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REVELEI A JOHN E ELIZABETH KENDREW a grande novidade sobre o DNA quando os encontrei para o café na manhã de segunda-feira. Elizabeth pareceu encantada em saber que o sucesso estava quase ao nosso alcance, enquanto John recebeu a notícia com mais calma. Quando soube que Francis estava de novo inspirado, e que eu não tinha nada mais sólido a apresentar além de entusiasmo, ele se perdeu nas seções do Times que falavam sobre os primeiros dias do novo governo conservador. Logo depois, John foi para seus aposentos no Peterhouse College, deixando que Elizabeth e eu digeríssemos as implicações da minha sorte inesperada. Não fiquei muito, porque quanto antes voltasse para o laboratório, mais rápido poderia descobrir qual das respostas possíveis seria escolhida para ter seus modelos moleculares profundamente analisados.
Tanto Francis quanto eu, entretanto, sabíamos que os modelos do Cavendish não seriam totalmente satisfatórios. Eles haviam sido construídos por John cerca de um ano e meio antes, para o seu trabalho na forma tridimensional da cadeia polipeptídica. Não havia representações precisas dos grupos de átomos exclusivos do DNA. Nem átomos de fósforo nem as purinas e pirimidinas estavam representados. Seria necessário improvisar, porque não havia tempo para Max dar uma ordem expressa para sua construção. Fazer modelos novos poderia levar uma semana inteira, ao passo que era possível encontrar uma resposta em cerca de um dia. Assim que cheguei ao laboratório, comecei a adicionar pedaços de fios de cobre a alguns de nossos modelos de átomos de carbono, transformando-os, assim, em átomos maiores de fósforo.
A necessidade de fabricar representações dos íons inorgânicos trouxe muito mais dificuldades. Diferentemente dos outros componentes, eles não obedeciam a regras simples que dissessem com que inclinação angular formariam suas respectivas ligações químicas. Muito provavelmente teríamos de conhecer a estrutura correta do DNA antes que os modelos certos pudessem ser feitos. Eu mantinha a esperança, entretanto, de que Francis estivesse próximo da solução decisiva e a divulgasse logo que chegasse ao laboratório. Mais de dezoito horas haviam transcorrido desde nossa última conversa, e havia pouca chance de que os jornais de domingo o tivessem distraído durante seu retorno a Green Door.
Sua chegada por volta das dez horas, no entanto, não trouxe a resposta. Depois do jantar de domingo, ele havia mergulhado novamente no dilema, sem encontrar uma resposta rápida. O problema fora deixado de lado para uma rápida olhada em um romance sobre as avaliações sexuais enganosas dos universitários de Cambridge. O livro tinha breves bons momentos e, mesmo nas páginas mais tolas, havia dúvida quanto ao enredo ter sido seriamente inspirado pela vida de algum amigo.
Enquanto tomávamos café, porém, Francis exalava confiança de que já tínhamos dados experimentais suficientes para determinar o resultado. Teríamos condições de começar o jogo com diversos conjuntos diferentes de fatos e, ainda assim, chegar às mesmas respostas finais. Talvez todo o problema pudesse ser explicado apenas pela nossa concentração no modo mais bonito de uma cadeia de polinucleotídeos se torcer. Enquanto Francis continuava a pensar sobre o significado do diagrama de raios X, comecei a juntar os diversos modelos atômicos em várias cadeias, cada uma delas com vários nucleotídeos. Apesar de as cadeias de DNA serem muito longas na natureza, não havia razão para montar algo enorme. Desde que pudéssemos ter certeza de que se tratava de uma hélice, a atribuição de posições para somente um par de nucleotídeos geraria automaticamente o arranjo de todos os outros componentes.
A rotineira tarefa de montagem acabou por volta da uma, quando Francis e eu caminhamos até o Eagle para o nosso almoço habitual com o químico Herbert Gutfreund. Nesses dias, John geralmente ia para o Peterhouse, enquanto Max sempre pedalava para casa. Às vezes, Hugh Huxley, aluno de John, se juntava a nós, mas ultimamente ele estava achando difícil apreciar as investidas inquisidoras de Francis na hora do almoço. Pouco antes da minha chegada a Cambridge, a decisão de Hugh de se ocupar do problema de como os músculos se contraem havia chamado a atenção de Francis para a oportunidade inédita de que, por cerca de vinte anos, fisiologistas musculares vinham acumulando dados sem amarrá-los a uma imagem consistente. Francis considerou a situação perfeita para a ação. Não havia necessidade de divulgar os experimentos relevantes, visto que Hugh já tinha penado diante da massa não assimilada. Almoço após almoço, os fatos eram reunidos para formar teorias que se sustentavam por cerca de um dia, até que Hugh convencesse Francis de que um resultado que ele desejava que fosse atribuído a um erro experimental era tão sólido quanto o Rochedo de Gibraltar. Agora a construção da câmera radiográfica de Hugh estava completa, e ele esperava obter logo evidências experimentais para responder os pontos discutíveis. A diversão seria toda perdida se, de alguma forma, Francis pudesse prever corretamente o que iria encontrar.
