— Não posso tirar da cabeça que Luciano sabe, amor — disse de repente Quique, e Marisa, que estava ao seu lado na cama folheando a Caretas da semana, teve um sobressalto.
— Não sabe, Quique — afirmou, ajeitando a cabeça no travesseiro e virando-se para o marido. — Tire da cabeça de uma vez essa maldita ideia.
Quique, que estava lendo um livro de Antony Beevor sobre a Segunda Guerra Mundial, deixou o grosso volume na mesinha e fitou sua mulher com uma expressão de preocupação que não existia até aquele instante.
Era uma ensolarada manhã de domingo, e o verão finalmente havia começado de verdade em Lima. Eles acordaram cedo com a ideia de ir passar o dia na casa de praia que tinham em La Honda e almoçar lá com uns amigos, mas depois do café subitamente decidiram voltar para a cama, ler e passar a manhã sossegados. Talvez mais tarde fossem almoçar num bom restaurante.
— É que ele está diferente, Marisa — insistiu Quique. — Venho observando há algum tempo. Está mudado, com certeza. Mantém as aparências, claro, como se espera de um gentleman. Porque ele é assim. Sabe há quanto tempo nós quatro não almoçamos nem jantamos juntos? Dois meses. Alguma vez na vida já havia passado tanto tempo sem sairmos para jantar ou almoçar?
— Se Luciano soubesse, deixaria de falar conosco, Quique. É tão conservador, que seria capaz de chamar você para um duelo — disse Marisa. — E se separaria de Chabela na mesma hora. Você acha que ia continuar com ela depois de saber que fez amor com nós dois?
Marisa teve um ataque de riso, ficou vermelha como uma menina e, virando-se, foi se aconchegar no marido. As mãos deste acariciaram seu corpo nu, por baixo da fina camisola de seda.
— Sim, sim, é o que eu também penso, para me tranquilizar, amor — sussurrou Quique em seu ouvido, mordiscando devagarzinho a orelha. — Que Luciano, com seu jeito de ser, teria brigado com a gente para sempre e, sem dúvida, se divorciado de Chabela. E além do mais levaria as meninas.
De repente Quique sentiu que Marisa tinha segurado seu pênis. Mas não com carinho; apertando, como se quisesse machucar.
— Ei, ei, está doendo, amor.
— Se eu souber que você e Chabela se encontram a sós, que você transa com ela escondido de mim, juro que corto isto aqui como Lorena Bobbitt cortou o do marido dela — disse Marisa, fingindo que estava furiosa; seus olhinhos azuis relampejavam. — Lembra a história de Lorena Bobbitt, certo? Aquela equatoriana que castrou o marido gringo com uma faca e virou heroína dos hispânicos nos Estados Unidos.
— Você pensa mesmo essas coisas, de verdade? — riu Quique, pegando sua mão. — Que eu poderia estar me encontrando com Chabela pelas suas costas? Você deve estar mal da cabeça, amor. Eu gosto mesmo é do que fazemos nós três juntos. O que me excita é ver vocês fazendo amor. E, depois, cair em cima das duas como uma tempestade.
— Pois na última vez só caiu na Chabela, seu desgraçadinho, e me deixou na mão.
Quique se virou e abraçou Marisa. Beijou-a na boca por um longo tempo, apertando-a contra o seu corpo:
— Está me fazendo uma cena de ciúme de Chabela? — murmurou ele, feliz, tentando tirar sua camisola. — Você me deixou excitado, gringuinha.
Ela o afastou, rindo também. Estava com o cabelo louro todo desgrenhado e aos olhos de Quique seu pescoço comprido parecia ainda mais suave e níveo que os pômulos e a testa.
— Não sei se é ciúme, Quique — disse, aconchegando-se nele outra vez. — É uma sensação muito estranha. Quando vejo vocês dois fazendo amor, e vejo você tão apaixonado, tão excitado, e ela também, entrelaçados, se tocando, se apertando, sinto uma espécie de raiva. E ao mesmo tempo fico excitada, toda molhadinha, vendo os dois. Não acontece a mesma coisa com você?
