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MAURICE PRECISOU OLHAR para o modelo por apenas um minuto para gostar dele. John o alertara de que se tratava de um negócio de duas cadeias, mantidas unidas pelos pares de bases A-T e G-C e, imediatamente após entrar em nosso escritório, estudou suas características detalhadas. O fato de ter duas e não três cadeias não o aborreceu, porque sabia que as evidências nunca pareceram óbvias. Enquanto Maurice encarava silenciosamente o objeto de metal, Francis ficou parado ali, falando às vezes rápido demais sobre que tipo de diagrama radiográfico a estrutura devia produzir, tornando-se, então, estranhamente ruidoso quando percebeu que o desejo de Maurice era olhar para a dupla hélice, e não assistir a uma palestra sobre teoria cristalográfica que ele poderia aprender por si mesmo. Nossa decisão de colocar a guanina e a timina na forma cetônica não foi questionada. Fazer de outro modo destruiria os pares de bases, e Maurice aceitou a argumentação de Jerry Donohue como se fosse um lugar-comum.

O resultado inesperado de ter Jerry dividindo o escritório com Francis, Peter e eu, apesar de óbvio para todos, não foi mencionado. Se ele não tivesse estado conosco em Cambridge, eu ainda poderia estar insistindo em uma estrutura semelhante-com-semelhante. Maurice, em um laboratório sem nenhum químico estrutural, não tinha ninguém por perto para lhe dizer que todas as imagens dos livros estavam erradas. Mas, para Jerry, somente Pauling tinha a chance de fazer a escolha certa e manter a fé nas consequências.

O próximo passo científico era comparar seriamente os dados radiográficos experimentais com o padrão de difração previsto por nosso modelo. Maurice voltou para Londres dizendo que mediria, em breve, as reflexões críticas. Não havia sinal de amargura em sua voz, e me senti bastante aliviado. Até sua visita, eu estivera apreensivo, achando que ele pareceria sombrio, infeliz por termos tomado parte da glória que poderia ter ido toda para ele e seus colegas mais jovens. Mas não havia traço de ressentimento em seu rosto, e, do seu modo superior, estava completamente empolgado com o fato de que a estrutura se provaria de grande benefício para a biologia.

Ele havia chegado a Londres apenas dois dias antes de nos telefonar para dizer que tanto ele quanto Rosy haviam descoberto que seus dados de raios X apoiavam fortemente a dupla hélice. Estavam escrevendo depressa os resultados e queriam publicá-los simultaneamente ao nosso anúncio dos pares de bases. A Nature era o lugar certo para uma publicação rápida, porque, se Bragg e Randall apoiassem com firmeza os manuscritos, poderiam ser publicados um mês depois de recebidos. Entretanto, não haveria apenas um artigo do King’s. Rosy e Gosling relatariam seus resultados em separado dos resultados de Maurice e seus colaboradores.

O fato de Rosy ter aceitado de imediato o modelo, a princípio, me surpreendeu. Eu temi que sua mente teimosa e afiada, presa na armadilha anti-helicoidal montada por ela mesma, poderia desenterrar resultados irrelevantes, que cultivariam incerteza sobre a assertividade da dupla hélice. Entretanto, como quase todo mundo, ela enxergou o apelo dos pares de bases e aceitou o fato de que a estrutura era muito bonita para não ser verdadeira. Além do mais, mesmo antes de conhecer nossa proposta, as evidências radiográficas a levavam, mais do que queria admitir, em direção a uma estrutura helicoidal. O posicionamento do esqueleto do lado de fora da molécula foi uma exigência de suas evidências e, dada a necessidade de manter as bases unidas por ligações de hidrogênio, a singularidade dos pares A-T e G-C era um fato que ela não via razão para discutir.

Ao mesmo tempo, sua enorme implicância com Francis e comigo desmoronou. De início, hesitamos em discutir a dupla hélice com ela, por temer a irritação presente em nossos encontros anteriores. Mas Francis percebeu a mudança na atitude dela quando esteve em Londres para falar com Maurice sobre detalhes das imagens radiográficas. Pensando que Rosy não queria nada com ele, conversou longamente com Maurice, até perceber, aos poucos, que ela queria seus conselhos sobre cristalografia e estava preparada para substituir a hostilidade aberta por conversas entre dois iguais. Com um prazer visível, Rosy mostrou seus dados a Francis, e, pela primeira vez, ele pôde ver como a afirmação dela de que o esqueleto açúcar-fosfato estava do lado de fora da molécula não podia estar errada. As declarações inflexíveis do passado sobre esse assunto refletiam uma ciência de primeiro nível, não as explosões de uma feminista perdida.

