II. Uma visita inesperada

Assim que o viu entrar no seu escritório, o engenheiro Enrique Cárdenas — Quique para sua mulher e os amigos — sentiu um estranho desconforto.

O que o incomodava tanto no jornalista que vinha de mão estendida em sua direção? Seu andar tarzanesco, bracejando e rebolando como o rei da selva? O sorrisinho de roedor que franzia a testa debaixo de uma cabeleira, que era pura brilhantina, amassada sobre o crânio como um capacete de metal? A calça apertada de veludo lilás que cingia como uma luva seu corpinho estreito? Ou aqueles sapatos amarelos com altas plataformas para fazer seu porte aumentar? Tudo nele parecia feio e piegas.

— Muito prazer, engenheiro Cárdenas. — E ofereceu-lhe a mão molenga e pequena que umedeceu a sua com suor. — Finalmente o senhor me permite apertar-lhe a mão, depois de tanto insistir.

Tinha uma vozinha estridente que parecia debochada, uns olhos pequeninos e buliçosos, um corpinho raquítico, e Enrique notou que até fedia a sovaco ou a chulé. Seria por causa do cheiro que esse sujeito lhe caía tão mal logo de entrada?

— Sinto muito, sei que telefonou muitas vezes — desculpou-se, sem muita convicção. — Não tenho como receber a todos que me telefonam, o senhor não imagina como a minha agenda está sobrecarregada. Sente-se, por favor.

— Imagino perfeitamente, engenheiro — disse o homenzinho; seus sapatões altos rangiam, e estava com um paletozinho azul muito justo e uma gravata furta-cor que parecia estrangulá-lo. Tudo nele era diminuto, inclusive a voz. Que idade devia ter? Quarenta, cinquenta anos?

— Que vista fantástica o senhor tem daqui, engenheiro! Aquilo lá no fundo é o morro San Cristóbal, não é? Estamos no vigésimo ou no vigésimo primeiro andar?

— Vigésimo primeiro — informou. — O senhor deu sorte, hoje temos sol e se pode aproveitar a vista. Nesta época o mais normal é a neblina cobrir toda a cidade.

— O senhor deve ter uma sensação de poder enorme com Lima assim aos seus pés — brincou o visitante; seus olhinhos pardos se moviam, buliçosos, e tudo o que ele dizia, na opinião de Quique, delatava uma profunda insinceridade. — E que escritório elegante, engenheiro. Permita-me dar uma espiada nestes quadrinhos.

Agora o visitante estava examinando com toda a calma os desenhos mecânicos de tubos, polias, pistões, tanques de água e bombas que a decoradora Leonorcita Artigas tinha usado para adornar as paredes do escritório argumentando: “Não parecem gravuras abstratas, Quique?”. A gracinha de Leonorcita, que pelo menos havia alternado esses desenhos impessoais e hieroglíficos com bonitas fotos de paisagens peruanas, lhe havia custado uma fortuna.

— Vou me apresentar — disse afinal o personagenzinho. — Rolando Garro, jornalista a vida toda. Diretor do semanário Revelações.

Entregou-lhe um cartão, sempre com seu meio sorriso e com sua vozinha gritona e esganiçada que parecia ter farpas. Era isso o que mais o incomodava no visitante, decidiu Enrique: não era o mau cheiro, e sim a voz.

— Já o conheço, sr. Garro — o empresário tentou ser gentil. — Já vi seu programa de televisão. Acabou por motivos políticos, certo?

— Acabou porque falava a verdade, coisa que não se suporta muito no Peru de hoje e de sempre — afirmou o jornalista com amargura, mas sem deixar de sorrir. — Já conseguiram acabar com vários programas meus, de rádio e de televisão. Mais cedo ou mais tarde a Revelações também vai fechar pelo mesmo motivo. Mas eu não me importo. São os ossos do ofício, neste país.

Seus olhinhos apertados o fitavam com ar de desafio e Enrique lamentou ter recebido aquele sujeito. Por que aceitou? Porque sua secretária, cansada de tantas ligações, lhe havia perguntado: “Digo então que não vai recebê-lo nunca, engenheiro? Eu não aguento mais, desculpe. Esse homem está deixando todo mundo louco no escritório. Telefona cinco ou seis vezes por dia, há várias semanas”. Ele pensou que, afinal de contas, um jornalista às vezes pode ser útil. “E também perigoso”, concluiu. Teve o pressentimento de que nada de bom ia sair daquela visita.

