes com as prerrogativas conquistadas pela sociedade organizada. Enfim, é o fato cuja ocorrência torna lícita a coação.

Pode-se dizer que o universo da “justa causa” é muito amplo. Está nos fatos triviais da convivência humana, na decisão de quem exerce uma atividade essencial ou na proletária tragédia de cada homem ou de cada mulher.

Muitos entendem necessário estar a “justa causa” prevista em lei. Todavia, poucas são as situações expressamente apontadas na norma. A maioria está explícita no estado de necessidade, na legítima defesa, no exercício regular do direito e no estrito cumprimento do dever legal.

Há casos de quebra do sigilo profissional já consagrados nos Códigos e na Jurisprudência. Assim é nas declarações de nascimento e de óbito, nas sevícias de menores, nas perícias e pareceres médico-legais, nas notificações de doenças transmissíveis e de acidentes de trabalho e nos casos de crimes de ação pública, desde que a ação penal não dependa de representação e a comunicação não exponha o paciente a procedimento criminal.

Entretanto, há uma multidão incalculável de acontecimentos e situações que não está normatizada e por isso tumultua a nossa consciência e desafia os mais experientes. Essas dúvidas devem-se, cada vez mais, à inevitável contrapartida das galopantes conquistas da medicina moderna. Hoje, a relação médico-paciente não é mais um tímido diálogo entre a ciência e a necessidade. A medicina-arte agoniza nas mãos da medicina-ciência.

Desse modo, sobre o que está consentido nos diversos diplomas éticos ou legais, não há o que contestar. E o que não está, quando a decisão for de caráter inadiável e imprescindível, não há outro caminho senão fazer da consciência médica o tribunal decisório. Justifica-se pelo estado de necessidade de terceiro.

Nesse particular, fica entendida a “justa causa” como o interesse de ordem política ou social que autorize o não cumprimento do sigilo, mesmo sabendo-se que em tese essa violação corresponde ao constrangimento de uma conquista da liberdade individual, pois a privacidade de cada indivíduo é um princípio consagrado em todas as sociedades organizadas, um imperativo de ordem constitucional e um ganho amplamente protegido pelo direito público. Assim, mesmo que o segredo médico pertença ao paciente como uma conquista da própria sociedade, há de se entender que esse conceito é relativo, pois o que se protege não é a vontade caprichosa e exclusivista de cada um isoladamente, mas a tutela do bem comum, os interesses de ordem pública e o equilíbrio social. O que a lei proíbe é a revelação ilegal, que tenha como motivação a má-fé, a leviandade e o baixo interesse.

O certo é que o exercício prático da medicina, na angústia e no desespero de determinados instantes, é inconciliável com alguns conceitos mais exigentes, capazes de aparelhar uma atividade cercada por situações tão dramáticas e tão circunstanciais. Desse conflito, ante as incompatibilidades das concepções médicas e jurídicas, deve prevalecer o respeito às necessidades imediatas.

4. Possibilidade de dano a outrem. Não é necessário para a caracterização do delito de quebra do sigilo que os prejuízos venham a ser concretizados. Basta, simplesmente, a possibilidade concreta de dano.

5. Existência de dolo. O crime é sempre punido por dolo. Nunca por culpa, pois faltariam os elementos necessários para sua violação.

Assim, o médico que, por esquecimento, deixa um envelope contendo resultados de exames subsidiários que levem alguém a conhecer determinada doença de outrem não comete, com a sua negligência, o delito de violação do segredo. Como, também, se, ao confidenciar com um colega sobre o mal de um paciente, for ouvido por terceiros. O mesmo deve-se dizer quando a quebra desse sigilo seja motivada por coação física ou moral.

Finalmente, deve-se entender que numa profissão de aspectos tão pessoais e complexos como a Medicina nem sempre é fácil aceitar uma intervenção mais racional e inflexível. As relações médico-jurídicas nem sempre são coerentes e podem apresentar-se como fontes de conflito: de um lado, a tradição do médico amparada pelo seu Código de Ética, tendo como espinha dorsal o documento hipocrático, e, de outro, o legislador e o magistrado com os imperativos legais, capazes de salvaguardar o interesse da comunidade.

5.3. ESCOLAS DOUTRINÁRIAS

Sobre o segredo profissional médico, existem três correntes doutrinárias:

1. Escola Absolutista – Aquela que impõe um sigilo absoluto, em todos os casos, em qualquer situação, mesmo que, à sombra desse sigilo, a inocência seja perseguida ou o crime protegido.

Paul Brouardel, que foi talvez o mais intransigente defensor dessa teoria, afirmava: “É um dever imperioso. Se um médico se encontra diante de um criminoso que vem pedir seus cuidados, qualquer que seja a sua emoção, sua indignação, deve lembrar que a legislação quer que o homem, por indigno que seja, possa receber cuidados com toda segurança, ainda que o silêncio comprometa os interesses da justiça. O médico não deve ver nesse honrem senão um enfermo e, por conseguinte, não pode converter-se em seu denunciante. A obrigação do segredo não é facultativa, é absoluta”.

Francisco de Castro, em Discursos (Rio, 1902), proclamava: “Esse segredo ou há de ser formal e absoluto, ou, se não o for, não passará de um embuste grosseiro, de uma arlequinada indecorosa, de uma farsa infamante de um homem de bem”.

Baltazard, sobre o segredo, concluía que “seria desejável que a legislação fizesse distinção nítida entre a revelação do sigilo, feita no propósito de prejudicar os doentes, e o testemunho de justiça, cuja oportunidade seria deixada à consciência do médico. O doente poderia sempre desligar o médico de seu segredo; o médico, por seu turno, evitaria pronunciar-se de modo a prejudicar o cliente”. Grenet afirmava: “Seria perigoso entrar no caminho das atenuações”.

Portanto, sigilo médico, defendido em termos absolutos, tem o mesmo conceito da confissão, que o Direito Canônico consagrou e prescreveu com o máximo rigor, nas palavras de Santo Agostinho: “O que sei por confissão sei-o menos de que aquilo que nunca soube”.

Porém, o sigilo absoluto seria uma solução prática e demasiadamente simplista para os interesses sociais, em que estão em jogo os direitos de uma comunidade. Os médicos, como profissionais, têm deveres e obrigações que os colocam acima das transigências individuais, pois sua ciência e sua arte assumem, dia a dia, um caráter público.

Silenciar quando um inocente é condenado – quando o médico poderia estabelecer a verdade, é um contrassenso, um absurdo, uma cumplicidade.

