O Rei Coração Fechado ficou muito agradado com a demonstração. Para recompensar Meg,
ofereceu-lhe qualquer coisa que pedisse, fosse o que fosse.
Meg sorriu.
«Obrigada, Majestade, mas preciso apenas de um pequeno cavalo e de um saco com provisões,
pois há muito pretendo ver como é o mundo.»
O rei franziu a testa ao ouvir aquilo,
pois afeiçoara-se bastante a Meg.
Mas, por mais que argumentasse, Meg mantinha-se firme:
partiria na manhã seguinte para explorar.
Aquilo deixou o rei com muito má disposição
e foi terrivelmente indelicado com ela
durante o resto da maravilhosa refeição.
Meg, por seu lado, manteve-se animada,
ignorando os comentários mais sarcásticos do rei.
E, no fim do serão, deixou-o sozinho na sua sala de jantar.
excerto de REI CORAÇÃO FECHADO
A chuva começou por ser ligeira. Caiu, suave como um beijo de mãe numa criança adormecida. Temperance não notou as gotas que caíam do céu até o fogo começar a silvar. E então, de repente, as nuvens no alto abriram-se, jorrando chuva como uma queda de água, com as gotas tão grossas que ricocheteavam do empedrado, salpicando quando embatiam. O fogo resistiu, silvando em desafio e lançando ao ar grandes colunas de vapor. Mas a chuva foi mais forte, mais persistente e as chamas começaram a recuar.
Entre tudo aquilo, uma figura de capa negra esvoaçante emergiu das nuvens de vapor, avançando com firmeza apesar de coxear.
Temperance ergueu-se, sentindo um grito estrangulado na garganta. O cabelo prateado fora enegrecido pelo fumo, mas era ele. Era Caire. Afastou-se de Winter e correu, escorregando nas pedras molhadas e deixando-se cegar pela chuva e pelas suas lágrimas, correndo em direção ao seu amor. Enquanto se aproximava, um gato preto chamuscado fugiu-lhe de baixo da capa e correu diretamente para Mary Whitsun.
Caire tossiu.
– Odeio gatos.
Temperance soluçou uma única vez.
Lazarus puxou-a com veemência para baixo da capa, beijando-a com a boca repleta de fumo. Sob a chuva, diante de todos.
– Amo-te – disse ela, soluçando e esfregando-lhe as mãos na face, no cabelo, no peito, assegurando que era real e sólido. – Amo-te e achava que estavas morto. Não conseguia aguentar. Pensei que também morreria.
– Caminharia sobre chamas por ti – disse ele com voz rouca e cansada. – Aliás, foi precisamente o que fiz.
Temperance engasgou-se, rindo, e Lazarus voltou a beijá-la com boca dura que sabia a fumo e a fogo. Nunca antes provara algo tão maravilhoso. Porque estava vivo.
Estava vivo.
Lazarus interrompeu o beijo, encostando a testa à sua.
– Amo-te, Temperance Dews. Mais que à própria vida.
Teria dito mais, mas Temperance voltou a beijá-lo, desta vez com delicadeza, tentando transmitir tudo o que sentia através dos lábios.
Alguém pigarreou por perto.
Lazarus interrompeu o beijo durante tempo suficiente para murmurar:
– Sim, mãe?
Temperance pestanejou e virou a cara. Lady Caire erguia-se a seu lado, com o penteado elegante ineficazmente protegido por uma casaca que o seu acompanhante trémulo lhe segurava sobre a cabeça. Parecia ensopada, fria e ferida.
– Caire – sussurrou Temperance.
Lazarus ergueu a cabeça para olhar a mãe.
– O que foi?
– Se já terminaste o espetáculo – disse Lady Caire –, as crianças precisam de atenção e há uma louca que Godric St. John diz ter ateado o fogo e assassinado três mulheres.
– A vossa preocupação é comovente como sempre – começou Caire, mas Temperance beliscou-lhe o lóbulo da orelha. – Au. – Olhou-a.
Era inacreditável como os aristocratas conseguiam ser estúpidos, por vezes!
– A tua mãe ficou muito preocupada por ti.
Caire arqueou uma sobrancelha.
– Amo-te, Lazarus. – A voz de Lady Caire foi clara e segura. Mas, a seguir, o seu lábio inferior tremeu. – És meu filho. Posso não expressar eficientemente o meu amor, mas isso não significa que não te ame.
