Capítulo 16

 

 

 

 

 

Nessa noite, Meg foi conduzida a uma sala de jantar magnífica. Um festim fora servido,

mas o único sentado à mesa era o rei,

com o seu pequeno pássaro azul na gaiola dourada a seu lado.

O rei dispensou os guardas e apontou uma cadeira à sua direita.

«Senta-te comigo, Meg.»

Meg sentou-se com muito cuidado

para não vincar o seu vestido encantador.

«Meg», começou o Rei Coração Fechado

enquanto erguia um prato dourado

e colocava sobre ele carne e fruta açucarada.

«Há algo que preciso de saber.»

«O que é, Majestade?»

O rei pousou diante dela o prato

que enchera com as suas próprias mãos.

«Desejo saber o que é o amor.»

excerto de REI CORAÇÃO FECHADO

 

 

 

– A madeira mais clara, creio – disse Lazarus nessa tarde, consideravelmente cedo. – Com o entalhe em marfim.

Estava no seu escritório com Mr. Kirk, o fabricante de pianos. Mr. Kirk trouxera meia dúzia de tábuas diferentes, cada uma com decoração intrincada. Lazarus passou a mão sobre a amostra que escolhera. Era feminina sem excessos ornamen-tais.

Tal como Temperance.

– Uma excelente escolha, milorde. – Mr. Kirk recolheu as amostras, guardando-as numa mala especialmente concebida. – Creio que temos algo quase pronto. Poderei enviar-vos a peça completa dentro de uma quinzena?

– Não. É um presente. Dar-lhe-ei a morada onde a entrega deverá ser feita.

– Como desejardes, milorde. – Kirk curvou-se, recuando até à porta com uma vénia.

Lazarus recostou-se na sua cadeira, sentindo-se estranhamente leve, quase despreocupado. Oferecera presentes a outras mulheres, pagamentos por serviços prestados, mas nunca se dera ao trabalho de os escolher pessoalmente. A verdade era que não lhe importara, a ele ou à mulher em questão. As joias ou bugigangas eram encaradas como seguro contra o momento inevitável em que se separariam. Eram objetos facilmente convertíveis em dinheiro. Esperou que Temperance visse o seu presente como algo mais permanente e que a relação entre os dois pudesse algum dia tornar-se…

Os seus pensamentos foram interrompidos por uma nova abertura da porta do escritório. Lazarus ergueu o olhar e, por um momento, pensou se o facto de ter pensado em Temperance poderia tê-la materializado do nada.

Ergueu-se.

– Temperance. Que fazes aqui?

– Eu… – Olhou o escritório à sua volta, parecendo atordoada. – Eu… eu… pensei em visitar-te.

Lazarus franziu a testa.

– Estás bem?

– Sim, perfeitamente. – Mas o seu lábio inferior tremia.

Porque lhe mentia?

– Queres sentar-te? Vou pedir que tragam vinho…

– Não! – Avançou até ele. – Não, por favor. Não chames ninguém. Queria estar contigo.

A sua face estava pálida. O chapéu de aba larga que segurava numa mão caiu ao chão enquanto se aproximava.

– Como vieste? – perguntou.

– Caminhei – disse, ofegante.

– De Saint Giles até aqui? – Abanou a cabeça. – Temperance, diz-me o que se passa. Eu…

– Não. – Segurou-lhe a face nas mãos. – Não o farei. Não quero pensar no assunto durante algum tempo. Não quero pensar em nada.

Puxou-lhe a cabeça para baixo e beijou-o. A boca com que cobriu a dele demonstrava desespero, com a delicadeza substituída por uma avidez tórrida. O corpo dele reagiu como se estivesse treinado para a satisfazer a ela e a mais ninguém. Deu consigo a abraçá-la, com a sua língua dançando-lhe já na boca. Ouviu-lhe um gemido de satisfação enquanto a empurrava contra a secretária. As suas mãos subiram-lhe as saias enquanto a sua mente lhe recordava que a porta sólida não tinha tranca.

