O DOSTOIÉVSKI DOS TRÓPICOS

O DOSTOIÉVSKI DOS TRÓPICOS

Em mangas de camisa, o diretor da Instrução Pública chegou ao grupo escolar de um bairro populoso de Maceió. Salas vazias, crianças invisíveis. As oito professoras, sem ter o que fazer, conversavam no gabinete da diretora. Quando Graciliano se apresentou, o silêncio varou as paredes.

– Por que a escola não está funcionando? – perguntou.

A diretora gaguejou para explicar que o regulamento não permitia a entrada de alunos descalços e sem uniformes. O bairro era paupérrimo, os pais não podiam fazer despesas e, por isso, os filhos ficavam sem estudar. Com a fisionomia contraída, o diretor balançou a cabeça e se retirou.

Horas depois, ordenou a compra de sapatos para todos os alunos. A encomenda foi entregue com uma circular assinada por Graciliano, determinando que as professoras percorressem o bairro, casa por casa, e dissessem aos pais que as crianças já podiam frequentar as aulas.

Logo, a escola parecia outra: salas superlotadas, porém com alunos sentados no chão por falta de mesas e cadeiras. Para contornar o problema, Graciliano mandou colocar caixotes até que o mobiliário fosse adquirido. Não se contentou com isso. Fardos de sarja azul e morim branco, para a confecção de uniformes, encheram os depósitos da Instrução. Relembrando a época da loja Sincera, ele próprio pegou a tesoura e cortou a fazenda, conforme as medidas. Com a ajuda de dois funcionários, embrulhou as peças, escrevendo em cada uma o nome dos alunos.

A partir daí, Graciliano trocou a burocracia no Palácio dos Martírios por inspeções sem aviso prévio, nas quais detectava as carências e buscava soluções. Sem carro oficial a servi-lo, saía cedo de casa, na praça do Montepio (hoje Joaquim Leão), e mal tinha tempo para almoçar.

Os resultados não tardaram. Em poucos meses, triplicou o volume de material escolar distribuído gratuitamente; aumentou o número de vagas instituindo o regime de turnos; criou o serviço de fiscalização de ensino; ampliou as Juntas Escolares; e iniciou a seleção de novos professores para preencher as lacunas no quadro.

Uma autêntica corrida para recuperar o terreno perdido pela incúria dos governos passados, como ressaltaria em relatório de 1935: “Depois da Revolução, adotaram o sistema de criar grupos escolares que, para bem dizer, só existiam nos decretos. Armava-se um grupo no papel, nomeava-se o corpo docente e depois se procurava uma casa, sem nenhuma aparência de escola”.

O segredo de sua eficiente gestão na Instrução Pública foi, segundo o escritor Carlos Moliterno, “o sentido realista de ver as coisas, dando aos problemas educacionais as dimensões que a realidade exigia”. O interventor Afonso de Carvalho se rendeu a seus esforços, em setembro de 1933, durante visita do presidente Getulio Vargas a Maceió. Ao discursar, Carvalho exibiu como trunfo o aumento das matrículas escolares: 10.278, o que equivalia à frequência de dois semestres no ano anterior.

Mas nem sempre as relações com o interventor foram um mar de rosas.

Certa vez, Graciliano o levou a uma escola da periferia onde se procurava reverter a situação de abandono. As carências ainda existentes desagradaram Afonso de Carvalho.

– O senhor me traz aqui para ver essa miséria toda?

Graciliano retrucou:

– É o que tenho para mostrar.

Os dois se desentenderam quanto à construção de novas escolas. O interventor, por razões políticas, queria ampliar a rede. O diretor da Instrução Pública ponderava que era preciso, primeiro, reformar as unidades existentes. Ao recordar a controvérsia, Graciliano comentaria com o escritor Emil Farhat: “Cansei-me de receber relatórios contando como os bichinhos desmaiavam de fome nas escolas das zonas mais pobres. Necessidade havia era de se fazer cozinhas nas escolas que já existiam”.

