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MAURICE NÃO SUSPEITAVA que eu conseguiria descobrir quase imediatamente o padrão radiográfico necessário para provar que o TMV era helicoidal. Meu sucesso inesperado veio quando usei um poderoso tubo de raios X com anodo rotativo, que acabara de ser construído no Cavendish. O supertubo me permitiu tirar fotos vinte vezes mais rápido do que o equipamento convencional. Em uma semana, mais que dobrei o número de imagens do TMV.

As portas do Cavendish eram trancadas às 22h. Apesar de o porteiro ter um apartamento ao lado da entrada, ninguém o perturbava após o horário de fechamento. Rutherford preferia não incentivar os alunos a trabalharem no período noturno, já que as noites de verão eram mais apropriadas para jogar tênis. Mesmo quinze anos após a sua morte, havia apenas uma chave disponível para aqueles que preferiam trabalhar até tarde. Hugh Huxley rechaçava tal conduta, argumentando que as fibras musculares eram vivas e, portanto, não estavam sujeitas a regras para os físicos. Quando necessário, ele me emprestava a chave ou descia a escadaria para destrancar as pesadas portas que davam para a Free School Lane.

Hugh não estava no laboratório quando, bem tarde, numa noite de junho, já no meio do verão, voltei para desligar o tubo de raios X e revelar a fotografia de uma nova amostra de TMV. Ele estava inclinado a cerca de 25 graus, então, se tivesse sorte, eu encontraria os reflexos helicoidais. No momento em que segurei os negativos ainda úmidos contra a caixa de luz, sabia que tínhamos conseguido. As evidências representadas pelas marcas helicoidais eram inconfundíveis. Agora, não haveria mais problema em convencer Luria e Delbrück de que minha estadia em Cambridge fazia sentido. Apesar de ser meia-noite, não queria voltar para o meu quarto na Tennis Court Road e caminhei alegremente ao longo do Backs por mais de uma hora.

Na manhã seguinte, esperei ansiosamente a chegada de Francis para confirmar o diagnóstico helicoidal. Ele precisou de menos de dez segundos para reconhecer o reflexo crucial. Nesse momento, todas as dúvidas que ainda me restavam desapareceram. Por diversão, fiz Francis acreditar que eu não achava que minha imagem radiográfica era, de fato, muito crítica. Em vez disso, argumentei que o passo verdadeiramente importante era desvendar o canto acolhedor. Essas palavras frívolas mal tinham saído da minha boca quando Francis começou a discorrer sobre os perigos da teleologia acrítica. Ele sempre dizia o que queria e presumia que eu agia da mesma maneira. Apesar de o sucesso nas conversas de Cambridge vir frequentemente de dizer algo absurdo, esperando que alguém leve a sério, Francis não precisava adotar essa estratégia. Um discurso de um ou dois minutos sobre problemas emocionais das garotas estrangeiras era sempre suficientemente estimulante, mesmo para a noite mais sóbria de Cambridge.

Nossa próxima conquista era evidente. Novos dividendos do TMV não viriam a curto prazo. Revelações extras de sua estrutura detalhada demandavam uma investida mais profissional do que eu era capaz de arregimentar. Além do mais, não era óbvio que mesmo o esforço mais exaustivo levasse, em alguns anos, à estrutura do componente do RNA. O caminho para o DNA não passava pelo TMV.

Assim, era o momento apropriado para pensar seriamente sobre algumas regularidades curiosas na química do DNA, observadas pela primeira vez em Columbia, pelo bioquímico austríaco Erwin Chargaff. Desde a guerra, Chargaff e seus alunos vinham analisando com esforço e cuidado extremos várias amostras de DNA, para desvendar as proporções relativas das bases de purinas e pirimidinas. Em todas as suas preparações de DNA, o número de moléculas de adenina (A) era muito similar ao número de moléculas de timina (T), enquanto o número de moléculas de guanina (G) era muito próximo do número de moléculas de citosina (C). Além disso, a proporção dos grupos de adenina e timina variava de acordo com a origem biológica. O DNA de alguns organismos tinha um excesso de A e T, enquanto que, em outras formas de vida, havia um excesso de G e C. Chargaff não ofereceu explicações para seus resultados notáveis, apesar de obviamente considerá-los significativos. Quando os mencionei para Francis pela primeira vez, a ficha não caiu, e ele seguiu pensando sobre outros assuntos.