Lazarus virou a cara e olhou-a, espantado. Seria provável que continuasse a olhá-la, chocado, se Temperance não tivesse voltado a beliscá-lo.
– Au. – Fixou nela um olhar desagradado.
Temperance arqueou-lhe uma sobrancelha de forma eloquente.
– Minha mãe. – Caire baixou a cabeça com cuidado e beijou a face da mãe. – Uma mulher sensata disse-me uma vez que o amor pode ser sentido mesmo quando não é expresso.
Os olhos de Lady Caire encheram-se de lágrimas.
– Isso significa que também me amas?
Um canto da boca de Lazarus ergueu-se.
– Creio que será inevitável.
– Pensei que não me desses ouvidos.
– Todas as palavras que alguma vez me dissestes – sussurrou Caire – estão gravadas no meu coração.
Lady Caire fechou os olhos como se tivesse recebido uma bênção.
A seguir, abriu os olhos.
– Bom. Que faremos com todas estas crianças?
Temperance olhou o lar. O incêndio parecia quase totalmente extinto, mas não restava muito mais além de destroços fumegantes. Santo Deus. Só naquele momento lhe ocorreu que não tinham para onde levar vinte e sete crianças e, apesar de o seu objetivo naquela manhã ter sido encontrar um patrono, deixara de ter um lar.
– Talvez possam vir para a minha casa – afirmou Caire, inseguro.
A sua mãe fungou.
– Para casa de um cavalheiro solteiro? Não me parece. A maior parte virá para a minha casa por enquanto.
– Também poderei encontrar alojamento para alguns. – Lady Hero aproximou-se em silêncio. – O meu irmão tem uma casa quase vazia. E passa o verão no campo.
– Obrigada! – Temperance não sabia o que dizer de tanta generosidade.
– Posso ajudar com os pequeninos – disse Mary Whitsun. O seu lábio inferior tremia. – Até encontrar um aprendizado, claro.
Temperance pousou a mão com cuidado sobre o cabelo coberto de fuligem de Mary.
– Que achas de ficar no lar, onde quer que o lar se instale, ajudando enquanto te apetecer fazê-lo?
Os olhos de Mary Whitsun brilharam.
– Gostaria muito, senhora.
– Ótimo. – Temperance pestanejou para conter mais lágrimas.
Lady Hero sorriu aos dois. O seu cabelo castanho-arruivado estava molhado e pendia-lhe junto aos ombros, mas, mesmo assim, continuava a parecer a digníssima filha de um duque.
– Depois de estarem alojados, gostaria de discutir a construção de um novo lar.
– Eu também – disse Lady Caire. Por um momento, as duas senhoras entreolharam-se.
– Maior? Que vos parece? – murmurou Lady Hero.
– Sem dúvida.
– E com espaço para as crianças brincarem?
– Absolutamente – replicou Lady Caire sem hesitar, sorrindo à mulher mais jovem.
Pareciam ter acabado de estabelecer um pacto silencioso.
– Obrigada – disse Temperance, sentindo-se atordoada.
– Prepara-te – murmurou-lhe irreverentemente Caire ao ouvido. – Terás a minha mãe e a irmã de um duque ocupando-se dos teus assuntos.
Mas ignorou a provocação, abraçando-a e sentindo-se feliz. O lar não tinha um patrono. Tinha duas patronas!
– E, se não te importas, gostaria de contribuir também para o lar. – O seu tom de voz parecia estranhamente envergonhado.
Olhou-o e disse:
– Obrigada. Ficaríamos muito honrados se pudéssemos ter-te também como patrono.
Beijou-a sem demora e suspirou.
– Preciso de me ocupar daquilo. – Indicou com a cabeça o local onde St. John prendia Mãe Coração-Tranquilo com os dois peões. – Ficarás aqui?
Temperance sorriu-lhe.
– Não.
Suspirou.
– Peço a vossa licença, mãe. Minha senhora. – Curvou-se numa vénia abreviada dirigida às duas senhoras.
– Certamente – disse Lady Hero. – Parece-me que precisamos de organizar estas crianças. – Arqueou as sobrancelhas, olhando Lady Caire.
Esta acenou-lhe afirmativamente e, de imediato, as mulheres aproximaram-se de Nell e do grupo de crianças.
