XIII. Uma ausência

A Baixinha sempre preparava sozinha o seu frugal café da manhã diário — café com leite e um biscoito de maisena —, mas hoje, não sabia por quê, teve o impulso de tomá-lo num bar de Cinco Esquinas localizado em frente ao ponto do ônibus que a levava, toda manhã, depois de meia hora ou quarenta e cinco minutos de sacolejos e apertões, pela longuíssima avenida Grau, o Zanjón e a Panamericana, até Surquillo, perto da revista. No bar não tinham biscoito de maisena e então pediu, junto com o café com leite, uma bolacha qualquer e trouxeram uma chancay. Lamentou ter ido: o bar estava sujo e tisnado, e o garçom que a atendeu, um manquinho cheio de remelas, tinha unhas negras e enormes.

Mas o bom tempo melhorou o seu ânimo. Apesar de ser pleno inverno, nessa manhã havia uma luminosidade em Lima que parecia anunciar o sol. “O céu também comemora o nosso sucesso”, pensou. Porque havia sido um sucesso clamoroso a edição da revista com as fotos do engenheiro Enrique Cárdenas, anunciadas na primeira página por uma grande manchete em letras vermelhas e pretas que sobrevoava a espetacular imagem: “Magnata nu fazendo porcaria!”. Três reimpressões seguidas num dia só! Na noite anterior, eufórico, Rolando Garro ainda negociava com a gráfica uma quarta, nem que fosse de apenas mais um milhar de exemplares.

O que ia acontecer agora?, perguntou ela ao chefe, quando o desmentido dos advogados do engenheiro Enrique Cárdenas chegou à redação, negando, claro, que fosse ele quem aparecia nas fotos e acusando-os de injúria e calúnia. Pelo visto, tinham apresentado uma liminar pedindo o recolhimento do número com a matéria.

— Como, o que vai acontecer? — perguntou Rolando Garro, dando de ombros. E ele mesmo respondeu, soltando uma das suas risadinhas sarcásticas: — Nada, Baixinha. Por acaso acontece alguma coisa em Lima quando surge um escândalo? Quem dera que acontecesse, quem dera que um juiz mandasse fechar a Revelações. Nós lançaríamos um novo semanário chamado, por exemplo, Denúncias e venderíamos o mesmo número de exemplares que esta semana.

A Baixinha pensou que a tranquilidade do seu chefe era fingida. Porque desta vez o objeto do escândalo não era uma modelo, uma dançarina, um ator ou alguém dessa pobre turma do mundo artístico, como o idiota do Juan Peineta e sua birra com Rolando Garro, que não podiam prejudicá-los muito por mais que tentassem e, como o ex-piadista, dedicassem a vida a esse propósito inútil. O engenheiro Enrique Cárdenas, empresário importante, rico, poderoso, não ia ficar quietinho depois de uma edição em que aparecia nu entre os peitos e bundas de umas meretrizes. Ia se vingar e, com algum esforço, ele sim podia conseguir que fechassem o semanário. Enfim, depois se veria, mas ela não achava graça nenhuma na ideia de ficar sem trabalho da noite para o dia. Rolando Garro parecia tão seguro que, vai ver, como nas outras revelações que tinham feito, desta vez também não haveria consequências. Afinal, no que deram as fotos do pobre Ceferino Argüello: em vez de torná-los todo-poderosos, como pensava Rolando, eram só mais um escândalo da Revelações.

Pagou seu parco café da manhã e subiu no ônibus; não estava tão cheio, conseguiu até se sentar. Levou quarenta e cinco minutos para chegar ao ponto da Panamericana, em Surquillo, a poucas quadras da rua Dante. Estava andando para o escritório quando Ceferino Argüello, o fotógrafo da revista, se aproximou dela. Seu corpinho esquelético estava embalado, como sempre, num jeans e uma camisa polo bastante suja, amassada e aberta no peito. Sua cara estava mais assustada que de costume.

