Prefácio
Este relato dos acontecimentos que levaram à solução da estrutura do DNA, o material genético fundamental, é único de diversas formas. Eu fiquei muito contente quando Watson me pediu para escrever a apresentação.
Em primeiro lugar, temos seu interesse científico. A descoberta da estrutura por Crick e Watson, com todas as suas implicações biológicas, foi um dos maiores acontecimentos científicos deste século [XX]. O número de pesquisas que inspirou é impressionante; ela provocou uma explosão na bioquímica que transformou a ciência. Eu fui um dos que incentivou o autor a escrever suas memórias enquanto ainda estivessem frescas em sua mente, sabendo de sua importância como contribuição para a história da ciência. O resultado superou as expectativas. Os últimos capítulos, em que o nascimento da nova ideia é descrito tão vividamente, constituem um drama dos mais nobres; a tensão aumenta progressivamente até o clímax final. Não conheço nenhuma outra situação em que seja possível compartilhar com tanta intimidade os conflitos e dúvidas e o triunfo final do pesquisador.
Mais uma vez, a história é um exemplo comovente de um dilema com o qual um pesquisador pode se confrontar. Ele sabe que um colega trabalha há anos em um problema e acumulou um grande volume de provas difíceis de serem obtidas, e que estas ainda não foram publicadas pela expectativa de que o sucesso virá em breve. Ele viu as provas e tem boas razões para acreditar que pode vislumbrar um método de ataque, talvez simplesmente um novo ponto de vista, que levará direto à solução. Uma oferta de colaboração nessa etapa do processo pode muito bem ser considerada uma invasão. Ele deveria seguir em frente sozinho? Não é fácil saber se aquela nova ideia crucial pertence realmente a uma pessoa ou foi assimilada inconscientemente durante conversas com outros. A percepção dessa dificuldade levou ao estabelecimento de um código um pouco vago entre cientistas que reconhece uma reivindicação em uma linha de pesquisa defendida por um colega – até certo ponto. Quando a concorrência vem de mais de uma direção, não há necessidade de se refrear. O dilema fica claro na história do DNA. É uma fonte de profunda satisfação para todos os envolvidos intimamente que, na premiação do Nobel de 1962, tanto a longa e paciente pesquisa de Wilkins no King’s College (Londres) quanto a rápida e brilhante solução final de Crick e Watson em Cambridge tenham recebido o merecido reconhecimento.
Por fim, há o interesse humano da história – a impressão causada pela Europa e pela Inglaterra em particular sobre um jovem rapaz dos Estados Unidos. Ele escreve com uma franqueza digna de Samuel Pepys. Os que figuram no livro devem lê-lo com um espírito muito inclinado ao perdão. Devemos nos lembrar que este livro não é uma história, mas uma contribuição autobiográfica à história que, um dia, será escrita. Como o próprio autor diz, o livro é um registro de impressões mais do que um relato de fatos históricos. Os temas eram frequentemente mais complexos, e os motivos dos que tinham de lidar com eles eram menos tortuosos do que ele percebera na época. Por outro lado, devemos admitir que sua compreensão intuitiva da fragilidade humana atinge frequentemente o alvo.
O autor mostrou o manuscrito para alguns de nós envolvidos na história, e sugerimos correções de fatos históricos aqui e ali, mas, pessoalmente, eu relutei em alterar muita coisa, porque o frescor e a franqueza com as quais essas impressões foram registradas são parte essencial do interesse deste livro.
W.L.B.
Sir Lawrence Bragg (1890-1971) era o diretor do Laboratório Cavendish, da Universidade de Cambridge, quando a dupla hélice foi descoberta. Junto com o pai, William Henry, criou a cristalografia de raios X, pela qual receberam o Prêmio Nobel em 1915.