IV. O empresário e o advogado

A firma Luciano Casasbellas Advogados também ficava em San Isidro, a poucas quadras do escritório de Enrique, e, no passado, ele costumava percorrê-las a pé, mas agora, por receio dos sequestros do MRTA e dos atentados do Sendero Luminoso, só ia de carro. O chofer deixou-o na porta do escritório de advocacia, que ocupava todo o edifício, e Quique mandou que o esperasse. Subiu direto para o quinto andar, onde ficava a sala de Luciano. A secretária disse que o doutor já estava à sua espera, podia entrar sem bater.

Luciano se levantou para recebê-lo e, pegando seu braço, o levou para umas confortáveis poltronas dispostas ao pé de uma estante envidraçada, cheia de livros encadernados em couro e simétricos. O tapete persa, os retratos e quadros nas paredes da sala eram, como o próprio Luciano, elegantes, sóbrios, conservadores, vagamente britânicos. Havia fotos de Chabela e de suas duas filhas numa prateleira, e do próprio Luciano, jovem, com toga e barrete, no dia da sua formatura na Universidade Católica de Lima, e outra, mais ostentosa, da cerimônia do seu doutoramento na Columbia University. Quique lembrou que no Colégio de la Inmaculada seu amigo recebia todo ano o cobiçado Prêmio de Excelência.

— Faz semanas que não nos vemos, Quique — disse o advogado, dando-lhe uma palmadinha afetuosa no joelho. Segurava os óculos na outra mão e estava sem paletó, com uma camisa de listras impecavelmente passada e, como sempre, com gravata e suspensórios; seus sapatos brilhavam como recém-engraxados. Era magro, alto, tinha olhos claros e um pouco achinesados, cabelo grisalho e entradas na testa, anúncio de uma calvície prematura. — Como vai a bela Marisa?

— Bem, bem — devolveu-lhe o sorriso Enrique, pensando: “É o meu melhor amigo desde que usávamos calça curta, será que vai continuar sendo depois disto?”. Estava abatido e envergonhado, e sua voz parecia insegura. — Quem não está nada bem sou eu, Luciano. Por isso vim aqui.

Sua voz tremia, e Luciano se deu conta, porque ficou muito sério. Observou o amigo com mais atenção.

— Tudo na vida tem solução, menos a morte, Quique — tentou animá-lo. — Vamos, conte tudinho, como diz Luciana, minha filha caçula.

— Eu recebi uma visita inesperada há uns dias — balbuciou ele, sentindo que suas mãos estavam úmidas. — Um tal de Rolando Garro.

— O jornalista? — surpreendeu-se Luciano. — Não deve ter sido para nada de bom. Esse sujeito tem uma fama péssima.

Enrique lhe contou a visita com todos os detalhes. Às vezes ficava em silêncio, procurando a palavra menos comprometedora, e Luciano esperava, calado, paciente, sem apressá-lo. Por fim, Enrique tirou da maleta a pasta presa com dois elásticos amarelos. Depois de entregá-la a Luciano, tirou o lenço do bolso e enxugou as mãos e a testa. Estava molhado de suor e respirando com dificuldade.

— Você não sabe como hesitei antes de vir aqui, Luciano — desculpou-se, cabisbaixo. — Estou com vergonha, com nojo de mim mesmo. Mas isto é tão pessoal, tão delicado que, na verdade, não sabia o que fazer. Em quem posso confiar a não ser em você, que é como meu irmão?

Perdeu a voz e pensou, assombrado, que estava quase chorando. Luciano, debruçado sobre a mesa, serviu-lhe um copo de água com um jarrinho de cristal.

— Para começar, não perca a calma, Quique — disse, afetuoso, dando um tapinha em suas costas. — Claro que você fez muito bem em vir me procurar. Por pior que seja o problema, vamos encontrar uma solução. Você vai ver.

— Espero que não fique me desprezando depois disto, Luciano — murmurou Quique. E apontou para a pasta: — Você vai ter uma grande surpresa, estou lhe avisando. Abra de uma vez.