O meio-termo contentaria a gregos e troianos. À medida que reparava escolas caindo aos pedaços, Graciliano construía outras em Murici, Pão de Açúcar, Atalaia, São José da Laje e Delmiro Gouveia, assim como iniciaria obras em Maceió, Rio Largo, Coruripe, São Miguel de Campos, Anadia, Quebrangulo e Santana do Ipanema.

Rígido na aplicação das normas – exatamente como na Prefeitura de Palmeira dos Índios –, Graciliano intimou o amigo e poeta Jorge de Lima a assumir a cadeira de literatura e línguas latinas no Liceu Alagoano. Como queria professores de qualidade, promoveu concurso para Théo Brandão ensinar higiene e puericultura na Escola Normal. E trabalhou pela readmissão do médico e professor Álvaro Dória no Liceu.

As professoras rurais concursadas trabalhavam em condições adversas, recebendo salários de fome. Quando Graciliano autorizou a equiparação às professoras da capital, a chiadeira das normalistas foi enorme. Mas ele não se abalou e confirmou a medida de justiça.

A sua aversão ao clientelismo, aos favorecimentos e ao tráfico de influência provocou descontentamentos. Chefes do interior às vezes exigiam transferências de professoras a seu bel-prazer. Como atender aos pedidos sem dramas de consciência? Resistia o quanto podia e isso, evidentemente, solapava-lhe a sustentação no governo.

Secretário do prefeito Edgard de Góis Monteiro, Aurélio Buarque de Holanda encaminhou a Graciliano uma senhora idosa que desejava um lugar de florista na Escola Profissional Feminina. Após ser recebida na Instrução Pública, ela retornou aborrecida, mostrando o cartão que Graciliano endereçara à diretora da Escola.

– Olha, seu secretário, eu não posso levar este cartão. Já não sou menina e nunca na minha vida sofri uma desfeita. Aquele homem quis fazer pouco de mim.

Aurélio, que bem conhecia Graciliano, não se importou tanto quanto ela ao ler o cartão por ele assinado: “d. Carmen. A portadora pretende um lugar de florista nessa escola. Há disso por aí? Diz ela que sabe fazer flores tão perfeitas que enganam as abelhas”.

Graciliano procurava driblar também as professoras do interior que pleiteavam remoção para outras escolas, muitas vezes por simples desavenças pessoais. Em uma ocasião, ouviu pacientemente a cantilena de uma delas contra o presidente da Junta Escolar de Quebrangulo.

– Se a senhora não está satisfeita lá, pode-se dar um jeito. Posso transferi-la para Jacaré dos Homens.

A professora se alarmou:

– Pelo amor de Deus, seu diretor! Um fim de mundo! É sair do purgatório para o inferno.

Graciliano apontou no mapa Jacaré dos Homens.

– Está vendo? É perto. A senhora exagera.

Tragou o cigarro observando o desalento da mulher.

Mas a maior celeuma foi a sua portaria proibindo que o Hino de Alagoas – “uma estupidez com solecismos” – fosse cantado nas escolas públicas. Uma decisão radical e intempestiva que o incompatibilizaria com meio mundo. Acusado de impatriótico, não se perturbou: “Tenho horror aos patriotas, aos hinos e aos toques de corneta. Sem dúvida, essas coisas são indispensáveis, por enquanto, mas isto não me levava a gostar delas. Horríveis”.

A proibição do hino, na opinião do escritor alagoano Paulo de Castro Silveira, biógrafo de Graciliano, além de ter afrontado uma tradição cívica, foi um ato infeliz e injusto: “A letra não chega a ser um primor. Mas não existe tanta agressão à sintaxe”.

Décadas mais tarde, Heloísa Ramos comentaria o episódio:

Não conheço ninguém que fosse mais patriota do que o Grace, mas qualquer pessoa de bom-senso, com um mínimo de gosto, acharia uma lástima a letra que falasse “Alagoas, estrela radiosa/ que refulges ao sorrir de manhã/ alma pulcra de nossos avós...”. Já imaginou isso cantado todo dia de manhã? Ele tinha mais é que proibir. Mas nas noites do Rio, anos depois, quando saía com amigos, o Zé Lins do Rego e outros, acabavam todos nas dunas da praia de Ipanema, morrendo de rir e cantando o Hino de Alagoas.