— O que foi, Ceferino? Por que essa carinha, quem foi que morreu desta vez?

— Vamos tomar alguma coisa, Julieta? — O fotógrafo, muito alterado, não deu a menor atenção à pergunta. — Eu pago.

— É que tenho uma reunião com o chefe — disse ela. — E estou um pouco atrasada.

— O sr. Garro ainda não chegou — insistiu ele, quase implorando. — É só um instantinho, Julieta. Por favor, estou pedindo como colega e como amigo de tanto tempo. Não me faça essa desfeita.

Ela aceitou e foram para o barzinho ao lado da redação, La Delicia Criolla, onde os jornalistas da revista costumavam tomar café e, nos dias de fechamento, almoçar um sanduíche com uma Inca Kola. Pediram dois refrigerantes.

— O que há com você, Ceferino? — perguntou a Baixinha. — Conte lá as suas mágoas. Não devem ser de amor, imagino.

Ceferino Argüello não queria saber de brincadeira; estava sério e havia muita apreensão nos seus olhos escuros.

— Estou me cagando de medo, Julieta — falava bem baixinho para que ninguém ouvisse, o que era absurdo, ninguém podia ouvir porque naquele momento eles eram os únicos fregueses no La Delicia Criolla. — Esta história está indo longe demais, não acha? Ontem à noite todos os canais abriram seus noticiários com as fotos da revista. Hoje de manhã, as rádios e televisões só falavam no caso.

— O que mais você quer, bobão, finalmente está ficando famoso, como todos nós, aliás, graças a este número da revista — caçoou ela. — Há muito tempo não fazemos tanto sucesso com uma revelação. Agora, sim, podemos ter certeza de que vamos receber o salário completo no fim de mês.

— Não é para fazer piada — censurou Ceferino. Após uma pausa, olhou em volta e prosseguiu em voz tão baixa que era quase um sussurro. — Esse Cárdenas é um cara muito importante, se ele decidir se vingar pode nos foder. Não esqueça que você também assina a reportagem, Baixinha.

— Por outro lado, seu nome não figura em lugar nenhum, Ceferino, portanto fique calmo — disse ela, tentando se levantar. — Pague logo e vamos embora de uma vez. E, faça-me o favor, deixe de ser mariquinha. Fica assustado por qualquer coisa.

— Não figuro na matéria, mas fui eu que tirei aquelas fotos, Julieta — insistiu ele; sua expressão angustiada era quase cômica. — E no expediente da revista apareço como o único fotógrafo. Posso me meter numa baita confusão. O sr. Garro devia ter me consultado antes de fazer o que fez com minhas fotos.

— A culpa é sua, Ceferino, você arranjou isso sozinho — atacou a Baixinha. Mas sentiu pena do terror que viu nos olhos dele e sorriu: — Ninguém vai saber que foi você que tirou as fotos. Deixe de bobagem, não pense mais nisso.

— Então jure que não contou a ninguém que fui eu que tirei, Julieta. E que nunca vai contar.

— Juro tudo o que você quiser, Ceferino. Esqueça o assunto. Ninguém vai saber, não vai acontecer nada com você. Não se preocupe.

O fotógrafo, ainda com o rosto atormentado, pagou, e saíram do bar. Rolando Garro ainda não havia chegado à revista. Enquanto o esperavam, a Baixinha se distraiu folheando todos os jornais do dia. Caramba, que confusão! Havia referências ao escândalo em toda a imprensa, sem exceção, dos jornais sérios aos sensacionalistas. A Baixinha riu sozinha: naquele momento o engenheiro devia estar se sentindo como uma escarradeira pública. Quando acabou de ver os jornais, já eram onze da manhã. Estranho que Rolando Garro não tivesse aparecido nem telefonado para explicar o atraso. Ligou para o celular dele e estava desligado. Teria perdido a hora? Era estranho, o chefe nunca faltava a um compromisso sem se desculpar, mesmo que fosse com seus redatores. A Baixinha olhou ao redor; havia um estranho silêncio na redação; ninguém digitava no teclado, ninguém falava. Estrellita Santibáñez olhava para a sua mesa como que hipnotizada; o velho Pepín Sotillos mantinha a ponta do cigarro pendurada entre os lábios como se houvesse esquecido que estava fumando; Lizbeth Carneiro, desviada das estrelas, roía as unhas sem disfarçar sua preocupação. Lá em cima, numa das janelas teatinas, havia pousado um urubu que parecia observá-los, com seu olhar turvo, como uns bichos esquisitos. Todos na expectativa, olhando para ela, muito sérios, sem esconder o desânimo. O pobre Ceferino Argüello parecia prestes a subir no cadafalso.