– Maldição. – Afastou a boca, erguendo-a nos braços.

Levou-a rapidamente para fora do escritório, passando pelo mordomo sobressaltado e subindo as escadas até ao quarto. Small estava no interior quando abriu a porta com um pontapé.

– Sai – ordenou Lazarus com um tom de voz que deixara de reconhecer como seu.

O criado partiu em silêncio.

Lazarus deitou Temperance na sua cama e deitou-se a seu lado.

– Não – disse ela, ofegante.

Lazarus estacou, olhando-a.

– Quero… – Temperance passou a língua pelos lábios. – Quero fazê-lo à tua maneira.

Apesar das palavras enigmáticas, percebeu imediatamente a que se referia. O desejo animal preencheu-o, endurecendo-lhe o membro de forma quase dolorosa enquanto os testículos se retraíam. Santo Deus. Sim. Num segundo, o pensamento enlouquecera-o. Poderia possuí-la da forma que mais lhe agradava. Fora ela a pedir-lho. Mas uma pequena parte de si recuou, abanando a cabeça em reprovação. Temperance era diferente. Não podia usá-la daquela forma.

– Tens a certeza? – perguntou-lhe.

– Sim.

Inclinou-se sobre ela, como um falcão avaliando a presa antes de atacar.

– Certifica-te. Depois de passar determinado ponto, não conseguirei parar. E tu não conseguirás obrigar-me a fazê-lo.

Viu-a engolir em seco.

– Por favor. Quero saber o que fazes. Quero senti-lo.

Olhou-a por um momento mais, tentando ler-lhe os pensamentos antes de a puxar da cama. As mãos tremiam-lhe.

– Muito bem. – Deu um passo atrás, receando tocar-lhe. Receando perder o controlo. – Despe-te.

Temperance susteve a respiração, sentindo-se corar. Mas as suas mãos moveram-se para os atilhos do corpete sem hesitação. Olhou-a, com os dedos apoiados sobre os flancos enquanto a via despir o corpete e o saiote, descalçando também os sapatos. Quando estendeu um pé esbelto ligeiramente para diante, fazendo deslizar lentamente as meias, começou a pensar que o provocava intencionalmente. Quando despiu graciosamente a combinação, atirando-a ao chão, teve a certeza. Ergueu a mão e tirou os alfinetes do cabelo, ajeitando-o e passando os dedos entre as madeixas. Sentou-se na cama dele, completamente nua, com os seios erguidos e orgulhosos, uma perna sob a outra, limitando-se a olhá-lo enquanto esperava a sua ordem seguinte.

Lazarus engoliu em seco. Deus. Conseguiria fazer aquilo? Mas ela queria que o fizesse. Pedira-lho.

Virou-se antes de poder mudar de ideias e dirigiu-se rapidamente à sua cómoda. Dentro da gaveta de cima, havia uma pilha de lenços cuidadosamente dobrados. Pegou num punhado deles e voltou para a cama.

– Deita-te – disse-lhe com voz rouca.

Temperance obedeceu-lhe, unindo os punhos sobre a cabeça, junto à cabeceira da cama, sem que fosse necessário dizer-lhe que o fizesse. Prendeu-a aí, tentando afastar os olhos dos seus seios, que a posição dos braços empinava, e da boca entreaberta.

– Abre as pernas.

Afastou as coxas, abrindo bem as pernas porque a cama não era estreita. Prendeu-lhe cada tornozelo a um canto. A seguir, endireitou as costas, olhando-a e segurando o último lenço na mão. Era como um festim oferecido a um deus. O seu corpo rosado e branco contra o verde e o castanho da colcha, o cabelo longo e sedoso espalhado sobre a almofada.

Não havia medo nos olhos dela, mas estavam muito aber-tos.

Caminhou até à cabeceira da cama, passando o lenço entre os dedos.

– E, agora, vou vendar-te.