(Recuemos no tempo. Vinha de longe a birra de Graciliano com hinos. Em uma crônica publicada em O Índio, em fevereiro de 1921, ele dirigia impropérios contra exaltações descabidas em linguagem rebuscada: “O Brasil pode gabar-se de possuir uma coisa como em nenhuma parte talvez exista: canções belicosas. Gente de espinhaço mole, pernas bambas, cachaço envergado, cantando hinos guerreiros! E que hinos! É um cogumelar de patriotadas de fazer cair o queixo. Bojudas, infladas de palavrões difíceis; cabeludas, incompreensíveis – as patriotices rimadas são a causa das enxaquecas de muita gente que tem ouvidos para ouvi-las, mas não tem estômago suficientemente forte para digeri-las”.)

* * *

E Caetés?

Graciliano passou 1932 a ponto de explodir com a demora na publicação do livro. A cada cobrança, Schmidt reiterava a promessa de editá-lo. Irritado com a protelação, Graciliano exigiu por carta a imediata devolução dos originais, como informava a Heloísa em 8 de outubro de 1932:

Promessas como essa o Schmidt tem feito às dúzias: não valem nada. Escrevi a ele rompendo todos os negócios e pedindo a devolução duma cópia que tenho lá. Assim é melhor. A publicação daquilo seria um desastre, porque o livro é uma porcaria. Não me lembro dele sem raiva. Não sei como se escreve tanta besteira. Pensando bem, o Schmidt teve razão e fez-me um favor.

Por que Schmidt não se decidia? De fato a editora atravessava turbulências financeiras, mas a verdade nua e crua é que o editor simplesmente perdera os originais e não tinha coragem de comunicar-lhe o fato.

Ao receber a carta de Graciliano, Schmidt entrou em parafuso. O escritor José Geraldo Vieira, ao chegar à editora, encontrou-o andando de um lado para o outro e repetindo aos berros:

– Caetés! Caetés! Caetés!

Rodando na cadeira giratória, perguntou:

– Será que o esqueci no táxi ontem, quando fui em casa de Nazaré Prado?

Daí a pouco imaginava ter deixado os papéis em um banco da barca para Paquetá. Não adiantava forçar a mente – tinham sumido mesmo. Graciliano incumbiu Alberto Passos Guimarães, temporariamente vivendo no Rio, de procurar Schmidt em seu nome para reaver os originais. Santa Rosa e Jorge Amado inventaram, para intimidar o editor, que Alberto fora contratado por Graciliano para processá-lo, caso não devolvesse o texto.

Schmidt foi salvo pelo gongo. Em uma revista minuciosa, achou Caetés no mais prosaico dos esconderijos: em sua capa de chuva.

Antes que os originais seguissem para Maceió, foram lidos por Jorge Amado. No início de 1933, Jorge partiu no pequeno navio Baependi com destino a Maceió, para conhecer Graciliano, tão empolgado estava com o romance. Fez uma escala em Aracaju, para ver uma namorada, e de lá seguiu até o porto fluvial de Penedo, no rio São Francisco, em Alagoas, de onde um carro, conseguido por Valdemar Cavalcanti, conduziu-o a Maceió.

“Eu queria comunicar de viva voz ao ex-prefeito de Palmeira dos Índios, cujo nome ainda não tinha qualquer ressonância junto aos leitores e aos críticos, a minha admiração por Caetés”, lembraria Jorge, na época com vinte anos.

Ele jamais esqueceu a primeira vez que viu Graciliano, na mesa de um bar, tomando café preto em xícara grande, cercado pelos intelectuais da terra. “Todos eles reconheciam a ascendência do autor ainda inédito, que era o centro da roda”, contaria. “Ficamos amigos imediatamente. Levou-me para jantar em sua casa, onde conheci Heloísa e a criançada.” A imagem de Graciliano se arquivou em seu cérebro: “chapéu palheta, a bengala, o cigarro, face magra, sóbrio de gestos”.