A transformação de Rosy fora obviamente influenciada por sua percepção de que nossas desavenças passadas sobre a construção de modelos representavam uma abordagem séria da ciência, não o refúgio fácil de vagabundos que queriam evitar o trabalho duro necessário para uma carreira científica honesta. Também ficou claro para nós que as dificuldades de Rosy com Maurice e Randall estavam ligadas à necessidade compreensível de ela ser igual às pessoas com quem trabalhava. Logo após entrar no laboratório do King’s, havia se rebelado contra sua estrutura hierárquica e se ofendera porque suas habilidades cristalográficas de primeira não tiveram reconhecimento formal.

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Método vislumbrado para a duplicação do DNA, dada a natureza complementar da sequência de bases nas duas cadeias.

Duas cartas vindas de Pasadena naquela semana trouxeram a notícia de que Pauling ainda estava muito distante de nós. A primeira veio de Delbrück e dizia que Linus acabara de dar um seminário no qual descrevera uma modificação em sua estrutura do DNA. Ainda mais atípico, o manuscrito que ele enviara a Cambridge fora publicado antes que seu colaborador, R.B. Corey, pudesse medir com precisão as distâncias interatômicas. Quando isso finalmente foi feito, encontraram diversos contatos inaceitáveis, que não poderiam ser contornados com pequenas mudanças. O modelo de Pauling também era impossível segundo os parâmetros estereoquímicos diretos. Ele esperava, contudo, reverter a situação, realizando uma modificação sugerida por seu colega Verner Schomaker. Na forma revista, os átomos de fosfato eram girados a 45 graus, o que permitia que um grupo diferente de átomos de oxigênio formasse uma ligação de hidrogênio. Depois da palestra de Linus, Delbrück disse a Schomaker que não estava convencido de que Linus estivesse certo, porque acabara de receber o bilhete no qual eu dizia que tivera uma nova ideia para a estrutura do DNA.

Os comentários de Delbrück foram transmitidos de imediato a Pauling, que me escreveu em seguida. A primeira parte da carta denunciou nervosismo; ele não foi direto ao ponto, mas me fez um convite para participar de um encontro sobre proteínas, ao qual decidira acrescentar uma seção sobre ácidos nucleicos. Depois se abriu e pediu detalhes da bela estrutura que eu mencionara a Delbrück. Ao ler a carta, dei um suspiro profundo ao perceber que Delbrück não sabia da dupla hélice complementar na época da apresentação de Linus. Em vez disso, ele se referia à ideia do semelhante-com-semelhante. Felizmente, quando minha carta chegou à Caltech, esses pares de bases haviam caído por terra. Senão, eu estaria na posição terrível de ter de informar a Delbrück e Pauling que escrevera impetuosamente sobre uma ideia com apenas doze horas de vida, e que ela durara somente vinte e quatro horas antes de morrer.

Todd fez sua visita oficial no fim da semana, chegando do laboratório de química com alguns colegas mais jovens. A rápida incursão verbal de Francis sobre a estrutura e suas implicações não perdera nenhum interesse por haver sido repetida muitas vezes por dia na semana anterior. O tom de sua excitação aumentava a cada dia e, sempre que Jerry ou eu ouvíamos a voz de Francis pregando para rostos novos, saíamos do escritório até que os novos convertidos partissem e pudéssemos retomar um trabalho organizado. Todd era outro assunto, porque eu queria ouvi-lo dizer a Bragg que nós havíamos seguido corretamente seus progressos na química do esqueleto açúcar-fosfato. Ele também concordou com as configurações cetônicas, dizendo que seus amigos químicos orgânicos haviam desenhado grupos enólicos por razões puramente arbitrárias. Saiu após parabenizar Francis e eu por nosso excelente trabalho químico.

Logo deixei Cambridge para passar uma semana em Paris. A viagem para encontrar Boris e Harriet Ephrussi fora organizada algumas semanas antes. Como a maior parte do nosso trabalho parecia terminada, não vi razão para adiar uma visita que agora tinha o bônus de me permitir que fosse o primeiro a falar da dupla hélice nos laboratórios de Ephrussi e Lwoff. Francis, entretanto, não ficou feliz e disse que uma semana era tempo demais para abandonar um trabalho de tamanha importância como aquele. Uma reprimenda à minha seriedade, contudo, não era do meu agrado – especialmente quando John havia acabado de mostrar a Francis e a mim uma carta de Chargaff na qual nós éramos mencionados. Um pós-escrito pedia informações sobre o que seus palhaços científicos estavam fazendo.