 

 

TEMPERANCE VIU Caire curvar-se sobre ela com o pano. A sua expressão era sóbria. A tensão esticava-lhe os lábios sensuais e os olhos cor de safira tinham escurecido, parecendo quase negros. Sabia que devia sentir medo, mas tudo o que sentia era antecipação.

Deliciosa antecipação.

Cobriu-lhe os olhos com o tecido suave e tudo ficou negro. Ouviu-se respirar, parecendo fazê-lo de forma mais sonora depois de vendada, enquanto o sentia atando o lenço com firmeza. As mãos dele afastaram-se dela e Temperance inclinou a cabeça, tentando ouvir-lhe os movimentos. Pareceu-lhe que caminhava à volta da cama, passando-lhe junto aos pés. Mas parou. Roçou nervosamente os dedos pela cabeceira da cama. Que fazia? Que esperava? As suas coxas estavam muito abertas, com o ar arrefecendo-lhe a sua carne mais íntima.

– És tão magnífica. – A sua voz grave estava próxima do lado esquerdo do seu corpo, sobressaltando-a.

– Chiu – murmurou ele, fazendo-a sentir alguma coisa (a ponta de um dedo?) no seu ombro esquerdo. O toque foi tão ligeiro que não teve a certeza de o ter sentido realmente.

– A tua pele é como veludo sedoso – disse ele, perto da sua orelha. A ponta do seu dedo desceu-lhe até ao seio, descrevendo círculos lentos. – Uma pérola rosada. Tão perfeita, tão doce.

Retirou a ponta do dedo da sua pele e, por um momento, Temperance não sentiu qualquer toque.

Algo molhado tocou-lhe um mamilo.

A surpresa fê-la suster a respiração. Era a língua dele. Teria de ser, mas era a única parte dele que a tocava. Contornou--lhe o mamilo e fechou a boca sobre ele, sugando-o. Arrepios intensos fluíram-lhe do mamilo até ao seu centro. Encolheu-se involuntariamente, mas os lenços que lhe prendiam os punhos e os tornozelos impediam quase todos os movimentos. Deveria esperar e submeter-se às suas atenções. Submeter-se ao que desejava fazer a seguir.

Então era aquele o apelo? Aquela vontade indefesa, aquela antecipação ansiosa?

Soltou-lhe subitamente o mamilo e Temperance sentiu ar frio soprando-lhe contra a pele húmida. Estremeceu. Os dois mamilos estavam completamente eretos.

– Tão doce – sussurrou Lazarus. Sentiu o hálito dele no ventre.

O colchão inclinou-se entre os seus pés afastados e percebeu que estaria ali, sentado ou deitado, tão perto do local onde a sua humidade a embaraçava. Houve um momento de silêncio e imaginou-o limitando-se a vê-la, exposta e expectante.

Ficou mais molhada ainda.

– Será – a ponta do seu dedo tocou levemente a pele atrás do seu joelho direito – que és doce por toda a parte?

Susteve novamente a respiração quando o dedo subiu pela coxa acima, delicadamente, parecendo não ter qualquer pressa.

– Devo provar? – perguntou, distraidamente.

Mordeu o lábio, tentando recuperar o fôlego, sem fazer qualquer movimento.

– Temperance? – perguntou ele com voz grave. – Devo?

Santo Deus. Se o pano não lhe cobrisse já os olhos, teria escondido a cara. Queria que lho pedisse.

– Talvez aqui – sussurrou, enquanto lhe tocava os pequenos lábios com um dedo. – Ou talvez aqui? – Contornou-lhe o clítoris.

– Por favor – suplicou ela, forçando as palavras.

– Perdão? – disse ele, educadamente, mantendo o toque ligeiro, demasiado ligeiro, com o dedo. – Disseste alguma coisa?

– Prova-me, por favor – conseguiu dizer ela.

– Desculpa? – disse, educadamente, mantendo o toque leve. – Disseste alguma coisa?

– Prova-me, por favor – repetiu, gemendo.

– Com certeza. O que quiseres.

