— Relaxa, Quique, pelo amor de Deus — disse Luciano, dando uma palmadinha afetuosa no amigo. — Não aguento mais ver essa sua cara de cachorro espancado.
— Você está me machucando — Marisa tentava afastar o rosto da amiga, mas Chabela, que era mais forte, não retrocedeu e continuou mordendo seus lábios e amassando-a com todo o peso do seu corpo. — Posso saber o que você tem, doidinha, o que está havendo?
— A única coisa que peço aos meus colaboradores é lealdade — repetiu o Doutor, pela décima vez, batendo na mesa com a palma da mão. — Uma fidelidade canina, eu já disse e vou repetir quantas vezes for preciso, Baixinha.
— Estou relaxado, estou tranquilo, Luciano, pode ter certeza — afirmou Quique. Mas a amargura em seu rosto, o ricto em sua boca e o tom da sua voz desmentiam essas palavras. — Não me dá vontade de pular de alegria, nem de gritar hurras, claro. Mas, agora que já passou o pior, estou me recuperando. Juro por Deus, Luciano.
— O que está havendo comigo? — Chabela afinal se desprendeu da boca da amiga e fulminou-a com os olhos. — Quer mesmo saber? Estou com ciúmes, Marisa, é isso o que eu tenho. Porque de repente você virou uma gueixa do Quique. A putinha do marido. Pelo andar da carruagem, a qualquer hora vai me despedir como se despede uma empregada.
— Não sei por que está dizendo isto, Doutor — murmurou a Baixinha, surpresa. — Acho que estou cumprindo muito bem o que combinamos. Para mim é o mais importante, pode acreditar. Que o senhor fique satisfeito com o meu trabalho.
— Digo isso porque não quero que jamais aconteça com você o que aconteceu com Rolando Garro — abrandou seu mau humor o Doutor. — É uma advertência, não uma repreensão.
Marisa soltou uma gargalhada e jogou os braços em volta do pescoço de Chabela, obrigou-a a abaixar a cabeça e beijou-a de boca aberta, sorvendo sua saliva com fruição. Depois afastou-a e, ainda enlaçando seu pescoço, murmurou, sorrindo:
— É a primeira cena de ciúmes que você me faz. Não sabe como estão brilhando nesse momento esses seus olhos de azeviche. Pretos, pretíssimos e, lá no fundo, uma listrinha azul. Eu amo esses olhos!
— Está tentando me subornar com seus galanteios, desgraçadinha? — balbuciou Chabela, beijando-a também.
Ambas estavam nuas, Chabela montada em cima de Marisa, as duas transpirando da cabeça aos pés. A sauna parecia queimar. As madeiras do pequeno recinto, úmidas com o calor, exalavam um aroma de eucalipto; havia no ambiente uma atmosfera entre humana e vegetal.
— Um brinde pela felicidade, amigas e amigos — disse o sr. Kosut, levantando sua taça. — Bottoms up! Aqui se diz vira, vira, vira, eu já aprendi! Então, vira, vira, vira!
— Não é bem assim, Quique — corrigiu Luciano, sorrindo com afeto. — Foi uma experiência horrível, sem dúvida, mas você tem que superar psicologicamente, tirar isso do seu espírito. O mais importante é que já passou. Ficou para trás, irmão. Quem fala agora do escândalo, das fotos de Chosica? Todo mundo já esqueceu, vieram outras coisas, outros escândalos já soterraram aquilo que aconteceu. Agora está livre disso. Alguém parou de falar com você? Só dois ou três imbecis, e foi até melhor se livrar deles. Não continua com os mesmos amigos de sempre? E Rolando Garro, morto e enterrado. O que mais você quer?
— Pode estar morto e enterrado — interrompeu Quique —, mas a Revelações voltou a sair, com papel melhor e o dobro de fotos que antes. E a diretora é ninguém menos que Julieta Leguizamón, assecla e discípula de Garro quando atiraram em mim um monte de calúnias e de merda. A tal que me acusou de ter mandado um bandido matar Garro! Você acha pouco? Acredita mesmo que com tudo isso eu posso estar tranquilo e feliz, Luciano?
— Nunca mais você vai ser mencionado nesse pasquim, Quique. O Doutor se comprometeu e está cumprindo. Aquela mulherzinha se retratou e pediu desculpas na própria revista. O inquérito foi encerrado para sempre. Daqui a um tempinho vamos dar um jeito de que desapareça, não vai sobrar qualquer rastro dessa história nos arquivos judiciais. Tudo vai ficar enterrado. Esqueça. Dedique seu tempo ao trabalho, à família. É com essas coisas que você deve se preocupar agora, velho.
— A verdade, nua e crua, é que Rolando Garro se portou mal, foi desleal, me desobedeceu — disse o Doutor, acalorado de novo. Olhava para a Baixinha como se quisesse eliminá-la com seus olhinhos pardos e aquosos. — Eu proibi terminantemente que ele publicasse na revista as fotos da orgia desse figurão. Sei escolher meus inimigos. Não se desafia quem é mais poderoso que você mesmo. Rolando me enganou, disse que tinha rasgado as fotografias e, de repente, as publicou. Podia ter me metido numa confusão do cacete. Entende o que estou querendo lhe dizer, Baixinha?
— Senhoritas, tirem essas roupas desconfortáveis e venham mostrar-nos os seus segredos — disse o sr. Kosut, voltando a encher ele mesmo as taças de champanhe vazias. Falava um bom castelhano, com sotaque da Espanha.
— Me deixa beijar onde você gosta, amor — sussurrou Marisa no ouvido de Chabela. — Adorei a sua cena de ciúmes, é uma prova de que me ama de verdade. Quero fazer você gozar, quero beber seus sucos, sentir seus arquejos enquanto está gozando.
Chabela concordou, sem responder. Ajudou-a a sair de baixo do seu corpo, descer para o degrau de baixo da sauna, meter a cabeça entre suas coxas e, ao mesmo tempo, se virou e abriu as pernas. Marisa, sentando-se ao contrário no degrau de baixo, meteu a cabeça entre as coxas da amiga e, com a língua ativa, começou a lamber os lábios do seu sexo; devagarzinho, persistente e ansiosa, com amor, demorando para chegar ao clitóris.
— Tive ciúmes, sim, Marisita — ia dizendo Chabela, enquanto sentia o calor subindo por seu corpo e um tremorzinho correr pelas coxas, pela barriga, e chegar até a cabeça. — Você está carinhosa com o Quique como eu nunca tinha visto. Fica se encostando nele, dando beijinhos na frente de Luciano e de mim, passam o tempo todo de mãos dadas. Assim você me faz trocar o amor pelo ódio, fique avisada. Aí, aí mesmo, coração, aí. Mais devagarzinho, por favor. Estou adorando, amor, não me faça gozar ainda.
— Você, senhorita, sente-se em cima do meu falo, pênis ou pica, como dizem os nativos — pediu e ordenou com uma cortesia pomposa o sr. Kosut. — E você, venha aqui, lourinha, ajoelhe-se e me dê seu sexo. Não tem importância se não estiver muito limpo, esses detalhes não me interessam. Se estiver cheirando a queijo parmesão, melhor, rá, rá. Saiba que vou lhe fazer aquilo que os franceses chamam de minete e os espanhóis, sempre tão vulgares, acho que mamada. Os peruaninhos, como dizem?