— É, sim, igualzinho — disse Quique, passando o braço pelos ombros de Marisa. — Principalmente quando as vejo entrelaçadas, uma chupando a outra. É como se de repente vocês tivessem me expulsado dali e eu estivesse órfão. Sinto raiva, também. Mas, falando a verdade, Marisa, desde que esta história começou nossa vida íntima se enriqueceu muito, não foi? Você não acha?
— É a pura verdade — concordou Marisa. — Daqui a pouco vai fazer três anos daquela nossa primeira vez os três juntos, lá em Miami. Lembra? Precisamos comemorar. Outro dia estava falando disso com Chabela. Ela insistiu que devíamos festejar lá mesmo, no apartamento da Brickell Avenue.
— Três anos — rememorou Quique, comovido. — Tudo o que sucedeu desde então, não é mesmo, amor? De todas as coisas que aconteceram conosco, sabe qual é a única que me interessa? Que amo você mais que antes. Agora, sim, nosso casamento ficou indestrutível. Graças a tudo o que passamos, eu agora vivo louco de amor pela maravilhosa mulherzinha com quem tive a sorte de casar.
Virou-se e beijou os lábios de Marisa.
— É incrível — disse ela. — Quem podia imaginar que o terrorismo ia desaparecer, que Fujimori e o Doutor seriam presos, que Abimael Guzmán e aquele outro, o do outro grupo, como se chama esse cara?
— Víctor Polay, do MRTA — disse Quique. — Foram esses que sequestraram e mataram o pobre Cachito. Espero que essa turma apodreça na cadeia por ter feito essa barbaridade tão cruel. Aliás, não seja tão otimista. O terrorismo não desapareceu totalmente. Ainda há grupos esparsos, na selva. E o Exército não consegue acabar com eles.
— E se Chabela contou tudo a Luciano, e ele também ficou excitado com a história? — Marisa riu vendo que suas palavras faziam Quique empalidecer e enchiam seus olhos de medo. — Estou brincando, bobinho, não se assuste.
— É que às vezes isso também me passa pela cabeça — disse Quique. — É impossível, não é? Tratando-se de Luciano, absolutamente impossível. Mas sempre, lá no fundo, fica a dúvida. Às vezes ele me olha de um jeito que me faz tremer, Marisa. E então penso: “Ele sabe. Com certeza sabe”.
— Chabela me jurou que ele nem desconfia — disse Marisa. — Luciano é tão puro, tão cavalheiro, não passa pela cabeça dele que alguém possa fazer o que nós fazemos com Chabela.
Foram interrompidos pelo telefone, vibrando na mesinha de Marisa. Ela atendeu. “Alô, alô?” Quique viu-a sorrir de orelha a orelha. “Olá, Luciano! Que surpresa. Bem, bem, mas com saudades suas, faz tanto tempo que não nos vemos, Lucianito. É, claro, sempre ocupadíssimo, como o Quique. A vida não pode ser só trabalho, Luciano. A gente também precisa se divertir um pouco, não é? Almoçar juntos? Hoje?” (Quique lhe fez um gesto afirmativo.) “Nós quatro? Grande ideia, Luciano. Quique está aqui ao meu lado, aprovando. Perfeito. Então vamos para aí. Por volta das duas, está bem? Fantástico. E depois poderíamos ver um filme nesse cineminha particular que você mandou fazer aí. Certo? Ótimo! Beijos para Chabela e até loguinho.”
Marisa desligou o telefone e virou-se para o marido com uma expressão de triunfo; seus olhos azuis-celestes faiscavam.
— Está vendo, era só apreensão sua, Quique — exclamou. — Luciano estava carinhosíssimo. Disse que pensou em nos chamar para almoçar porque receberam umas corvinas fresquíssimas e vão fazer um ceviche. Disse também que nós não nos vemos nunca e que isso não dá…
— Ainda bem, ainda bem — alegrou-se Quique. — Era só ideia minha, então. Devem ser remorsos pelo que nós fazemos, essa é a explicação. Que notícia boa, amor. Gosto muito do Luciano. Ele é meu melhor amigo e sempre o admirei, você sabe. O que aconteceu com Chabela não diminui nem um milímetro o afeto que tenho por ele.
