V. O covil das fofocas

— Eu pedi peitos disformes, barriga e bunda monstruosas — protestou Rolando Garro, sacudindo as fotografias como se fosse jogá-las na cara do fotógrafo que, intimidado, deu um passo para trás. — E você me vem com esta mocinha de boa aparência. Acho que não me entendeu, Ceferino. Será que falei tão difícil que essa sua cabecinha de braquicéfalo não conseguiu captar?

— Sinto muito, senhor — balbuciou Ceferino Argüello. O fotógrafo da Revelações era um caboclinho de idade indefinida, esquálido, com o cabelo liso escorrendo até os ombros, sobrancelhas espessas, usando uma velha calça jeans e chinelos de dedo. Olhava com os olhos esbugalhados para o diretor da revista, morrendo de medo. — Posso voltar ao show esta noite e tirar outras, senhor.

Garro parecia não ter escutado. Fulminava o outro com seu olhar e a fúria da sua voz.

— Vou explicar de novo, vamos ver se desta vez a coisa entra na sua cachola de brontossauro — disse, com uma cólera surda. Da sua mesa dominava todo o pequeno aposento que era a redação da revista, um velho casarão de dois andares na rua Dante, em Surquillo, e podia observar que a meia dúzia de redatores e repórteres estava com a cabeça enfiada em seus computadores ou papéis; nenhum deles, nem Estrellita Santibáñez, que era a mais curiosa, se atrevia nem sequer a virar os olhos para espiar a dura que ele estava dando no fotógrafo. Àquela hora da manhã já havia barulho de caminhões, gritaria de vendedores e um intenso ir e vir de transeuntes pelo bairro, nas imediações do mercado próximo.

— Claro que entendi bem, senhor — murmurou o fotógrafo. — Juro que entendi.

— Não! Não entendeu nada — gritou Rolando Garro, e Ceferino Argüello recuou mais um passinho. — A ideia não é fazer publicidade nem aumentar os cachês da caolha. A ideia é jogá-la na lama, desmoralizá-la para sempre. A ideia é que fique de fora do show porque é feia, velha e não sabe rebolar. Essas fotos vão ilustrar um artigo onde dizemos que graças à caolha o espetáculo do Monumental está virando uma porcaria que ninguém aguenta mais. Que ela, além de não saber dançar nem cantar, se tornou um monstro de feiura, e que seu lugar não é no palco, mas em filmes de terror. Deu para entender, ou ainda não entrou na sua cabeça?

— Claro que entendi, senhor — repetiu o fotógrafo. Estava lívido, falando com dificuldade, e era óbvio que queria sair dali o quanto antes. — Juro pela minha mãe que entendi.

— Está bem. — O diretor jogou no chão as fotos que tinha na mão. Apontou para elas dizendo a Ceferino Argüello: — Jogue este lixo no lixo, por favor.

Viu o fotógrafo se agachar para pegá-las e depois sair, todo encolhido. Reinava um silêncio absoluto naquele recinto apertado, que devia ter sido a sala de jantar da casa antes de se transformar em redação de um semanário. As mesinhas rústicas estavam encostadas umas nas outras por falta de espaço e as paredes descascadas fervilhavam de capas já desbotadas de números antigos da Revelações, com nus suntuosos e manchetes escandalosas. Rolando Garro voltou para sua mesa, colocada sobre um estrado, o que lhe dava uma visão completa de toda a equipe. Tentou se acalmar. Por que tinham lhe irritado tanto essas fotos ruins da caolha que o fotógrafo lhe trouxera? Teria sido severo demais com o pobre Ceferino Argüello que, sem saber nem querer, lhe fez um grande favor com aquelas fotos de Chosica? Talvez. E o humilhou na frente de toda a redação. Qualquer pessoa com um pouco de dignidade pediria demissão. Mas ele era pobre demais para se dar ao luxo de ter dignidade, e também, provavelmente, casado e com filhos, de maneira que ia ter que engolir a humilhação e continuar na revista porque dependia do salário que ganhava ali para sobreviver. Mas, sem dúvida, iria odiá-lo mais um pouco. Por outro lado, o caso das fotos de Chosica mantinha Ceferino amarrado a ele. Ora, pensou, achando graça, se tudo corresse bem lhe daria um bom presente. Ser odiado pelos outros não era coisa que tirasse o sono de Rolando Garro. Até lhe dava certa satisfação: ser odiado era ser temido, um reconhecimento. Coisa que os peruanos faziam muito bem: lamber as botas que os chutavam. Prova disso? Fujimori e o Doutor. Bem, já era hora de esquecer o desmazelado do Ceferino e voltar a trabalhar.