2. Escola Abolicionista – Tem como defensores intransigentes Charles Valentino e George Jacomet, em que o primeiro tem o sigilo como uma farsa entre o doente e o médico, estranhando que a lei proteja o interesse de uma pessoa em prejuízo dos interesses da coletividade.

Essa estranha e inconcebível corrente tem poucos adeptos.

3. Escola Intermediária – Anda entre uma e outra doutrina, aceitando o sigilo médico relativo, fundamentando-se em razões jurídicas, éticas, morais e sociais.

Se uma das finalidades da Justiça é estabelecer a verdade, o silêncio pode ser considerado cumplicidade e um obstáculo à ação da lei.

O certo é que o sigilo médico absoluto inexiste em nossos dias. Os boletins médicos fornecidos à imprensa sobre diagnósticos e principalmente sobre as condições de pessoas de certa projeção, ou sobre cirurgias de publicidade exagerada, vêm transformando o sigilo médico em letra morta, quando se deixa o paciente em plano secundário, procurando-se destacar uma técnica e uma habilidade como manobras heroicas e salvadoras de determinadas situações.

O caráter de inviolabilidade e sacralidade surge, nos tempos atuais, como contraditório em várias ocasiões do exercício profissional. Essa sacralização do segredo, essa assimilação da relação médico-paciente ao sacramento da confissão, essa elevação do silêncio do médico a uma virtude transcendente, esse fato de a violação do segredo ser tida ao nível de pecado, são coisas que não podem jamais ser admitidas, nem mesmo pelos teólogos católicos. O sigilo é de ordem natural e racional; a confissão é de ordem sacramental e transcendente.

O crime de quebra do sigilo está descaracterizado quando sua revelação fundamenta-se na justa causa, no estrito cumprimento do dever legal ou na autorização expressa do paciente. O estado não pode deixar de contar, na luta contra o crime, com um dispositivo ao seu alcance, em defesa da ordem pública e do bem social. Torna-se um dever imperioso, de todas as pessoas, fornecer à autoridade, no momento devido, todos os meios necessários à ação judiciária. O dever moral de ajudar na repressão transforma-se em dever legal, e a omissão voluntária se volta contra a lei, por comprometer o sistema coativo.

Assim, desde que o fato seja indicativo da hipótese de crime de ação pública, cujo procedimento independa de representação, ou que esse mesmo evento a ser revelado não venha expor o cliente a procedimento delituoso, está o médico obrigado a revelar, principalmente quando esta revelação vem trazer elementos conclusivos na apuração de inquéritos onde se averiguam interesses superiores, no âmbito do direito público. Esse dever de colaborar com o exercício do poder coativo do estado frente à antijuridicidade, na proteção de prerrogativas imprescindíveis da conveniência social, vem mostrar-se ainda mais imperioso quando tratar-se de um corpo médico, a serviço da Administração Pública.

No entanto, é sempre necessário repetir que a quebra do sigilo médico só pode acontecer em situações muito especiais do exercício da medicina, ou quando a lei diz que um interesse superior exige tal violação.

Entre outras situações referidas em lei, está o médico obrigado a denunciar à autoridade competente o crime de ação pública de que teve conhecimento no exercício da profissão, desde que a ação penal não dependa de representação e a comunicação não exponha o cliente a procedimento criminal. Desta forma não há negar o dever das instituições hospitalares de prestarem os esclarecimentos necessários à autoridade policial ou judiciária, sobre provas materiais de crime de ação pública, estritamente imprescindíveis à realização dos inquéritos policiais.

Um psiquiatra chamado a depor num Tribunal de Maryland, acerca de fatos ligados à sua atividade profissional, sobre assuntos de seu paciente, foi denunciado pelo Colégio de Médicos e Cirurgiões do Estado de Maryland, o qual exigia uma investigação para apurar aquilo que considerava violação dos princípios éticos e jurídicos.

A Sociedade respondeu nos seguintes termos: “Consideram os membros deste Comitê que o médico não violou as leis de Maryland, e que os interesses da nação transcendem os do indivíduo. Por outro lado, este Comitê foi informado de que o referido profissional depôs em sessão secreta ante a House of Unamerican Activities Committee, sendo que a divulgação ao público foi feita por este Comitê. E por isso cremos que ele atuou acertadamente, colaborando com as autoridades públicas”.

5.4. OS LIMITES DO SIGILO

Mesmo com o cuidado devido na proteção do segredo médico, a verdade é que, nos dias que correm, em face dos notáveis progressos verificados no campo médico e das mudanças de costumes, há uma nova disposição no relacionamento médico-paciente. A clássica concepção de sigilo profissional absoluto vem sendo contestada diante dos irrecusáveis interesses de ordem pública.

Assim, o médico de hoje não pode deixar de aceitar o fato de que, nas sociedades modernas e organizadas, a ciência médica se converte, queira ou não, num autêntico serviço público, com suas conveniências e inconveniências, pois a vida e a saúde das pessoas são tuteladas como um bem comum.

A própria evolução da medicina, nos impressionantes avanços do momento, impõe um repensar que, pouco a pouco, vai substituindo uma deontologia clássica e universal por um sistema de normas adaptáveis à realidade que se vive, mas que nem sempre todos os médicos aceitam. Chega-se a admitir que, hoje em dia, o sigilo médico deve tolerar certas limitações, pois prevalece no espírito de quase todos os interesses da sociedade e da justiça sobre o interesse particular.

Quando alguns atos médicos são televisionados ao vivo e quando a imprensa noticia, diariamente, de forma sensacional e chocante os célebres boletins sobre as condições de pessoas de certa projeção, o sigilo médico vai perdendo seus fundamentos mais radicais.

O conceito absoluto de segredo, com o caráter de inviolabilidade e sacralidade, surge nos tempos atuais contraditório em vários momentos do exercício profissional. Essa sacralização do segredo, essa assimilação da relação médico-paciente ao sacramento da confissão, essa elevação do silêncio do médico a uma virtude transcendente, esse fato de a violação do segredo ser tido ao nível de pecado são coisas que não podem ser admitidas nem mesmo pelos teólogos mais exigentes. O sigilo médico é de ordem natural e racional; a confissão é de natureza sacramental e transcendente.

Também não se podem defender as ideias abolicionistas do sigilo quando se o compara a uma farsa entre o doente e o médico, ou quando se censura a proteção de um interesse individual em prejuízo dos interesses coletivos. Essa estranha e inconcebível corrente não deve ter muitos adeptos.

O que deve prevalecer atualmente é o fato de ser o sigilo médico relativo, sendo sua revelação sempre fundamentada por razões éticas, legais e sociais, e que isso venha ocorrer com certa cautela e em situações muito especiais do exercício da medicina, quando se diz que um interesse superior exigiu tal violação.