— Uma chupadinha — riu Licia ou Ligia. — Cornetinha é ao contrário.
O champanhe tinha começado a fazer efeito em Enrique Cárdenas. Ele não bebia muito; não gostava e nunca se dera bem com o álcool. Além do mais, estava meio atordoado com tudo o que via. Entretanto, algo diferente tinha começado a se insinuar nele. Até aquele momento estava desconcertado, confuso, assombrado, sem saber como se comportar diante do que estava ocorrendo à sua volta. Agora sentia uma comichão excitada na braguilha. “Quer uma ajudinha para tirar a roupa, benzinho?”, disse uma das gordas entre as quais estava sentado.
— Não sei por que me diz tudo isso, Doutor — murmurou a Baixinha, fingindo manter o sangue-frio de sempre. Mas estava preocupada. Nada daquilo lhe parecia normal. Que erro havia cometido? Qual era o intuito dessas confidências descabeladas do Doutor? Foi ele então o mandante da morte de Rolando? Nesse caso, estava de novo em perigo. Aquelas confidências faziam dela uma cúmplice. Tinha envidado todos os esforços do mundo para cumprir as instruções do Doutor, e até agora ele só a elogiara. — Eu tento cumprir suas ordens em todos os detalhes, Doutor.
— Digo isso porque considero você uma colaboradora magnífica — sorriu-lhe o rosto cansado do Doutor, e o sorriso inflou suas bochechas. — Não quero me privar nunca dos seus serviços, Baixinha. Nem, muito menos, ter que castigá-la por traição e deslealdade. Sim, sim, já sei o que está pensando. De fato, não quero que um dia lhe aconteça o que aconteceu com Rolando Garro.
A Baixinha sentiu o coração parar. Ele tinha dado a ordem, era ele o mandante. Sabia que estava muito pálida, batendo os dentes. Seus grandes olhos imóveis estavam cravados no Doutor. Este fez uma cara de preocupação.
— Eu não devia ter dito assim, sei que você fica triste, mas era indispensável que você soubesse o que está em jogo, Baixinha — disse, devagar e muito sério. — Algo maior que você e eu. O poder. Com o poder não se brinca, amiguinha. As coisas sempre são, afinal, uma questão de vida ou morte quando o poder está em jogo. Ao fazer o que eu tinha proibido, chantageando esse milionário, ele me comprometeu. Viu um galho, não o bosque. Quase derrubou tudo o que eu construí, quase me afundou, acabou comigo. Você entende? Tive que fazer aquilo, com dor no coração.
— Matá-lo com tanta crueldade? — rosnou a Baixinha, como se sua garganta de repente estivesse obstruída. — Despedaçá-lo assim? Só porque desobedeceu?
— Eles se excederam, é verdade, e isso foi errado, já os repreendi e multei — reconheceu o Doutor. — As pessoas que realizam essas atividades não são seres normais como você e eu. São selvagens, acostumados a matar, umas feras desalmadas. Às vezes, passam dos limites. Com Rolando passaram. Eu lamentei muito, acredite.
— Não sei por que o senhor me conta essas coisas, Doutor. Estou muito assustada, para dizer a verdade.
— Conto porque confio em você, que já é minha principal colaboradora, Baixinha. Por isso agora tem o salário mais alto da sua vida e todo mundo a teme e respeita — suavizou a voz o Doutor. — Foi assim que pôde sair do quartinho de Cinco Esquinas e se mudar para Miraflores. E comprar vestidos e móveis. Então, as coisas entre nós devem ser muito claras. Somos amigos e cúmplices. Se um de nós afundar, o outro afunda também. Se eu for para cima, você vai também. Então já sabe, fidelidade total, é isso que eu espero de você. E agora vamos trabalhar. Como anda o caso do deputado Arrieta Salomón? É a primeira prioridade.
— Não ligo para o que me custou limpar toda essa imundície, Luciano — afirmou Quique. — Mas as feridas que ficaram na minha memória e no meu sentimento não vão se apagar nunca, irmão. Juro pela minha pobre mãe, que em paz descanse. Meus irmãos opinam que ela morreu por causa da tristeza e da amargura que o escândalo lhe causou. Eles têm razão, claro. O que significa que fui eu mesmo que matei minha pobre mãezinha, Luciano. Você acha que algum dia vou poder me perdoar por essa morte?
— Aí, aí — ofegou Chabela com a meia voz que tinha agora. — Estou gozando, gringuinha.
E pouco depois sentiu que Marisa se levantava abraçando-a, procurava sua boca e lhe passava o bocado de saliva que tinha guardado para ela. “Beba estes suquinhos deliciosos que eu tiro de você quando chupo”, ordenou-lhe. E, obediente, Chabela engoliu. As duas se abraçaram e se beijaram mais uma vez e, depois, Marisa disse em seu ouvido com a voz densa de quando estava excitada:
— Não precisa ter ciúme, Chabelita, porque quando eu e Quique fazemos amor você sempre está lá, entre nós dois.
— Que bobagem você está dizendo! — Chabela, alarmada, pegou a cabeça de Marisa com as duas mãos e afastou-a alguns centímetros do seu rosto. — Você não contou a Quique que…
Marisa enlaçou seu pescoço e lhe disse com a boca colada na sua e enfiando-lhe as palavras entre os dentes:
— Sim, contei tudo. Ele fica excitadíssimo, e por isso toda vez que fazemos amor você está lá, fazendo umas sacanagenzinhas com a gente.
— Eu vou matar você, juro que vou, Marisa — exclamou a amiga, sem saber se devia acreditar ou não, com uma das mãos levantada que, de repente, deixou cair. Mas, em vez de bater na amiga, tateou entre suas pernas, pegou em seu sexo e apertou.
— Mais de levinho, está doendo — protestou Marisa, ronronando.
— Passe umas pitadas de pó no pênis e mande mais um pouco no nariz — disse o sr. Kosut, como um médico receitando a um doente. —Vai ficar novinho em folha, poderá meter na bunda, no sexo e na boca dessas moçoilas que estão no seu colo, meu senhor.
— Será que as patroas vão passar a manhã toda na sauna? — perguntou Luciano, consultando o relógio. — Para dizer a verdade, já estou com fome. Você não, velho?
— Deixe as duas se divertirem — respondeu Quique. — Elas são assim mesmo. Nada disso as afeta muito, ficam preocupadas por um tempinho e depois voltam a se interessar por vestidos, fofocas, compras e sei lá o que mais. É uma sorte serem tão frívolas.
— Não é bem assim, velho — replicou Luciano. — Chabela já nem dorme direito por causa do terrorismo. Vive obcecada com a ideia de que esses malditos vão me sequestrar, como fizeram com Cachito, ou, pior, sequestrar as nossas filhas. A coitada precisa tomar um comprimido para não passar a noite em claro.