Na verdade, não estava zangado com ele, e sim com a caolha. Por quê? Porque a tinha visto e ouvido na televisão, uns dois meses antes, nada menos que num programa popular como o de Magaly, dizendo que era uma vergonha a existência de revistas como a Revelações, nas quais os artistas eram expostos a campanhas de desmoralização e calúnias sobre sua vida particular. E a caolha dizia essas coisas esbugalhando os olhos e negando vigorosamente que a polícia a tivesse encontrado fazendo amor com um homem num táxi, como afirmou a revista sensacionalista do sr. Rolando Garro. Imaginou a caolha nua, fazendo amor dentro de um calhambeque com uma escória humana igual a ela. Que nojo! Quem seria o pobre-diabo que ficava de pau duro com aquele bagre adiposo? A partir desse dia meteu na cabeça que iria acabar com ela, deixá-la no olho da rua. Mas para isso havia necessidade de uma boa pesquisa. E já estava feita. A Baixinha tinha realizado um excelente trabalho, como sempre. O mundo ia cair em cima dela, perderia o trabalho e teria que virar puta para não morrer de fome. Garro tinha avisado com toda a clareza ao gerente do Monumental: “Enquanto a caolha estiver dançando no seu show, vou fazer você suar frio, compadre”. Era uma fórmula que fazia tremer os roteiristas de rádio e televisão, os produtores e bailarinos dos espetáculos de music hall e da telinha e, claro, toda a fauna que a caolha chamava de “os artistas”.

Levantou-se e chamou Julieta Leguizamón. A Baixinha era tão pequena que, vista de costas, podia passar por menina. Morena, de cabelo crespo, sempre de tênis, com uma calça de moletom e uma blusa amarrotada, magrinha e frágil, havia nela contudo algo impressionante: seus grandes olhos incisivos e inteligentes, sempre possuídos por uma estranha imobilidade impassível que Rolando Garro só tinha visto em certos animais. Pareciam perfurar as pessoas, faziam aqueles que ela olhava se sentirem constrangidos como se estivessem com suas vergonhas à mostra.

— Como está o artigo, Baixinha?

— Saindo, falta pouco — disse ela, cravando-lhe aqueles olhos que nunca piscavam, geralmente frios com todo o mundo, menos com ele, pois a Baixinha professava uma devoção canina por Rolando. — Não se preocupe; descobri muitas coisas novas sobre a caolha. Que vão machucar, garanto. Ela esteve internada numa casa de detenção quando era jovem, por algum delito menor. É mentira que tenha sido cantora e bailarina profissional no México. Não há qualquer prova disso. Fez dois abortos com uma parteira muito popular, uma negra de Cinco Esquinas que eu conheço. Conhecida como Limbômana, imagine só. E, o melhor de tudo, uma filha da caolha está na penitenciária feminina por tráfico de drogas.

— Formidável, Baixinha — Rolando deu uma palmadinha no braço da sua principal redatora. — Material mais que suficiente para mandá-la para o inferno.

— Falta pouco — sorriu-lhe a Baixinha e voltou para sua mesa.

“Nunca me falha”, pensou Rolando, vendo-a se sentar na cadeirinha que suplementava com uma almofada para ficar à altura do tampo da mesa. A Baixinha era sua grande descoberta. Tinha aparecido na revista dois ou três anos antes com seu jeans desfiado, seu tênis sem cadarço e umas folhas escritas à mão que, sem preâmbulos, lhe entregou dizendo descaradamente: “Eu quero ser jornalista e trabalhar na Revelações, senhor”. Rolando lhe perguntou quais eram suas credenciais. Que estudos e experiências tinha na profissão.