Pouco depois chegou um mensageiro do Juizado do centro de Lima, com as notificações das duas ações judiciais iniciadas contra a revista, devido à edição dessa semana. Uma do escritório de advocacia Luciano Casasbellas, representante do engenheiro Enrique Cárdenas, e a outra de uma associação religiosa, Os Bons Hábitos, que os acusava de “obscenidade e corrupção públicas da puerícia”. Julieta deixou as notificações na escrivaninha de Rolando Garro que, como constatou, estava maniacamente arrumada como sempre. Voltou à própria mesa, para rever sua caderneta de anotações. Fez uma lista dos assuntos que podiam servir para pesquisar com vistas a um artigo e começou a tomar notas, navegando na rede, sobre um caso de tráfico de meninos e meninas em Puno, perto da fronteira com a Bolívia. Havia denúncias de que uma quadrilha de delinquentes sequestrava crianças nascidas em comunidades indígenas bolivianas e as vendia na fronteira a mafiosos peruanos e estes, por sua vez, as revendiam a casais, geralmente estrangeiros, que não podiam ter filhos e não queriam esperar os muitos anos que duravam os procedimentos para uma adoção legal no Peru. Por volta de uma da tarde levantou a cabeça do computador porque percebeu que em torno da sua mesa estava reunida a redação inteira: os três jornalistas, os dois farejadores de notícias e, claro, o fotógrafo da Revelações. Todos com caras graves. Ceferino, muito pálido, respirava ofegante.

— Já passou a hora da distribuição das tarefas, que era meio-dia — disse Pepín Sotillos, o mais velho dos jornalistas do semanário, mostrando o relógio. — E já passou de uma hora também.

— É estranho, sim, concordo — assentiu a Baixinha. — Eu tinha uma reunião com ele às onze. Ninguém falou com o chefe esta manhã?

Não, ninguém. Sotillos havia ligado várias vezes para o celular dele, mas estava desligado. A Baixinha viu as caras fechadas, inquietas, dos seus colegas de trabalho. Era muito estranho, de fato. O chefe podia ter muitos defeitos, mas não o da falta de pontualidade; era maníaco por chegar sempre na hora, até antes da hora. Sobretudo à reunião em que eles planejavam o trabalho da semana. Julieta decidiu mobilizar imediatamente toda a redação. Encarregou Sotillos de telefonar para os hospitais e clínicas perguntando se não houvera algum acidente, e Estrellita Santibáñez e Lizbeth Carneiro, redatora do horóscopo e conselheira de assuntos sexuais e românticos, de descobrirem nas delegacias de polícia se não havia acontecido alguma ocorrência que pudesse ter como vítima o sr. Rolando Garro. Quanto a ela, ia dar um pulo até o endereço do chefe que figurava na agenda, em Chorrillos.

