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PARA DESÂNIMO DE FRANCIS, mostrei pouca propensão para me concentrar no DNA quando minhas férias de verão acabaram. Eu estava preocupado com sexo, mas não do tipo que precisa de incentivo. Os hábitos de reprodução sexual das bactérias eram um tema incomum – absolutamente ninguém do círculo social de Francis e Odile adivinharia que as bactérias tinham vida sexual. Por outro lado, era melhor deixar que mentes menores desvendassem como elas faziam isso. Rumores sobre bactérias fêmeas e machos corriam em Royaumont, mas, só no início de setembro, quando participei de um pequeno encontro sobre genética microbiana em Pallanza, tomei conhecimento dos fatos diretamente com os responsáveis. Lá, Cavalli-Sforza e Bill Hayes falaram sobre os experimentos por meio dos quais eles e Joshua Lederberg haviam acabado de estabelecer a existência de dois discretos sexos bacterianos.

A presença de Bill foi a surpresa do encontro: antes de sua apresentação, ninguém, exceto Cavalli-Sforza, sabia que ele existia. Assim que encerrou seu relato despretensioso, entretanto, todos na plateia souberam que uma bomba incrível explodira no mundo de Joshua Lederberg. Em 1946, Joshua, na época com vinte anos, surgira no mundo biológico ao anunciar que as bactérias se reproduziam sexualmente e mostravam recombinação genética. Desde então, conduzira uma quantidade tão espantosa de belos experimentos que quase ninguém, fora Cavalli, ousara trabalhar na mesma área. Ouvir Joshua dar palestras rabelaisianas ininterruptas de três a cinco horas de duração deixou claro que ele era um enfant terrible. Além do mais, havia sua qualidade divina de aumentar de tamanho a cada ano, talvez para eventualmente preencher o universo.

Apesar da inteligência fabulosa de Joshua, a genética das bactérias se tornava mais confusa a cada ano. Somente ele se divertia com a complexidade rabínica que seus artigos recentes envolviam. Às vezes, eu tentava desvendar um deles, mas inevitavelmente empacava e o deixava de lado para o dia seguinte. Nenhuma inteligência superpoderosa era necessária, no entanto, para entender que a descoberta dos dois sexos logo tornaria a análise genética das bactérias mais simples. As conversas com Cavalli, no entanto, deram a entender que Joshua ainda não estava preparado para pensar na simplicidade. Ele gostava da hipótese genética clássica de que células macho e fêmea contribuíam com a mesma parcela de material genético, apesar de a análise resultante ser perversamente complexa. Em contraste, o raciocínio de Bill partia da hipótese aparentemente arbitrária de que apenas uma fração do material cromossômico masculino penetra na célula feminina. Considerando isso, o raciocínio seguinte era infinitamente mais simples.

Assim que retornei a Cambridge, segui direto para a biblioteca onde estavam os periódicos para os quais Joshua enviara seu trabalho recente. Para minha surpresa, compreendi quase todos os cruzamentos genéticos que antes eram desconcertantes. Alguns ainda eram inexplicáveis, mas, mesmo assim, a grande massa de dados que estava se encaixando em seus lugares me fez ter a certeza de que estávamos no caminho certo. Era especialmente agradável a possibilidade de que Joshua estivesse tão preso ao seu modo clássico de pensar que eu seria capaz realizar a inacreditável façanha de superá-lo na interpretação correta de seus próprios experimentos.

Meu desejo de resolver as questões de Joshua deixou Francis quase gelado. A descoberta de que bactérias se dividiam entre o sexo masculino e o feminino o divertiu, mas não o encantou. Ele passara quase todo o verão coletando dados pretensiosos para sua tese e agora queria pensar em fatos importantes. A preocupação frívola a respeito de as bactérias terem um, dois ou três cromossomos não nos ajudaria a conquistar a estrutura do DNA. Desde que eu continuasse atento à literatura sobre o DNA, havia uma chance de que algo surgisse nas conversas durante o almoço ou na hora do chá. Mas, se me voltasse para a biologia pura, nossa pequena vantagem na largada em relação a Linus poderia desaparecer de repente.

A essa altura, ainda havia na mente de Francis uma sensação incômoda de que as regras de Chargaff eram a verdadeira chave. De fato, quando eu estava nos Alpes, ele passou uma semana tentando provar experimentalmente que havia forças de atração entre adenina e timina, e entre guanina e citosina, em soluções aquosas. Mas os esforços não renderam em nada. Além do mais, ele nunca ficava à vontade quando conversava com Griffith. De alguma forma, seus cérebros não se entendiam, e poderia haver pausas embaraçosamente longas depois de Francis destruir os méritos de uma dada hipótese. Isso não era razão, no entanto, para não contar a Maurice que era admissível que a adenina fosse atraída pela timina, e a guanina, pela citosina. Como teria de estar em Londres no fim de outubro por outro motivo, ele ligou para Maurice dizendo que poderia ir ao King’s. A resposta, um convite para almoçar, foi inesperadamente animadora, e assim Francis passou a contar com uma discussão sensata a respeito do DNA.