Caire estremeceu, fingindo-se apreensivo.
– Farão uma dupla e tanto.
– É precisamente aquilo de que precisamos – disse Temperance, satisfeita.
Lazarus puxou-a para si enquanto se aproximavam de St. John e de Mãe Coração-Tranquilo, que tentava libertar-se.
St. John olhou Caire.
– Que história é esta? Que motivo teve esta mulher para incendiar o lar?
– Matou Marie – afirmou Caire, severo. – E também o seu irmão, quando tentou chantageá-la. Percebeu que estávamos perto de a descobrir e parece-me que veio aqui para matar Mistress Dews.
Temperance olhou a mulher magra com desprezo.
– As crianças também estavam no lar. Não me teria matado só a mim.
– Sim. Não se importou com isso. – Caire acenou afirmativamente a St. John. – Se revistarmos a sua taberna, talvez encontremos as provas de que precisamos.
– Não será necessário – replicou St. John. Afastou a casaca vermelha masculina que Mãe Coração-Tranquilo vestia. Por baixo, havia manchas cor de ferrugem no seu vestido.
– Santo Deus – sussurrou Temperance, tapando a boca com a mão.
Aparentemente, foi demasiado para Mãe Coração-Tranquilo conseguir suportar. Esticou-se, gritando obscenidades como a louca que era realmente, de forma bastante óbvia. Os dois peões foram arrastados pela intensidade do seu ataque. Caire colocou Temperance atrás dele e recuou vários passos, colocando-os aos dois fora do alcance de Mãe Coração-Tranquilo.
– Levá-la-ei à prisão na minha carruagem – gritou St. John sobre os urros da mulher.
Caire acenou afirmativamente.
– Prende-a bem.
– Assim farei – replicou St. John. – Não permitirei que fuja.
Os homens iniciaram a sua tarefa sinistra.
– Vem – sussurrou Caire ao ouvido de Temperance. – Estás molhada e tens frio, tal como eu. Vamos procurar uma carruagem que nos leve para casa.
– Mas, Winter… – Temperance olhou em redor e viu o seu irmão acompanhando as crianças.
Winter percebeu que o olhava e ergueu-lhe uma mão, aproximando-se.
– Devo ajudar Lady Caire e Lady Hero a instalarem as crianças, sobretudo os rapazes. Ficarão na casa do duque de Wakefield e precisarão de supervisão enquanto lá estiverem.
– Tenho de ajudar – começou Temperance.
Winter pousou-lhe uma mão sobre o ombro.
– Não será necessário. Comigo, com os criados e com Nell, teremos pessoas suficientes.
Caire acenou com a cabeça.
– Vou levá-la para casa para lhe dar um banho quente.
Winter olhou Caire sem dizer nada. E, a seguir, estendeu a mão.
– Obrigado.
Caire aceitou-lhe a mão, sacudindo-a com firmeza.
– Não é necessário agradecer.
Winter moveu o olhar entre Caire e Temperance, franzindo a testa, mas limitando-se a dizer.
– Cuidai dela.
Caire acenou afirmativamente.
– Assim farei.
Winter beijou Temperance na face e correu de volta para as crianças.
– Resta-nos encontrar uma carruagem – murmurou Caire. Logo a seguir, a sua expressão contorceu-se num esgar. – Maldição. Esqueci-me de agradecer a St. John por ter capturado Mãe Coração-Tranquilo.
– Mas não foi ele – exclamou Temperance.
Lazarus voltou-se para a olhar.
E Temperance não conseguiu impedir-se de rir. Era uma tolice tão grande depois do que acontecera.
– O Fantasma de Saint Giles saiu com ela enquanto estavas dentro do lar.
– O quê? Diante de toda a gente?
– Sim. Dirigiu-se até St. John e entregou-lhe Mãe Coração-Tranquilo. Creio que ficámos todos demasiado espantados para o impedirmos de se ir.
– E St. John estava presente ao mesmo tempo?
– Sim. – Temperance olhou-o com curiosidade.
Caire abanou a cabeça.
– Gostava de ter assistido. Gostaria muito de descobrir quem se esconde por trás daquela máscara.
Temperance deu-lhe o braço enquanto se dirigiam para as carruagens.
– Parece-me que será um mistério que teremos de guardar para outro dia.