Já na rua, ia pegar um táxi, mas olhou em sua carteira e pensou que o pouco dinheiro que tinha talvez não desse para ir e voltar, e então decidiu esperar o ônibus. Levou cerca de uma hora para chegar à pequena casa na rua José Olaya, onde morava o diretor da Revelações. Era um velho rancho de Chorrillos do século passado, uma espécie de cubo de cimento e madeira, com uma ampla grade entre a porta e a calçada. Tocou a campainha por um bom tempo, mas ninguém atendeu. Por fim, decidiu indagar nas casas vizinhas se alguém o tinha visto. Essa busca foi infrutífera. A casa da esquerda estava vazia; na da direita, a porta demorou muitíssimo a abrir. A senhora que empurrou uma janelinha disse que não sabia sequer que seu vizinho se chamava Rolando Garro. Quando a Baixinha voltou para a revista já eram duas e meia da tarde. Ninguém havia conseguido nada. A única certeza que tinham era de que nem nos hospitais e clínicas, nem nas delegacias de polícia havia qualquer registro de que o chefe tivesse sofrido um acidente.

Ficaram trocando ideias por algum tempo, confusos, sem saber o que fazer. Por fim, decidiram voltar para suas casas e reencontrar-se às quatro da tarde, quem sabe a essa altura já havia alguma notícia do diretor.

A Baixinha tinha dado poucos passos em direção ao ponto do ônibus quando sentiu alguém pegando em seu braço. Era o fotógrafo. Ceferino estava tão nervoso que mal conseguia falar:

— Eu sempre soube que era perigoso, que essa reportagem podia nos dar muitos problemas — disse, atropeladamente. — O que você acha que aconteceu, Julieta? Será que o chefe está preso? Será que lhe fizeram alguma coisa?

— Ainda nem sabemos se houve algo — respondeu, furiosa. — Não podemos nos adiantar. Pode ser que de repente tenha aparecido qualquer coisa urgente, ou um programinha, uma farra, sei lá. Tenha um pouco de paciência, Ceferino. Vamos ver esta tarde. Quem sabe ele aparece e esclarece tudo. Não se adiante e, acima de tudo, não fique perturbado assim. Você vai ter tempo para se assustar depois. Agora me largue, por favor. Estou cansada e quero ir para casa. Preciso pensar com calma e descansar um pouco. Tenho que estar de cabeça bem fria para o que der e vier.

O fotógrafo soltou-a, mas ainda murmurou quando ela já estava indo:

— Isso está me cheirando muito mal, Julieta. O desaparecimento dele indica que a coisa é grave.

“Covarde de merda”, pensou ela, sem responder. Quando chegou à sua casa, em Cinco Esquinas, uma hora depois, caiu na cama em vez de preparar alguma coisa para comer. Ela também estava alarmada, mas tinha disfarçado bem na frente de Ceferino e da equipe da revista. Rolando Garro não sumia assim de repente, sem nenhum aviso, muito menos no dia em que se distribuíam as tarefas para a semana e se discutiam as matérias da próxima edição. Será que esse desaparecimento tinha relação com a reportagem sobre o engenheiro Cárdenas? Se fosse mesmo um desaparecimento, era mais que provável, era certo que sim. Agora estava muito cansada. Não era a azáfama da manhã, mas a preocupação, o receio, as suspeitas quanto ao que acontecera com o chefe que a deixavam tonta de fadiga.

Quando acordou e olhou o relógio, eram quatro da tarde. Tinha dormido quase uma hora. Era a primeira vez na vida que fazia uma sesta. Lavou o rosto e voltou para o escritório da Revelações. Todos os seus colegas estavam lá, de cara amarrada. Ninguém tinha qualquer notícia de Rolando Garro.

— Vamos à delegacia registrar uma ocorrência — decidiu a Baixinha. — Aconteceu alguma coisa com o chefe, agora não há mais dúvida. A polícia tem que procurá-lo, então.

A redação da Revelações se deslocou em peso para a delegacia de Surquillo, que ficava a um passo da sede da revista, na mesma rua Dante. Pediram a presença do delegado. Este os deixou esperando em pé, no patiozinho da entrada, ao lado de uma grande estátua da Virgem, por cerca de meia hora. Por fim, chamou-os ao seu gabinete. Foi o velho Sotillos quem lhe explicou que estavam muito preocupados porque o sr. Rolando Garro, seu chefe, tinha desaparecido fazia vinte e quatro horas; não havia antecedentes de sumir assim, sem dizer uma palavra, justamente no dia da reunião com todos os jornalistas para distribuir as tarefas da semana. O bigodudo delegado, um coronel da polícia que parecia muito cheio de si, mandou fazer um boletim que todos assinaram. Prometeu que ia começar a investigação imediatamente; avisaria a eles assim que tivesse alguma informação.

