A praia da Cordoama é um pequeno e recôndito pedaço de paraíso que fica junto a Vila do Bispo, no especialíssimo Barlavento algarvio. É uma zona do país onde eu ia bastante há vinte anos e da qual gosto muito. Esta praia fica nos pés de um monte verdejante, é relativamente chato chegar lá, não tem rede de telemóvel. Não mudou nada, no essencial, desde a última vez que eu lá tinha ido, no final da década de 90 do século passado. A não ser na quantidade de turistas estrangeiros. Eram muitos, especialmente americanos. Eu fui lá fazer aquilo que gosto de fazer hoje em dia nos meus tempos livres entre concertos: surf. Aluguei uma prancha, e a menina da loja não falava português, ficou muito espantada de aparecer um português. Isso foi realmente surpreendente, para mim. Depois da minha prática imérita do dito desporto, sentei-me na esplanada a almoçar. O restaurante estava cheio e eu era o único português. Nas mesas ao lado, americanos. Toda a gente acha os americanos isto e aquilo, mas no fundo toda a gente se empolga na presença da espécie. «Ei, olha um americano», e ficamos logo corados, a pulsação aumenta, todos temos algo de servil na presença dos fornecedores da cultura que o mundo adoptou. Falam como nos filmes, parecem-se como nos filmes, o mundo odeia-os e venera-os ao mesmo tempo, somos os colonizados e eles os colonizadores, tudo há-de ser perfeitamente natural. Por muito que não gostemos de ver as nossas praias mais exclusivas, mais reservadas, os nossos segredos mais bem guardados invadidos assim desta maneira, algo em nós se envaidece. É por isso que o Miguel Esteves Cardoso diz que em poucos anos nós, os portugueses, passámos de ter vergonha de Portugal para acharmos que somos os melhores do mundo em tudo. Não pude evitar ouvir a conversa, esta língua das séries e dos filmes é a segunda primeira língua dos da minha geração em diante. Numa das mesas, um casal de Santa Barbara. Na mesa ao lado, um pai e um filho, ainda criança, de Cleveland. O serem americanos fê-los conversar de imediato, o país é o mesmo, a cultura e a língua são as mesmas. Nenhum tinha alguma vez ido às terras do seu interlocutor, isso acontece por lá. A distância que vai de Santa Barbara a Cleveland é a mesma que vai do Porto a Estocolmo. A mesma moeda, a mesma União Europeia, mas um portuense não conversa com um cidadão de Estocolmo da mesa ao lado. Não acontece. Mas os americanos conversam. Falavam de Portugal, claro, era isso que os unia naquela circunstância. Falavam como nós falamos quando encontramos outro português num país que julgamos menos civilizado que o nosso. Com desprimor, contando episódios anedóticos de gente mal preparada para fornecer serviços turísticos, rindo de histórias caricatas de gente inocente e ingénua, abaixo do limiar do civismo básico. Entretanto, o de Santa Barbara dizia ao de Cleveland que também há coisas decentes por aquelas bandas, como por exemplo o golfe. Os brits haviam descoberto Portugal no final dos anos 70, esclarecia. Alguma explicação teria de haver. Eu estava irritado, acossado no meu ego luso, como é natural. O de Cleveland justificava a sua opção por um resort, desculpando-se, apondo o disclaimer de que até nem é nada de resorts. «Não ser de resorts já vai em americanos de boné de beisebol» , pensava eu amargo e ofendido, sentindo-me mais civilizado do que um americano de boné. Os de Santa Barbara tinham um filho a estudar em Rabat, ali perto. Uma experiência enriquecedora, diziam. Dali, aproveitariam para visitar a Europa, que ficava tão pertinho de Portugal, facto geográfico que, aparentemente, não se afigurara tão óbvio ao de Cleveland.
Eles apreciaram as praias, o clima, essas coisas assim. Portugal, pareceu-me pela conversa, era um estorvo, uma inconveniência, algo que se intrometia entres eles e as tais praias, o tal clima, tudo coisas que já aqui estavam antes de isto ser Portugal e que por cá hão-de continuar quando um dia deixar de ser. Eles foram para a Europa e eu arranquei para Vilamoura, posto que era lá o serviço dessa noite.