TEMPERANCE TERIA adormecido na viagem de carruagem para casa de Caire se a antecipação não a tivesse deixado tão nervosa. Dissera a Lazarus que o amava, mas havia uma coisa que precisava de lhe mostrar.
Por isso, quando a carruagem parou diante da sua casa, pegou-lhe na mão e conduziu-o para dentro em silêncio.
– Cheiro a fumo – protestou ele enquanto subiam juntos a escadaria grandiosa.
– Não me importa – disse ela. – Quase te perdi hoje.
O coração de Temperance batia-lhe tão violentamente no peito que lhe pareceu que desmaiaria. Tivera uma segunda hipótese. Santo Deus. Caire dava-lhe uma segunda hipótese. Não podia desperdiçá-la. Fechou cuidadosamente a porta do quarto depois de entrarem e ergueu-se diante dele.
– Quero… Não. Preciso de te mostrar o quanto te amo – murmurou. – Passei a última semana a pensar nisso. Em como acreditaste que achei degradante fazer amor contigo.
Lazarus abriu a boca para dizer alguma coisa, mas Temperance colocou-lhe um dedo sobre os lábios.
Viu-o erguer as sobrancelhas.
– Permite-me. – Inspirou fundo para ganhar coragem e passou-lhe deliberadamente o dedo sobre os lábios, o maxilar e pelo pescoço abaixo. – Permite-me, por favor.
Manteve-se muito quieto, quase sem respirar. Sabia que o magoava, mas fê-lo, mesmo assim. Precisava de lhe ensinar que o toque, sobretudo o seu toque, não tinha de lhe provocar dor, podendo ser prazeroso. E a única forma de lho ensinar era mostrando-lhe.
– Quero ver se consigo encontrar uma forma – enfrentou o olhar dele enquanto lhe desatava a capa – de fazer isto sem te magoar.
Abanou a cabeça.
– Não importa.
– Importa-me a mim.
O cordão roçou-lhe o corpo enquanto o nó era desfeito. Retirou-lhe a capa de cima dos ombros, colocando-a cuidadosamente ao lado do chapéu, perto da vela sobre a cadeira. Quando se voltou para ele, Lazarus continuava de pé, olhando-a com curiosidade. Não dera sinais de pretender despir mais alguma peça de roupa.
– Curaste-me. – Temperance engoliu em seco e colocou as mãos sobre os ombros dele. O seu estremeção foi mais suave daquela vez, como se tentasse conter a dor ou como se a dor se tivesse tornado menos ligeira. Esperou que fosse a segunda hipótese. – Tornaste-me outra vez completa depois de anos de sofrimento. Gostaria de fazer o mesmo por ti.
Lenta e delicadamente, despiu-lhe a casaca, o colete e retirou o lenço que lhe envolvia o pescoço. Quando começou a desabotoar-lhe a camisa, sentiu que tremia sob os seus dedos. Por um momento, a coragem de Temperance vacilou. E se a imposição do seu toque o tornasse ainda mais sensível? E se lhe provocasse dor ainda maior?
A seguir, olhou-lhe a cara.
– Muito bem – disse ele. – Mas não te sintas desiludida se não funcionar. Continuarei a amar-te, independentemente do que aconteça.
Temperance sentiu lágrimas nos olhos motivadas pela forma calma como a aceitava e ao que pretendia fazer. Independentemente do que acontecesse, estavam juntos e isso, pelo menos, fazia-a sentir-se melhor.
Aos poucos, uma peça de roupa de cada vez, despiu-o em silêncio quase total. Quando chegou o momento da sua roupa interior, sentiu-se sem fôlego e viu que estava já ereto por baixo do tecido. As mãos dela tremeram enquanto o libertava da última peça de roupa.
Recuou e olhou-o.
A sua nudez era magnífica. O seu cabelo prateado cobria-lhe os ombros, suficientemente longo para chegar aos mamilos escuros. Em contraste, os pelos no seu corpo eram quase pretos. Caracóis escuros contornavam-lhe os mamilos, formando um padrão de losango no peito. O seu ventre duro estava desprovido de pelos, mas, imediatamente abaixo do umbigo, os pelos escuros regressavam, formando uma linha fina que descia até aos pelos que lhe rodeavam o membro. As suas pernas eram longas e fortes, os músculos largos e musculados. E os seus olhos… Santo Deus, os seus olhos! Fixavam-se nela em silêncio, azuis e brilhantes como safiras, enquanto ela esperava o seu movimento seguinte.