— Quer saber o que não me deixa dormir, Luciano? — disse Quique. E continuou, em voz baixa, como se alguém mais pudesse ouvi-lo naquele amplo e deserto jardim onde, ao longe, brincavam os dois cachorros: — Acho que muitas coisas não ficaram nada claras nessa história. A primeira é que esse pobre-diabo, um velhinho esclerosado como Juan Peineta, seja o assassino de Rolando Garro. Você engoliu essa história? Eu não.
— Mas ele mesmo não se declarou culpado? — replicou Luciano, depois de hesitar um pouco. — Não é um sujeito que passou a vida toda mandando insultos e ameaças a Rolando Garro? Dezenas dessas cartas foram apresentadas no julgamento, não foram? Não seja mais papista que o papa, Quique.
— Ninguém acreditou nessa confissão, Luciano. Quem vai acreditar que uma ruína humana como aquele pobre recitador tenha cometido um assassinato tão horrível.
— Seja como for, temos que ser realistas. O importante são os resultados. Você era o principal interessado em que o assassino do jornalista fosse encontrado, para que o deixassem em paz de uma vez — disse Luciano. — É verdade, não é impossível que o Doutor tenha tramado tudo isso. Provavelmente há algo sujo por trás do que nós sabemos. Mas o que você tem a ver com isso, homem?
— Nem lembro quem é esse tal don Rolando Garro, meus senhores — assegurou Juan Peineta. — Se bem que, para dizer a verdade, esse nome me parece vagamente conhecido. Não pensem que me batendo vão devolver minha memória. Bem que eu gostaria. Minha cabeça virou purê há muito tempo, sabem. Agora, por favor, eu imploro pelo amor de Deus: me deixem em paz, não batam mais em mim.
— O que o juiz lhe ofereceu é um prêmio da loteria, seu babaca — insistiu o inspetor. — Você confessa, o juiz pede um exame psiquiátrico e os médicos determinam que é incapaz, devido à sua demência precoce.
— Demência precoce — repetiu o promotor. — Em vez da penitenciária de Lurigancho, uma casa de repouso. Imagine só. Enfermeiras, boa comida, atendimento médico, visitas livres, televisão todo dia e cinema uma vez por semana.
— Tudo isso em vez daquele covil horroroso cheio de ratos no Hotel Mogollón, que a qualquer momento vai desabar e esmagar todos os hóspedes — explicou o inspetor. — Só tendo titica na cabeça para recusar uma oferta tão esplêndida.
— Eu poderia levar o Serafín para essa casa de repouso? — perguntou de chofre o recitador, subitamente interessado. E explicou: — É o meu gato, que eu batizei com esse belo nome. O pobrezinho vive apavorado, temendo ser alvo desses mestiços que preparam guisado de bichano. Eu ficaria muito grato, se não me batessem mais. Estou perdendo a vista de tanta pancada na cabeça. Um pouco de caridade cristã, senhores.
— É que na cabeça não fica marca, Juan Peineta — riu o inspetor. Os outros sujeitos que estavam ali também riram. Juan Peineta pensou que era uma cortesia e procurou imitá-los. Apesar de levar uma nova pancada na nuca, com um porrete forrado de borracha que o deixou um pouco aturdido, riu também, como os seus torturadores.
— Pode levar seu gato Serafín, seu cachorro e até sua puta se tiver, Juan Peineta — insistiu o inspetor.
— Assine aqui com letra clara — mostrou o promotor, apontando-lhe o lugar exato na parte de baixo do papel. — E nunca mais volte a abrir a boca, recitador. Na verdade, você é um homem de sorte, Juan Peineta.
— Só tem um probleminha, senhor promotor — balbuciou com voz aflita o declamador. — É que esse homem, cujo nome até já esqueci, não fui eu que matei. Não lembro sequer se o conheço, nem o que faz na vida nem quem ele é.
— É melhor irmos andando, Chabelita — disse Marisa. — Eles vão achar estranho demorar tanto tempo na sauna. E, além do mais, com essas suas olheiras nem sei o que Quique e Luciano vão pensar de você.
— Quando virem as suas vão saber que você cometeu vários pecados mortais — riu Chabela. — Está bem, vamos. Mas antes me diga se é verdade que contou a Quique sobre o nosso caso. E se é verdade que seu maridinho fica excitado pensando em você e eu fazendo amor.
— Claro que contei — riu Marisa. — Mas não como verdade, só como uma fantasia, para que ele se anime e fique em condições. Não há nada que o deixe tão excitado, sabe. Você se excita muito imaginando assim eu e Chabela, Quique?
— Sim, sim, meu amor — assentiu Quique, abraçando sua mulher, acariciando-a, meio aturdido. — Conte o que mais, diga que é verdade, diga que aconteceu mesmo, que está acontecendo, que acontece hoje e vai voltar a acontecer amanhã.
— E agora, depois de saciado — disse o sr. Kosut, bocejando —, como sempre, me deu sono. Não se incomodam se eu for tirar uma soneca, não é mesmo? Continuem se divertindo, não se preocupem comigo.
— Sabe de uma coisa? Essa ideia também me excita — estaria brincando Chabela? — Você se importa se eu comer seu maridinho, Marisa?
— Me deixa pensar — estaria brincando Marisa? — Você se importa se eu me masturbar enquanto vejo vocês fazendo amor?
— Trepa gostoso, o Quique? — perguntou Chabela.
— Por favor, não use esse verbo, Chabela — protestou Marisa, fazendo cara de nojo. — Acho que é a coisa mais vulgar do mundo e me dá alergia. Diga fazer amor, transar, fornicar, qualquer coisa. Mas nunca trepar: parece tão sujo quanto cagar e me dá alergia. Respondendo à sua pergunta: sim, ele transa muito bem. Ainda mais ultimamente.
— Se quiser, eu lhe empresto Luciano para dar uma transadinha — estaria brincando Chabela? — O coitado é tão inocente que nem deve saber que existem essas coisas na vida.
— Estou convencido de que obrigaram Juan Peineta a assumir a culpa, por dinheiro ou por medo — afirmou Quique. — Mas se não foi ele nem fui eu, afinal quem foi que matou aquele filho da puta do Rolando Garro, Luciano?
— Não sei nem quero saber — respondeu de imediato Luciano. — E você tampouco deveria se preocupar com isso, Quique. É melhor não meter o nariz nesses mistérios nauseabundos do poder, onde reinam Fujimori e o Doutor. É daí que vem a coisa, sem a menor dúvida. Mas felizmente não é problema nosso. Pense nisso, Quique. Seja quem for, bem morto está. Ele sabia que estava se expondo, não sabia?
— Tudo bem com o senhor? — disse a mulher que dizia chamar-se Licia ou Ligia. — Está tão pálido.
— Não está se sentindo bem, engenheiro? — perguntou o sr. Kosut, abrindo os olhos e levantando-se do sofá onde estava deitado.
— Acho que bebi um pouco além da conta — balbuciou o engenheiro Cárdenas. Tentava se erguer, mas o corpo de Licia ou Ligia, encarapitado em cima dele, impedia. — Não se incomoda de me deixar sair? Você se chama Licia ou Ligia? Acho que vou vomitar. Tem um banheirinho por aqui?