Logo depois, entretanto, a suspeita de que as regularidades eram importantes produziu alguns estalos em sua cabeça, como resultado de uma série de conversas com o jovem químico teórico John Griffith. Um deles ocorreu quando tomavam cerveja após uma palestra noturna do astrônomo Tommy Gold sobre “o princípio cosmológico perfeito”. A facilidade de Tommy para tornar plausível uma ideia não convencional fez Francis questionar se uma tese sobre “o princípio biológico perfeito” se sustentaria. Sabendo que Griffith estava interessado em esquemas teóricos para a replicação de genes, ele apareceu com a ideia de que o princípio biológico perfeito era a autorreplicação do gene – isto é, a capacidade de um gene ser copiado exatamente quando o número de cromossomos é duplicado, durante a divisão celular. Mas Griffith não cooperou, porque, durante meses, preferiu um esquema no qual a cópia dos genes se baseava na formação alternativa de superfícies complementares.

A hipótese não era original. Ela pairava havia quase trinta anos no círculo de geneticistas com um comprometimento mais teórico, intrigados com a duplicação dos genes. O raciocínio vigente era que a duplicação de genes demandava a formação de uma imagem complementar (negativa), na qual a forma estivesse relacionada à superfície original (positiva), como uma fechadura à chave. A imagem complementar negativa funcionaria, assim, como o molde para a síntese de uma nova imagem positiva. Um número menor de geneticistas, no entanto, se deteve ante a replicação complementar. Entre eles estava H.J. Muller, que se impressionara por que tantos físicos teóricos conhecidos, em especial Pascual Jordan, pensavam que existiam forças pelas quais semelhantes atraíam semelhantes. Mas Pauling detestava esse mecanismo direto e ficava especialmente irritado com a sugestão de que tinha o apoio da mecânica quântica. Pouco antes da guerra, ele pedira a Delbrück (que havia voltado sua atenção para os artigos de Jordan) que fosse coautor de uma nota para a Science, na qual afirmava com vigor que a mecânica quântica apoiava um mecanismo de duplicação de genes que envolvia a síntese de réplicas complementares.

Nem Francis nem Griffith ficaram satisfeitos por muito tempo, naquela noite, com a reafirmação de hipóteses desgastadas. Ambos sabiam que, naquele momento, era mais importante identificar as forças de atração. Nesse ponto, Francis afirmou com convicção que ligações de hidrogênio específicas não eram a resposta. Elas não podiam fornecer a especificidade exata necessária, porque nossos amigos químicos diziam repetidamente que os átomos de hidrogênio nas bases de purina e pirimidina não tinham posições fixas, mas se moviam aleatoriamente de um ponto a outro. Em vez disso, Francis acreditava que a replicação do DNA envolvia forças de atração específicas entre as superfícies planas das bases.

Por sorte, esse era o tipo de força que talvez Griffith soubesse calcular. Se o esquema complementar estivesse certo, ele poderia encontrar forças de atração entre bases de estruturas diferentes. Por outro lado, se a cópia direta existisse, seus cálculos revelariam atrações entre bases idênticas. Assim, eles se separaram deixando combinado que Griffith verificaria se os cálculos eram possíveis. Dias depois, quando se encontraram na fila do chá do Cavendish, Francis descobriu que um raciocínio não muito rigoroso sugeria que a adenina e a timina poderiam se fixar uma na outra pelas superfícies planas. Uma tese similar poderia ser considerada para as forças de atração entre a guanina e a citosina.

Francis percebeu a resposta imediatamente. Se sua memória estivesse boa, esses eram os pares de bases que Chargaff demonstrara que ocorriam em quantidades iguais. Animado, contou para Griffith que eu lhe apresentara recentemente alguns resultados estranhos de Chargaff. Na hora, entretanto, ele não tinha certeza de que os mesmos pares de bases estariam envolvidos. Mas, assim que os dados fossem verificados, passaria na sala de Griffith para corrigi-los.