– Diz-me se for demasiado longe – sussurrou ela. – Se magoar demasiado. Se quiseres parar.
Os olhos profundos cor de safira demonstravam confiança.
– Direi.
Colocou as mãos contra o seu peito nu, com firmeza, empurrando-o com cuidado até se sentar na cama. Temperance esperara que estremecesse, mas não se deixou abalar, mantendo as mãos contra a sua pele quente enquanto inspirava profundamente. Depois de o sentir acalmar, deslizou-lhe as palmas das mãos lentamente pelo tronco, sentindo a suavidade da sua pele e os pelos ásperos. Viu-lhe os olhos escurecerem. Hesitou e voltou a fazer subir as mãos.
– És tão belo – murmurou ela. – Passei tanto tempo a querer simplesmente olhar o teu corpo.
A boca dele contorceu-se, mas não disse nada. Encheu o peito, fazendo-a senti-lo nas mãos. Era tão vivo, tão vital e, naquele momento, era também completamente seu.
Empurrou-o delicadamente, fazendo-o deitar-se na cama.
Lazarus semicerrou os olhos, mas deitou-se, obediente.
Temperance dirigiu-se à cómoda e procurou até encontrar os lenços cuidadosamente dobrados. Retirou cinco e virou-se para a grande cama.
– Quando me ataste, fui forçada a aceitar o teu amor sem dar nada em troca. Gostaria de te fazer o mesmo.
Os olhos dele arregalaram-se, mas acenou uma única vez com firmeza.
Começou a atar-lhe o tornozelo direito ao fundo da cama. Terminou e olhou-o. A sua respiração acelerara, mas mantinha os olhos calmos. Atou-lhe o outro pé e os dois pulsos. Os nós não eram muito apertados e, de qualquer forma, estava bastante segura de que Lazarus conseguiria libertar-se se desejasse. Mas não importava. A única coisa que importava era fazer com que se sentisse indefeso.
Para isso, aproximou-se da cama com o último lenço entre os dedos.
Os olhos cor de safira brilharam enquanto pousava o lenço entre eles e lho atava com firmeza à volta da cabeça. Roçou-lhe os dedos pela face.
– Estás bem?
Pigarreou.
– Oh, sim.
A sua voz parecia sensual. Plena de antecipação.
Recuou e contemplou a sua obra. Enchia a grande cama por completo. Atara-lhe os pulsos um contra o outro. Esticava as mãos fechadas sobre a cabeça, com os músculos fletidos. O lenço cobria-lhe a face do sobrolho até meio do nariz. Entreabria os lábios enquanto esperava o seu movimento seguinte, voltando a face para ela como se usasse o som para seguir os seus movimentos. Temperance estremeceu, recordando o que sentira quando a vendara, com os sentidos apurados pela escuridão. O peito largo de Lazarus ergueu-se. O seu pénis repousava, grosso e avermelhado, sobre a pele mais pálida do seu ventre liso.
Santo Deus, ficava molhada só por o olhar. Pela primeira vez na sua vida, acolheu a excitação que sentia. Semicerrou os olhos, congratulando-se com a sensação dos seus seios pesados, das suas coxas roçando uma na outra. Era aquilo que era, quer lhe agradasse ou não. Uma mulher que desejava e precisava de sexo. Que adorava sexo. E, naquela noite, usaria essa parte de si, a parte que sempre desprezara, para sarar aquele homem que amava.
Em silêncio, despiu o vestido, o corpete, a combinação, o saiote, as meias e os sapatos. Quando despiu a última peça, as narinas de Lazarus inflaram. Conseguiria cheirar a sua excitação? Ela própria conseguia cheirá-la. Era um odor ténue e ácido. Normalmente, o cheiro e a humidade do seu corpo envergonhá-la-iam, mas forçou o embaraço a desaparecer.
Precisava de ser arrojada para aquilo. Precisava de não ter medo.
Por um momento, ficou de pé junto à cama, sem lhe tocar, sem se mover, limitando-se a inspirar e expirar, sentindo o seu corpo e olhando o dele. A seguir, tocou-lhe num mamilo com o dedo, como ele lhe fizera. Viu-lhe o peito erguer-se quando o tocou, mas não produziu qualquer som.