5.5. QUANDO SE DIZ QUE NÃO HOUVE QUEBRA DO SIGILO

No mundo inteiro as normas éticas e jurídicas consagram a inviolabilidade do segredo médico. O objetivo dessa proteção não é só estabelecer a confiança do paciente, cujas informações são fundamentais para assegurar um diagnóstico correto e uma terapêutica eficiente: é também por um imperativo de ordem pública e de equilíbrio social.

Todavia, há situações em que a revelação do segredo médico é tolerada: por justa causa, por dever legal e por autorização expressa do paciente.

Pode-se dizer que justa causa é o interesse de ordem moral ou social que autoriza o não cumprimento de uma regra, contanto que os motivos apresentados sejam relevantes para justificar tal violação. Fundamenta-se na existência do estado de necessidade. Confunde-se seu conceito com a noção do bem e do útil social, quando capazes de legitimar um ato coativo. Está voltada aos interesses individuais ou coletivos e defendida por reais preocupações, nobres em si mesmas, e condizentes com as prerrogativas oriundas das conquistas de uma sociedade organizada. Enfim, é o ato cuja ocorrência torna lícita uma transgressão.

O universo da justa causa é muito amplo e por isso nem sempre é fácil estabelecer seus limites. Está muitas vezes nos fatos mais triviais da convivência humana, na decisão de quem exerce uma atividade especial ou no conflito das proletárias tragédias do dia a dia. É claro que não pode existir uma abertura excessiva em seu conceito se não ocorrerá a debilidade da ação coativa.

Por outro lado, entende-se por dever legal a quebra do sigilo por obediência ao que está regulado em lei, e o seu não cumprimento constitui crime. No que concerne ao segredo médico, pode-se dizer que poucas são as situações apontadas na norma como, por exemplo, a notificação compulsória de doenças transmissíveis, tal qual está disciplinada na Lei n.º 6.259, de 30 de outubro de 1975, e no Decreto n.º 49.974-A, de 21 de janeiro de 1961.

Finalmente, diz-se que não há infração por quebra do sigilo médico quando isso se verifica a pedido do paciente maior e capaz, ou, caso contrário, de seus representantes legais. Ainda assim, recomendamos que essa ruptura do segredo seja precedida de explicações detalhadas, em linguagem acessível, sobre sua doença e sobre as consequências dessa revelação. Isso porque, em certas ocasiões, tal declaração pode trazer ao paciente prejuízo aos seus próprios interesses. Muitos aconselham até que esse pedido do paciente, quando da revelação do segredo, seja por escrito, por livre manifestação e mediante um consentimento esclarecido. De qualquer forma, nos atestados ou relatórios, deve constar sempre que a revelação das condições do paciente ou do seu diagnóstico foi a pedido dele ou de seus responsáveis legais.

5.6. CONFLITOS ENTRE O MÉDICO E O SEGREDO

O primeiro conflito entre o médico e o segredo é o que envolve sua profissão e o seu compromisso histórico. Ao lado da obrigação de curar o paciente, tem o médico o dever de proteger outros valores de ordem coletiva. Assim, se ele trata de um enfermo portador de tuberculose, e sabe que o mesmo convive diretamente no seu ofício com outras pessoas e se recusa a afastar-se do trabalho, tem o profissional a obrigação de informar o fato à autoridade competente.

O segundo tipo de conflito é entre o médico e seu próprio paciente, na tentativa de salvaguardar os interesses deste. Por exemplo: se um psiquiatra tem certeza de que seu paciente tem tendência para o suicídio, é seu dever comunicar esse fato aos seus familiares.

Finalmente, existe o conflito entre o médico e os imperativos de ordem legal. Parece à primeira vista de fácil solução, quando se pensa estarem na lei todas as situações. No entanto, há circunstâncias tão delicadas que o profissional fica na dúvida quanto à forma de revelação, isto é, se deve informar só o necessário ou se é seu dever esclarecer todos os pormenores. Uns acham que o médico deve informar apenas aquilo que se pergunta, e outros defendem a ideia de que deve entregar todo relatório clínico que tenha em seu poder, ficando, dessa maneira, livre de qualquer responsabilidade futura, no tocante aos aspectos judiciais.

O grande problema nesses conflitos de interesses está no fato de que, com a responsabilidade de revelarem-se todas as confidências em determinadas situações, venha o paciente a perder a confiança em seu médico, omitindo certos aspectos que possam ser úteis no relacionamento médico-enfermo.

5.7. PRIVACIDADE E SIGILO EM INFORMÁTICA MÉDICA

Embora estejamos ainda nos primórdios da Informática, já são concretos os recursos do processamento eletrônico de dados, não só nas atividades administrativas, mas, também, no conjunto das necessidades do homem, notadamente no campo da biomédica e dos serviços de saúde.

Sabe-se de antemão que seu emprego em medicina esbarrará num sério obstáculo: como resolver a questão do raciocínio aproximado, quando tudo ou quase tudo se fundamenta na formulação de hipóteses, em que o programador cria um padrão básico e decide sobre a escolha da versão ou das versões finais.

Mesmo assim, ninguém discute hoje a grande contribuição que a Informática vem emprestando à Medicina: no uso dos pacotes estatísticos para análise de problemas epidemiológicos, no registro de dados médicos em pacientes de ambulatório ou hospital, na utilização de calculadores em programação estatística, na automatização de exames laboratoriais e imagiológicos, na sistematização da gerência hospitalar ou consultorial, no planejamento da terapia de massa, além de outros recursos utilizados na pesquisa e no ensino médico.

A verdade é que o diagnóstico médico computadorizado tem sensibilizado clínicos e programadores de sistemas a se debruçarem mais detidamente sobre a questão. Mesmo que exista um grande número de projetos de pesquisa nesse setor, o assunto permanece no terreno das especulações, onde se confrontam ainda os métodos tradicionais com as propostas da Cibernética atual. Apesar de todo avanço e das necessidades de atender às grandes demandas, o certo é que dificilmente se alcançará o nível do diagnóstico humano. No entanto, o sistema computadorizado apresenta uma maior capacidade de absorção e sofisticação dos programas, uma grande quantidade de informações fora do alcance do especialista e uma espantosa rapidez de cálculos. Ao lado disso, não se podem omitir os riscos da superdependência da máquina e a discutível perda de tempo com os fatos típicos.

