Eu sou assinante da Netflix, bem como do Spotify, pois há muitos anos que julgo ser este o caminho para o fornecimento/ /abastecimento de conteúdos. «Conteúdos» será mesmo a palavra certa, pois as formas sucedem-se, dão lugar às novas, descontinuam aquelas que lhes eram precedentes, e o objecto que num dia é norma passa a obsoleto num piscar de olhos. E, apesar de ser um ávido cliente do Spotify, a verdade é que não pego muito na Netflix, pois raramente me interessa o que lá vem. Tenho boa vontade, tento ver as séries obrigatórias, vejo até ao sexto ou sétimo episódio como um ganso que se deixa engordar voluntariamente por um funil, mas depois largo. Nada me prende, nada me interessa. Mas há uma série que justifica o pagamento da assinatura e as catrefadas violentas e penosas de breaking bads e narcos a que os amigos me sujeitam. É a maravilhosa, importantíssima série Comedians in Cars Getting Coffee, do magnânimo, nobre e sábio Jerry Seinfeld. Não fui propriamente um grande fã da sitcom Seinfeld, pela simples razão de que não sou fã de série nenhuma, nunca. (Excepção feita à genial How I Met Your Mother, única que vi e revi na íntegra.) Mas esta série de conversas entre comediantes é absolutamente importante, maravilhosa. O Seinfeld, que é o rei intocado da comédia americana, conduz estas conversas com uma elegância, humildade e genuíno interesse pelo parceiro de conversa, que leva a que o assunto, a seiva, o sumo desses encontros seja de uma riqueza inestimável até para quem não se interessa por comédia, até para quem (como eu) desconhece quem são mais de metade dos intervenientes. Num encontro com o Dave Chappelle, ambos reconhecem a importância de conviver com colegas de profissão. «Superheroes need to be around other Superheroes», admitem. Há algo de superiormente humilde na imodéstia de alguém se reconhecer como um super-herói. Talvez seja essa a humildade suprema. A de reconhecer a importância da sua importância. É nessa conversa que o Seinfeld pergunta ao companheiro de profissão se não sentiu também, a determinada altura da sua vida, o dever de fazer o que faz, uma vez que se sabia capaz de o fazer. É essa a importância suprema da vida, aquela que ninguém nos ensina na escola. Eu tirei um curso de Gestão e toda a gente falava do Não-Sei-Quantos que inventou o post-it e ficou milionário, ou dos papéis higiénicos às cores, e anda tudo filado em ficar milionário com uma destas coisas, anda tudo a pensar em ter ideias milionárias. Mas as ideias não funcionam assim. As ideias aparecem, buzinam à porta da pessoa escolhida, perguntam se a pessoa quer entrar apesar de serem quatro da manhã e a pessoa estar a dormir, estar de pijama, não ser de todo conveniente, a pessoa ainda pergunta onde é a ida, mas a ideia diz que não sabe, não faz ideia, mas que será ela (a ideia) a guiar o carro, então a pessoa decide se entra no carro e se deixa levar até onde a ideia quiser ir. Mas isto não nos ensinam na escola. Não se aprende em lado nenhum. Tentam ensinar-nos a guiar o carro das ideias. Mas no carro das ideias não vai nunca nenhuma ideia, a menos que seja ela a segurar o volante. E isso não se aprende no Breaking Bad nem na Casa de Papel nem na faculdade de Gestão. Aprende-se no Comedians in Cars Getting Coffee, do brilhante e sábio Jerry Seinfeld. Está lá tudo de quanto é essencial na vida. Do dever (mais do que do direito) a um conceito superior de felicidade. Das dificuldades de um verdadeiro trabalho. Das cumplicidades entre pessoas brilhantes, verdadeiras, que entregam as suas vidas a um ofício nobre, superior. E nós todos aqui a tentar inventar novos post-its e novos papéis higiénicos às cores. E depois eles é que são os palhaços.