Quando saíram da delegacia, temendo que o coronel bigodudo não fizesse nada, decidiram falar com o advogado da revista. Tanto Sotillos como a Baixinha conheciam o dr. Julius Arispe. Já eram quase sete da noite, mas este os recebeu prontamente em seu escritório, na avenida España. Era um homem gentil, que apertou a mão de todos. De vez em quando tocava no nariz, como se estivesse espantando uma mosca. Ouviu com atenção os argumentos da Baixinha e disse que sim, o caso era mesmo alarmante, principalmente tratando-se de um jornalista de prestígio como o sr. Garro; ele iria avisar o senhor ministro do Interior que, aliás, era seu amigo pessoal.

Ao saírem do escritório já era noite. O que mais podiam fazer? A essa hora, mais nada. Combinaram um encontro no dia seguinte às dez da manhã, na sede da Revelações. Despediram-se, e a Baixinha sentiu que Ceferino Argüello estava se aproximando para falar a sós com ela. Parou-o de forma cortante:

— Agora não, Ceferino — disse, com uma voz dura. — Eu sei que está morrendo de medo. E também sei que você acha que o desaparecimento do chefe tem a ver com suas fotos da bacanal de Chosica. Eu também estou preocupada e assustada. Mas por enquanto não há mais o que falar sobre o assunto. Nenhuma palavra, até sabermos o que houve com o sr. Garro. Entendido, Ceferino? Estou muito nervosa, não me perturbe mais, por favor. Amanhã nos vemos.

Afastou-se e, lembrando que não tinha comido nada durante o dia, quando chegou a Cinco Esquinas sentou-se no mesmo boteco imundo onde tomara o café naquela manhã. Mas, antes de pedir, se levantou e continuou andando até sua casa. Para que pedir, se não tinha um pingo de fome? Na certa ia se engasgar com qualquer coisa que pusesse na boca. Andava depressa pelo largo Junín porque havia escurecido e já era a hora da compra e venda de drogas, da prostituição e dos assaltos no bairro. Quando passou ao lado de uma grade, um cachorro começou a latir e lhe deu um grande susto.

Em casa, ligou a televisão e ficou passando de canal em canal para ver se os noticiários diziam alguma coisa sobre seu chefe. Nem uma palavra. Depois de desligar, ficou sentada na salinha, iluminada por uma lâmpada única de luz rançosa, entre as pilhas de jornais e revistas que lotavam o aposento. O que podia ter acontecido com ele? Uma teia de aranha prateada pendia do teto, sobre sua cabeça. Um sequestro? Difícil. Rolando Garro não tinha um centavo, que dinheiro podiam querer? Uma chantagem dos terroristas? Improvável, a revista não se metia em política, embora às vezes fizesse revelações pessoais sobre políticos. Seria verdade que o diretor agia por encomenda do Doutor, o chefe do Serviço de Inteligência de Fujimori? Esse boato corria fazia algum tempo, mas a Baixinha nunca se atreveu a perguntar uma coisa tão delicada a Rolando Garro. Se o Sendero Luminoso ou o MRTA quisessem um jornalista, teriam raptado o diretor do El Comercio, de um canal de televisão, da RPP, não o dono de uma publicação pequena como a Revelações.

Estava ali, na penumbra, sem ânimo para ir se deitar, quando, um minuto ou uma hora depois — não tinha ideia de quanto tempo havia passado —, ouviu que batiam à porta. Com o susto, deu um pulinho na cadeira, sentindo as mãos molhadas de suor. Voltaram a bater, agora de forma peremptória.

— Quem é? — perguntou, sem abrir.