Por outro lado, hão de existir determinados critérios, se não o homem poderá ter sua vida controlada pela máquina, ficando à mercê de uma nova ordem de burocratas e programadores, capazes de concentrar em suas mãos um terrível poder: o da informação. E, assim, pode-se correr o risco de todo cidadão ser transformado em prisioneiro do estado ou em vítima das injúrias eletrônicas, com a possibilidade de ser manipulado por interesses dominantes, em que grupos privilegiados terão o poder de pressão sobre o segmento social mais fraco, através da mentira, da fraude e da ilusão. Aí, começaríamos a penetrar num terreno ético e político muito nebuloso.

Por mais frias e racionais que sejam as formas de análise e processamento eletrônico de dados no campo da saúde, ninguém pode considerá-las impessoais. Quando todas essas informações, integradas num sistema de programação, estiverem nas mãos dos grupos dominantes, é muito fácil de entender sua capacidade de dominação. A única forma de proteção é colocar a informação no âmbito do conhecimento geral, onde cada indivíduo não só possa ter acesso ao conteúdo programado, mas, ainda, a sua forma de utilização.

Somente gerenciando politicamente a informação, desbastando a crueza e a insensibilidade da Informática, e organizando as comunidades nas suas propostas e nos seus anseios, pode-se garantir seu melhor uso na sociedade.

Portanto, o grande desempenho da computação eletrônica de dados está na sua proposta política, em que a informação retida seja capaz de mudar o pensamento e ampliar as liberdades das pessoas. O problema tecnológico ou científico é irrelevante.

Até pouco tempo, tinha-se a ideia de que toda informação sobre o corpo de alguém, inclusive a informação médica, era confidencial. E em parte é. Por isso, ninguém discute a validade de outros tipos de informações. Todavia, as de caráter pessoal necessitam ser discutidas e analisadas dentro de um sistema ético preciso, de um processo seguro e de um concurso de pessoas estritamente responsáveis.

Quanto maior for o número de informações manipuladas num programa de computador, maior será o risco da proteção da confidencialidade, através da quebra do sigilo de fatos que normalmente se quer preservar. Não existe nenhuma informação que não traga consigo uma série de consequências.

Todo homem tem o direito de se proteger da arbitrária e desnecessária indiscrição sobre fatos de sua vida, principalmente quando se admite mantê-los em segredo. E a sociedade tem de ser solidária nesse projeto, como forma de não prejudicar a vida de relação. A violação do sigilo profissional é uma circunstância que compromete a liberdade individual e os interesses de ordem coletiva.

A privacidade de um indivíduo é, pois, uma conquista consagrada em todas as sociedades organizadas, um princípio constitucional e um ganho amplamente protegido pelo direito público, regulamentado em nosso país pelo Código Penal. A natureza confidencial do relacionamento médico-paciente é aceita pelos médicos como da maior importância e exigida também pelos pacientes. Entretanto, existe uma tendência cada vez maior à intromissão do Poder Público no segredo médico.

O que se verifica na prática da manipulação de dados pessoais é a dificuldade de se adaptar as estruturas existentes da guarda do segredo médico às situações novas, agora mais e mais assimiladas pela Informática.

Mesmo assim, é preciso permanecer viva a ideia de que o segredo não é um privilégio do médico, mas uma conquista da sociedade, no sentido de proteger a privacidade do indivíduo como base da relação confidencial entre o paciente e seu médico. Todo esforço da sociedade deve ser, portanto, no sentido de assegurar à profissão médica os meios necessários para que esse direito fundamental do cidadão seja reconhecido.

Todavia, esse conceito há de ser relativo. O que se protege não é a vontade caprichosa ou arbitrária de alguém ter a exclusiva disponibilidade dos próprios segredos. O que se tutela é o bem comum. No instante em que exista uma possibilidade concreta de dano individual ou coletivo, a vontade da manutenção do sigilo e o princípio protetor da privacidade deixam de se conciliar com o interesse comum (princípio da beneficência).

Vejamos algumas situações:

1. Informação sobre prontuários médicos. À medida que o sistema tradicional de arquivo médico vai se tornando obsoleto, e quando os prontuários médicos passam a ser cada vez mais usados nos cuidados dispensados ao paciente, o processamento eletrônico de dados nesse setor passa a ser quase incondicional. Acrescentem-se a isso a complexidade e a variedade das ações de saúde, a movimentação progressiva das populações e a necessidade de se planejar, adotar e avaliar melhor os programas. Ao lado disso, surge um número muito variado de pessoas interessadas nos registros desses prontuários que, direta ou indiretamente, está vinculado ao paciente, como familiares, médicos assistentes, administradores de instituições hospitalares e representantes do Poder Judiciário. Dessa forma, começam a ser levantadas questões ligadas ao sigilo e à proteção da privacidade do indivíduo, ainda que se reconheça o direito desses terceiros. A primeira medida a ser tomada pela instituição é ter um critério definido do uso e da revelação dessas informações, no sentido de que apenas se limitem ao essencial e ao justo fim invocado. Além do mais, que esse pedido de informação seja por escrito, que exista o consentimento também por escrito do paciente, quando capaz, ou de seu representante legal. Fora desse consentimento, apenas por solicitação judicial ou por razões de imperiosa e indiscutível relevância social ou moral.

2. A obrigação de proteger o prontuário. Todo paciente espera que as informações prestadas sejam mantidas como confidenciais. E é o hospital que deve promover a guarda desse sigilo, tendo o uso dessas informações a dimensão da própria necessidade do paciente. Qualquer que seja a graduação do servidor no hospital, tem ele a obrigação de manter a reserva do conteúdo do prontuário, respondendo, assim, legal e disciplinarmente, pela revelação não autorizada da informação. Por isso, não se exige a autorização do paciente para o manuseio interno do prontuário.

3. Quando e como revelar. As informações que necessariamente exigem a identificação do paciente só podem ser fornecidas com o seu expresso consentimento ou do seu representante legal, a não ser que a solicitação proceda em decorrência da lei ou de solicitação judiciária, ou quando as circunstâncias obriguem em favor da segurança e da saúde do paciente, em favor do bem coletivo já expresso nos regulamentos sanitários e na lei dos registros de nascimento e óbito, e da notificação compulsória de doenças transmissíveis. Ainda assim, a revelação deve se limitar ao que é necessário e relevante, tendo-se o cuidado de indicar o solicitante, os objetivos e o limite de tempo da validade da informação.

4. O uso do prontuário na pesquisa. Após cuidadosa análise dos propósitos, da qualidade e dos critérios da pesquisa, pode o hospital estabelecer regras no uso das informações programadas, contanto que a privacidade do informado seja preservada e o pesquisador assine um termo de responsabilidade pela quebra da confidência que devia ser mantida. Ou com a devida concordância de cada paciente.