No almoço, confirmei que Francis havia compreendido corretamente os resultados de Chargaff. Mas, nessa hora, ele mostrava apenas o entusiasmo habitual enquanto examinava as teses de mecânica quântica de Griffith. De sua parte, Griffith, quando pressionado, não queria defender seu exato raciocínio com muita ênfase. Variáveis demais haviam sido ignoradas para tornar os cálculos possíveis em um tempo razoável. Além disso, apesar de cada base ter dois lados planos, não havia explicação para o fato de que apenas um lado fosse escolhido. E não havia razão para excluir a ideia de que as regularidades de Chargaff tivessem origem no código genético. De alguma forma, grupos específicos de nucleotídeos deveriam codificar aminoácidos específicos. Era concebível que a adenina se igualasse à timina devido a um fator ainda não descoberto no ordenamento das bases. Havia também a garantia de Roy Markham de que, se Chargaff dissera que a guanina se igualava à citosina, ele estava igualmente certo de que não. Aos olhos de Markham, os métodos experimentais de Chargaff subestimavam inevitavelmente a quantidade real de citosina.

Entretanto, Francis ainda não estava pronto para descartar o esquema de Griffith quando, no início de julho, John Kendrew entrou no nosso recém-adquirido escritório para dizer que o próprio Chargaff viria a Cambridge por uma noite. John havia marcado um jantar para ele no Peterhouse, e Francis e eu fomos convidados a encontrá-los mais tarde, para tomar um drinque na sala de John. Na High Table, John manteve a conversa longe de temas sérios, deixando escapar apenas a possibilidade de que Francis e eu fôssemos elucidar a estrutura do DNA por meio da construção de modelos. Chargaff, como um dos especialistas mundiais em DNA, a princípio não se encantou com os azarões que tentavam ganhar a corrida. Somente quando John o tranquilizou, mencionando que eu não era um americano típico, ele percebeu que estava prestes a ouvir um maluco. Quando me viu, sua intuição ficou ainda mais forte. Ele ridicularizou imediatamente meu cabelo e meu sotaque, pois, como eu era de Chicago, não tinha como ser de outro jeito. Dizer com delicadeza que deixei o cabelo comprido para evitar uma confusão com a Força Aérea americana provou minha instabilidade mental.

O ponto alto do escárnio de Chargaff aconteceu quando fez Francis admitir que não lembrava quais eram as diferenças químicas entre as quatro bases. O faux pas escapou quando Francis mencionou os cálculos de Griffith. Sem lembrar quais bases tinham grupos de aminoácidos, ele não podia descrever qualitativamente a tese de mecânica quântica, até pedir a Chargaff para escrever suas fórmulas. A réplica de Francis, que sempre poderia pesquisá-las, não convenceu Chargaff de que sabíamos para onde estávamos indo ou como chegaríamos lá.

Mas, não obstante o que passava pela cabeça sarcástica de Chargaff, alguém tinha de explicar seus resultados. Na tarde seguinte, Francis voou para a sala de Griffith, no Trinity, para se certificar dos dados sobre o emparelhamento de bases. Ao ouvir “Entre”, abriu a porta, encontrando Griffith e uma garota. Ao perceber que não era hora para ciência, recuou lentamente, pedindo a Griffith para lhe dizer novamente quais eram os pares gerados por seus cálculos. Após anotá-los no verso de um envelope, ele saiu. Como eu partira naquela manhã para o continente, sua próxima parada foi a Philosophical Library, onde poderia sanar as dúvidas pendentes sobre os dados de Chargaff. Com os dois grupos de informação nas mãos, considerou voltar no dia seguinte à sala de Griffith. Mas, pensando melhor, percebeu que os interesses de Griffith estavam em outro lugar. Era muito claro que a presença de garotas atraentes não levava inevitavelmente a um futuro científico.