— Sabe o que você é, Quique? — riu Marisa. — Um cínico daqueles, maridinho. Um sem-vergonha como nunca se viu outro igual. Você tem um grande afeto e é seu melhor amigo, mas não vacila um segundo em enganá-lo com a mulher dele.
— A culpa é sua, não é minha — respondeu, abraçando-a e caindo em cima de Marisa. Falava em seu ouvido, enquanto lhe acariciava o corpo e se esfregava nele. — Você me corrompeu, amor. Por acaso não foi você que inventou tudo isso?
— Eu nunca participei de uma partouze como aquela de Chosica — respondeu Marisa em seu ouvido. — Portanto, não se sabe quem corrompeu quem.
— Eu lhe pedi tanto que não falasse nunca mais da história de Chosica — Quique, com a voz alterada, se afastou da mulher e voltou a deitar de costas. — Viu só, eu estava excitado, ia fazer amor com você, mas essa piada sobre Chosica me deixou mais gelado que um iceberg. Foi uma punhalada traiçoeira, Marisita.
— Era brincadeira, bobinho, não fique triste, você estava mais simpático esta manhã que o normal.
— Por favor, Marisa — insistiu ele, muito sério. — Estou lhe pedindo mais uma vez. Não vamos falar nunca mais dessa maldita história. Eu imploro.
— Tudo bem, amor, desculpe. Nunca mais, juro. — Marisa avançou o rosto e beijou-o na bochecha. Depois despenteou seu cabelo, de brincadeira. — Sabe que você é a pessoa mais contraditória do mundo, Quique?
— Por quê? — perguntou ele. — Em que sou contraditório?
— Não quer que eu lembre de jeito nenhum essa história de Chosica, mas toda noite vê o programa ridículo dessa prostituta.
Quique deu uma risada.
— Não venha me dizer que está com ciúme de Julieta Leguizamón e A hora da Baixinha.
— Ciúme daquela anã horrorosa? Claro que não — protestou Marisa. — Mas você deveria odiá-la. Não foi ela que o acusou de mandar assassinar Rolando Garro? Não foi por causa dela que você passou aqueles dias horríveis na cadeia, no meio de bandidos e degenerados? Como pode assistir a esse programa e ouvir toda noite aquela fofocagem repugnante dela? Você devia ter vergonha, Quique.
— A hora da Baixinha é o programa mais popular da televisão peruana — deu de ombros seu marido. — Sim, sim, eu sei, aquilo é pura bisbilhotice cafona, você tem razão. Não sei explicar, eu mesmo não tenho uma resposta que me convença. Para mim há algo de fascinante nessa mulherzinha, por mais que ela me tenha feito o que fez.
— Fascinante, aquela anã mais feia que bicho-papão? — escarneceu Marisa.
— Fascinante, sim, gringuinha — disse Quique. — Ela me acusou porque achava que eu tinha mandado matar Rolando Garro por causa do que ele me fez passar, como aliás meio mundo achava. Mas depois, quando soube que o verdadeiro assassino era o braço direito de Fujimori, também o denunciou, arriscando a própria vida. E essa denúncia, não se esqueça, foi decisiva para derrubar a ditadura. Fujimori, o Doutor e companhia vão mofar na cadeia sei lá quantos anos por culpa dessa mulher. Não mandaram matá-la, como muita gente pensou que fosse acontecer. E ela continua aí. Não era ninguém, e agora é uma personagem importante da televisão peruana. Deve estar ganhando uma fortuna, apesar de ser, como você diz, quase anã e feiosa. Não acha uma história fascinante?
— Nunca aguentei as pieguices desse programa nem cinco minutos — Marisa fez uma expressão de nojo. — Todas aquelas fofocas sobre a vida das pessoas. Imagine se ela soubesse da nossa história? Faria um programa inteiro sobre nós: “O trio feliz e perverso”, já estou até vendo. Fico arrepiada só de pensar. Bem, não podemos perder a hora. Vou tomar um banho e me vestir para o almoço.