5. A autorização do paciente. Quando o paciente é capaz, a melhor forma de se obter a autorização é por escrito, ou de seu representante legal quando incapaz ou menor. Todavia, essa permissão do paciente deve ser precedida de explicações detalhadas, e em linguagem acessível, da sua doença, do seu direito de recusa, além do conhecimento de quem e por que se pede a revelação. Ou seja, o paciente deve saber o que está consentindo. Por outro prisma, saber também o que e quando se pode consentir, e o que seja representante legal, pois nem toda espécie de parentesco qualifica o indivíduo como tal. Por isso, nem toda autorização justifica uma revelação pelo médico. Basta, para tanto, que ele esteja corretamente consciente da improcedência e da inviabilidade da informação. O consentimento tem de ser analisado no conjunto dos interesses de todos quantos possam ser envolvidos.

6. Informações sobre incapazes. Se um indivíduo é maior de idade e exerce sua plena capacidade de fato ou de agir, tem ele o direito, dentro dos limites que a lei e os costumes permitem, de decidir sobre o que pode ou não pode ser revelado a respeito dos seus registros primário e secundário. O mesmo não acontece com os incapazes – menores de 16 anos, insanos mentais, surdos-mudos que não puderem exprimir sua vontade e os ausentes declarados por ato judicial, por não poderem exercer por si os atos da vida civil. As informações médicas relativas a cada um deles só podem ser reveladas pelos pais, se estiverem no exercício do pátrio poder. Caso contrário, para os menores de 16 anos seu representante legal será o tutor, e para os incapazes maiores de 16 anos, o curador. Os maiores de 16 e menores de 21 anos, os pródigos e os silvícolas podem prestar informações. Quando não estiverem acompanhados ou assistidos pelos seus representantes legais, e desde que não contestados, o ato de informar torna-se perfeito.

7. Acesso à informação pelas empresas. Mesmo que um hospital ou serviço de saúde tenha convênio de assistência médica com empresas públicas ou privadas, estas não podem ter acesso às informações pessoais dos seus empregados. Isso, além de ferir fundamente o direito da privacidade do indivíduo, jamais poderia constar como cláusula contratual, ressalvando-se, é claro, as circunstâncias que a lei prevê. Tal procedimento pode criar situações de constrangimento ao trabalhador, quando relatado seu mal, principalmente se ele é portador de doença cíclica que o afastará outras vezes do trabalho. Uma revelação dessa natureza é prejudicial ao empregado, comprometedora da fé pública e ostensivamente ilegal por se colocar em franco conflito com nossa legislação.

8. O direito de saber sua verdade. Em tese, o paciente tem o direito de saber todas as informações registradas num banco de dados sobre sua pessoa e sobre suas condições de saúde. Não só a verdade como a atualização do seu diagnóstico, tratamento e prognóstico. Tudo isso em termos fáceis ao seu entendimento, fugindo-se da linguagem cifrada dos técnicos, de modo a não criar interpretações duvidosas. No entanto, se o médico admite que essas informações podem contribuir negativamente para o seu estado de ânimo, trazendo-lhe mais prejuízo que vantagens, podem essas informações ser minimizadas ou omitidas. O paciente também tem o direito de saber se o sistema que mantém suas informações é confiável e seguro, principalmente no que diz respeito às informações secundárias, ou se é capaz de identificá-lo fora do interesse médico.

9. Tempo de guarda de informação. Embora não exista nenhuma legislação no que se refere ao tempo de manutenção dos registros médicos de um paciente, acreditamos que cada setor de especialidade deva estabelecer seus próprios critérios de guarda desses dados. É necessário que se considerem as informações de interesse permanente, as de interesse transeunte, de doenças cíclicas, de sequelas grosseiras e as de cura permanente. Os dados relativos aos registros secundários, capazes de identificar o paciente, deverão ser mantidos, em média, por um período de cinco anos. E, se antes desse prazo o registro secundário for desnecessário e indesejável, deve ser apagado do sistema.

5.8. SITUAÇÕES ESPECIAIS

Há certas circunstâncias em que se discute a validade da quebra ou não do segredo:

1. Em causa própria. As opiniões divergem se está excluída a antijuridicidade de quebra do sigilo quando em defesa de um interesse próprio e legítimo. Assim, por exemplo, um médico injuriado por um paciente, através do jornal, para defender-se pode revelar o segredo profissional? Em princípio seria perigoso atribuir-se o crime, pois colocar-se-ia nas mãos de pessoas inidôneas uma arma terrível. Mesmo assim, o lugar de defesa do médico deverá ser sempre a Justiça ou seus órgãos de classe específicos, jamais utilizando-se dos meios publicitários da imprensa leiga.

2. Estudantes de medicina. Embora sob o ponto de vista legal pareça ser a quebra do sigilo pelo estudante um fato demasiadamente contestável, pois não há em nosso diploma legal prescrição para tanto, está ele obrigado moralmente ao silêncio daquilo que vê ou se apercebe na sua formação técnica e intelectual. Outros admitem serem os estudantes passíveis de sanção penal, pois, mesmo não exercendo eles uma profissão, estão incluídos numa forma de atividade na qual a comunidade está também interessada. Além do mais, devido às suas idades, eles são legalmente imputáveis.

3. Revelação ao paciente. O fato de o médico, em determinadas ocasiões, ter a necessidade de levar ao paciente o conhecimento de seu diagnóstico não pode ser considerado como quebra de segredo. No máximo poderá acontecer uma forma de imprudência ou uma falta de misericórdia, principalmente diante de um caso grave e desesperador.

4. Esposas de médicos. Um dos aspectos interessantes é a situação do segredo profissional ante as esposas de médicos. Em princípio, exige-se de quem exerce a Medicina uma alma fechada para tudo que aconteça nesta atividade. Todavia, para alguns, ninguém pode viver sem um confidente, a fim de que nas horas mais difíceis e nos momentos mais graves tenha com quem expandir-se. E essa pessoa, para nós, é sempre a esposa. Escardó, em Moral para as Esposas de Médico, chega a propor que se estenda a ela a necessidade das obrigações hipocráticas do sigilo, através de um compromisso moral. O certo é, entretanto, que o segredo deve ser em princípio inviolável, somente se admitindo a sua quebra quando de um interesse maior, e nunca para o simples interesse particular ou afetivo do médico. Por isso, nossa opinião é de que essa modalidade de revelação constitui-se também numa infração.

5. Segredo “post mortem”. A quebra do sigilo profissional depois da morte de um paciente afigura-se-nos não um crime de revelação do segredo, mas, unicamente, um delito de violação do respeito aos mortos, que a nossa lei tutelou, movida pelo sentimento de piedade que devemos ter diante do morto e de sua memória.