— Fiquei com tanto medo que urinei nas calças — confessou Juan Peineta finalmente. — Estou todo molhado e posso me resfriar. Sinto muito, senhores.
— Vamos arranjar uma calça e uma cueca novinhas para você — disse o homem que parecia ser quem mandava. — Assine aqui também, por favor.
— Assino onde o senhor quiser — disse Juan Peineta, e sua mão tremia como se sofresse de mal de Parkinson. — Mas quero deixar claro que não matei ninguém. Muito menos esse poeta, de apelido Rolando Garro, não é? Nunca matei nem uma mosca, se a memória não me falha. Mas, na verdade, minha memória tem me pregado muitas peças ultimamente. Esqueço as coisas e os nomes o tempo todo.
— Preciso ir embora — anunciou o engenheiro Cárdenas, encostando-se em uma parede para não cair no chão. — Já é tarde, e não me sinto bem.
— Muitas fileiras de pó, queridinho — disse Licia ou Ligia, rindo.
— Chamem um táxi, por obséquio — disse o engenheiro Cárdenas, ainda apoiado na parede. — Não estou em condições de dirigir, acho.
— Você está cheio de batom na cara e na camisa, benzinho — disse Licia ou Ligia, sacudindo seu paletó. — É bom lavar o rosto antes de voltar para casa, se não quiser que sua esposa fique uma fera.
— Eu mesmo levo o senhor, engenheiro — adiantou-se o amável sr. Kosut. — O carro com chofer que contratei está esperando na porta. O senhor faz muito bem em não dirigir nesse estado.
— Não sei o que ainda está fazendo aqui na revista, Ceferino Argüello — disse a Baixinha, olhando o fotógrafo da Revelações com um profundo desdém. Tinha umas fotos na mão e as examinava com o mesmo desprezo que dirigia ao consternado Ceferino. — Minha ordem foi: “Temos que achincalhar Arrieta Salomón”. Só que, em vez de desacreditá-lo, suas fotos o apresentam como o senhor mais normalzinho e comum do mundo. Até melhor do que na realidade.
— Mas dá para ver que está bêbado, Julieta — defendeu-se Ceferino. — Os olhos estão vidrados, e no laboratório posso deixar ainda pior, se for preciso.
— Pelo menos isso, retoque, faça parecer que está vomitando no peitilho. Tem que ficar feio, degradado. Use a imaginação, Ceferino. A ideia é que ele fique mais feio que uma golfada no chão. Entende o que estou querendo dizer?
— Não posso fazer milagre, Baixinha — implorou Ceferino Argüello, com a voz embargada. — Eu me esforço para atender a todos os seus pedidos. Mas você me trata cada vez pior. Ainda pior que o sr. Garro. Nem parece que somos amigos.
— Aqui não — sentenciou a Baixinha, muito enérgica. — Aqui, na revista, eu sou a diretora e você um funcionário. Somos amigos na rua, quando vamos tomar um cafezinho. Mas aqui eu dou as ordens e você obedece. Nunca esqueça, para o seu bem, Ceferino. Agora vá retocar as fotos e deixe esse babaca bem mais estragado. Essa semana temos que dedicar o grosso da revista a ele, tem que parecer bem fodidinho. Ordens são ordens, Ceferino.
— Deveríamos fazer outra viagem a Miami — disse Chabela, falando no chuveiro. — Não gostaria?
— Eu adoraria — respondeu Marisa, que estava passando o secador no cabelo. — Um fim de semana sossegadas e felizes. Sem apagões, nem bombas, nem toque de recolher. Ocupadas fazendo compras e tomando banho de mar.
— E fazendo também algumas doidices — disse Chabela; o jato do chuveiro quase não a deixava falar.
— E então? — perguntou o Doutor.
— Tudo indo de vento em popa — disse Julieta Leguizamón. — O deputado Arrieta Salomón pode ser acusado de assédio sexual tanto pelo seu chofer como pela empregada.
— Por que não pelos dois? — perguntou o Doutor, equitativo. — Isso demonstraria que é um depravado sexual sem atenuantes, não é mesmo?
— Não há nada que impeça — concordou a diretora da Revelações. — A coisa ficaria um tanto barroca, sem dúvida. Ele assediando o chofer para que o coma e a chola para comê-la. Não seria assim?
— Gosto de gente que entende as coisas de primeira, sem necessidade de repetir, Baixinha. Quanto vai custar a brincadeira?
— É só meter um pouco de medo neles, para amolecer — disse ela. — Depois os dois vão se contentar com umas boas gorjetas.
— Pode executar — disse o Doutor. — Bicha e estuprador ao mesmo tempo. Excelente! Vai ficar pior que escarro de tísico. Vamos ver se ele entende o aviso e para de chatear.
— O senhor está um pouco pálido, Doutor — disse a Baixinha, mudando de assunto. — Não está dormindo o suficiente?
— Faz tempo que esqueci o que é dormir, Julieta — disse o Doutor. — Se eu não fosse tão ocupado, iria para uma clínica dessas onde nos hipnotizam e fazem dormir uma semana inteira. Parece que a gente acorda novinho. Bem, até logo, Baixinha, cuide-se. E não se esqueça, neste número faça o deputado Arrieta Salomón engolir esguichos de merda.
— “Voltarão as escuras andorinhas a fazer ninhos em teu balcão” — disse Juan Peineta, com um olhar infestado de incerteza. E, após hesitar um pouco, perguntou: — Como é a música desta valsa criolla?
— Acho que não é uma valsa, é um poema de Gustavo Adolfo Bécquer — respondeu a enfermeira bigoduda.
— Desculpa, moça, mas está quase saindo. Pode me levar ao banheiro, por favor? — perguntou a velhinha que tinha ficado calva.
— Um poema? — maravilhou-se Juan Peineta. — Isso se come com sorvete?
— Se você fez cocô na calcinha vai ter que engolir, sua velha porcalhona — enfureceu-se a enfermeira bigoduda.
— Se come é com arroz — gargalhou o enfermeiro. E imitando um garçom solícito: — Vai querer um poema com sorvete ou com arroz, cavalheiro?
— Com um pouco de ketchup, é melhor — pediu, muito sério, Juan Peineta.
— Caramba, finalmente — deu boas-vindas Luciano. — Já não era sem tempo, senhoras.
— Pensei que tinham se asfixiado na sauna — disse Quique.
— Isso é o que você queria, maridinho — brincou Marisa, despenteando-o. — Ficar viúvo para ir fazer aquilo que nós sabemos, não é mesmo?
— Veja como o pobre Quique ficou vermelho — riu Chabela, ajeitando seu cabelo. — Não seja malvada, Marisa. Não o torture com essas lembranças ruins. Ou não eram tão ruins assim, Quique?
— Quique gosta que eu o torture de vez em quando — respondeu Marisa, beijando o marido na testa. — Não é verdade, amor?
— Você parece uma gueixa, Marisa — disse Chabela. — Se continuar mimando o seu marido desse jeito ele vai ficar insuportável, você vai ver.