– Amo-te. – Contornou-lhe o mamilo, pequeno e escuro contra a pele pálida. Endureceu com o seu toque. Temperance inspirou também, sentindo um aperto repentino no peito. Estava à sua mercê, aquele homem poderoso e solitário, tanto de forma física como emocional. Se desse um passo em falso, poderia magoá-lo de forma terrível, pois sabia bem que conseguia magoá--lo e saber isso era incrível e estranho.
De alguma forma, por algum milagre, era importante para ele.
– Amo-te por inteiro. – Inclinou-se para diante e colocou-lhe a boca contra o peito, beijando-o, acariciando-o com os lábios, tentando transmitir-lhe o que sentia. Lambeu o mamilo, contornando-o com a língua, sentindo o seu sabor masculino, saboreando Caire. Prendeu aquele pedaço de carne entre os lábios e mordiscou com delicadeza, cuidadosamente, ouvindo-lhe a respiração acelerar.
– Creio que te amei desde aquela primeira noite, quando me surpreendeste na minha saleta.
A respiração dela também acelerou, mas não foi suficiente. Nem por sombras. Subiu para a cama e montou-o, mas, quando o sentiu erguer-se, ignorou, deslizando mais para baixo com as pernas de cada lado das suas coxas.
– Ou talvez tenha sido quando falaste comigo de forma tão vergonhosa na tua carruagem nessa vez. – Deitou-se sobre ele, com os seios espalmados imediatamente acima do pénis quente, com os braços de cada lado do corpo, tocando-o com o máximo de corpo que conseguia. – Lembras-te?
– S-sim – silvou ele.
Temperance sentiu-lhe o corpo estremecer, sabendo que o magoava apenas com o seu toque delicado, mas insistiu. Lambeu-lhe o peito, sentindo as lágrimas começar a escorrer-lhe enquanto sentia o batimento cardíaco nos lábios. Magoava-o e odiava que assim fosse, mas, ao mesmo tempo, magoava-o com todo o amor do mundo.
– Lembras-te do que disseste? De me teres descrito ajoelhada à tua frente?
Lazarus estremeceu.
Soltou o cabelo, deixando-o cair-lhe sobre o peito e beijando-o à volta do umbigo. Ouviu um som suave passar-lhe entre os lábios. Talvez fosse um gemido, mas não parou. Passou a língua pelo ponto especial junto à sua virilha, onde a coxa se unia à anca, lambendo como um gato. Desceu por ele abaixo, esticando por completo as pernas ao lado das suas, deixando os pés penderem da cama, com os seios apoiados contra as suas coxas duras.
– Que faria quando me ajoelhasse à tua frente?
O corpo inteiro de Lazarus ficou imóvel. Com cuidado, de forma ponderada, lambeu-lhe o pénis duro, sentindo-o saltar sob a língua. Banhou-o com a língua, mas não lhe recebeu o pénis na boca. A sua respiração tornara-se demasiado forçada e não sabia se seria de excitação ou de dor.
Talvez tivesse deixado de importar.
– Fiquei tão excitada com as tuas palavras – sussurrou. – Tão envergonhada e, ao mesmo tempo, tão excitada. Abriste-me um novo mundo. Um mundo em que podia ser livre. Também quero que sejas livre.
Colocou a cabeça entre as coxas dele e beijou-lhe os testículos com cuidado, inalando o seu odor almiscarado masculino. A seguir, virou a cabeça e desceu a boca por uma coxa abaixo e depois pela outra, não deixando ponto nenhum por tocar, não deixando carne nenhuma por amar. Quando chegou aos seus pés, grandes mas surpreendentemente elegantes, estava encharcada de desejo. Lazarus deixara de tremer, mas, quando olhou para a cabeceira da cama, viu-lhe os punhos agarrados à madeira com tanta força que receou que a partisse.
Agora.
Fluiu por ele acima, pousando-lhe uma mão no ombro e usando a outra para o guiar até ao interior do seu corpo. A pene-tração fê-los gemer aos dois.
– Amo-te – gemeu.