6. AIDS e sigilo profissional. Há um princípio fundamental na atividade profissional do médico: o sigilo pertence ao paciente e somente a ele cabe abrir mão desse direito, a não ser naquilo que o Código de Ética Médica excetua, isto é, justa causa e dever legal.

O paciente infectado pelo HIV não foge a essa regra.

Se o paciente, neste particular, manifestar o desejo de que nem seus familiares tenham conhecimento de suas condições, ainda assim cabe ao médico respeitar tal decisão. No entanto, é providencial que se exija do paciente a designação de uma pessoa de sua inteira confiança para que possa servir de intermediária entre ele e quem o assiste.

No que se refere aos comunicantes sexuais deve-se buscar a colaboração do paciente no sentido de o médico poder rastrear e controlar epidemiologicamente a doença, tudo isso feito com o cuidado de impedir a divulgação de fatos relativos à intimidade do portador de AIDS, cujos transtornos de ordem pessoal devem ser evitados. Se o paciente se recusa a revelar aos comunicantes sexuais sua condição de infectado pelo HIV, é legítimo o direito do médico de passar tais informações, pois aí está caracterizada a justa causa.

Por outro lado, é justificável a notificação obrigatória pelo médico às autoridades sanitárias de todos os casos clinicamente suspeitos ou com diagnóstico confirmado de AIDS. No entanto, casos de portadores de sorologia positiva sem apresentar um quadro clínico da síndrome não devem ser notificados, com exceção dos doadores de sangue ou doadores de órgãos ou tecidos.

7. Segredo e perícia médica. O artigo 205 da Lei n.º 8.112, de 11 de dezembro de 1990, impõe, como dever legal, que “o atestado e o laudo de junta médica não se referirão ao nome ou natureza da doença, salvo quando se tratar de lesões produzidas por acidentes em serviço, doença profissional ou qualquer das doenças especificadas no artigo 186, § 1.º”.

O artigo 186, inciso I, desta mesma Lei, diz que o servidor será aposentado por invalidez permanente, com proventos integrais, quando decorrente, entre outras, do que estabelece seu § 1.º: “(...) tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira posterior ao ingresso no serviço público, hanseníase, cardiopatia grave, doença de Parkinson, paralisia irreversível e incapacitante, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, estados avançados do mal de Paget (osteíte deformante), síndrome de imunodeficiência adquirida – AIDS, e outras que a lei indicar, com base na medicina especializada”.

Deste modo, os médicos que participam em Perícias e Juntas Médicas Oficiais, considerando a necessidade do andamento habitual dos processos, estão autorizados legalmente a revelar de forma textual a lesão verificada em acidentes no serviço, as doenças profissionais e as chamadas doenças graves, contagiosas ou incuráveis descritas acima, não necessitando, portanto, enquadrá-las em rótulos genéricos de “invalidez permanente por acidente em serviço” ou “doença grave e contagiosa prevista em lei”, entre outros.

Entende-se que o serviço público não poderia satisfazer seus interesses burocráticos apenas com a alegação de um diagnóstico vago, diante de situações tão sérias, nem seria justo que o incapacitado ficasse permanentemente sob suspeita do ser ou não portador de uma das patologias amparadas em lei.

Por fim, deve ficar claro que, nas situações acima referidas, o médico que participa da Perícia ou de Juntas Médicas Oficiais não comete infração ao quebrar o sigilo profissional, pois está amparado numa das situações de que trata o artigo 73 do Código de Ética Médica – no dever legal, tendo em vista não só viabilizar o interesse do servidor inválido, mas, também, a proteção da ordem pública e do interesse coletivo.

8. Requisição de prontuários. A obrigação da guarda do segredo médico também se estende aos prontuários e fichas hospitalares ou ambulatoriais, e aqueles que não cumprirem tais fundamentos estão sujeitos às penas do artigo 154 do Código Penal brasileiro.

Desta forma, não existe qualquer argumento para que médicos ou funcionários de entidades nosocomiais públicas ou privadas enviem os prontuários dos pacientes, sejam quais forem os solicitantes, até porque não há em nossa legislação qualquer dispositivo que nos obrigue a isso.

Com esse pensamento, sentenciou o Superior Tribunal Federal no Habeas Corpus n.º 39.308, de São Paulo, em cuja emenda se lê: “Segredo Profissional: constitui constrangimento ilegal a exigência da revelação do sigilo e participação de anotações constantes das clínicas e hospitais”.

No entanto, por solicitação do paciente e em sua própria defesa, admite-se que o médico não comete infração de quebra do sigilo profissional se ele testemunhar ou apresentar prontuários, papeletas ou boletins. Também não se pode negar ao perito do juiz acesso a esses documentos.

Entendemos ainda que as instituições prestadoras de serviços médicos não estão obrigadas a enviar seus prontuários, mesmo por empréstimo, aos seus contratantes públicos ou privados. Assim está estabelecido no Parecer-Consulta CFM n.º 02/1994.

9. Revelação de crime. A lei nos obriga comunicar à autoridade competente os crimes de ação pública que independa de representação e desde que essa comunicação não exponha o paciente a procedimento criminal. Isto está previsto no inciso II do artigo 66 da Lei das Contravenções Penais.

Um dos casos mais comuns em nossa atividade é a constatação de prática criminosa de aborto, e, pelo visto, não se pode denunciar a paciente, pois ela está sujeita a procedimento processual. O mesmo não se dá, por exemplo, se é constatada a indução a suicídio ou a prática de abortamento à revelia da mulher. “O dever de sigilo é devido à paciente e não ao seu algoz”, apud Hungria, in Mendes, Aborto médico, Arq. Cons. Reg. Med. PR., n. 12 (46), p. 105-112, 1995.

10. Informação à autoridade sanitária. O médico está, por determinação legal, obrigado a comunicar às autoridades sanitárias competentes a constatação de doenças infectocontagiosas, sob pena de responder penalmente por crime de omissão de notificação de doença cuja comunicação do registro é compulsória. Fundamenta essa imposição a necessidade de proteção da saúde pública, cuja importância é de indiscutível interesse, de acordo com a ordem jurídica estabelecida.

11. Privacidade e sigilo em informática médica. Hoje já contamos com recursos bem concretos nos sistemas de processamento eletrônico de dados, não só para as tarefas administrativas dos hospitais, mas, também, para o conjunto das necessidades das ações de saúde. No entanto, quando todas essas informações, integradas num sistema de computação, estiverem nas mãos de grupos inescrupulosos, é muito fácil entender o perigo da manipulação. Desse modo, todo cidadão poderá ser transformado em prisioneiro da cibernética ou em possível vítima de injúrias eletrônicas.