— E ponha também um pouquinho de mostarda, se for possível — pediu Juan Peineta. — Mas, antes de mais nada, sirva bem quentinho.
— Não está gagá, está doido de pedra — concluiu o enfermeiro, levando um dedo à têmpora. — Ou então está nos sacaneando de alto a baixo e rindo à beça da gente.
— Chabela e eu estamos pensando em passar um fim de semana em Miami — disse Marisa, de repente, com a mais absoluta naturalidade. — Chabela tem que fazer uns consertos no apartamento da Brickell Avenue e me pediu que vá com ela. O que acha, amorzinho?
— Acho ótimo, amor — disse Quique. — Um fim de semana em Miami, longe de tudo isto! Maravilhoso. Por que não me levam também? Eu aproveitaria para ver uns barcos, quem sabe finalmente compro o iate de que tanto falamos, Marisa. Por que você não vem também, Luciano? Podemos ir àquele restaurante cubano que é tão bom, onde se come aquele prato tão gostoso: ropa vieja, não é?
— É, sim — disse Chabela, sem demonstrar muita alegria. — O restaurante se chama Versalles e o prato, ropa vieja, eu lembro perfeitamente.
“Será que isso foi planejado pela doida da Marisa?”, pensou. “Desde quando? Então, não há dúvida, Marisa contou mesmo o nosso caso a Quique. Eu vou matá-la, vou matá-la. Esses dois espertinhos planejaram tudo com a pior das intenções, naturalmente.” Estava muito séria, com seus grandes olhos negros pulando de Quique para Marisa, de Marisa para Quique, e sentia o rosto queimando. “Ele sabe de tudo”, pensava, “essa viagem foi montada pelos dois. Vou dar uns tabefes nessa doida.”
— Vocês acham que posso me permitir esse luxo, com a montanha de trabalho que tenho no escritório? — disse Luciano. — Vão vocês, que são uns desocupados. Mas, pelo menos, me tragam uma lembrancinha de Miami.
— Uma gravata com palmeiras e papagaios de dezoito cores — disse Quique. — E, a propósito, Chabelita, você tem onde me hospedar no seu apartamento na Brickell Avenue ou reservo um hotel?
— Tem lugar de sobra para você também — Marisa olhava nos olhos de Chabela cheia de más intenções. — Uma cama multifamiliar onde cabem pelo menos dois casais, rá, rá. Não é mesmo, amor?
— É, sim — disse Chabela. E virando-se para Quique: — Tenho um quarto de visitas muito independente, com banheirinho próprio e um quadro de Lam na parede, não se preocupe com isso.
— E, se não, pode mandar Quique dormir na casinha do cachorro — brincou Luciano. — E se você encontrar o tal iate, espero que tenha um camarote para convidados. Quem sabe assim finalmente aprendo a pescar. Dizem que é a coisa mais relaxante para os nervos que existe no mundo. Mais que Valium.
“Contou tudo a ele, e deve ser verdade que fica excitado com isso. Não me resta a menor dúvida de que os dois combinaram essa viagem”, pensou Chabela, mais de uma vez, sem deixar de sorrir. “E pensaram que em Miami vamos para a cama nós três juntos, claro.” Estava surpresa, intrigada, curiosa, furiosa, um tanto assustada e, também, um pouquinho excitada. “Aquela doida, a maluquinha da Marisa”, pensava, olhando para a amiga que, por sua vez, também a olhava com um brilho debochado e desafiante em seus olhinhos azul-claros, quase líquidos. “Vou matá-la, vou matá-la. Como teve coragem.”
— Parabéns, Baixinha — disse o Doutor. — O número sobre o deputado Arrieta Salomón ficou como o diabo gosta. Agora o pobre coitado está mansinho, pedindo penico.
— Mas abriu um processo contra nós, Doutor — disse a diretora da Revelações. — Já recebemos a notificação assinada por um juiz instrutor.
— Eu cuido disso — disse o Doutor. — Pode limpar o bumbum da sua cachorrinha com essa notificação. Mande-a para mim que vai ficar emperrada no mare-magnum do Poder Judiciário.
— E o que vai acontecer com o deputado Arrieta Salomón? — perguntou a Baixinha.
— Perdeu toda a pose da noite para o dia — respondeu o Doutor. — Agora, em vez de atacar o governo, está tentando convencer os Pais da Pátria de que não é um estuprador de empregadas nem uma bicha que dá para o chofer. Falando em cachorro, Baixinha. Você tem um? Não gostaria de ter? Posso lhe dar um filhote de bassê. Minha cachorrinha teve várias crias.
— Uma conversa a sós, Ceferino, você e eu — disse a diretora da Revelações, pegando o fotógrafo pelo braço. — Vamos almoçar juntos. Não em Surquillo, longe daqui. Vamos a Los Siete Pescados Capitales, em Miraflores. Gosta de frutos do mar?
— Gosto de tudo, claro — disse Ceferino, desconcertado. — Você me convidando para almoçar, Julieta? Que surpresa. A gente se conhece há mil anos e é a primeira vez que me faz um convite assim.
— Não é uma tentativa de sedução, você não é meu tipo — brincou a Baixinha, ainda segurando seu braço. — Vamos ter uma conversa muito, muito séria. Você vai ficar de queixo caído quando ouvir o que tenho a lhe dizer. Venha cá, vamos pegar um táxi, eu pago, Ceferino.
— Como está linda Miami — disse Quique, olhando para os arranha-céus, assombrado. — A última vez que vim aqui foi há dez anos. Não era nada, e agora é uma senhora cidade.
— Quer um champanhe, Quique? — perguntou Marisa ao marido. — Está gostoso, geladinho.
— Prefiro uísque on the rocks, com muito gelo — disse Quique. Estava examinando os quadros e objetos do apartamento de Chabela e reconhecia seu bom gosto. Por que estava tão agitada a mulher de Luciano?
— Isso, vamos encher a cara — riu Chabela, levantando sua taça. — Esquecer Lima pelo menos por uma noite.
— Dá para ver que você está por cima, Julieta — sorriu Ceferino. — É verdade que saiu do seu beco em Cinco Esquinas e se mudou para Miraflores? Imagino que devem ter duplicado ou triplicado seu salário. Só de pensar que pouquinhos meses atrás, quando mataram Rolando Garro, o mundo tinha acabado para nós dois, parecia que íamos morrer de fome.
— Venha, sente-se aqui, amor — disse Marisa ao marido. — Tem lugar de sobra entre nós duas, não fique tão longe.
— Parece até que tem medo de nós, Quique — caçoou Chabela.
— Eu, feliz em tão boa companhia — riu Quique, passando para o sofá onde estavam Marisa e Chabela. Sentou-se no meio das duas. Do outro lado do parapeito via-se um mar prateado, cintilando com as últimas luzes do entardecer. Havia um veleiro silente ao longe. — Realmente está lindíssimo aqui. Que sossego maravilhoso.
Pediram uma cerveja gelada, dois ceviches de corvina e, Julieta, uma carapulcra com arroz e, Ceferino, um ají de galinha com pimenta e também com arroz.