— Diga-me em que posso ajudá-lo, sr. Garro. — Notou que o jornalista parava de sorrir e fincava os olhos nele com uma expressão entre obsequente e sarcástica. — Se o assunto é publicidade, quero lhe adiantar que nós não cuidamos disso. Subcontratamos uma empresa que administra toda a publicidade do grupo.

Mas, evidentemente, o visitante não queria anúncios para o semanário. Agora o homenzinho estava muito sério. Não dizia nada; ficou olhando para ele em silêncio, como se estivesse procurando as palavras que ia usar ou fazendo suspense para deixá-lo nervoso. E, de fato, enquanto esperava Rolando Garro abrir a boca, Enrique começou a ficar, além de irritado, inquieto. O que aquele cafoninha estava escondendo na manga?

— Por que o senhor não tem guarda-costas, engenheiro? — perguntou de repente Garro. — Pelo menos, não estão à vista.

Enrique deu de ombros, surpreso.

— Sou fatalista e aprecio muito a minha liberdade — respondeu. — Que aconteça o que tiver que acontecer. Não posso viver cercado de guarda-costas, eu me sentiria prisioneiro.

Será que aquele sujeito viera lhe fazer uma entrevista? Ele não ia aceitar, e o colocaria no olho da rua o mais cedo possível.

— É um assunto muito delicado, engenheiro Cárdenas — o jornalista tinha abaixado a voz como se as paredes pudessem ouvi-los; falava com uma lentidão estudada, enquanto abria, de forma um tanto teatral, a maleta de couro desbotado que trouxera e tirava de dentro uma pasta presa com dois grossos elásticos amarelos. Não a entregou imediatamente; colocou-a em cima dos joelhos e voltou a incrustar nele seus olhinhos de roedor, nos quais Enrique agora divisava algo difuso, talvez ameaçador. Lamentou a hora em que aceitara aquele encontro. O mais lógico seria que um dos seus assistentes o atendesse, ouvisse o que tinha a dizer e se livrasse dele. Agora já era tarde, e com certeza ia se arrepender.

— Vou lhe deixar este dossiê para o senhor examinar com cuidado, engenheiro — disse Garro, entregando-o com uma solenidade exagerada. — Quando puser os olhos nele vai entender por que eu queria trazer pessoalmente e não deixá-lo nas mãos de suas secretárias. Pode ter certeza de que a Revelações jamais publicaria uma baixeza destas.

Fez uma longa pausa, sem desviar a vista, e prosseguiu com sua voz de falsete, cada vez mais baixa:

— Não me pergunte como chegou às minhas mãos, porque não vou dizer. É uma questão de deontologia jornalística, imagino que o senhor saiba o que é isso. Ética profissional. Eu sempre respeito as minhas fontes; há outros jornalistas que as vendem pela melhor oferta. Mas o que me permito repetir é que minha insistência em vê-lo pessoalmente se devia a isso. Aqui nesta cidade, como o senhor deve saber muito bem, há muita gente que quer o seu mal. Por causa do prestígio que o senhor tem, do seu poder e da sua fortuna. Essas coisas não se perdoam no Peru. A inveja e o ressentimento florescem com mais força aqui que em qualquer outro país. Só quero lhe garantir que aqueles que pretendem manchar sua reputação e prejudicá-lo jamais o farão por meu intermédio, nem da Revelações. Pode ter certeza. Eu não me presto a canalhices nem a baixezas. Simplesmente, é bom o senhor ficar a par. Seus inimigos vão utilizar estas e outras sujeiras ainda piores para intimidá-lo e exigir sabe Deus o quê.

Fez uma pausa, para tomar fôlego, e prosseguiu após alguns segundos, solene, levantando os ombros:

— Naturalmente, se eu tivesse me prestado a esse jogo sujo e publicado o material, nossas tiragens triplicariam ou quadruplicariam. Mas ainda restam no Peru alguns jornalistas de princípios, engenheiro, felizmente para o senhor. Sabe por que faço isto? Porque considero o senhor um patriota, sr. Cárdenas. Um homem que, com suas empresas, ajuda a construir a pátria. Que, enquanto muitos fogem, assustados com o terrorismo, e levam seu dinheiro para o exterior, o senhor fica aqui, trabalhando e criando empregos, resistindo ao terror, erguendo este país. E lhe digo outra coisa. Não quero nenhuma recompensa. Se o senhor me oferecesse, não aceitaria. Vim lhe trazer isto para que o senhor mesmo jogue este lixo no lixo e possa dormir sossegado. Nenhuma recompensa, engenheiro, só a de ter minha consciência limpa. Agora vou me despedir. Sei que o senhor é um homem muito ocupado e não quero roubar mais o seu precioso tempo.