— Advogado é uma espécie de confessor, velho — disse Luciano, colocando os óculos. — Não se preocupe. Minha profissão me preparou para tudo de bom, de ruim, e para o pior.

Enrique viu-o abrir cuidadosamente a pasta, tirar os elásticos amarelos e, depois, o papel que envolvia as fotos. Viu que a cara de Luciano se contraía um pouco de surpresa e, de repente, empalidecia. Não tirava a vista das imagens nem para se virar e olhá-lo, e não fazia qualquer comentário enquanto ia passando bem devagar, uma por uma, as escandalosas fotografias. Quique sentiu seu coração trovejando dentro do peito. O tempo tinha parado. Lembrou que, quando eles dois eram crianças e estudavam juntos para as provas, Luciano se concentrava nos livros como agora, entrando de corpo e alma naquilo que via. Mudo e metódico, olhava de novo as fotos, de trás para a frente. Por fim, levantou a cabeça e, fitando-o com seus olhos inquietos, perguntou em voz neutra:

— Não há a menor dúvida de que é você, Quique?

— Sou eu, Luciano. Sinto muito, mas sou eu mesmo.

O advogado estava muito sério; balançava a cabeça e parecia refletir. Tirou os óculos e deu-lhe outra palmada afetuosa no joelho.

— Trata-se de chantagem, isto é bem claro — disse afinal, enquanto, com grande cuidado, ganhando tempo, embrulhava de novo as fotos no papel de seda, guardava tudo na pasta e fechava com os elásticos amarelos. — Querem seu dinheiro. Mas antes quiseram amolecer você, com a ameaça de um grande escândalo. Não quer deixar isso comigo? É melhor ficar aqui, guardado no cofre. Não devem cair nas mãos de ninguém, principalmente de Marisa.

Enrique concordou. Bebeu mais um gole de água. De repente sentia-se aliviado, como se, ficando longe dessas imagens, sabendo que estariam bem protegidas no cofre do escritório de Luciano, a ameaça potencial que elas continham houvesse diminuído.

— Foram tiradas há uns dois anos, Luciano — explicou. — Mais ou menos, não lembro bem a data, talvez um pouquinho mais. Em Chosica. Tudo foi organizado pelo iugoslavo, acho que já lhe falei dele. Sérvio ou croata, algo assim. Um tal de Kosut. Lembra?

— Iugoslavo? Kosut? — Luciano negava com a cabeça. — Não mesmo. Eu conheci?

— Acho que o apresentei, não tenho muita certeza — continuou Quique. — Sérvio ou croata, pelo menos era o que ele dizia. Queria investir em mineração, tinha cartas de recomendação do Chase Manhattan e do Lombard Bank. Agora estou lembrando. Kosak, Kusak, Kosut, uma coisa assim. Devo ter os cartões dele em algum lugar. Um cara estranho, misterioso, que desapareceu de repente. Nunca mais ouvi falar dele. Tem certeza de que não lembra?

— Absoluta — afirmou Luciano. E encarou-o, falando com severidade: — Ele organizou essa bacanal? Ele tirou essas fotos?

— Não sei — disse Quique. — Não sei quem tirou. Eu não percebi nada, como você há de imaginar. Nunca permitiria. Mas, é sim, deve ter sido. Ele também estava lá. Kosak, Kusak, Kosut, um nomezinho desses centro-europeus, algo assim.

— Armou uma emboscada e você caiu como um patinho, para não dizer como um babaca — deu de ombros Luciano. — Há dois anos, tem certeza? E só agora se manifesta?