— A que brindamos, Baixinha? — perguntou Ceferino, com o copo levantado, sorridente, vagamente intrigado com aquele convite inesperado da diretora. — À nova Revelações e seu sucesso?
— A Rolando Garro, fundador da revista — disse Julieta Leguizamón, batendo seu copo no do fotógrafo. — Mas fale com franqueza, Ceferino. O que você achava dele? Sentia apreço, admiração ou no fundo o odiava, como tanta gente?
— Agora que estamos meio bêbados, vou lhe fazer uma pergunta, Quique — disse de repente Marisa, encarando o marido na penumbra da ampla varanda. — Responda com franqueza, por favor. Você tem atração por Chabela?
— Que pergunta é essa, Marisa! — deu um riso forçado Chabela. — Está maluca?
— Responda se tem atração por ela e se gostaria de beijá-la — insistiu Marisa, sem desviar a vista do marido e fazendo ar de zangada. — Responda com franqueza, não seja cagão.
Antes de falar, Ceferino provou o ceviche, mastigou e engoliu um pouco fazendo gestos de satisfação. Ainda não havia muita gente em Los Siete Pescados Capitales. A manhã estava úmida e cinza, um pouco triste.
— Quem não gostaria de beijar uma mulher tão bonita — balbuciou Quique. Estava vermelho como um camarão. Será que Marisa já estava bêbada para perguntar aquela barbaridade?
— Obrigada, Quique — disse Chabela. — Esta conversa está ficando perigosa. Temos que fechar a boca da sua mulherzinha.
— Claro que é bonita e, além do mais, tem a boca mais gostosa do mundo, Quique — disse Marisa. E, passando os dois braços por cima do marido, pegou as bochechas da amiga e atraiu-a para si. — Olhe só e morra de inveja, maridinho.
Chabela tentou tirar a cara, mas sem muita convicção, e afinal deixou que Marisa beijasse o seu rosto e fosse aproximando a boca até atingir seus lábios.
— Não o odiava, embora às vezes ele me tratasse muito mal, principalmente quando tinha os seus ataques de raiva — disse afinal Ceferino Argüello. — Mas o sr. Garro me deu a primeira oportunidade de ser o que eu queria: fotógrafo profissional, repórter fotográfico. Claro que o admirava como jornalista. Ele conhecia o ofício e tinha muita coragem. Por que está me perguntando isso, Baixinha?
— Me solta, sua doida, o que está fazendo? — disse afinal Chabela, ruborizada e confusa, afastando o rosto de Marisa. — O que Quique vai dizer dessas brincadeiras?
— Não vai dizer nada, não é mesmo, Quique?
Marisa fez um carinho no rosto do marido, que olhava para ela boquiaberto.
— Ele é especialista em orgias, não se esqueça. Garanto que está morrendo de inveja. Vá, maridinho, não se reprima, pode beijá-la. Eu autorizo.
Em vez de responder, Julieta Leguizamón, que ainda não tinha provado o seu ceviche, fez outra pergunta:
— Você ficou triste com a morte dele, Ceferino? Ficou chocado com aquela maneira tão horrível, tão brutal, como o mataram?
Quique não sabia o que fazer nem o que dizer. Sua mulher estava falando sério? Estava mesmo dizendo o que tinha acabado de ouvir? Ficou com meio sorriso congelado no rosto, sentindo-se um idiota.
— Que medroso, Quique — disse Marisa, afinal. — Sei que você morre de vontade de beijá-la, já me disse tantas vezes na intimidade e, agora que tem a oportunidade, não se atreve. Então dê o exemplo você, amor. Beije-o.
— Você me autoriza mesmo? — riu Chabela, já mais senhora de si mesma. — Então, sim, claro que me atrevo.
Levantou-se, passou ao lado de Marisa, caiu sentada no colo de Quique e lhe ofereceu a boca; ele deu uma olhada rápida, de soslaio, em sua mulher, e afinal a beijou. Aturdido, de olhos fechados, sentiu que a boca de Chabela lutava para abrir seus lábios e os abriu. As línguas se confundiram num entrevero fogoso. Ao longe, teve a impressão de ouvir que Marisa estava rindo.
Ceferino deixou parado no ar o garfo com o segundo bocado de ceviche, que havia preparado cuidadosamente juntando pedacinhos de corvina, cebola, alface e pimentão. Agora sim, muito sério, assentiu:
— Claro que fiquei horrorizado, Baixinha. Claro que sim. Posso saber o porquê de tudo isto? Você está cheia de mistérios esta manhã, caramba. Por que não me diz logo o motivo deste almoço. De peito aberto, Baixinha.
— Aqui estamos desconfortáveis, não há nenhuma razão para isso — Quique ouviu o que sua mulher acabava de dizer. O rosto de Chabela se afastou do seu, e ele viu que estava exaltada, com os olhos brilhando muito e a boca de lábios grossos úmida com sua saliva. Mas Marisa já estava segurando a mão dela, ambas tinham se levantado e ele viu que se dirigiam para o quarto. — Vamos, amor, vamos ficar mais à vontade.
Quique não as seguiu. Havia escurecido, e a pouca luz da varanda vinha da rua. Ele estava perplexo. Estaria acontecendo realmente tudo aquilo? Não era uma alucinação? Marisa e Chabela se beijaram mesmo na boca? Sua mulher disse o que disse? A mulher de Luciano se sentara no seu colo e os dois se beijaram com tanta fúria? Começou a sentir uma excitação que o fazia tremer da cabeça aos pés, mas não tinha coragem suficiente para se levantar e ir ver o que estava acontecendo naquele quarto.
Julieta assentiu: “Você tem razão, Ceferino”. Teve que abaixar a voz, porque o garçom havia acabado de indicar a mesa ao lado para um casalzinho que podia ouvir o que ela estava dizendo. Os dois eram muito jovens, com jeito de grã-fininhos; estudavam o menu de mãos dadas, trocando olhares românticos.
Mas, por fim, apoiando-se no sofá com as duas mãos, Quique se levantou. Estava assustado e feliz. Havia sonhado com isso, mas nunca imaginou ser possível, que pudesse passar do sonho à realidade. Caminhando na ponta dos pés, como se quisesse surpreendê-las, avançou devagarzinho pelo corredor às escuras. No quarto tinham acabado de acender uma luz tênue, com certeza a lâmpada do abajur.
— Bem, sim, vou falar de peito aberto, Ceferino — disse a Baixinha. — Maldita a hora em que você aceitou tirar as fotos daquela bacanal em Chosica para ganhar uns trocados. Tudo começou aí. Se não fossem essas malditas fotos, Rolando estaria vivo, esta conversa não aconteceria e provavelmente eu nunca teria convidado você para almoçar nem lhe diria o que vou dizer.
Da entrada do quarto, Quique as viu: estavam nuas, deitadas na cama, com as pernas entrelaçadas e se beijando, abraçadas. “Uma morena e a outra loura”, pensou. Pensou: “Uma tão bonita quanto a outra”. Na meia-luz circular do abajur, seus corpos brilhavam como se estivessem untados com óleo. Nenhuma das duas se virou para olhá-lo; pareciam entregues ao prazer, esquecidas de que ele estava ali observando, de que também existia. Suas mãos, quase independentes da própria vontade, já tinham começado a desabotoar a camisa, a abaixar a calça, a tirar os sapatos e as meias.
