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Capítulo 18

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O Provérbio diz que a providência protege as crianças e os idiotas.

Eu sei porque já o testei.

—Mark Twain

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A arma disparou com um flash de luz e um estalo alto. Um repentino e poderoso recuo derrubou a criança, e ela caiudireto no mar.

Antes que o tiro pudesse ecoar pelas paredes da caverna, Georgina estava na água. Ela nadou para o fundo, depois pressionou as mãos contra uma borda debaixoda entrada da caverna.

Do outro lado das rochas a água estava mais fria e parecia densa e negra. Ela nadou para baixo em um círculo espiral. Procurando. Com o canto do olho, um flash de branco passou logo abaixo dela.

Ela se virou e desceu mais ainda, agarrandouma sombra branca. Suas mãos não encontraram nada. Ela estendeu a mão novamente, freneticamente.

A mão dela roçou o tecido. Seu punho se fechou sobre ele. A camisola da criança.

Georgina começou a subir, puxando a garota com ela. Ela podia ver a superfície pairando sobre elas. Um pequeno ponto brilhava, era a luz fraca da lamparina distante, acenando estranhamente acima da borda da rocha, a poucos metros de distância, talvez apenas uma, duas, três braçadas mais fortes.

Seu peito estava doendo querendo mais ar; parecia que ele ia estourar. Ela deu mais algumas braçadas, uma... duas... três... e outras mais. A dor em seu peito a assustava, parecia que seu peito estava inchando. O tempo pareceu parar.

Ela rasgou sua anágua até que a tirou e a jogou para o lado. Ela segurou a criança com um braço e alcançou a superfície. Ela deu uma nova braçada, com força, com bastante força.

Ela chegou a superfície ofegante. Ar frio e úmido esfriava sua boca, garganta e peito. A água tinha deixado seu rosto gelado. Ela puxou a criança para cima, deslizou as mãos sob os braços moles da menina e tirou a cabeça dela da água.

Georgina esperou para ouvir a criança respirar.

Nada aconteceu. Os olhos da menina estavam fechados. Seus lábios estavam fechados. Ela estava acinzentada e não se mexia.

"Respire! Vamos..." Georgina levantou seu pequeno queixo para cima. "Respire!"Ela gritou no ouvido da criança. "Eu disse para você respirar!"

A garota engasgou e começou a lutar, chutando e batendo os pés na água e em Georgina enquanto cuspia água.

"Pare com isso!" Georgina segurou-a com mais força. "Fique parada ou você vai afogarnós duas!"

A garota engasgou duas vezes, depois começou a lutar e chutar, sacudindo a cabeça de um lado para o outro e dizendo: “Deixe-me ir! Deixe-me ir!" Ela chutou Georgina no estômago e tentou se afastar.

Georgina falou. "Pare com isso!"

Finalmente a garota parou, olhando para ela com olhos assustados.

"Eu não vou te machucar. Mas se você não ficar parada, você vai nos afogar."

A criança olhou para ela por um longo e tenso momento.

"Você me entende?"

A garota assentiu.

Georgina olhou em volta para se orientar. O nevoeiro pairava logo acima delas. Ela podia ver as pedras à sua esquerda, mas elas estavam distantes. A água estava se movendo mais rápido. Parecia que suas pernas estavam mais frias e a correntemais forte.

Ela podia ouvir o mar correndo contra as rochas da ilha. O som estava mais alto. Mais perto. A corrente as tinha levado para longe dacaverna.

Georgina apertou o braço sobre o peitoda criança para que ela ficasse presa contra seu corpo. Então começou a nadar, dando braçadas profundas, mas difíceis. Era como nadar na lama.

Quando sua respiração tornou-se difícil, ela parou para descansar. Ela olhou fixamente para a água e a névoa branca que as cercava.

Isso parecia tão inútil. E ela estava cansada. A criança tossiu e Georgina olhou para ela. Ela sabia que precisava manter a cabeça da garota acima da água.