— É isso o que mais me intriga — disse Enrique. — Dois anos ou dois anos e meio depois, pelo menos. Ele passou vários meses em Lima, hospedado no Hotel Sheraton. Eu o apresentei a algumas pessoas. Depois, um belo dia me deixou um bilhete dizendo que precisava ir urgentemente a Nova York e que logo em seguida voltaria para Lima. Nunca mais ouvi falar dele. Tinha milhões de dólares para investir, dizia. Eu o ajudei, um dia levei-o à Sociedade de Mineração e ele fez uma pequena palestra. Falava um bom espanhol. Não parecia um gângster nem nada do gênero. Enfim, Luciano, não sei o que dizer. Eu fui muito idiota, claro que fui. Além do mais, você pode não acreditar, mas foi a primeira e última vez que eu…

Perdeu a voz e não conseguiu terminar a frase. Seu rosto estava em brasa, piscava sem parar e sentia uma vergonha tão grande que queria sair dali correndo e nunca mais ver seu melhor amigo.

— Fique calmo, Quique — sorriu-lhe Luciano. — Em casos assim o mais importante é manter a cabeça fria. Quer mais um copo de água?

— Ele me pegou de surpresa — disse Enrique. — Assim que vi aquele jornalista senti nojo. Há algo repulsivo nele, seu jeitinho bajulador, seus olhinhos de rato. Só pode ser chantagem. Claro, foi o que eu pensei.

— Ele foi mostrar as fotos para assustá-lo com a ameaça de escândalo — assentiu Luciano. — Pelo visto conseguiu. Para começo de conversa, fique sabendo que o pior a fazer é negociar com gente assim. Eles continuariam pedindo mais e mais dinheiro, nunca entregariam todos os negativos dessas fotos. Seria uma história sem fim. A primeira coisa que me ocorre é dar um bom susto no jornalista. Mas esse palerma deve ser um simples intermediário, um instrumento. Iugoslavo, você disse?

— Kosuk, Kosok ou Kosut — repetiu Quique. — Devo ter os cartões dele, cópias das cartas de recomendação que trouxe. Queria investir em minas, procurava sócios peruanos. Dava almoços, esbanjava como se fosse riquíssimo, sempre mão aberta. De repente, o tal bilhete dizendo que tinha que ir urgentemente para Nova York. E desapareceu. Agora ressuscita com essas fotos. Dois anos ou dois anos e meio depois. Não tem pé nem cabeça, certo?

Luciano estava pensativo e Enrique se calou.

— Em que está pensando, Luciano?

— Havia mais alguém, fora ele e as garotas, nessa festinha? — perguntou. — Quer dizer, alguém conhecido?

— Só ele e eu — afirmou Quique. — E elas, claro.

— E o fotógrafo — corrigiu Luciano. — Não notou que estava sendo fotografado?

— Eu nunca permitiria — protestou de novo Quique. — Não notei nada. Foi tudo muito bem armado. Não me passou pela cabeça que aquilo podia ser uma arapuca. Imagine se essas fotos saírem na Revelações. Com certeza você nunca folheou esse pasquim. É um poço de imundícies, de fofocas e de baixezas. Uma publicação de uma vulgaridade nauseabunda.

— Sim, já passou pelas minhas mãos, devo ter dado uma olhada — disse Luciano. — Sabe, aqui na firma temos dois ótimos advogados criminalistas. Deixe-me conversar com eles, mantendo todas as reservas do caso, naturalmente. Vou contar o problema e ver o que opinam. Esta mesma tarde. E depois lhe telefono. Enquanto isso, procure ficar calmo. Nem pense em abrir o bico sobre o assunto com ninguém. Se for necessário iremos até Fujimori. Ou ao próprio Doutor. E, naturalmente, não fale mais com Garro. Nem pelo telefone.

Levantou-se e o acompanhou até a porta. Lá, trocaram umas frases convencionais sobre Marisa e Chabela que, pelo visto, pareciam estar muito contentes com a viagem de fim de semana para Miami. Tinham que se ver e sair juntos um dia destes, insistiu Luciano, como se nada houvesse mudado entre eles dois. Claro, claro.

Enrique saiu do escritório de Luciano mais abatido do que entrou. Sentia tristeza e estava convencido de que as coisas na sua vida jamais voltariam a ser como eram antes daquela horrível visita.