— Nada — confessou a Baixinha. — Mas lhe trouxe isto que escrevi. Leia, por favor.

Alguma coisa nela lhe caiu bem, e leu. Naquelas quatro pagininhas dedicadas a uma estrela da televisão havia tanto veneno e ódio, tantas doses de má-fé que Garro ficou impressionado. Começou a lhe dar uns biscates, pesquisas, segmentos, servicinhos. Julieta nunca o decepcionou. Era uma jornalista nata e da mesma estirpe que ele, capaz de matar a própria mãe por um furo, principalmente se fosse algo sujo e escabroso. Seu artigo sobre a caolha ia ser genial e letal, porque a Baixinha sempre assumia como próprios os gostos e desgostos do diretor.

Começou a editar o número seguinte da Revelações com o material que tinha. Ainda contava com vinte e quatro horas para entregar tudo à gráfica, mas era melhor deixar o trabalho adiantado para que o último dia, o do fechamento, não fosse uma loucura como sempre. Mas ia ser, que remédio, inevitavelmente sempre apareciam no último minuto coisas a acrescentar ou substituir no que havia sido planejado.

Que idade tinha Rolando Garro? Ele mesmo não sabia, e provavelmente mais ninguém. Nem qual era o seu verdadeiro nome. No asilo onde sua mãe o abandonou foi batizado como Lázaro porque, ao que parece, as freiras do convento das Descalças o encontraram no dia de São Lázaro choramingando no chão, ao lado da entrada da instituição que dirigiam na interseção do largo Junín com o largo Huánuco, nos Bairros Altos de Lima. O casal Albino e Luisa Torres, que o adotou, não gostava do nome e o substituiu por Rolando. Lembrava que tinha se chamado Rolando Torres quando era criança, mas, em algum momento, e por alguma razão misteriosa, trocaram seu sobrenome e passou a chamar-se Rolando Garro. Era assim que estava registrado em sua carteira de identidade e no passaporte. Ele não pensava muito nessas suas origens misteriosas, só o fazia em casos excepcionais; por exemplo, nos dias em que precisava tomar, na sua casinha localizada em Chorrillos, uns comprimidos que o sedavam e faziam dormir dez horas seguidas (acordava confuso e aturdido como um zumbi). Procurava só tomar nos dias em que se sentia desequilibrado ou deprimido, mas o psiquiatra lhe disse que, dada a sua endiabrada constituição psicológica, esses estados de ânimo não eram recomendáveis para ele, porque corria o risco de ficar louco de verdade ou paralisado. O que ia acontecer se perdesse o juízo? Teria que viver como mendigo nas ruas de Lima. Porque Rolando, desde que fugiu da casa dos pais adotivos quando lhe contaram que não era seu filho biológico e que viera de um asilo, era mais sozinho no mundo que um eremita. E certamente ia continuar assim pelo resto da vida porque, apesar de ter vivido algumas aventuras com mulheres, nunca conseguiu manter uma relação estável com nenhuma delas: todas o dispensavam por causa do seu maldito caráter, quando não era ele quem as largava.

Seus pais adotivos lhe revelaram que era um enjeitado quando ele estava no quinto ano do curso secundário no Colégio Nacional Ricardo Palma, de Surquillo, ali mesmo, não muito distante da sede da Revelações. Nessa mesma noite fugiu de casa, roubando todo o dinheiro que o pai adotivo escondia no quarto, numa pasta de couro disfarçada atrás de uns tijolos soltos. Esses seiscentos e poucos soles lhe permitiram dormir por várias noites em pensões vagabundas no centro de Lima. Para sobreviver fez todos os trabalhos possíveis, de lavar carros nos estacionamentos a descarregar caminhões em La Parada. Um dia deu de cara com sua vocação e ao mesmo tempo descobriu o seu talento: a bisbilhotagem jornalística.