— Muito bem, Baixinha, isso está ficando cada vez mais intrigante — o fotógrafo falava enquanto comia, depressa, como se alguém fosse arrebatar seu ceviche. — Vamos, continue, desculpe a interrupção.
Já sem roupa, avançou, sempre na ponta dos pés, e sentou-se num canto da grande cama, bem perto delas, sem tocá-las.
— Vocês estão lindas assim, isso é a coisa mais bonita que já vi na vida — murmurou sua boca, maquinalmente, sem que ele tivesse consciência de que estava falando. — Obrigado por me fazer sentir que sou o homem mais venturoso da Terra neste momento.
Estava com o falo rígido e, em meio à felicidade que estava sentindo, ficou apavorado com a ideia de não conseguir se controlar e ejacular antes do tempo.
— O estrangeiro que contratou você para tirar as fotos devia ser um gângster. — Os grandes olhos imóveis da Baixinha observavam com nojo como Ceferino comia: mastigando de boca aberta, fazendo barulho, expelindo fragmentos de comida sobre a toalha de mesa. — Se ele desapareceu de repente, na certa teve que fugir às pressas ou porque seus asseclas ou inimigos o mataram. E mandou tirar essas fotos porque pretendia fazer uma grande chantagem com o milionário, claro.
Quique viu que Marisa tinha afastado a cabeça de Chabela e o olhava. Mas não falou com ele, e sim com a amiga, com uma voz baixa e espessa, que ele ouvia perfeitamente: “Deixe eu chupar você, amor. Quero beber seus suquinhos”. Viu que os corpos das duas se separaram, que Marisa se encolheu e, já acocorada, enfiou a cabeça entre as pernas de Chabela, e que esta, deitada de costas, com um braço cobrindo os olhos, começou a suspirar e a ofegar. Bem devagarzinho, tomando infinitas precauções, ele também se deitou na cama e, com movimentos mínimos, sinuosos, de réptil, foi se aproximando das duas.
— Isso eu já sabia, Baixinha — interrompeu Ceferino. — Nunca pensei que o sr. Kosut tivesse mandado tirar as fotos para depois bater punheta com elas.
— Quando aconselhei você a perguntar a Rolando o que fazer com essas fotos, pensando que iria usá-las para fazer uma bela revelação na revista, cometi um erro terrível, Ceferino — disse a Baixinha, consternada. — Eu mesma, sem querer, pus em funcionamento o mecanismo que culminou com o assassinato do nosso chefe.
Quique tirou o braço que estava sobre os olhos de Chabela e, agora sim, vencidos seu pudor e sua timidez, beijou-a com fúria, enquanto suas mãos acariciavam os peitos e depois o cabelo de Marisa, e todo o seu corpo pugnava para montar em cima delas e se esfregar em suas peles, tremendo da cabeça aos pés, cego de desejo, feliz como nunca antes estivera na vida.
Quando terminou o ceviche, Ceferino limpou a boca com um guardanapo de papel. O casalzinho de namorados já tinha pedido o almoço e agora ele beijava a mão dela, dedinho por dedinho, fitando-a embevecido.
— Por quê, Julieta? — perguntou Ceferino. — O que está querendo me dizer? Como assim?
— Rolando trabalhava para o Doutor e foi perguntar a ele o que devia fazer com as suas fotografias — explicou a Baixinha.
— Para o Doutor? — fez cara de surpresa Ceferino. — Já ouvi isso mais de uma vez, e sempre desmenti, nunca quis acreditar. Trabalhava mesmo para ele?
— Assim como agora trabalhamos para ele você, eu e toda a redação da Revelações, Ceferino — disse Julieta, ligeiramente brava. — Você sabe muito bem, não se faça o bobo. E também sabe que, se não fosse o Doutor, nem você nem eu teríamos os bons salários que temos atualmente, e a revista nem sairia mais. Então é melhor não me fazer perder tempo com bobagem e vamos ao que de fato interessa, Ceferino.
Sentiu que estava ejaculando e continuou de olhos fechados, pensando que era uma vergonha não ter aguentado mais e penetrado Chabela, que abraçava pela cintura acariciando um dos seus peitos. Sentiu que sua mulher o instigava atrás dele, chegava até sua cara e mordia a orelha, dizendo: “Pronto, Quique, já realizou o seu sonho, viu Chabela e eu fazendo amor”. Ele, ainda de olhos fechados, virou-se, procurou a boca da sua mulher e beijou-a, murmurando: “Obrigado, meu amor. Eu amo muito você, amo demais”. E ouviu Chabela, debaixo dele, rindo: “Que linda cena de amor. Querem que eu me retire e deixe os pombinhos a sós?”. “Não, não”, murmurou Quique. “É que não consegui aguentar e gozei. Mas não saia daqui, Chabelita, espere um pouquinho, temos que fazer amor.” E ouviu Marisa caçoando: “Não falei, minha vida? Ele parece muito macho, fica todo excitado, mas quando a parte boa vai começar, puf, murcha”. “Não se preocupe”, respondeu Chabela, “eu me encarrego de fazer esse passarinho voltar a cantar.”
A Baixinha teve que fazer uma pausa porque o garçom veio buscar o prato de Ceferino. Perguntou se ela não tinha gostado do ceviche, e ela disse que sim, mas estava sem fome. Que podia levar. E continuou:
— Mas o Doutor proibiu terminantemente o chefe de publicar as fotos do milionário na revista ou de tentar chantageá-lo para ficar com seu dinheiro. Não me pergunte por quê, sua cabecinha com certeza é capaz de adivinhar. O Doutor não queria conflitos com um dos donos do Peru, alguém que, se quisesse, podia prejudicá-lo muito. Ou talvez porque, sei lá, já recebia dinheiro dele por outro lado. Rolando fez a loucura de desobedecer ao Doutor. E foi chantagear Cárdenas para que ele pusesse dinheiro na Revelações. Sonhava que a revista ia melhorar, crescer, tornar-se a número um do Peru. E também, talvez, queria ficar independente do Doutor. Devia ter lá a sua dignidade, na certa não gostava de ser o desaguadouro do regime de Fujimori, a privada por onde passava toda a merda do governo.
— É isso que nós somos, Baixinha? — perguntou Ceferino. Estava com outra voz, e a euforia que a comida lhe provocara tinha desaparecido. Nem provou o ají de galinha que lhe trouxeram depois. — A merda que o governo usa para enxovalhar seus inimigos?
— E coisas ainda piores, Ceferino, você também sabe muito bem disso — afirmou a Baixinha. — O vômito, a diarreia do governo, o depósito de lixo. Nós servimos para tampar com porcarias a boca dos críticos e, sobretudo, dos inimigos do Doutor. Para transformá-los em “lixo humano”, como ele diz.