As lágrimas dela escorreram enquanto o recebia nas suas profundezas. Arqueou o traseiro, deixando-o deslizar para fora uma vez antes de se torcer para o envolver novamente. A seguir, cobriu-o como um cobertor, tapando uma percentagem tão grande da sua carne quanto conseguiria. Percebeu que precisou de encolher as pernas junto às ancas dele para o manter alojado dentro de si, mas conseguia deitar-se sobre quase todo o seu tronco. A seguir, ficou imóvel, mantendo a cabeça no peito dele, com o pénis dentro dela, ouvindo-lhe o coração acelerado enquanto lhe colava o ouvido à pele.
Arfava por baixo dela.
Ergueu um pouco a cabeça e roçou os lábios sobre o seu maxilar exposto, tentando confortá-lo.
– Está tudo bem?
Mas não lhe respondeu. As suas mãos continuavam fechadas e os músculos dos braços retesavam-se com força contida. Viu-lhe as mãos fletirem-se contra os lenços, querendo ver se conseguiria libertar-se, fazendo-a sentir a sua dureza dentro dela, pulsando de vida.
Após algum tempo, Lazarus continuou a deixá-la deitada sobre ele e Temperance moveu-se. Um movimento circular dos lábios, um mero movimento ascendente e a queda, como ondas contra um grande rochedo.
Temperance lambeu-lhe o pescoço, murmurando palavras inaudíveis e confortantes enquanto fazia amor com ele. Lazarus quase não se mexia dentro dela. Temperance queria… precisava daquilo. Ao mesmo tempo, o seu desejo crescia. Pressionou-se contra ele, usando o corpo para ter prazer mesmo enquanto tentava transmitir-lhe tudo o que significava para ela.
Ouviu-o produzir um som, talvez um soluçar, e fechou os olhos, esfregando a face molhada contra o maxilar dele.
– Temperance. – Lazarus moveu a face nesse momento, beijando-lhe os lábios. – Santo Deus, Temperance!
Beijou-o de bom grado, deixando-o mergulhar-lhe a língua na boca, permitindo-lhe assumir o controlo daquela forma contida.
Os movimentos dela abrandaram até se limitar a palpitar contra ele, concentrando-se no membro que a preenchia por completo, nas ancas dele contra o interior das suas coxas, na língua dele dentro da sua boca. Começou gradualmente, com naturalidade, como um amanhecer, com o calor iniciando-se no seu centro e alastrando-lhe pelo corpo. Mal percebeu o aperto dentro de si, soluçando sem ruído contra a boca dele. Sentiu-o estremecer dentro dela. Sentiu todos os músculos dele tensos por baixo dela. Percebeu que também ele atingia o clímax e continuou a beijá-lo. Delicadamente. Suavemente. Transmitindo-lhe tudo o que sentia apenas com o corpo.
Descontraiu, com os espasmos esgotados, continuando deitada sobre ele, com a sua carne molhada pelos fluidos de ambos, incrivelmente sensível e desperta. Teve a presença de espírito suficiente para erguer uma mão para lhe libertar as suas.
A seguir, encaixou a cabeça por baixo do queixo dele e permaneceu em silêncio, com o membro aninhado contra ela, sussurrando:
– Amo-te, Lazarus Huntington. Amo-te.
– AINDA DÓI quando te toco? – perguntou Temperance algum tempo depois.
Tanto ela como Caire tinham tomado banho, jantado e voltado a fazer amor, deitando-se nus sobre a cama dele. Temperance estava deitada a seu lado, com as pernas entrelaçadas nas dele, acariciando-lhe o peito com uma mão. Era como se não conseguisse satisfazer a ânsia de lhe tocar.
Caire virou a cabeça, com os olhos de safira fixando-se nos dela.
– Não. O teu toque já não me magoa. Creio que conseguiste realmente curar-me. Há um formigueiro, mas não é uma sensação dolorosa. – Segurou-lhe a mão, movendo-lhe os dedos sobre o mamilo. – Antes pelo contrário.
A felicidade atravessou Temperance como uma luz dourada, mas manteve a expressão severa.
– Tens a certeza? Talvez devêssemos continuar a testar a tua resistência.
Os lábios dele formaram um sorriso bastante malicioso e levou os dedos dela à boca, beijando cada um de forma lenta e cuidadosa até Temperance se arrepiar.
– É um desafio, minha senhora?
Pestanejou timidamente, sentindo o coração palpitar como resultado da provocação.
