Sobre Para entender O capital
Marcio Pochmann
Um paradoxo ronda o conjunto de interpretações acerca do capitalismo. O modo de produção do capital dá sinais de complexificação desde a década de 1970, com a predominância da fase da financeirização da riqueza e a transição hegemônica do trabalho material para o imaterial, e, nesse contexto em que eram necessárias novas análises do funcionamento do capitalismo e das alternativas de sua superação, perdeu força e vigor o pensamento marxista.
Não faltaram motivos. Do lado da produção acadêmica, houve um ataque articulado do pensamento neoliberal, coerente e hegemônico em quase todos os fóruns nacionais e internacionais de debates; universidades elevaram ao limite a especialização do conhecimento motivado pelas regras de produtividade do trabalho, copiadas das Ciências Exatas pelas Humanidades. Ademais, a estratégia conservadora de esvaziar o conteúdo dos cursos de Ciências Sociais terminou por colocar disciplinas, professores e pesquisadores do pensamento marxista quase na condição de gueto.
Do lado intelectual das lutas sociais e de partidos políticos de esquerda, o enfraquecimento da base teórica marxista ocorreu simultaneamente com a crise do chamado socialismo real, com a queda do muro de Berlim e com o fim da Guerra Fria. Desvios oportunistas e chicanas de elitismos favoreceram reflexões cada vez mais pontuais e segmentadas, que passaram a orientar práticas políticas curtoprazistas e cada vez mais pragmáticas.
Tudo isso contribuiu para que certa orfandade ganhasse dimensão na formação das novas gerações em termos de acesso e identidade com o pensamento marxista. O empobrecimento das análises sobre o funcionamento do capitalismo atual e a proliferação multifacetada do pensamento crítico tornaram quase irrelevante para as grandes massas a possibilidade de conhecer e produzir alternativas à hegemonia do capital.
Do mesmo modo que a agudeza da crise global do capitalismo colocou a necessidade de se recuperar a contribuição marxista ao entendimento desse modo de produção, o fim da grande noite do obscurantismo neoliberal terminou por libertar novas forças sociais e políticas dispostas a refletir, em novas bases, alternativas críticas ao modo hegemônico do capital. É nesse sentido que o trabalho disciplinado, incansável e pertinente do consagrado David Harvey sobre o primeiro volume de O capital se torna, em sua leitura fácil e esclarecedora, um guia para entender e desenvolver a necessária contribuição da economia política de Karl Marx.
Sobre o autor
David Harvey é geógrafo britânico, professor de antropologia na pós-graduação da Universidade da Cidade de Nova York (The City University of New York – Cuny) e ex-professor de geografia nas universidades Johns Hopkins e Oxford. Seu curso sobre O capital de Marx já foi acessado por mais de 300 mil pessoas desde que foi disponibilizado no site da Cuny, em 2008. Autor de diversos livros, pela Boitempo lançou em 2011 O enigma do capital e terá em breve publicado Os limites do capital.