C A P Í T U L O  1 0 1

O Consulado Suíço de Istambul fica em um arranha-céu reluzente e ultramoderno na Levent Plaza, no 1. Sua fachada côncava de vidro azul se destaca dos prédios da antiga metrópole qual um monólito futurista.

Havia se passado quase uma hora desde que Elizabeth Sinskey deixara a cisterna para montar um centro de comando provisório nas salas do consulado. Canais de notícias da cidade transmitiam sem parar reportagens sobre o pânico e o corre-corre na última apresentação da Sinfonia Dante, de Liszt, na cisterna. Nenhum detalhe tinha sido divulgado até o momento, mas a presença de uma equipe médica internacional usando roupas de proteção havia gerado inúmeras especulações.

A Dra. Sinskey olhou pela janela para as luzes da cidade e se sentiu totalmente sozinha. Em um gesto instintivo, ergueu a mão para tocar o amuleto do pescoço, mas não o encontrou. O talismã estava agora em cima de sua mesa, partido ao meio.

A diretora da OMS havia acabado de agendar uma série de reuniões de emergência marcadas para acontecer em Genebra nas próximas horas. Especialistas de várias agências já estavam a caminho e a própria Elizabeth Sinskey planejava pegar um avião em pouco tempo para encontrá-los. Para sua felicidade, algum funcionário do turno da noite havia providenciado uma caneca de um genuíno café turco bem quente que ela logo esvaziara.

Um jovem funcionário do consulado esticou a cabeça pela porta aberta.

– Diretora? O professor Robert Langdon está aqui para falar com a senhora.

– Obrigada – respondeu ela. – Mande-o entrar.

Vinte minutos antes, Langdon lhe telefonara dizendo que Sienna Brooks tinha conseguido fugir depois de roubar uma lancha e partir para o mar. A Dra. Sinskey já ouvira a mesma notícia das autoridades turcas, que ainda estavam vasculhando a área, mas ainda não haviam encontrado nada.

Quando a silhueta alta de Langdon surgiu no vão da porta, ela mal o reconheceu. O professor vestia um terno sujo, tinha os cabelos despenteados e um olhar exausto e abatido.

– O senhor está bem, professor? – perguntou ela, levantando-se.

Langdon deu um sorriso cansado.

– Já tive noites mais tranquilas.

– Sente-se, por favor – disse a doutora, indicando uma cadeira.

– O agente contaminante de Zobrist – começou ele sem preâmbulo, assim que se sentou. – Acho que ele talvez tenha sido liberado há uma semana.

Elizabeth Sinskey meneou a cabeça devagar.

– Sim, nós chegamos à mesma conclusão. Nenhum sintoma foi relatado ainda, mas já isolamos amostras e estamos nos preparando para conduzir intensas baterias de testes. Infelizmente, é possível que levemos dias ou semanas para entender o que esse vírus é de fato... e o que pode fazer.

– É um vírus-vetor – disse Langdon.

A doutora inclinou a cabeça de lado, espantada pelo fato de o professor conhecer aquele termo.

– Zobrist criou um vírus-vetor que se dissemina por contágio aéreo e tem o poder de modificar o DNA humano.

A diretora se levantou tão abruptamente que chegou a derrubar a cadeira. Isso nem é possível!

– Por que o senhor diria uma coisa dessas?

– Sienna – respondeu ele, baixinho. – Ela me contou. Há meia hora.

Ela apoiou as mãos na mesa e olhou para Langdon com súbita desconfiança.

– Mas ela não fugiu?

Fugiu, sim – retrucou ele. – Ela estava livre, a bordo de uma lancha em alta velocidade em direção ao mar, e poderia muito bem ter desaparecido para sempre. Só que mudou de ideia. Voltou por livre e espontânea vontade. Sienna quer ajudar nesta crise.

Elizabeth Sinskey deixou escapar uma risada áspera.

– Me perdoe se eu não estiver disposta a confiar na Srta. Brooks, ainda mais diante de afirmação tão disparatada.

– Eu acredito nela – disse Langdon num tom inflexível. – E, se ela está dizendo que é um vírus-vetor, acho melhor a senhora levá-la a sério.