— É melhor terminar logo a história, em vez de continuar me deprimindo assim, Julieta — interrompeu Ceferino; estava pálido e assustado. — E, então, o Doutor…
— Mandou matar Rolando Garro — murmurou a Baixinha. O fotógrafo viu um brilho terrível nos olhos redondos e imóveis da Baixinha. — Por medo do milionário. Por arrogância, porque ninguém podia lhe desobedecer sem pagar caro. Ou por medo de que Rolando, num dos seus ataques de raiva, denunciasse à opinião pública que a Revelações não era independente, não passava de um instrumento do governo para fechar o bico dos críticos ou chantagear aqueles que queria roubar e extorquir. Está claro agora, Ceferino?
Quique pensou que não ia se excitar de novo, mas, após um tempo naquela posição — deitado de costas, Marisa acocorada sobre seu rosto, oferecendo-lhe um sexo vermelho que ele lambia conscienciosamente, e Chabela ajoelhada entre as suas pernas com o pênis na boca —, de repente sentiu que seu sexo começava a ficar duro outra vez e uma deliciosa comichão nos testículos, sintoma seguro de excitação. Com as duas mãos, apertando a cintura de Chabela, ergueu-a e a fez sentar em cima dele. Conseguiu penetrá-la, finalmente. Por alguns instantes, antes de ejacular de novo, passou pela sua cabeça a ideia de que estava tão feliz nesse momento que toda aquela horrível experiência das últimas semanas, dos últimos meses, se justificava pelo prazer que estava vivendo graças a Marisa e à mulher de Luciano. As chantagens, o medo do escândalo, sua passagem pela cadeia, os interrogatórios humilhantes, o dinheiro gasto com juízes e advogados, tudo isso ficava no esquecimento enquanto sentia que seu corpo era uma chama que o consumia da cabeça aos pés, que fazia seu corpo e sua alma arderem juntos num fogo feliz.
— Está tudo claro, só que ainda não sei o principal — disse Ceferino Argüello, engolindo em seco. — Sei que minha voz está tremendo e que, de novo, estou morrendo de medo, Baixinha. Porque não tenho os colhões que você tem pela vida afora. Sou um covarde, com muita honra. Não quero ser herói nem mártir, só quero viver até o fim com minha mulher e meus três filhos, sem me matarem antes do tempo. Que merda é essa de vir me contar essas coisas? Não percebe que assim me compromete? Agora que finalmente eu já estava me sentindo mais seguro, você volta a me botar no paredão. Pode-se saber o que está querendo de mim, Baixinha?
— Primeiro coma seu ají de galinha e beba a cerveja, Ceferino — a Baixinha tinha suavizado a voz, e até seus olhos se descongelaram, agora o olhavam com uma mescla de carinho e compaixão. — O que você ouviu não é nada em comparação com o que vou lhe pedir.
— Sinto muito, mas já estou me cagando de medo, Julieta — disse a voz trêmula de Ceferino. — E você vai se surpreender, mas perdi o apetite e não tenho vontade nem de acabar a cerveja.
— Muito bem — disse Julieta. — Estamos na mesma. Vamos conversar, então, Ceferino. Ou melhor, escute-me com muita atenção. Não interrompa, até eu terminar. Depois você pode fazer todas as perguntas e comentários que quiser. Ou se levantar e quebrar esta garrafa de cerveja na minha cabeça. Ou me denunciar à polícia. Mas primeiro deixe-me falar e seja todo ouvidos. Procure compreender bem, muito bem, o que vou lhe dizer. Entendido?
— Entendido — balbuciou, assentindo, Ceferino Argüello.
— Saiba que ficou me devendo uma transadinha, amor — riu Marisa, sem se mover. — Ora, ora, Quique, quem diria que você ia comer minha melhor amiga, e na minha frente.
— Com o seu consentimento — disse Quique. — Estou amando você mais que antes, agora que me proporcionou estes momentos maravilhosos, Marisa.
— E eu não contribuí com meu grãozinho de areia, seu ingrato? — riu Chabela, também sem se mover.
— Claro que sim, Chabelita — disse rapidamente Quique. — Serei grato para sempre a você também, claro. Vocês fizeram o sonho da minha vida se materializar. Eu sonhava com isso há muitos anos. Mas nunca pensei que pudesse virar realidade.
— Vamos dormir um pouquinho, para recuperar as forças — disse Marisa. — Temos que estar em forma amanhã para aproveitar Miami como se deve.
— A cama está toda melada com as gracinhas deste senhor — disse Chabela. — Querem que troque o lençol?
— Não se incomode, Chabela — disse Quique. — Eu, pelo menos, não me importo que estejam meio molhados. Vão secar sozinhos. Para ser franco, na verdade, gosto do cheirinho.
— Não disse que meu marido é um pouquinho depravado, Chabela? — riu Marisa.
— Como foi a viagem, como estava Miami? — perguntou Luciano, que foi pessoalmente buscá-los no aeroporto. — Vocês se divertiram? Fizeram muitas compras? Comeram a tal ropa vieja no Versalles?
— E eu trouxe a sua gravata com muitas palmeiras e coloridos, irmão — disse Quique.
Julieta Leguizamón começou a falar, primeiro em voz baixa, preocupada com o casalzinho da mesa ao lado, mas aumentando ao perceber que eles estavam mais interessados em trocar carícias e palavras sem dúvida bobas e bonitas sussurradas no ouvido que em escutar o que se dizia na mesa vizinha. Falou muito tempo, sem vacilar, com seus grandes olhos frios, quase congelados, na cara de Ceferino, que viu ficar vermelho ou lívido, abrindo os olhos de surpresa ou apertando-os tomado de pânico, ou ainda olhando para ela com uma incredulidade total, espantado e maravilhado com o que lhe dizia. Às vezes abria a boca como se fosse interrompê-la, mas imediatamente fechava, talvez lembrando que havia prometido não dizer nada até que ela terminasse. Quanto tempo a Baixinha falou? Muito, porque enquanto falava chegou e depois partiu muita gente que veio degustar as delícias criollas e marítimas de Los Siete Pescados Capitales, e o restaurante foi se esvaziando. Um garçom surpreso veio levar os pratos intactos da Baixinha e de Ceferino — depois de inquirir se não tinham gostado de alguma coisa — e perguntou se não queriam sobremesa e café, e eles responderam que não com a cabeça.
Quando a Baixinha terminou e pediu a conta, disse a Ceferino que agora podia fazer todas as perguntas que quisesse. Mas Ceferino respondeu, a meia voz, de cabeça baixa, que no momento não, porque estava demolido, como na única vez que tentou correr uma maratona e teve que abandonar no quilômetro dezessete porque suas pernas tremiam e sentia que ia cair. Preferia fazer perguntas mais tarde, ou talvez amanhã, quando digerisse tudo o que tinha acabado de ouvir e organizasse um pouco sua cabeça que estava parecendo um labirinto, um saco de gatos, um vulcão. A Baixinha pagou a conta, saíram e pegaram um táxi que os levou de volta à redação da Revelações. Os dois sabiam que a partir daquele momento suas vidas nunca mais voltariam a ser como antes.