– Talvez.
– Nesse caso, esforçar-me-ei para não te desiludir. – A voz dele tornou-se séria e, quando voltou a olhá-lo, percebeu que a face perdera a expressão provocante. – Espero nunca te desi-ludir.
– Não desiludirás – sussurrou.
Fechou os olhos como se sentisse dor.
– Creio que não sou o homem que terias escolhido.
Temperance pousou-lhe uma mão na face.
– Porque dizes isso?
Abriu os olhos de repente e colocou-a por baixo dele.
– Porque sou egoísta, vaidoso e corrupto. Nada como tu ou os homens da tua família. Não julgues que não sei que é assim. Não te mereço, Temperance, mas não importa. Disseste-me que me amavas e não permitirei que mudes de ideias. Nunca mais.
Cobriu-a pesadamente, com as pernas entre as suas coxas afastadas, fazendo-a perceber que estava outra vez ereto e pronto. Era uma posição dominadora. Uma posição que visava impor a sua vontade.
Mas Temperance olhou-o e esboçou um sorriso ligeiro.
– Que te faz pensar que não te escolheria?
As sobrancelhas escuras ergueram-se ao mesmo tempo.
– O quê?
Passou os dedos pelo seu glorioso cabelo prateado.
– És exatamente o que quero, exatamente aquilo de que preciso. És sincero, forte e destemido e fazes com que seja também destemida. Não deixas que me esconda atrás de desculpas e mentiras. Forças-me a enfrentar-me a mim mesma e também a ti. Amo-te, Lazarus. Amo-te.
– Então casa comigo – disse ele, com ousadia.
Temperance abriu a boca de espanto. A possibilidade de felicidade estava tão próxima que quase conseguia tocá-la.
– Mas… e a tua mãe?
Arqueou uma sobrancelha arrogante.
– Que tem a minha mãe?
Temperance mordeu o lábio.
– Não sou uma aristocrata. Nem por sombras. O meu pai era um cervejeiro. Certamente, a tua mãe e o resto da sociedade não aprovarão que te cases comigo. Depois do incêndio, passei a ter apenas o meu nome e as roupas que vesti hoje!
– Isso não é inteiramente verdade – disse ele. Os olhos cor de safira pareceram brilhar nas sombras da cama de dossel. – Tens também um piano de excelente qualidade.
– Tenho?
– Tens – disse ele, beijando-lhe o nariz. – Encomendei-o há um par de semanas como presente surpresa e, porque não foi entregue antes do incêndio… Não foi, pois não?
– Não.
– Aí tens – afirmou, altivo. – És proprietária de um piano e de uma muda de roupa. É dote mais que suficiente para casares comigo.
– Mas foste tu a oferecer-me o piano! – Temperance não conseguiu conter o sorriso que lhe alastrava pela face. Um piano? Lazarus podia dizer que era egoísta, mas foi o presente mais doce que alguma vez recebeu.
– A origem do piano não importa, Mistress Dews – replicou Lazarus. – O facto é que te pertence. Quanto à sociedade, que se dane. Apostaria que o que mais escandalizará os mexeriqueiros será o facto de ter encontrado uma senhora disposta a ser minha mulher.
– E a tua mãe?
– A minha mãe ficará, sem dúvida, muito feliz por me ter casado.
– Mas…
Pressionou-se contra as suas pregas húmidas e Temperance esqueceu todas as objeções que estava prestes a referir.
– Oh!
Olhou para cima e viu que estava muito perto, com o cabelo prateado caindo como uma cortina de cada lado da sua cara.
– Casais comigo, Mistress Dews? – sussurrou. – Salvar--me-eis de uma vida solitária e sem amor?
– Sim, se me salvares de uma vida sem alegria, preenchida apenas pelo trabalho e pelo dever.
Os olhos azuis cintilaram e beijou-a apaixonadamente. Afastou-se durante tempo suficiente para dizer:
– Então casareis comigo, minha doce Mistress Dews?
– Sim – disse ela, rindo-se. – Sim, casarei convosco e amar-vos-ei até ao fim dos nossos dias, milorde Caire.
Teria dito mais, mas ele voltara a beijá-la e, de qualquer forma, deixou de importar. Tudo o que importava era que a amava e que também o amava a ele.
E que se tinham encontrado um ao outro.