A primeira medida a ser tomada pelas instituições de saúde é estabelecer um critério definido do uso e da revelação dessas informações, no sentido de que apenas se limitem ao essencial e ao justo fim invocado, e que se omitam, ao máximo, os detalhes pessoais nos programas usados pelos sistemas de saúde.

Os pacientes esperam que as informações prestadas sejam mantidas como confidenciais. Além disso, aguardam também que as informações solicitadas sejam restritas ao que é necessário e relevante, e que se tenha o cuidado de pedir sempre o seu consentimento quando da revelação de dados. Mesmo na pesquisa, quando seus critérios e objetivos estiverem bem definidos nos protocolos de investigação, ainda assim o hospital ou o serviço de saúde deve criar regras claras para o uso das informações programadas, fazendo com que o pesquisador assuma compromissos com a inviolabilidade das confidências e que haja autorização esclarecida de cada paciente incluído no projeto. Esse consentimento é fundamental e a forma mais correta de obtê-lo é através de autorização por escrito, antecedida de esclarecimentos detalhados e de linguagem acessível, em que fiquem claros seus direitos de recusa e de desistência em qualquer fase da pesquisa, além da garantia de continuidade do tratamento pelos métodos convencionais. Nos casos permitidos de pesquisa em pacientes menores de idade ou incapazes, deve haver o consentimento esclarecido do seu responsável legal.

12. Tempo de guarda da informação. Embora não exista em nossa legislação nenhum dispositivo que regule o tempo de manutenção dos registros médicos de um paciente, acreditamos que cada setor de especialidade deva fixar seus próprios critérios para a guarda desses dados. É interessante que se estabeleça o que é de interesse permanente e o que é de interesse passageiro para o paciente, no que se refere à guarda dessas informações. Certos dados relativos aos registros secundários, capazes de identificar o paciente e que não apresentam importância significativa, deverão ser mantidos em média por um prazo de cinco anos.

13. O sigilo médico e a imprensa. Quando se pede que a imprensa seja compreensiva com as questões do sigilo profissional médico, não estamos querendo impossibilitar a divulgação dos fatos ou impedindo que outros profissionais exerçam suas atividades. Mas que cada coisa seja colocada no seu devido lugar: no interesse do conjunto da sociedade, que necessita das informações; e no respeito à dignidade de cada um, que reclama sua privacidade. Acreditamos que a Medicina e a Imprensa, no que tange às informações, têm um débito para com a verdade. Os médicos, pelo seu hermetismo contumaz, têm negado aos órgãos de informação fatos que são importantes para a prevenção de tantos males, preferindo a divulgação de seus feitos pessoais mais emocionantes. Os profissionais da imprensa, por sua vez, utilizam-se do sensacionalismo e nem sempre se mostram interessados nos programas capazes de promover mudanças mais significativas.

14. O segredo no atestado médico. Sempre foi uma questão polêmica o fato de se poder ou não declarar o diagnóstico nos atestados médicos. Alguns acham que o médico deve omitir sempre esse diagnóstico. Outros admitem que a quebra é necessária, principalmente no interesse funcional do paciente ou de seus privilégios securitários. No entanto, se levarmos em conta a determinação do Código de Ética Médica, vamos observar que esse diagnóstico só pode ser consignado, nominalmente ou em código, nas três situações ali admitidas: justa causa, dever legal e autorização expressa do paciente. Tal decisão está assinalada nos Pareceres-Consultas CFM n.º 11/1988, 25/1988 e 32/1990.

15. O segredo no boletim médico. No tocante ao segredo nos boletins médicos, há os que defendem pacificamente a ideia da divulgação detalhada da enfermidade e da evolução clínica do enfermo, com mais razão se ele é pessoa influente ou estimada. Isto para que a sociedade tenha conhecimento de suas verdadeiras condições. Outros admitem que, por mais importante que seja o paciente em vida ou após a morte, deve-se a ele o respeito às circunstâncias de natureza privada e que o médico deve orientar-se pelos princípios deontológicos que regem o segredo profissional. Entre uns e outros há os que defendem a administração política do fato como forma de proteger e resguardar os interesses de ordem pública, de assegurar a ordem social e de manter o equilíbrio emocional das populações, entendendo que o boletim médico é um expediente inevitável. Enfim, como ele é incontornável, que seja sóbrio, objetivo e verídico, rigorosamente fiel ao que dispõem as regras do sigilo profissional.

16. O segredo e a cobrança judicial de honorários. Em princípio não há reparo qualquer a fazer ao médico que se socorre do Poder Judiciário para receber seus honorários, principalmente quando foram esgotados os meios extralegais. Recomenda-se, no entanto, que mesmo em tais situações o médico não deva quebrar o sigilo, relatando o diagnóstico ou certas particularidades do paciente.

17. Segredo compartido. Há situações em que várias pessoas são interessadas na manutenção de um mesmo segredo. Como exemplo o caso de uma fecundação assistida heteróloga, onde tanto o doador do sêmen como os pais e a criança concebida são titulares de direito deste segredo. Por outro lado, nenhum deles isoladamente poderá abrir mão do sigilo, a não ser que haja o consenso de todos os envolvidos tidos como capazes de consentir. Ainda assim, neste caso em particular, há quem afirme não estar o médico obrigado a tal revelação, a não ser diante de justa causa e dever legal.

18. Intimidade genética. Um dos grandes desafios do futuro será a capacidade de se conhecer, através da chamada medicina preditiva, certas informações advindas da sequência do genoma, onde a capacidade de prevenir, tratar e curar doenças poderá se transformar numa oportunidade de discriminar pessoas portadoras de certas debilidades. Se estas oportunidades diagnósticas forem no sentido de beneficiar o indivíduo, não há o que censurar. No entanto, estas medidas preditivas podem ser no sentido de excluir ou selecionar qualidades por meio de dados históricos e familiares, como nos interesses das companhias de seguro; isto pode ter um impacto negativo na vida e nos interesses das pessoas.

O mais grave nisto tudo é que as enfermidades ditas poligenéticas ou multifatoriais podem ou não se desenvolver, ficando o indivíduo discriminado apenas pela ameaça de risco que ele corre de contraí-las.

O primeiro risco que corremos é o de natureza científica pois não temos ainda o conhecimento bastante para determinadas posições de natureza genética, o que pode redundar em medidas precipitadas que no mínimo trarão ainda mais discriminação, mesmo que isso não passe de um fator de risco.

Outro fato é que existe um conjunto de doenças que poderão ser diagnosticadas num futuro bem próximo; todavia, não se contará tão cedo com soluções exatas e eficazes, principalmente no que concerne a um sistema público de saúde. Muitas serão as oportunidades em que o único tratamento será à base de medidas eugênicas através do aborto.

