C A P Í T U L O 7 8
Langdon seguiu o homem bronzeado por um verdadeiro labirinto de corredores claustrofóbicos na coberta do iate, com a Dra. Sinskey e os soldados do ECDC atrás de si, formando uma fila. Quando se aproximaram de uma escada, Langdon torceu para que fossem subir em direção à luz do dia, mas, em vez disso, eles desceram ainda mais fundo na embarcação.
Embrenhados nas entranhas do iate, foram conduzidos por seu guia por entre uma série de saletas de vidro isoladas – algumas com divisórias transparentes; outras, opacas. Dentro de cada um desses compartimentos à prova de som, diversos funcionários trabalhavam, digitando em computadores ou falando ao telefone. Os que erguiam os olhos e reparavam no grupo que passava pareciam seriamente alarmados ao ver desconhecidos naquela parte da embarcação. O homem bronzeado meneava a cabeça para tranquilizá-los e seguia em frente.
Que lugar é este?, perguntou-se Langdon conforme eles avançavam por mais uma série de compactas áreas de trabalho.
Por fim, seu guia chegou a uma ampla sala de reuniões na qual todos entraram. Depois de se sentarem, o homem apertou um botão que fez as divisórias de vidro chiarem de repente e se tornarem opacas, isolando-os lá dentro. Langdon tomou um susto: nunca tinha visto nada parecido.
– Onde estamos? – perguntou enfim.
– Este é o meu iate... o Mendacium.
– Mendacium? – repetiu Langdon. – Como... a palavra latina para Pseudologos, a divindade grega da dissimulação?
O homem pareceu impressionado.
– Pouca gente sabe isso.
Um nome nada nobre, pensou Langdon. Mendacium era a divindade traiçoeira que comandava todos os pseudologoi – espíritos especializados em farsas, mentiras e engodos.
O homem pegou um pequeno cartão de memória vermelho e o inseriu em um painel de aparatos eletrônicos no fundo da sala. Um imenso monitor de LCD se acendeu e as luzes do teto ficaram mais fracas.
No silêncio carregado de expectativa, Langdon ouviu um suave barulho de água chapinhando. A princípio, pensou que o som estivesse vindo de fora da embarcação, mas então percebeu que ele saía dos alto-falantes do monitor. Aos poucos, uma imagem se materializou: a parede molhada de uma caverna, iluminada por uma luz avermelhada bruxuleante.
– Bertrand Zobrist gravou esse vídeo – explicou o anfitrião. – E me pediu que o divulgasse para o mundo amanhã.
Incrédulo e sem palavras, Langdon começou a assistir ao bizarro vídeo amador: um espaço cavernoso com uma lagoa de águas ondulantes, na qual a imagem mergulhava, avançando sob a superfície até um piso de lajotas coberto de lodo no qual havia uma placa chumbada, onde se lia:
NESTE LOCAL, NESTA DATA,
O MUNDO FOI TRANSFORMADO PARA SEMPRE.
A mensagem era assinda por bertrand zobrist.
E a data era o dia seguinte.
Meu Deus! Na sala escura, Langdon se virou para a Dra. Sinskey. A diretora da OMS, no entanto, fitava o chão com uma expressão vazia. Parecia já ter assistido ao vídeo, e era óbvio que não conseguiria fazer isso de novo.
Quando a imagem se deslocou para a esquerda, Langdon ficou pasmo ao ver, flutuando debaixo d’água, uma bolha ondulante de plástico transparente que continha um líquido gelatinoso marrom-amarelado. A delicada esfera parecia estar presa ao chão por um cordão que a impedia de vir à tona.
Que diabo é isso?! Langdon examinou a bolsa inflada. Seu conteúdo viscoso parecia rodopiar lentamente... quase como se estivesse fervendo.
Quando enfim compreendeu o que via, ficou sem ar. A peste de Zobrist.
– Parem o vídeo – disse a doutora no escuro.
A imagem congelou, mostrando um saco plástico amarrado ao chão, flutuando debaixo d’água – uma nuvem lacrada de líquido suspensa no espaço.
– Imagino que o senhor já tenha adivinhado o que é esse objeto – prosseguiu Elizabeth Sinskey. – A questão é: por quanto tempo ele vai permanecer lacrado? – Andando até o monitor, ela apontou para uma marca quase imperceptível no saco transparente. – Infelizmente, isto aqui nos informa de que material o saco é feito. Consegue ler?
Com a pulsação acelerada, Langdon estreitou os olhos para ler as letras que pareciam indicar a marca de um fabricante: Solublon©.
– O maior fabricante mundial de plástico hidrossolúvel – informou a doutora.
Langdon sentiu o estômago embrulhar.
– A senhora quer dizer que esse saco está... se dissolvendo?
A Dra. Sinskey assentiu com um ar soturno.
– Entramos em contato com o fabricante e fomos informados de que, para nosso azar, eles produzem esse plástico em dezenas de espessuras diferentes, que podem se dissolver em intervalos que variam entre dez minutos e dez semanas, dependendo do uso pretendido. A velocidade de degradação varia ligeiramente conforme a qualidade e a temperatura da água, mas não temos dúvida de que Zobrist estudou todos esses fatores com muito cuidado. – Ela fez uma pausa. – Achamos que esse saco vai se dissolver...
– Amanhã – interrompeu o diretor. – Foi essa a data que Zobrist marcou no meu calendário. A mesma data da placa.
Sentado no escuro, Langdon não sabia o que dizer.
– Mostre o restante a ele – falou a Dra. Sinskey.