Jorge se entrosou com os jovens escritores alagoanos, comeu sururu até enjoar e descobriu, nas noites de boêmia, ciceroneado por Aurélio Buarque de Holanda, Lindinalva, a loura com sardas no rosto que recriaria em Jubiabá.

Mas não fora a Alagoas apenas para fazer turismo literário. Augusto Frederico Schmidt havia lhe pedido que persuadisse Graciliano a devolver Caetés, prometendo que prontamente iria para o prelo. Jorge entabulou conversa, mas o diretor da Instrução Pública se esquivou: “Em 1933 Jorge Amado me visitara em Alagoas, dissera que Schmidt queria editar o livro, mas não me convinha o negócio; julgava-me então capaz de fazer obra menos ruim, meses atrás concluíra uma novela talvez aceitável [São Bernardo]”.

Em segredo, Jorge convenceu Heloísa a entregar-lhe os originais. E assim o livro voltaria às mãos de Schmidt, sem que Graciliano desconfiasse. Quando o complô lhe foi revelado, já era tarde.

A Schmidt Editora lançou o romance em dezembro de 1933. Na dedicatória, uma homenagem aos três artífices da publicação: Jorge Amado, Alberto Passos Guimarães e Santa Rosa (autor da capa). Estreia tardia: nosso autor acabara de fazer 41 anos.

A repercussão da obra não poderia ter sido melhor. O severo crítico Agripino Grieco, de O Jornal, não mediu elogios: “Caetés é um belíssimo trabalho, dos que mais me têm deliciado nestes Brasis, em qualquer tempo. Romance bem pensado, bem sentido, bem escrito e com o mínimo de romance possível”.

No Boletim de Ariel, importante revista literária do Rio de Janeiro, Aurélio Buarque de Holanda ressaltou a técnica apurada de Graciliano: “Escreve como quem passa telegrama, pagando caro por palavra. Seu livro é excelentemente construído: nele nada se perde e nada falta”.

José Lins do Rego foi além, no Jornal de Alagoas: “Caetés é o que há de mais real e amargo sobre as nossas gentes das cidades pequenas, uma crônica miúda e intensa sobre o brasileiro que não anda em automóvel e não veste casaca”.

Nem com essas linhas de louvor Graciliano pouparia Caetés; até o último de seus dias, menosprezaria o livro. Em se tratando de uma pessoa que preferia diminuir-se a reconhecer publicamente o talento, é preciso dar o devido desconto ao fel derramado. As dedicatórias nas futuras edições darão uma exata noção de sua aparente aversão.

A Moacir Werneck de Castro: “Moacir, esta coisa horrível foi reproduzida por necessidade”.

A Raul Lima: “Meu velho Raul: aqui lhe trago de novo esta literatura de Palmeira dos Índios, uma desgraça, é claro”.

A Nelson Werneck Sodré: “Nelson, vai aí esta porcaria”.

A Cassiano Nunes: “Peço-lhe que não leia esta droga. É pavorosa”.

A Antonio Candido: “A culpa não é apenas minha: é também sua. Se não existisse aquele seu rodapé [resenha de Candido elogiando Caetés], talvez não se reeditasse isto”.

Candido observa que “raras vezes se encontrará escritor de alto nível que deprecie tão metodicamente a própria obra”, acrescentando: “Há em Graciliano uma espécie de irritação permanente contra o que escreveu; uma sorte de arrependimento que o leva a justificar e quase desculpar a publicação de cada livro, como ato reprovável”.

O historiador Nelson Werneck Sodré aduziria que “a autocrítica era demasiado rigorosa, porque Caetés, não sendo o melhor Graciliano, era melhor que o resto que se escrevia no país, na época”.

Primeira experiência de fôlego, Caetés deve ter embaçado a lupa perfeccionista de Graciliano. O excesso de diálogos, por exemplo, dá-nos a impressão de estarmos lendo uma peça de teatro. E há, como em toda prosa naturalista, o absoluto predomínio da descrição de quadros em detrimento da análise da totalidade social. Sem contar a indisfarçável influência de Eça de Queirós, apontada por críticos como Agripino Grieco, Wilson Martins, Antonio Candido, Aurélio Buarque e Prudente de Morais, neto. “O romance é construído sob a visível inspiração do partido adotado por Eça de Queirós, em A ilustre casa de Ramires, com a alternância de dois planos na narrativa – o da suposta realidade e o do livro que o ‘narrador’ estaria escrevendo”, anotaria Prudente.