Entretanto, ele cometeu o erro de não demonstrar muito interesse pelo DNA, começando a falar sobre proteínas. Assim, mais da metade do almoço fora desperdiçada quando Maurice mudou o tópico para Rosy e falou sem parar sobre a falta de cooperação que ela demonstrava. Enquanto isso, a mente de Francis se ateve a um tópico mais animado, até que, terminada a refeição, lembrou que tinha de correr para um encontro às 14h30. Francis deixou o prédio apressadamente e já estava na rua quando percebeu que não mencionara a concordância entre os cálculos de Griffith e os dados de Chargaff. Como pareceria muito tolo correr de volta para lá, ele seguiu em frente, retornando naquela noite para Cambridge. Na manhã seguinte, depois de me informar sobre a conversa fútil do almoço, Francis procurou se entusiasmar com nossa segunda tentativa de compreender a estrutura.

Recomeçar do zero com o DNA, entretanto, não fazia sentido para mim. Não havia nenhum fato recente que afugentasse o sabor amargo do fracasso do último inverno. O único resultado novo que provavelmente obteríamos antes do Natal era o conteúdo do metal divalente do DNA do fago T4. Um valor alto, se encontrado, sugeriria fortemente uma ligação entre Mg++ e o DNA. Com tal evidência, eu poderia ao menos forçar os grupos do King’s a analisarem as amostras de DNA deles. Mas as perspectivas de resultados sólidos imediatos não eram boas. Primeiro, o colega de Maaløe, Nils Jerne, teria de enviar o fago de Copenhague. Depois, eu precisaria conseguir a medição precisa do conteúdo tanto dos metais divalentes quanto do DNA. Por fim, Rosy teria de se mexer.

Por sorte, Linus não parecia uma ameaça imediata na batalha do DNA. Peter Pauling trouxe a informação de bastidores de que seu pai estava preocupado com esquemas para a supertorção de α-hélices na proteína do cabelo, a queratina. Essa não era uma notícia especialmente boa para Francis. Por quase um ano, ele entrara e saíra de estados de euforia a respeito de como as α-hélices se juntavam em espirais. O problema é que a sua matemática nunca era sólida. Quando pressionado, admitia que seu raciocínio tinha um componente confuso. Agora, encarava a possibilidade de que a solução de Linus podia não ser a melhor e, ainda assim, ele levaria todo o crédito pelas espirais.

O trabalho experimental para sua tese foi interrompido a fim de que as equações das espirais pudessem ser retomadas com esforço redobrado. A essa altura, as equações corretas haviam sido prontamente explicadas, em parte graças à ajuda de Kreisel, que viera a Cambridge passar um fim de semana com Francis. Rapidamente, escreveu uma carta para a Nature e entregou-a a Bragg, para que a enviasse aos editores, junto com um bilhete, pedindo agilidade na publicação. Se dissesse aos editores que um artigo britânico despertava um interesse acima da média, tentariam publicá-lo quase imediatamente. Com sorte, as espirais de Francis seriam impressas tão logo ou mesmo antes que as de Pauling.

Crescia dentro e fora de Cambridge a aceitação de que o cérebro de Francis tinha um valor genuíno. Embora alguns dissidentes ainda pensassem que ele era uma máquina de falar e gargalhar, ele previa os problemas ao final do percurso. Um reflexo de sua importância crescente foi uma oferta recebida no início do outono para que se juntasse a David Harker no Brooklyn por um ano. Harker, que havia levantado um milhão de dólares para elucidar a estrutura da enzima ribonuclease, estava em busca de talento, e a proposta de 6 mil dólares por um ano parecera incrivelmente generosa a Odile. Como esperado, Francis tinha sentimentos ambivalentes. Devia haver razões para que existissem tantas piadas sobre o Brooklyn. Por outro lado, nunca havia visitado os Estados Unidos, e o Brooklyn poderia servir de base para ele conhecer regiões mais agradáveis. Também, se Bragg soubesse que Crick ficaria fora por um ano, poderia encarar de modo mais favorável um pedido de Max e John para que Francis fosse selecionado para mais três anos depois da apresentação de sua tese. O melhor caminho parecia ser aceitar provisoriamente a proposta, e, no meio de outubro, ele escreveu para Harker dizendo que iria para o Brooklyn no outono do ano seguinte.

Enquanto o outono passava, continuei preso nos cruzamentos bacterianos, indo com frequência a Londres para falar com Bill Hayes em seu laboratório do Hospital Hammersmith. Minha mente se voltava abruptamente para o DNA nas noites em que conseguia pegar Maurice para jantar no meu caminho de volta para Cambridge. Algumas tardes, no entanto, ele escapulia em silêncio, e a equipe do seu laboratório acreditava na existência de uma amiga especial. Finalmente, soube-se que estava tudo acima de qualquer suspeita. Ele passava as tardes em um ginásio, aprendendo esgrima.

A situação com Rosy continuou difícil, como sempre. Ao retornar do Brasil, a impressão óbvia era que ela considerava um trabalho em conjunto ainda mais impossível do que antes. Assim, para ajudar, Maurice se dedicara à microscopia de interferência para encontrar a solução para pesar cromossomos. A questão de conseguir um trabalho para Rosy em outro lugar foi levada a seu chefe, Randall, mas o melhor que se podia esperar era uma nova vaga com início dali a um ano. Despedi-la imediatamente com base em seu sorriso ácido não era possível. Além do mais, suas imagens radiográficas estavam cada vez mais bonitas. Ela não dava sinais, no entanto, de que gostasse um pouco mais de hélices. Além disso, Rosy acreditava que havia evidências de que o esqueleto açúcar-fosfato estivesse do lado de fora da molécula. Não havia um modo fácil de julgar se essa afirmação tinha alguma base científica. Enquanto Francis e eu continuássemos afastados dos dados experimentais, o melhor caminho era manter a mente aberta. Voltei, então, para meus pensamentos sobre sexo.