E sentiu a sua língua, molhada, segura e, graças a Deus, tão firme. Lambeu-a com passagens vigorosas. Não houve parte dela que fosse esquecida, humedecendo toda a sua carne trémula e sensível. Quando chegou finalmente ao clítoris, iniciando movimentos laterais da língua, Temperance enlouqueceu um pouco. Contorceu-se na cama, arfando e murmurando palavras incompreensíveis, sentindo o calor crescer dentro dela até se tornar líquido, percorrendo as veias. Arqueou as costas, pressionando a pélvis contra a cara dele sem qualquer vergonha, querendo mais. E Lazarus deu-lhe o que queria, introduzindo-lhe dois dedos enquanto a língua dançava rapidamente sobre o seu botão.

Bastava. Chegara ao limite, mas não cessava. Colocou aquele pedaço minúsculo da sua carne na boca e chupou sem parar até a fazer gritar a sua rendição, com o corpo estremecendo com as explosões do seu prazer.

Estava fraca e quente e continuava atada para seu pra-zer.

– Creio – disse a sua voz rouca e baixa enquanto o hálito lhe roçava a humidade. – Creio que poderás estar pronta para mim agora.

Ergueu-se e Temperance sentiu as calças dele no interior das coxas, o peso do seu corpo e a busca ansiosa do seu pénis. Era suave e ávido junto à sua entrada. Encostou-o à sua humidade e, com uma estocada brusca, instalou-se dentro dela. Sentiu a pressão no colchão de cada lado dos seus ombros, como se Lazarus apoiasse o peso do seu corpo nos braços. A seguir, a boca dele cobriu-lhe o mamilo esquerdo enquanto iniciava um ritmo descontraído. Penetrou-a e recuou com firmeza, mas sem qualquer pressa, como se tivesse todo o tempo do mundo. Como se fosse o seu brinquedo privativo e pudesse divertir-se com ela durante o tempo que desejasse.

Provocou-lhe o mamilo com a língua e passou ao outro, fazendo o pénis entrar e sair sem cessar. Era enlouquecedor. Temperance tentou erguer as ancas, mas os lenços impediam-na.

– Por favor – gemeu.

– O que é? – sussurrou-lhe ele como um demónio.

– Por favor.

– Diz-me. – Beijou-lhe a orelha.

– Com mais força.

Houve uma pausa de uma fração de segundo e uma praga murmurada. Lazarus cobriu-a e penetrou-a como se tivesse perdido todo o controlo. Rapidamente e com força, como lhe tinha pedido, e foi deleite puro. Viu uma luz branca intensa por baixo das pálpebras, quente e ofuscante, e teria gritado se a sua boca não estivesse coberta pela dele. O beijo era profundo enquanto continuava a penetrá-la, arrancando o seu prazer ao corpo indefeso.

E, quando interrompeu o beijo com um estremeção, esfregando-lhe a cara no pescoço, Temperance percebeu que atingira idêntico deleite. Penetrou-a novamente e fê-lo mais uma vez antes de deixar cair sobre ela o peso total do seu corpo.

Por um momento, permaneceram assim. A seguir, o lenço foi-lhe retirado dos olhos. Pestanejou, fitando os seus olhos cor de safira.

– Dizes-me agora qual é o problema?

 

 

FAZER AMOR COM TEMPERANCE daquela forma fora um sonho concretizado. Mas faltara alguma coisa. Alguma coisa simples, corroendo-lhe uma parte remota da sua consciência. Quando Lazarus lhe retirou a venda, percebeu o que faltara: os olhos de Temperance. Quisera ver as estrelas douradas nos seus olhos enquanto faziam amor. E quisera que também ela visse os seus olhos.

Que o visse a ele.

Aqueles extraordinários olhos dourados evitaram o seu olhar.

– Não sei do que falas.

A mentira óbvia deveria tê-lo irritado, mas, ao invés, sentiu-se inundado pela ternura. Afastou-lhe o cabelo da face.