De repente a doutora sentiu-se exausta. Seu cérebro penava para analisar as palavras de Langdon. Ela foi até a janela e olhou para fora. Um vetor viral capaz de alterar o DNA? Por mais improvável e horripilante que essa possibilidade lhe soasse, tinha que admitir que havia nela uma certa lógica sinistra. Afinal, Zobrist era geneticista e sabia muito bem que a mais insignificante mutação em um único gene podia ter efeitos catastróficos no corpo: cânceres, falências de órgãos, anomalias sanguíneas. Até uma doença tão horripilante quanto a mucoviscidose, que afoga suas vítimas em muco, devia-se a nada mais do que uma minúscula falha em um gene regulador do cromossomo 7.

Os especialistas agora haviam começado a tratar esses distúrbios genéticos usando vírus-vetores rudimentares, injetados no paciente. Esses vírus não contagiosos eram programados para viajar pelo organismo e substituir os fragmentos de DNA danificados por outros. Mas essa nova ciência, assim como todas as demais, também tinha seu lado obscuro. Dependendo das intenções do geneticista, os efeitos de um vírus-vetor podiam ser favoráveis ou destrutivos. Se fosse programado de maneira mal-intencionada para inserir DNA danificado em células saudáveis, os resultados seriam devastadores. Além disso, se o vírus destrutivo de alguma forma fosse manipulado para se tornar altamente contagioso por via aérea...

A possibilidade fez a Dra. Sinskey se arrepiar. Que aberração genética Zobrist terá imaginado? Como ele planeja diminuir o rebanho dos homens?

Sabia que poderia levar semanas para encontrar a resposta. O código genético humano continha um labirinto aparentemente infinito de permutações químicas. A ideia de vasculhar sua totalidade na esperança de encontrar a única alteração específica feita por Zobrist seria como procurar uma agulha num palheiro... sem nem ao menos saber em que planeta estava localizado o palheiro em questão.

– Dra. Sinskey? – A voz grave de Langdon a trouxe de volta ao presente.

A doutora se virou da janela e olhou para ele.

– Ouviu o que eu disse? – perguntou ele, ainda sentado e calmo. – Sienna queria destruir esse vírus tanto quanto a senhora.

– Duvido.

Langdon expirou e se levantou.

– Acho que a senhora deveria me escutar. Pouco antes de morrer, Zobrist escreveu uma carta para Sienna dizendo a ela o que tinha feito. Explicou exatamente como o vírus agia, como iria nos atacar e como atingiria seus objetivos.

Elizabeth Sinskey gelou. Existe uma carta?!

– Quando leu a descrição de Zobrist do que havia criado, ela ficou horrorizada. Quis impedi-lo. Achou esse vírus tão perigoso que não queria que ninguém tivesse acesso a ele, nem mesmo a OMS. Será que a senhora não entende? Sienna estava tentando destruir o vírus... não liberá-lo.

– Existe uma carta? – perguntou a Dra. Sinskey, agora muito concentrada. – Com detalhes?

– Sim, foi o que Sienna me disse.

– Nós precisamos dessa carta! Os detalhes podem nos poupar meses para entender o que é essa coisa e saber como lidar com ela.

Langdon balançou a cabeça.

– A senhora não entendeu. Quando Sienna leu a carta de Zobrist, ficou apavorada. Ela a queimou na mesma hora. Queria ter certeza de que ninguém...

Elizabeth Sinskey deu um tapa na mesa.

– Ela destruiu a única coisa que poderia nos ajudar a contornar esta crise? E o senhor quer que eu confie nela?

– Sei que é pedir muito, ainda mais diante da forma como ela agiu, mas, em vez de castigá-la, talvez seja útil lembrar que Sienna é dotada de uma inteligência ímpar que inclui uma capacidade notável para se lembrar de fatos. – Langdon fez uma pausa. – E se ela conseguir recriar a carta de Zobrist o suficiente para ser útil a vocês?

A doutora estreitou os olhos e assentiu de leve.

– Bem, professor, nesse caso, o que o senhor sugere que eu faça?