Quique viu-a levantar da cama e entrar no banheiro. Passou os olhos pelo quadro de Szyszlo: o que queriam dizer aquele aposento, aquele totem, que em determinadas horas pareciam soltar chamas? Às vezes sentia um pouco de medo ao olhá-lo. Em compensação, o deserto com serpente de Tilsa o serenava. Ali não havia mistério algum; ou talvez sim, aquele olhar remelento do ofídio. Ficou pensando. Sim, claro, era estranha aquela fascinação que Julieta Leguizamón exercia sobre ele e o fazia ver A hora da Baixinha todas as noites que podia. Aquela mulherzinha tinha feito história, sem se propor, sem desconfiar. Com sua audácia, provocou acontecimentos que mudaram a vida do Peru. Não era uma coisa extraordinária que uma garota como qualquer outra, que não era ninguém, na base da pura coragem, tivesse provocado um terremoto como a queda do todo-poderoso Doutor? Bem que gostaria de conhecê-la, conversar com ela, saber como falava quando não estava na televisão representando seu papel de farejadora de intimidades. Mas que bobagem. Hora de se levantar, fazer a barba e ir tomar banho de uma vez. Que boa notícia, o convite de Luciano para almoçar e ver um filme no cinema que tinha construído na sua casa em La Rinconada. Ele não sabia de nada, e todos continuariam bons amigos como sempre, que alívio.
Quique escovou os dentes, fez a barba e tomou seu banho. Quando estava debaixo do chuveiro tirando o sabão, surpreendeu-se cantarolando uma canção de John Lennon. Lembrou: essa canção estava muito na moda quando ele estudava em Cambridge, Massachusetts, no MIT. “Você, cantando no chuveiro?”, perguntou a si mesmo. “Desde quando, Enrique Cárdenas?” Estava contente. Aquele telefonema e o convite de Luciano lhe trouxeram bom humor. Gostava muito dele, de verdade, sempre o estimou muito. E, realmente, naqueles três anos muitas vezes sentira remorsos quando ele e Marisa iam para a cama com Chabela. Mas, apesar disso, nunca lhe passou pela cabeça interromper essa relação. Era um imenso deleite quando faziam amor juntos. “Que história curiosa!”, continuou pensando, enquanto escolhia no amplo closet a roupa esporte que usaria para ir à casa de Luciano: mocassins, uma calça de linho, a camisa quadriculada em vermelho e branco que Marisa tinha trazido da última viagem aos Estados Unidos e uma jaqueta leve.
De fato, até a maldita chantagem que Rolando Garro tentou lhe fazer, sua vida sexual com Marisa estava murchando, virando uma espécie de ginástica sem fogo. E, de repente, nos dias de separação que se seguiram ao escândalo das fotos na Revelações, e durante a reconciliação, tinha sentido esse verdadeiro renascimento das relações com sua mulher, uma segunda lua de mel. Com ela aconteceu o mesmo. Sem falar de depois, quando afinal ficou sabendo do caso de Chabela e Marisa. Em breve iria fazer três anos que haviam começado o triângulo que lhes trouxe de volta um ímpeto de adolescentes, uma nova vitalidade. Que maravilha saber que Luciano não estava informado. Para ele, perder essa amizade seria uma desgraça.
Quando saiu, Marisa já estava pronta, à sua espera. Muito bonita, com uma blusinha decotada que deixava seus ombros brancos e perfeitos à mostra, uma calça laranja muito justa que destacava sua delicada cintura e o traseiro empinado. Inclinou-se para beijar seu pescoço: “Como está bela esta manhã, minha senhora”.
No trajeto de carro até La Rinconada, Quique ao volante, Marisa disse:
— Adorei a ideia de ver um filme no cineminha que Luciano e Chabela fizeram. Não é fantástico ter um cinema em casa e ver os filmes que quiser, a qualquer hora, com quem quiser, naquelas poltronas confortáveis?
— No nosso apartamento não cabe um cinema — disse Quique. — Mas, se você quiser, podemos vender e construir uma casa com jardim e piscina, como Luciano. E lá faço para você o cinema mais moderno do Peru, minha vida.
— Que gentileza — riu Marisa. — Mas não, obrigada. Não quero ter que cuidar de uma casa grande com todas as complicações que sempre aparecem, nem ir morar no fim do mundo como eles. Estou feliz com meu apartamento no Golfe, perto de tudo. Sabe, você parece estar muito contente, Quique.