– Deixa-te disso, Temperance. Conta-me.

Puxou os lenços.

– Solta-me.

Roçou-lhe o nariz no pescoço.

– Só depois de me dizeres.

Fechou os olhos e sussurrou.

– Mary Hope, o bebé que trouxe para o lar na noite em que nos conhecemos. Está a morrer.

A diminuição de peso aliviou-lhe o peito. Contara-lhe. Deixara-o entrar um pouco.

– Sinto muito.

– É tão pequena. Tão frágil. Deveria ter percebido que não sobreviveria. Mas, quando recuperou um pouco, esperei que…

Lazarus permaneceu em silêncio, absorvendo a sua dor.

Temperance soluçou e abanou a cabeça.

– Morre no lar. Não aguentava ver os seus esforços para respirar e deixei Nell a tomar conta dela.

– Sossega. – Ergueu a cabeça para a olhar. – Suportas já tanto peso sobre os ombros.

– Não. – Viu-lhe uma expressão que era quase de dor. – Não suporto o suficiente. Winter desmaiou hoje de manhã. Receio que o lar o mate. Não devia ter saído de lá hoje. Não devia ter vindo aqui.

– Talvez tenhas razão, mas todos precisam de descansar, às vezes. Não te preocupes tanto.

Temperance limitou-se a abanar a cabeça.

Baixou-se para lhe beijar a testa, pensativo. Uma emoção desconfortável que não conseguia identificar alastrava-lhe pelo peito.

– O lar é como uma prisão para ti.

Abriu os olhos de repente.

– O quê?

Começou a desatar-lhe os pulsos.

– Há algum tempo que penso porque insistes em trabalhar lá. Agrada-te? Gostas do trabalho?

– As crianças…

– Não duvido que o trabalho seja muito louvável – disse. – Mas agrada-te?

Não respondeu e Lazarus olhou-a. Fixava nele os olhos muito abertos. Aparentemente, conseguira chocá-la suficientemente para a remeter ao silêncio.

– Agrada-te? – repetiu, delicadamente.

– Não importa se me agrada ou não.

– Não?

– Claro que não. O lar é uma instituição de caridade. A caridade não é para apreciar.

Lazarus esboçou um meio-sorriso.

– Nesse caso, não será vergonha admitires que não te agrada.

– Nunca pensei nesses termos. Gosto das crianças, claro, e, por vezes, sinto-me satisfeita quando conseguimos colocar uma num aprendizado favorável. Agradar-me-á, não? Seria um monstro se não me agradasse. – Fazia-lhe um apelo, como se não conseguisse responder à pergunta sozinha.

Lazarus encolheu os ombros.

– Não é bom nem mau o que sentires sobre o trabalho no lar. É apenas o que é. Mais nada.

– Nesse caso…

– Não – disse ele em tom severo. – Diz-me sem mentiras ou evasões.

– Não minto!

Esboçou-lhe um sorriso afetuoso.

– Minha pequena mártir, receio que mintas todos os dias. A ti própria, sobretudo.

– Não percebo onde queres chegar – sussurrou.

– Não? – Deixou os lenços que a prendiam. De qualquer forma, parecia suficientemente confortável. – Recusas admitir o amor que sentes por Mary Whitsun ou até pela pequena Mary Hope. Vi como recusaste tocar o bebé. Conténs-te, negas-te prazer a não ser que te pressionem. Obrigas-te a fazer um trabalho infindável que te mata aos poucos e tudo por uma perceção ridícula de falta de valor. És a mulher mais santa que conheço e, no entanto, consideras-te uma pecadora.

De repente, surgiram rugas claras à volta da sua boca.

– Não… – Tentou recuperar o fôlego. – Não te atrevas a dizer-me que sou santa. Que não sei o que é o pecado.

Estava verdadeiramente furiosa. Conseguia vê-lo. Forçava os lenços em desvario.

– Explica – exigiu ele.

– Solta-me!

– Não.