— Polícia — disse uma voz masculina. — Estamos procurando a srta. Julieta Leguizamón. É a senhorita?

— O que querem com ela? — perguntou. Seu coração começou a bater mais rápido.

— Somos do Ministério do Interior, senhorita — replicou a mesma voz. — Abra, por favor, eu lhe explico. Não precisa ter medo de nada.

Abriu a porta com muito receio e viu, lá fora, um homem fardado ao lado de outro à paisana. Ao longe, depois das casinhas do beco, já na rua, havia um carro da polícia com todas as luzes acesas.

— Capitão Félix Madueño, às suas ordens — disse o oficial levando a mão ao quepe. — A senhora é a jornalista Julieta Leguizamón?

— Sim, sou eu — confirmou, tentando controlar a voz. — O que deseja?

— Vai ter que nos acompanhar para fazer um reconhecimento — disse o capitão. — Desculpe incomodar a esta hora, senhorita. Mas é muito urgente.

— Um reconhecimento? — perguntou.

— Vocês deram queixa esta tarde na delegacia de Surquillo do desaparecimento do sr. Rolando Garro, diretor da Revelações. Não foi isso?

— Foi, sim, o nosso chefe — disse a Baixinha. — Há notícias dele?

— Pode ser — insinuou o capitão. — É por isso que precisamos fazer o reconhecimento. Não vai levar muito tempo. Depois nós a trazemos de volta à sua casa, não se preocupe.

Só quando já estava sentada no banco traseiro do carro e este arrancou em direção à avenida Grau, a Baixinha teve coragem de perguntar o que já desconfiava:

— Para onde vamos, capitão?

— Para o necrotério, senhorita.

Ela não disse mais nada. Sentiu falta de ar, abriu a boca e tentou encher os pulmões com a brisa fresca que entrava pela janela entreaberta. Fizeram todo o trajeto por ruas escuras, até que afinal ela reconheceu a avenida Grau, na altura do Hospital Dois de Maio. Estava meio enjoada, com uma sensação de sufoco; teve medo de desmaiar a qualquer momento. Às vezes fechava os olhos e, como fazia quando tinha insônia, contava números. Quase não percebeu que o carro tinha parado; notou vagamente que o capitão Félix Madueño a ajudava a descer e, segurando seu braço, a guiava por uns corredores úmidos e lúgubres, com paredes cheirando a cresol e a remédios, um odor que lhe dava náuseas obrigando-a a reprimir suas ânsias de vômito. Por fim, entraram num lugar profusamente iluminado, onde havia muitas pessoas, todos homens, alguns deles com jalecos brancos e máscaras. Suas pernas estavam tremendo, ela sabia que se o capitão Madueño a soltasse despencaria no chão.

— Por aqui, por aqui — disse alguém, e então se sentiu levada, empurrada, sustentada por homens cujos rostos a examinavam com uma mistura de insolência, compaixão e zombaria.

— Está reconhecendo? É Rolando Garro? — perguntou outra voz, que a Baixinha não tinha ouvido até então.

Era uma espécie de mesa, ou uma tábua sobre dois cavaletes, iluminada com um refletor de luz muito branca; a silhueta do sujeito que estava diante dos seus olhos tinha manchas de sangue e de lama ressecada em todo o corpo.

— Sabemos que é difícil para a senhora porque, como vai ver, destroçaram o rosto dele a pedradas ou a pontapés. Consegue reconhecer? É a pessoa que pensamos? É o jornalista Rolando Garro?

Ela estava totalmente paralisada, não conseguia se mexer, nem emitir uma palavra, nem sequer afirmar com a cabeça, os olhos cravados naquela silhueta enlameada, sangrenta e fétida.

— Claro que reconheceu, claro que é ele — ouviu o capitão Félix Madueño dizendo. — Mas, doutor, seria bom dar um calmante ou algo assim à senhorita. Vê como ela ficou? Parece que vai desmaiar a qualquer instante.