E a dela também.

Ela quase riu alto. Manter a cabeça acima da água...

"Parece que é tudo o que tenho feito ultimamente," ela murmurou.

Ela sentiu o olhar da garota e olhou para ela. Esta era a ironia. Ninguém além de seus banqueiros entenderia.

Então ela começou a nadar de novo com as mesmas braçadas fortes. Sua respiração era curta e rápida. Parecia que a maré e a corrente eram mãos gigantescas tentando segurá-la e impedi-la de chegar à costa.

Para se orientar, olhou para a esquerda, para a direita e depois acima do seu ombro. Um leve brilho de luz amarela se espalhava pela entrada da caverna, fazendo com que parecesse um louco e cínico sorriso. Ela olhou para ele, sabendo que o sorriso desapareceria lentamente e misteriosamente quando a maré enchesse a caverna.

O nevoeiro subia e descia com o mar como sombras numa janela. Num momento, ela podia pegar um fragmento da costa rochosa negra. No momento seguinte, não havia nada além de um casulo de névoa.

Ela parou de nadar. Ela ia esperar até que o nevoeiro subisse o suficiente para que pudesse ver a caverna. Então ela poderia ter alguma perspectiva. E quando aquela névoa finalmente se elevou um pouco, a luz da caverna ficou menor; o sorriso ficou estreitoe a cabeça parecia uma carranca.

Amy tinha que estar dentro da caverna. A lamparina ainda estava lá. Mas a maré estava subindo e ela poderia ficar presa. Ela respirou profundamente e gritou: "Amy!"

Não houve resposta.

"Amy!"

Nada ainda.

"Amy!"

O ar soou como se carregasse uma voz distante. Ou ela pensou que isso tinha acontecido.

"Amy!" Ela gritou o mais alto que podia.

Ela ouviu um som. Mas não era Amy.

Era a voz de um homem.

"Pai!" A criança gritou e começou a lutar em seus braços novamente. 

Georgina lutou para segurar a garota, mas ouviu uma voz profunda e familiar. "Kirsty?"

Oh Deus... não, ela pensou. Ele não.

"Kirsty!" Ele gritou.

“Aqui, pai! Estamos aqui!"

Ela o ouviu dizer uma maldição, a mesma palavra que ele usou quando ela o tinha chutado. Georgina olhou para baixo. Essa garotinha era filha do idiota?

Ela ouviu sons de respingos e, instintivamente se virou para ele. Um erro tolo.

Afaste-se dele, e não em direção a ele!

Mas antes que ela pudesse se mexer ou mesmo respirar, o braço musculoso do homem se fechou ao redor dela e da garota, quase as levantando da água com um movimento rápido. Sem uma palavra, ele nadou de volta pelas correntes, carregando-as junto com um poder quase sobrenatural.

Eles chegaram à praia tão depressa que Georgina ficou aturdida. Ela não conseguia decidir se eles estavam realmente tão próximos da praia ou se ele realmente nadava tão bem. Ela lutou para ficar de pé, mas não conseguiu porque ele a segurou com muita força; o braço dele estava preso em volta da sua cintura.

Ele não disse uma palavra, mas toda vez que ela tentava se mover ele apertava ela e a criança e as prendiamais perto de seu peito. Ele se moveu vagarosamente por uma duna íngreme, depois as jogou na areia úmida, caindo de joelhos ao lado delas.

Ela segurava a garotinha, que estava estranhamente silenciosa e imóvel enquanto jazia esparramada ao lado do corpo de Georgina.

Por alguns momentos, ninguém falou. O único som era a respiração deles. A dele. A dela. E a da criança.

Georgina começou a se mexer, mas ele colocou a mão na areia acima do seu ombro e prendeu os quadris dela com seus joelhos. Ele se movia muito rápido para um homem que tinha nadado tanto. Seus braços e pernas pareciam tão moles quanto as fitas encharcadas em seu vestido.