O romancista português, com efeito, seria lido várias vezes por Graciliano. “Eça é um dos meus deuses”, confessou a Aurélio Buarque. Com notório exagero, revelou ter lido Os Maias nada menos que cinquenta vezes! Apertado, reduziu a dez o espantoso número.

* * *

Se Caetés transmite a impressão de preâmbulo na obra de Graciliano, São Bernardo prova o seu inegável amadurecimento. Esgrime, com segurança e inventividade, a técnica narrativa e o veio estilístico. Antes mesmo de o livro ser editado, Graciliano exprimiu a consciência do voo mais alto. Em carta a Aloísio Vilela, de 8 de março de 1934, afirmou, com a costumeira contenção: “É um romance que não descontenta; creio que está apresentável. Talvez me engane, mas acho-o muito diferente do outro”.

Diferente até na relativa rapidez com que chegou às livrarias. Gastão Cruls, escritor e proprietário da Ariel Editora, responsável pelo Boletim de Ariel, enviou-lhe, em 29 de março de 1934, uma carta propondo publicação até agosto ou setembro, com 2 mil exemplares. Condições do contrato: 10% de direitos autorais sobre o preço bruto da edição, sendo 5% seis meses após o lançamento e 5% quando a edição estivesse totalmente esgotada.

Datilografado por Valdemar Cavalcanti, São Bernardo atrasaria dois meses, sendo publicado em novembro de 1934, com tiragem de mil exemplares apenas. “Se o seu Caetés não tivesse tido uma tão má divulgação e distribuição, eu não hesitaria em fazer 2 mil exemplares”, alegou Cruls.

Agripino Grieco voltou a elogiar: “Leia-se o romance sem apriorismo, admita-se a maneira do autor, sem rebeldia em aceitá-lo tal qual é, e reconhecer-se-á que ele é um notável romancista”.

Octavio Tarquínio de Sousa, que via em Graciliano “a narrativa despojada de qualquer ornato”, característica de Machado de Assis, sublinhou a capacidade do autor de construir um personagem com a “humanidade e a marca de autenticidade” de Paulo Honório. “É o livro de um escritor perfeitamente senhor de seu ofício, cujos personagens nada têm de fantoches, vivendo e movendo-se no quadro social ou no ambiente doméstico de sua formação, em carne e osso, integrados na condição humana.”

Carlos Lacerda, iniciando a carreira na Revista Acadêmica, também aplaudiu: “O que havia de excessivamente Machado de Assis em Caetés perdeu a sua rigidez em São Bernardo. Aí tudo está quente, pulando nas mãos do romancista, pronto para saltar e ganhar mundo, impulsionado pela força da verdade que encerra”.

São Bernardo provocou uma polêmica entre Jorge Amado e Augusto Frederico Schmidt, que havia escrito uma resenha no Diário de Notícias com senões ao livro. Jorge saiu em defesa de Graciliano no Boletim de Ariel, atribuindo “a má vontade” de Schmidt a “motivos de política literária”. Que eram basicamente três, segundo o escritor baiano: Schmidt se incompatibilizara com Graciliano pelos problemas surgidos com Caetés; procurara atingir a concorrência de outra editora; e criticara um livro que não havia lido, “como velho costume seu”. Schmidt evitou a tréplica.

Nas cartas a Heloísa, que passava temporada em Palmeira dos Índios, Graciliano comentou artigos publicados em Minas Gerais e no Pará, mal disfarçando a vaidade de ter sido comparado ao mestre russo Fiódor Dostoiévski. Ambos, de acordo com os críticos, empreendiam um mergulho nas profundezas mais escuras da alma humana. “O paraense ataca a minha linguagem, que acha obscena, mas diz que eu serei o Dostoiévski dos Trópicos. Uma espécie de Dostoiévski cambembe, está ouvindo?”