Aconteceu numa pensão do largo Ocoña, onde ele almoçava por poucos soles um menu fixo: um prato de sopa, arroz com feijão e compota. Um jornalista do Última Hora, que costumava encontrar por lá, veio lhe contar que estava na pista de um possível adultério de Sandra Montero com seu colega de programa Felipe Cailloma, sobre o qual corriam boatos contraditórios no mundo do espetáculo. Não queria dar uma mãozinha? O instinto lhe disse que aquilo lhe interessava. Respondeu que sim. Postou-se como cão de guarda na porta do edifício onde morava a apresentadora e animadora de televisão, e em menos de vinte e quatro horas havia seguido Sandra e descoberto que ela se encontrava com Felipe (os dois eram casados, portanto tratava-se de um adultério duplo) num hotel em Pueblo Libre, numa das esquinas da plaza Bolívar. Suas informações permitiram que o Última Hora fotografasse os adúlteros usando roupa de baixo.

Assim começou a carreira jornalística de Rolando Garro: como caçador de escândalos para o Última Hora, o jornal que, sob a direção de Raúl Villarán, introduziu a imprensa marrom no Peru. De repórter passou a redator especializado no chamado mundo do espetáculo, ou seja, nas intrigas e escândalos que deixavam em efervescência esse mundo de coristas, cantores chinfrins, atrizes e atores de radioteatro, donos de cabarés, empresários de music hall e de salsódromos, uma fauna que Rolando Garro, à medida que subia na vida e virava colunista, diretor de programas de rádio e depois de televisão, chegou a conhecer como a palma da sua mão. A usar como bem entendesse e contribuir sem piedade para corrompê-la. Tinha um bom público que acompanhava, feliz, as revelações que fazia acusando cantores e músicos de maricas, suas explorações mórbidas da intimidade de pessoas públicas, suas “notícias de primeira mão” expondo sujeiras e vergonhas que sempre exagerava e às vezes inventava. Sempre teve sucesso em tudo o que fez. Mas nunca durou muito em nada, porque os escândalos, o grande segredo da sua popularidade — ele os descobria ou provocava —, geralmente o metiam em confusões judiciais, policiais e pessoais que muitas vezes não terminavam bem. Os diretores de jornais, rádios e emissoras de televisão acabavam dispensando-o por causa dos protestos e ameaças que recebiam e porque Garro era capaz, em seu frenético desempenho, de torná-los vítimas, às vezes, dos mesmos escândalos que ele promovia e atiçava. Em certas épocas ganhava muito dinheiro, que esbanjava à vontade, para depois viver na corda bamba com suas escassas economias, algumas vezes no olho da rua. Não tinha amigos, tinha cúmplices ocasionais e, sem dúvida, inimigos multitudinários, o que o fazia viver permanentemente sobressaltado, mas não deixava de lisonjear sua vaidade.

Revelações já tinha três anos. Agora estava bastante bem, dizia-se que graças ao Doutor que, segundo os boatos, teria se tornado mecenas do semanário, o amo secreto de sua existência um tanto marginal. A revista era um relativo sucesso de vendas, mas quase não tinha publicidade, de modo que mal pagava as despesas. Rolando Garro complementava seus proventos pessoais extorquindo vedetes e produtores com a ameaça de denunciar seus pecadinhos secretos e, às vezes, recebendo dinheiro de gente que queria prejudicar seus competidores e inimigos desmoralizando e ridicularizando essas pessoas. Teve que responder a muitos processos, mas sobreviveu a todos esses perigos que considerava conaturais ao tipo de jornalismo que praticava e no qual atingira, sem dúvida, uma tortuosa genialidade.

Mas tudo isso não era nada em comparação com aquilo que, graças à Baixinha e ao infeliz do Ceferino Argüello, tinha agora nas mãos. Fechou os olhos e lembrou a cara de surpresa do engenheiro Enrique Cárdenas quando lhe entregou o pacote com as fotos. Ele sempre tinha pensado que algum dia teria uma oportunidade de ficar famoso, poderoso, rico, talvez as três coisas ao mesmo tempo. E estava certo de que era esse o maravilhoso presente dos deuses que finalmente caíra do céu em suas mãos.

— Já terminei o artigo, chefe, a caolha vai comer fogo — disse a Baixinha, entregando-lhe umas laudas impressas e olhando fixamente para ele com suas pupilas que emitiam uma risonha maldade fria.