Langdon indicou com um gesto a caneca vazia de café.

– Sugiro que peça mais café... e ouça a única condição que Sienna impôs.

A pulsação da Dra. Sinskey se acelerou e ela olhou para o telefone.

– O senhor tem como entrar em contato com ela?

– Tenho.

– Qual é a condição dela?

Langdon respondeu e Elizabeth Sinskey se calou, avaliando a proposta.

– Acho que é a coisa certa a fazer – acrescentou ele. – O que a senhora tem a perder?

– Se tudo o que o senhor está dizendo for verdade, eu lhe dou minha palavra. – A doutora empurrou o telefone na sua direção. – Por favor, entre em contato com ela.

Para sua surpresa, Langdon ignorou o telefone. Em vez disso, levantou-se e saiu da sala, afirmando que voltaria em um minuto. Intrigada, a Dra. Sinskey foi até o corredor e o viu atravessar a passos largos a recepção do consulado, empurrar as portas de vidro e chegar ao saguão do elevador. Por um instante pensou que ele fosse sair, mas então, em vez de chamar o elevador, entrou discretamente no banheiro feminino.

Alguns segundos depois, saiu de lá acompanhado por uma mulher que parecia ter 30 e poucos anos. Elizabeth Sinskey precisou de um tempo para se convencer de que aquela fosse mesmo Sienna Brooks. A bela moça de rabo de cavalo que vira mais cedo nesse dia parecia outra pessoa. Estava agora careca, como se o seu crânio houvesse sido raspado.

Os dois entraram na sala e se sentaram em frente à mesa da diretora, sem dizer nada.

– Me perdoe – disse Sienna depressa. – Sei que temos muito o que conversar, mas primeiro eu gostaria que a senhora me deixasse dizer uma coisa.

A Dra. Sinskey notou a tristeza em sua voz.

– Claro.

– A senhora é diretora da OMS – começou Sienna com a voz muito fraca. – Sabe melhor do que ninguém que somos uma espécie à beira do colapso, uma população fora de controle. Durante muitos anos, Bertrand Zobrist tentou conversar com pessoas influentes como a senhora sobre essa crise iminente. Visitou inúmeras organizações que acreditava poderem implementar mudanças: o Instituto Worldwatch, o Clube de Roma, a organização Population Matters, o Conselho de Relações Exteriores. Mas nunca encontrou ninguém com coragem para ter uma conversa séria sobre alguma solução real. Vocês todos respondiam com planos para melhorar a educação sobre métodos anticoncepcionais, incentivos fiscais para famílias menores ou mesmo sugestões de colonizar a lua! Não é de espantar que Bertrand tenha ficado louco.

Elizabeth Sinskey a encarou sem reagir.

Sienna respirou fundo.

– Dra. Sinskey, Bertrand a procurou pessoalmente. Implorou que a senhora reconhecesse que estávamos à beira do abismo e que iniciasse algum tipo de diálogo. Mas a senhora, em vez de ouvir suas ideias, chamou-o de louco, pôs o nome dele em uma lista de pessoas a serem vigiadas e o obrigou a mergulhar na clandestinidade. – A voz de Sienna ficou carregada de emoção. – Bertrand morreu sozinho porque pessoas como a senhora se recusaram a ter a mente aberta o suficiente para ao menos admitir que a nossa situação catastrófica talvez precise de uma solução incômoda. Tudo o que ele fez foi dizer a verdade, nada mais... e foi proscrito. – Ela secou os olhos e encarou a Dra. Sinskey por cima da mesa. – Acredite, eu sei como é se sentir sozinho... e o pior tipo de solidão que existe é a solidão de ser incompreendido. Ela pode fazer as pessoas perderem a noção de realidade.

Sienna parou de falar e um silêncio tenso recaiu sobre a sala.

– Era só isso que eu queria dizer – sussurrou.

A doutora a estudou por um bom tempo e então se sentou.

– Tem razão, Srta. Brooks – falou, com a maior calma possível. – Eu posso não ter ouvido antes... – Ela uniu as mãos sobre a mesa e cravou os olhos nos de Sienna. – Mas estou ouvindo agora.