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O TRIUNFO DE ROSY logo emanou escadaria acima até Bragg. Não havia nada a fazer senão aparentar serenidade enquanto as notícias sobre a discussão confirmavam o fato de que Francis se moveria mais rápido se fechasse a boca. As consequências se desenrolaram de modo previsível. Esse era claramente o momento para o chefe de Maurice discutir com Bragg se fazia sentido Crick e o americano duplicarem o investimento maciço do King’s no DNA.
Sir Lawrence já havia visto o bastante de Francis para se surpreender com mais um alvoroço desnecessário causado por ele. Não havia como dizer quando desencadearia a próxima explosão. Se continuasse a se comportar dessa maneira, poderia passar facilmente os cinco anos seguintes no laboratório sem coletar dados suficientes para garantir um PhD honesto. A possibilidade desencorajadora de manter Francis nos anos restantes de seu período como professor do Cavendish era pedir demais para Bragg ou qualquer pessoa com um temperamento normal. Além disso, vivera por muito tempo à sombra do pai famoso, com a maioria das pessoas imaginando equivocadamente que seu pai, e não ele, fora responsável pelo inteligente raciocínio por trás da Lei de Bragg. Agora, quando devia estar aproveitando as vantagens da mais prestigiosa cadeira da ciência, tinha de ser responsável pelos atos ultrajantes de um gênio malsucedido.
Portanto, a decisão de que Francis e eu deveríamos desistir do DNA foi transmitida a Max. Bragg não teve escrúpulos quanto à possibilidade de obstruir a ciência, porque questionamentos feitos a Max e John não revelaram nada de original em nossa abordagem. Depois do sucesso de Pauling, ninguém podia afirmar que a fé em hélices implicava qualquer coisa que não uma mente simplória. Deixar o grupo do King’s tomar a frente dos modelos helicoidais era o certo, em qualquer circunstância. Crick poderia, então, se empenhar em sua tese, investigando os modos como os cristais de hemoglobina encolhem quando são colocados em soluções salinas de diferentes densidades. Um ano a dezoito meses de trabalho incessante poderiam dizer algo mais sólido sobre a forma da molécula de hemoglobina. Com um PhD no bolso, Crick teria condições de procurar emprego em qualquer lugar.
Não houve nenhuma tentativa de contestar o veredicto. Para alívio de Max e John, nós nos abstivemos de questionar a decisão de Bragg publicamente. Um confronto aberto revelaria que nosso professor ignorava completamente o significado das iniciais do DNA. Não havia razão para crer que ele dera a isso um centésimo da importância concedida à estrutura dos metais, para a qual se deleitara construindo modelos de bolhas de sabão. Nada deu mais prazer a sir Lawrence do que exibir seu engenhoso filme de bolhas se chocando umas contra as outras.
Nossa sensatez não surgiu, entretanto, de um desejo de manter a paz com Bragg. Ficar na surdina fazia sentido porque estávamos em uma posição difícil, com modelos baseados em núcleos de açúcar-fosfato. Não importava como olhássemos para eles, eles não cheiravam bem. No dia seguinte à visita do King’s, analisamos cuidadosamente o desafortunado caso das três cadeias e algumas variantes possíveis. Não havia como ter certeza, mas a impressão era de que todo modelo que pusesse o esqueleto açúcar-fosfato no centro da hélice forçaria os átomos a ficarem mais próximos do que as leis da química permitiam. Posicionar o átomo a uma distância apropriada de seu vizinho fazia, com frequência, com que um átomo distante fosse prensado de modo impossível junto de seus pares.
Era necessário começar de novo para solucionar o problema. Lamentavelmente, entretanto, percebemos que a confusão tempestuosa com o King’s esgotaria nossa fonte de novos resultados experimentais. Não esperávamos receber convites para colóquios de pesquisa, e até mesmo o questionamento mais despretensioso de Maurice provocaria a suspeita de que estávamos naquilo de novo. O pior era a certeza quase absoluta de que o fim da construção de modelos de nossa parte não seria acompanhado de uma explosão de atividade correspondente no laboratório deles. Até o momento, que nós soubéssemos, o King’s não havia construído nenhum modelo tridimensional dos átomos necessários. Além disso, a nossa sugestão de agilizar a tarefa entregando-lhes os moldes de Cambridge para os modelos foi recebida sem entusiasmo. Maurice disse, no entanto, que, em algumas semanas, encontraria alguém para ajeitar as coisas e ficou combinado que, na próxima vez que um de nós fosse a Londres, deixaria o suporte do modelo no laboratório deles.
Com isso, a perspectiva de que alguém do lado britânico do Atlântico elucidasse o DNA parecia distante diante da aproximação das festas de fim de ano. Embora Francis voltasse de novo sua atenção para as proteínas, obedecer Bragg ao trabalhar em sua tese não era de seu agrado. Em vez disso, após alguns dias de relativo silêncio, ele começou a falar aos borbotões sobre arranjos super-helicoidais da própria α-hélice. Somente na hora do almoço, pude ter certeza de que ele ia falar sobre o DNA. Felizmente, John Kendrew percebeu que a moratória no trabalho com o DNA não se estendia a pensar sobre ele. Em nenhum momento, tentou me deixar novamente interessado na mioglobina. Em vez disso, aproveitei os dias frios e escuros para aprender mais química teórica ou folhear periódicos, esperando que existisse uma pista esquecida para o DNA.
O livro que eu mais consultava era o exemplar de Francis de A natureza da ligação química. Com uma frequência cada vez maior, quando Francis precisava dele para procurar o comprimento de uma ligação crucial, o livro aparecia na parte da bancada do laboratório que John me dera para trabalhos experimentais. Eu esperava que o verdadeiro segredo estivesse em algum lugar da obra-prima de Pauling. Dessa forma, o presente que Francis me dera, um segundo exemplar, foi um bom presságio. Na primeira página havia a inscrição “Para Jim, do Francis – Natal de 51”. Os vestígios de cristandade foram realmente úteis.