No monitor, a imagem mudou, deslocando-se por sobre as águas iluminadas e a escuridão cavernosa. Langdon teve certeza de que aquele era o lugar ao qual o poema se referia. A lagoa que não reflete as estrelas.
A cena evocava imagens das visões infernais de Dante... as águas do rio Cócito a correr pelas grutas do mundo inferior.
Onde quer que estivesse situada aquela lagoa, suas águas eram delimitadas por paredes íngremes e cobertas de limo que, na opinião de Langdon, só podiam ser uma construção humana. Ele também notou que a câmera revelava apenas uma parte bem pequena de uma enorme área interna, e as fracas sombras verticais refletidas nas paredes sustentavam seu palpite. Essas sombras eram largas, tubulares e espaçadas a distâncias regulares.
Colunas, concluiu Langdon.
O teto da tal caverna era sustentado por colunas.
Aquela lagoa não ficava dentro de uma gruta, mas no interior de um enorme recinto.
Descei às profundezas do palácio afundado...
Antes que ele pudesse dizer qualquer coisa, sua atenção foi atraída pela aparição de outra sombra na parede: uma silhueta humanoide com nariz comprido em formato de bico.
Ai, meu Deus...
A sombra então começou a falar, suas palavras abafadas, meros sussurros se propagando por sobre as águas em um ritmo poético, sinistro.
Eu sou a sua salvação. Eu sou a Sombra.
Langdon passou vários minutos assistindo ao filme mais aterrorizante que já vira. Composto pelo que eram desvarios de um gênio enlouquecido, o solilóquio de Bertrand Zobrist – declamado pela sombra do médico da peste – era repleto de referências ao Inferno de Dante e transmitia uma mensagem bem clara: o aumento da população humana estava fora de controle, comprometendo a própria sobrevivência da humanidade.
Na tela, a voz entoou:
Não fazer nada é o mesmo que acolher o Inferno de Dante... amontoados e famintos, chafurdando em Pecado. Por isso tive coragem de tomar uma atitude. Alguns se encolherão de horror, mas toda salvação tem seu preço. Um dia o mundo irá entender a beleza do meu sacrifício.
Langdon se encolheu quando Zobrist em pessoa surgiu na tela, sem aviso, vestido como o médico da peste e arrancando a máscara em seguida. O professor encarou aquele rosto magro e seus olhos verdes insanos e percebeu que enfim estava diante do rosto do homem no centro daquela crise. Zobrist começou a declarar seu amor por alguém que chamava de sua inspiração.
Eu deixei o futuro em suas delicadas mãos. Meu trabalho aqui embaixo acabou. Chegou minha hora de voltar à superfície... e vislumbrar novamente as estrelas.
Ao final do vídeo, Langdon reconheceu as derradeiras palavras de Zobrist: eram uma cópia quase exata do último verso do Inferno de Dante.
Na penumbra da sala de reunião, entendeu que todos os momentos de medo que experimentara naquele dia haviam acabado de se cristalizar em uma única e aterrorizante realidade.
Bertrand Zobrist agora tinha um rosto... e uma voz.
As luzes da sala se acenderam e Langdon viu que todos os presentes tinham os olhos fixos nele, cheios de expectativa.
Elizabeth Sinskey se levantou, com uma expressão petrificada no rosto, e alisou com nervosismo o amuleto em seu pescoço.
– Professor, uma coisa é certa: nosso tempo é muito curto. A única boa notícia até agora é que não tivemos nenhuma ocorrência de detecção de patógeno ou relatos de doença, então estamos partindo do princípio de que o saco de Solublon continua intacto. Mas não sabemos onde procurar. Nosso objetivo é neutralizar a ameaça, isolando o saco antes que ele se rompa. O único jeito de fazer isso, claro, é identificar imediatamente o local que aparece no vídeo.
O agente Brüder então se levantou e encarou Langdon com firmeza.
– Supomos que o senhor tenha vindo a Veneza por ter descoberto que foi aqui que Zobrist escondeu sua peste.
Langdon correu os olhos pelo grupo ao seu redor, todos aqueles rostos contraídos de medo, torcendo por um milagre, e desejou ter notícias melhores para lhes dar.
– Estamos no país errado – anunciou. – O que vocês buscam está a mais de 1.500 quilômetros daqui.
Langdon sentiu suas entranhas estremecerem por causa do forte ronco dos motores do Mendacium, que acelerava fazendo uma curva bem aberta e voltando em direção ao aeroporto de Veneza. A bordo, um pandemônio havia se instaurado. O diretor saíra correndo da sala, gritando ordens para a tripulação. Elizabeth Sinskey pegara o celular e telefonara para os pilotos do C-130 da OMS, ordenando-lhes que estivessem preparados para decolar do aeroporto de Veneza o mais rápido possível. O agente Brüder, por sua vez, saltara para a frente de um laptop para tentar coordenar algum tipo de equipe avançada internacional em seu destino.
A meio mundo daqui.
O diretor então voltou para a sala de reunião e se dirigiu a Brüder com um tom de urgência.
– Alguma novidade das autoridades venezianas?
Brüder fez que não.
– Nada. Eles continuam procurando, mas Sienna Brooks desapareceu.
Langdon se sobressaltou. Eles estão procurando Sienna?
Elizabeth Sinskey encerrou a ligação e também entrou na conversa.
– Nenhum sinal dela?
O diretor balançou a cabeça.
– Se a senhora concordar, creio que a OMS deveria autorizar o uso de força para detê-la, caso seja preciso.
Langdon se levantou com um pulo.
– Por quê?! Sienna Brooks não tem nada a ver com essa história!
Os olhos escuros do diretor se fixaram nele.
– Professor, preciso lhe contar algumas coisas sobre a Srta. Brooks.