Some-se a isso a possibilidade do conhecimento preditivo de doenças graves e sem tratamento criar no indivíduo condições para as perturbações de ordem psíquicas ou fazer com que ele tome medidas radicais, como, por exemplo, a de não ter filhos, desagregar a família e sofrer prejuízos econômicos. Isto não quer dizer, é claro, que se deva abrir mão dos meios que impulsionem a medicina preditiva, mas que se busque mecanismos que diminuam seus efeitos negativos e discriminatórios.

Fica evidente que, mesmo existindo um futuro promissor advindo destas conquistas, seria injusto não se apontar relevantes conflitos de interesses os mais variados que poderiam comprometer os direitos humanos fundamentais. É preciso que se encontre um modelo racional onde as coisas se equilibrem: de um lado o interesse da ciência e de outro o respeito à dignidade humana.

Por fim, é sabido que num estado democrático de direito não existe nenhum prerrogativa individual que possa ter proteção absoluta, principalmente quando se admite também a proteção dos direitos fundamentais de terceiros. Isto, quando reconhecido, impõe limites ao princípio da autonomia. Assim, por exemplo, quando a vida e a saúde de terceiros estão seriamente ameaçadas pela negativa de informações individuais, a quebra do direito da intimidade justifica-se, baseada no princípio do estado de necessidade de terceiros. Este dever de solidariedade pública só estaria motivado quando diante de uma situação excepcional e plenamente justificada.

Sempre que houver um conflito entre um interesse coletivo e um interesse privado, deve-se agir com prudência e ponderação, tendo em conta sempre da possibilidade do uso de medidas menos graves. Deve-se entender também que existem limites na intromissão da intimidade individual.

5.9. SEGREDO MÉDICO: OBRIGAÇÃO QUANDO NO EXERCÍCIO DA PROFISSÃO

Tem sido matéria controvertida se o sigilo imposto refere-se somente aos fatos revelados pelos doentes confidencialmente, ou também aos outros fatos que, de uma ou outra maneira, cheguem ao conhecimento do médico quando do exercício profissional. A se louvar no Juramento de Hipócrates, que manda calar apenas “os segredos que lhe forem confiados”, tem-se a ideia de que estaria o profissional obrigado a manter sigilo apenas daquilo que foi objeto da confidência do paciente.

Assim, sigilo médico é o silêncio a que o profissional da medicina está obrigado a manter sobre fatos dos quais tomou conhecimento quando esteve na relação médico-paciente; portanto, no pleno exercício de sua profissão. E por segredo médico o fato para o qual se exige o sigilo quando durante suas atividades profissionais.

Pelo visto, se o médico não está no efetivo exercício de um ato médico, pode até vir a responder por aquilo que qualquer cidadão responderia quando diante de um relato descabido e inverídico, mas nunca como infrator por quebra do sigilo médico.

Basta a redação do artigo 73 do Código de Ética Médica: “É vedado ao médico: revelar fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, salvo por justa causa, dever legal ou autorização expressa do paciente”.

Fica bem evidente que deve prevalecer não só a qualidade da informação prestada, mas acima de tudo que o médico esteja não apenas qualificado para o exercício de sua profissão, senão também que esteja no específico exercício da medicina. Em tal avaliação o que se leva em conta é a quebra de uma confiança na relação contratual do médico com o paciente e a forma como isso se traduz e repercute como infringência aos dispositivos daquele diploma ético.

Se analisarmos ainda a redação do artigo 154 do Código Penal, vamos ver que o entendimento não pode ser diferente: “Revelar alguém, sem justa causa, segredo de que tenha ciência, em razão de função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem: Pena de detenção de 3 meses a um ano ou multa”. Mais uma vez se vê o cuidado do legislador de especificar de maneira clara que a infração se verifica sempre que a revelação do fato se dê “em razão de função, ministério, ofício ou profissão”. Ou seja, se alguém revela um fato verdadeiro que sabe na exclusiva condição de cidadão, igual aos demais, sem que esta revelação seja em razão de sua profissão ou ofício, pelo que nos acode não se pode falar de quebra de segredo profissional.

Em suma, resta evidente que o sigilo médico é o silêncio que o profissional da medicina está obrigado a manter sobre fatos dos quais tomou conhecimento tão somente no exercício de suas atividades, e que não seja imperativo divulgar.

Ipso facto, é o silêncio que ele deve manter sobre aquilo que teve ciência pelo motivo de manter uma relação profissional com o paciente durante suas atividades de médico. Se porventura ele não está no exercício de suas atividades médicas, pode até vir a responder por aquilo que qualquer cidadão responderia por determinada impropriedade, mas nunca como infrator por quebra do sigilo profissional.

5.10. CONCLUSÕES

Pelas considerações anteriores restou evidente que a quebra do sigilo profissional não é somente uma grave ofensa à liberdade do indivíduo, uma agressão à sua privacidade ou um atentado ao exercício da sua vontade. É também uma conspiração à ordem pública e aos interesses coletivos.

Estima-se ser o sigilo médico o silêncio que o profissional da medicina está obrigado a manter sobre fatos dos quais tomou conhecimento no exercício de suas atividades, e que não seja imperativo divulgar. Nosso Código de Ética Médica, portanto, afastou-se do conceito absolutista – que impõe o sigilo incondicional em qualquer situação, e do conceito abolicionista – que desaprova qualquer reserva de confidências, adotando o conceito relativista do segredo, quando admite a revelação por “justa causa, dever legal ou por autorização expressa do paciente”. E por segredo o fato que exige o sigilo.

Fica também muito claro que o sigilo médico nos tempos hodiernos não pode mais se revestir do mesmo caráter de sacralidade e inviolabilidade da confissão. Constitui-se hoje o sigilo médico um instrumento social em favor do bem comum e da ordem pública. Sendo assim, a sua revelação, em situações mais que justificadas, não pode configurar-se como infração ética ou legal, principalmente quando se visa a proteger um interesse contrário superior e mais importante.

Sempre que tiver a necessidade de quebrar o sigilo, o médico deve fazer constar que a revelação das condições, do diagnóstico ou do prognóstico do paciente foi a pedido dele ou de seus responsáveis legais. E, mesmo assim, em situações de claro comprometimento dos interesses do paciente, fazer ver a ele os possíveis prejuízos ou, até mesmo, em ocasiões mais extremadas, negar-lhe o pedido. A violação do segredo deve ser analisada no conjunto dos interesses de todos quanto possam estar envolvidos.

5.11. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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