— É que me tranquiliza enormemente ver que ele não sabe de nada — disse. — Seria muito triste brigar com alguém que sempre foi um irmão para mim, desde que éramos pequenos.
Luciano e Chabela os receberam de roupa de banho. Estavam na piscina com as duas meninas, porque fazia calor. A manhã estava esplêndida, com um sol vertical num céu sem nuvens. Eles não quiseram entrar na água e se sentaram em poltronas, debaixo de sombrinhas, em volta da piscina, para tomar Campari e comer uns aipinzinhos com molho de ocopa que a cozinheira tinha preparado sabendo que era o tira-gosto preferido de Marisa.
Luciano estava de bom humor e mais afetuoso que nunca. Galanteou Marisa dizendo que ela andava suspeitamente bonita nos últimos tempos — “será que não arranjou um amante, Marisita?” — e parabenizou Quique porque sabia que tinha acabado de adquirir outra mina, em Huancavelica, em sociedade com uma companhia canadense. “Quer dizer então que você quer ficar cada vez mais rico. Nunca vai perder sua ambição de ser um Rei Midas, que transformava tudo em ouro?” Falaram de política e reconheceram que, apesar dos pesares, e dos ataques ferozes que recebia, o novo presidente, o cholo Toledo, estava indo bastante bem. As coisas melhoravam, a economia crescia, havia estabilidade e, graças a Deus, tinham acabado os sequestros e atentados.
Luciano contou que agora seu escritório dava assessoria legal à principal distribuidora de cinema do Peru e que estava feliz, porque graças a essa relação ele e Chabela recebiam todos os filmes novos para ver no recém-inaugurado cinema do jardim. Às vezes os dois ficavam até de madrugada vendo as futuras estreias, às sextas ou sábados. Marisa e Quique estavam convidados para participar dessas noites cinematográficas quando quisessem.
Sentaram-se à mesa por volta das três da tarde. O ceviche e as corvinas grelhadas de fato estavam frescos e saborosos, sobretudo regados com vinho branco francês, um Chablis bem geladinho.
A tarde transcorria relaxada, divertida e risonha — as meninas estavam brincando com os cachorros e haviam acabado de servir uma torta de limão com sorvete de coco — quando Luciano, no mesmo tom casual e despreocupado em que tinha falado e brincado durante todo o almoço, exclamou de repente:
— E agora vou contar a grande surpresa: decidi ir com vocês a Miami para comemorar também esse terceiro aniversário! — sorrindo, acrescentou após uma breve pausa: — De fato, já era hora de tirar umas férias.
Quique, ao mesmo tempo que via o rosto moreno de Chabela se ruborizar, sentiu que uma placa solar de repente incendiava seu cérebro. Tinha ouvido bem? Olhou para Marisa, sua mulher também estava vermelha e surgia um brilho de pânico no seu olhar. Agora Chabela tinha baixado a cabeça, sem conseguir esconder seu estado de confusão. Continuava levando à boca, mecanicamente, a colherzinha com sorvete que depois devolvia ao prato sem provar. A atmosfera parecia de chumbo. Quique não sabia o que dizer, nem Marisa. O único tranquilo, imutável e risonho era Luciano.
— Pensei que vocês iam ficar contentes com a minha companhia, e me fazem essas caras de enterro — brincou, com sua taça de vinho na mão, soltando uma gargalhada. — Não se preocupem. Se eu não for bem-vindo nessa comemoração fico em Lima, triste e abandonado.
Deu outra gargalhada, levou a taça à boca e bebeu um gole de vinho, com uma cara muito satisfeita.
Quique sentiu as mãos e as pernas tremerem e só atinava a observar, à sua frente, o cabelo preto de Chabela, ainda de cabeça baixa. E então ouviu Marisa, razoavelmente natural, apesar da lentidão com que pronunciava cada sílaba:
— Grande ideia vir também a Miami, Lucianito. Verdade, já era hora de você tirar umas férias, como todo mundo.
— Ainda bem, ainda bem que alguém me quer nesse grupo — agradeceu Luciano, pegando a mão de Marisa e beijando-a. — Certamente vamos passar uns dias ótimos lá em Miami.