Ela encontrou seu olhar duro. "Amy ainda está dentro de uma caverna." Estranho como sua voz estava ofegante. Fraca. Não soava como ela.

Ele não respondeu.

Ela limpou a garganta. "A maré está subindo."

"Calum!" Foi tudo o que ele disse.

Alguém pairou sobre eles.

O imbecil olhou para cima. "A outra está presa em uma caverna."

“Qual caverna? Onde?” Era a voz em pânico do irmão. Ela apontou para onde a névoa flutuava ligeiramente, mostrando a fina réstia de luz que ainda aparecia. Sua mão tremia.

"As cavernas ao sul," respondeu Eachann. “Deve ser aquela perto da praia. Depressa, Calum. A maré está subindo."

Um segundo depois, Calum MacLachlan se foi e tudo o que se ouviu foi o som de alguém correndo pela praia.

Ela foi atormentada por um frio repentino, como se alguém tivesse jogado água nela. Ela estava encharcada, com uma criança pequena deitada quieta perto dela e Eachann MacLachlan ajoelhado sobre elas. Ele as abraçava. Água fria pingava do cabelo dele no pescoço e nos ombros.

Plop. Plop. Pingos que eram como números em contagem decrescente para algo sinistro — talvez no momento em que o mundo fosse desmoronar sobre ela.

Georgina levantou o queixo para encontrar o olhar que esperava ver. Ela teve que pegar cada grama de força que tinha para levantar o queixo e não tremer. Seu corpo parecia à beira de se quebrar. Ela podia sentir os tremores quando olhava para ele.

Mas ele não estava olhando para ela. Seu olhar estava fixo em sua filha, sua expressão tão dura que parecia pronta para rachar.

"O que diabos você estava fazendo?"

A garota estava dura parecia uma pedra.

"Kirsty?"

"Eu?" A criança perguntou em um tom rouco.

"Sim."

Ela desviou o olhar e murmurou algo sobre xadrez, ladrões e armas e guardar relíquias como os cavaleiros medievais tinham feito.

Um total absurdo.

Mas o imbecil estava distraído. Sua chance perfeita.

Com cautela, Georgina começou a deslizar para trás, para sair de debaixo dos dois. Mas seus pés pareciam estranhamente entorpecidos. Ela tentou novamente.

Sua mão disparou e segurou seu braço.

Ela olhou para a mão dele. Era tão grande que ele quase segurou seu braço inteiro com aquele aperto firme. Sua respiração era um nó na garganta quando ela olhou para ele.

"Não se mova." Ele alfinetou sua filha com outro olhar frio. "Eu quero a verdade, não uma de suas histórias, Kirsty."

Os dentes da garota começaram a bater e ela tremia assim como Georgina.

Todos estavam encharcados e cercados por uma névoa fria e úmida e até areia era fria e úmida.

O idiota parecia alheio a isso.

A mente de Georgina voltou no tempo: para a imagem arrepiante de outra garotinha sentada em uma duna de areia, tremendo de medo por causa do esforço.

Ninguém a havia notado também.

Algo estalou dentro dela e ela puxou a menina tão perto contra ela que a cabeça molhada da criança escorregou confortavelmente sob o queixo de Georgina. "Pelo amor de Deus, fale com ela mais tarde!"

Ele deu-lhe um olhar penetrante.

“Leve a pobre criança para dentro de casa antes que ela congele até a morte.”

A criança inclinou a cabeça por um momento e olhou para ela, ainda tremendo com aquele tipo de tremor que seu corpo não deixa você o controlar.Georgina sabia por que também estava tremendo.

Mas ela ficou em silêncio. Ela conhecia o olhar duro de Eachann como um de seus próprios.

A mão dele caiu. Seu olhar passou dela para sua filha. Ele murmurou outra maldição, então pegou algo que estava na areia e envolveu-o em volta delas.

Era o casaco dele. Antes que ela pudesse piscar, ele estava em pé. Um segundo depois, ele as pegou em seus braços e as levou através da névoa.