Mas, naquele dia, Hugh não precisava temer uma nova invasão intelectual. Quando entramos no Eagle, Francis não trocou seu cumprimento estridente com o economista persa Ephraim Eshag, mas passou a impressão inconfundível de que algo sério estava para acontecer. A construção do modelo vigente começaria logo depois do almoço, e planos mais concretos teriam de ser formulados para tornar o processo eficiente. Diante da nossa torta de groselha, visualizamos os prós e os contras de uma, duas, três ou quatro cadeias, rapidamente descartando hélices de uma cadeia, por serem incompatíveis com as evidências que tínhamos em mãos. Quanto às forças que mantinham as cadeias unidas, a melhor aposta parecia ser pontes salinas, nas quais cátions bivalentes como o Mg++ mantivessem unidos dois ou mais grupos fosfato. Na verdade, não havia evidências de que as amostras de Rosy contivessem qualquer íon bivalente, ou seja, podíamos estar correndo um risco. Por outro lado, não havia absolutamente nenhuma evidência contra o nosso palpite. Se ao menos os grupos do King’s tivessem pensado sobre modelos, eles teriam se perguntado que tipo de sal estaria presente e não nos encontraríamos nessa situação enfadonha. Mas, com sorte, a adição de íons de magnésio ou possivelmente de cálcio ao esqueleto açúcar-fosfato geraria rapidamente uma estrutura elegante, cuja exatidão não seria contestável.
Nossos primeiros minutos com os modelos, entretanto, não foram felizes. Embora houvesse apenas cerca de quinze átomos, eles não paravam de cair das pinças desajeitadas, montadas para prendê-los a uma distância correta um do outro. Pior ainda, tivemos a desconfortável impressão de que não havia restrições óbvias nos ângulos das ligações entre diversos dos átomos mais importantes. Isso não era nem um pouco agradável. Pauling decifrara a α-hélice ao perseguir inescrupulosamente sua certeza de que a ligação peptídica era plana. Para nossa irritação, tínhamos todas as razões para acreditar que as ligações fosfodiésteres que unem sucessivos nucleotídeos no DNA existem em uma variedade de formatos. Ao menos com o nosso nível de intuição química, era improvável que qualquer configuração única fosse muito mais bonita que o resto.
No entanto, após o chá, começou a emergir um formato que nos animou. Três cadeias torcidas umas sobre as outras, de modo a produzir uma repetição cristalográfica a cada 28 Å ao longo do eixo helicoidal. Essa era uma característica requerida pelas imagens de Rosy e Maurice, e, por isso, Francis parecia visivelmente tranquilo ao voltar da bancada do laboratório depois de inspecionar as conquistas da tarde. É verdade que alguns dos contatos atômicos ainda estavam próximos demais para serem confortáveis, mas, no entanto, a manipulação estava apenas começando. Com mais algumas horas de trabalho, um modelo apresentável deveria estar em exposição.
Durante a refeição da noite em Green Door, prevaleceram espíritos exaltados. Embora Odile não pudesse acompanhar o que estávamos dizendo, ela obviamente se animou com o fato de que Francis estava para produzir seu segundo triunfo em um mês. Se a sequência de acontecimentos prosseguisse, eles logo estariam ricos e poderiam ter um carro. Francis não via razão em tentar simplificar o tema para facilitar a compreensão de Odile. Desde que ela lhe dissera que a gravidade alcançava apenas cinco quilômetros no céu, esse aspecto da sua relação estava resolvido. Ela não só não sabia nada de ciência, mas toda tentativa de enfiar algo em sua cabeça seria uma batalha perdida contra os anos de educação no convento. O máximo que se podia esperar era uma avaliação do modo linear em que se calculava o dinheiro.
Nossa conversa, em vez disso, se centrou em uma jovem estudante de arte que estava prestes a se casar com Harmut Weil, um amigo de Odile. Esse assunto era um pouco desagradável para Francis. Iria retirar a garota mais bonita do seu círculo de festas. Além disso, havia mais de um aspecto nebuloso sobre Harmut. Ele vinha de uma tradição universitária alemã que acreditava em duelos. Tinha também um talento inegável para convencer várias mulheres de Cambridge a posar para sua câmera.
Todos os pensamentos sobre mulheres, no entanto, foram banidos no momento em que Francis entrou com leveza no laboratório antes do café da manhã. Logo, depois de acrescentar ou retirar diversos átomos, o modelo de três cadeias começou a parecer muito razoável. O próximo passo seria obviamente contrastá-lo com as medições quantitativas de Rosy. O modelo certamente se encaixaria nas posições gerais das reflexões radiográficas, porque seus parâmetros helicoidais essenciais haviam sido escolhidos para se ajustar aos tópicos da palestra que eu transmitira a Francis. Se isso estivesse certo, entretanto, o modelo também preveria com exatidão as forças relativas das diversas reflexões radiográficas.
Francis deu um rápido telefonema para Maurice. Ele explicou como a teoria da difração helicoidal permitira uma rápida pesquisa de possíveis modelos de DNA e contou que ele e eu tínhamos acabado de nos aproximar da criatura que poderia ser a resposta que todos esperávamos. A melhor coisa seria Maurice vir imediatamente e dar uma olhada. Mas ele não marcou uma data definida, dizendo que achava que poderia fazê-lo em algum momento ao longo da semana. Logo que o telefone foi colocado no gancho, John entrou para ver como Maurice tinha recebido a notícia daquele avanço notável. Francis achou difícil resumir a resposta. Era quase como se ele fosse indiferente ao que estávamos fazendo.
No meio da tarde, contudo, recebemos uma ligação do King’s. Maurice viria de Londres no trem das dez e dez, na manhã seguinte. Além disso, não viria sozinho. Seu colaborador Willy Seeds o acompanharia. Para ser mais exato, Rosy, junto com seu aluno R.G. Gosling, estariam no mesmo trem. Aparentemente, eles ainda estavam interessados na resposta.