– Não me conheces! – gritou ela. A sua boca estava escancarada e começaram a escorrer-lhe lágrimas pela face abaixo. – Não sou boa. Não sou uma santa. Preciso de trabalhar no lar.

Aproximou o nariz do dela.

– Porquê?

– Porque é a única coisa decente a fazer. Não importa o que penses.

– É uma penitência, não é? – sussurrou Lazarus.

Temperance abanou a cabeça. A sua cara estava vermelha e as lágrimas escorriam até ao cabelo emaranhado.

– Não mereço…

Aproximou-se dela, prendendo-lhe a face entre as mãos.

– Diz-me.

Soluçou, fechando os olhos.

– Quando o meu marido morreu… quando Benjamin morreu…

Esperou pacientemente enquanto soluçava. Soubera que haveria ali alguma coisa. Não amara o marido? Talvez tivesse mesmo desejado a sua morte? Estava preparado para uma dessas confissões mundanas, mas não para o que lhe saiu pela boca.

– Estava com outro homem.

Pestanejou, tão espantado que a largou.

– Deveras?

Acenou com a cabeça num movimento incerto.

– Era… Bom, não importa quem era, mas deixei-me ser seduzida por ele. Estava nos seus aposentos, conhecendo-o carnalmente no preciso momento em que Benjamin era atropelado por uma carroça de cervejeiro. Voltei para casa, tentando decidir como lhe esconderia o meu pecado e estava morto. – Abriu os olhos de repente. – Morto.

Lazarus olhou-a por um momento enquanto uma terrível perceção começava a formar-se na sua mente. Ergueu-se abruptamente e dirigiu-se à secretária para procurar um canivete.

– Há quanto tempo conhecias o teu amante? – perguntou enquanto cortava os lenços que lhe prendiam os tornozelos.

– O quê? – Franziu a testa, confusa. – Não há muito. Foi a primeira vez que estive com ele. Que importa?

Lazarus não conteve uma gargalhada breve, mas o som não continha qualquer boa disposição.

– Importa apenas pela ironia, suponho. Parece-me que foste punida com severidade exagerada na primeira vez em que pecaste.

Soltou-lhe os pulsos.

Temperance olhou-o fixamente.

– Não compreendes? Não foi uma simples falha. Não foi comer demasiados doces ou desejar o chapéu de outra mulher. Dormi com um homem que não era o meu marido. Cometi adultério.

Lazarus suspirou, sentindo-se subitamente cansado.

– E esperas que te censure por um erro tão humano.

– Não foi um erro. – Ergueu as costas e cobriu-se com a colcha. Era bela. Lazarus conseguia vê-lo de forma objetiva. Era a mulher mais bela que conhecera. – Traí o meu marido.

– E a ti – acrescentou sem elevar a voz.

Pestanejou.

– Sim. E a mim.

– A união sexual foi a tua perdição – disse. – A união sexual com um homem que não era o teu marido foi a pior coisa que fizeste na vida.

– Sim – sussurrou.

Lazarus fechou os olhos por um momento, arrependendo--se irracionalmente por a ter pressionado. – Nunca te perdoarás, não é?

– Eu… – Pareceu abalada pela fria articulação do seu dilema.

– A união sexual é o mais imperdoável dos pecados para ti – continuou. – E, quando decidiste que precisavas de te punir, invocaste o teu pior pecado.

Abriu os olhos e olhou-a. Tão bela. Tão forte. Percebeu subitamente que era tudo o que alguma vez desejara numa mulher e identificou finalmente a emoção no seu coração. Mágoa. Magoara-o de forma tão concreta como se lhe tivesse cravado uma flecha no peito.

– Usaste-me para te punires, não foi?

Viu a compreensão alastrar-lhe pela face, uma confirmação mais positiva do que qualquer coisa que pudesse ter dito. A flecha cravou-se mais ainda no seu peito. Mesmo assim, teve de fazer uma última pergunta.

– Sou alguma coisa para ti além de um castigo?