Levantou, estendeu-lhe a mão, e Enrique, desconcertado, voltou a sentir a umidade deixada pelo contato com aqueles dedos e aquela palma molengos e molhados de suor. Viu o homenzinho ir rumo à porta com seus passos audazes e seguros, abri-la, sair e, sem virar a cabeça, fechá-la atrás de si.

Sentia-se tão confuso e incomodado que encheu um copo de água e bebeu num gole só, antes de olhar a pasta. Ela estava na escrivaninha, sob seus olhos, e ele teve a impressão de que sua mão tremia quando foi tirar os elásticos que a prendiam. Abriu. O que podia ser? Nada de bom, a julgar pelo discursinho do sujeito. Viu que eram fotos, embrulhadas em papel transparente. Fotos? Que fotos podiam ser? Começou a retirar o papel de seda com cuidado, mas em poucos segundos perdeu a paciência, rasgou e jogou no cesto de lixo. A surpresa que a primeira imagem lhe provocou foi tão grande que soltou a pilha de fotografias e estas caíram no chão, espalhadas. Ele escorregou da poltrona e, de quatro, foi recolhendo-as do chão. Enquanto pegava as fotos olhava uma por uma, escondendo-a rapidamente com a seguinte, atordoado, horrorizado, voltando à anterior, pulando para mais adiante, o coração sacudindo no peito, sentindo falta de ar. Continuou ali, sentado no chão, com as vinte fotos nas mãos, olhando-as inúmeras vezes, sem acreditar no que via. Não era possível, não era. Não, não. E, no entanto, as fotos estavam ali, diziam tudo, e ainda pareciam dizer muito mais do que o que acontecera de fato naquela noite em Chosica e que agora ressuscitava, quando ele achava que já tinha esquecido o iugoslavo e tudo aquilo havia muito tempo.

Estava tão enjoado, tão perturbado que, quando se levantou, pôs a pilha de fotos na mesa, tirou o paletó, afrouxou a gravata e caiu de olhos fechados na sua poltrona. Suava copiosamente. Tentou se tranquilizar, pensar com clareza, examinar a situação com equilíbrio. Não conseguiu. Pensou que poderia ter um ataque do coração se não conseguisse se acalmar. Ficou assim um bom tempo, de olhos fechados, pensando em sua pobre mãe, em Marisa, em sua família, em seus sócios, em seus amigos, na opinião pública. “Neste país até as pedras me conhecem, maldição.” Tentava respirar normalmente, inspirando o ar pelo nariz e soltando pela boca.

Uma chantagem, lógico. Tinha sido estupidamente vítima de uma cilada. Mas aquilo tinha acontecido uns dois anos antes, talvez um pouquinho mais, lá em Chosica, não dava para esquecer. Chamava-se Kosut aquele iugoslavo? Por que só agora essas fotos ressuscitavam? E por que por intermédio daquele sujeitinho repugnante? Ele disse que não as publicaria e que não queria recompensa, e isso, evidentemente, era uma forma de comunicar que planejava fazer justamente o contrário. Insistiu que era um homem de princípios para lhe informar que se tratava de um delinquente inescrupuloso, decidido a surrupiar-lhe até a alma, a depená-lo, aterrorizando-o com o bicho-papão do escândalo. Pensou em sua mãe, naquele rosto tão digno e nobre devastado pela surpresa e pelo horror. Pensou na reação dos seus irmãos se vissem as fotos. E seu coração encolheu imaginando a cara de Marisa ainda mais branca do que era, lívida, com a boca aberta e os olhos cor de céu inchados de tanto chorar. Sentiu vontade de sumir. Precisava falar com Luciano imediatamente. Meu Deus, que vergonha. E se consultasse outro advogado? Não, que imbecilidade, ele jamais mostraria essas fotos a mais ninguém, só a Luciano, seu colega de colégio, seu melhor amigo.

O interfone tocou e Enrique pulou sobressaltado. A secretária lhe recordou que eram quase onze horas e ele tinha uma reunião de diretoria na Sociedade de Mineração. “Sim, sim, diga ao motorista que me espere com o carro na porta, já desço.”

Foi lavar o rosto no banheiro e, enquanto o fazia, pensava, já se torturando: o que aconteceria se essas fotos chegassem a toda a cidade de Lima através de um jornal ou uma revista dessas que vivem de sensacionalismo, de iluminar em público as imundícies das vidas privadas? Meu Deus, precisava falar com Luciano o quanto antes; além de ser seu melhor amigo, o escritório dele era um dos mais prestigiados de Lima. Que surpresa e que decepção ia ter esse homem que sempre considerou Quique Cárdenas um modelo de perfeição.