Declaração de Independência da Nação Tchecoslovaca

(18 de outubro de 1918)

Neste grave momento em que os Hohenzollern estão oferecendo paz a fim de deter o vitorioso avanço dos exércitos aliados e impedir o desmembramento do Império Austro-Húngaro e da Turquia, e em que os Habsburgo estão prometendo a federalização do império e autonomia às nações insatisfeitas comprometidas com seu governo, nós, o Conselho Nacional Tchecoslovaco, reconhecidos pelos governos aliados e americano como o governo provisório do Estado Tchecoslovaco, em total conformidade com a declaração dos representantes tchecos realizada em Praga, em 6 de janeiro de 1918, e entendendo que a federalização e, mais ainda, a autonomia nada significam [se estiverem] sujeitas a uma dinastia de Habsburgo, tornamos e professamos a nossa presente Declaração de Independência.

Fazemos isso baseados em nossa crença de que nenhum povo deveria ser forçado a viver sujeito a uma soberania que não reconhece, e devido ao nosso conhecimento e firme convicção de que nossa nação não consegue desenvolver-se livremente em uma falsa federação Habsburgo, que é apenas uma nova forma de desnacionalizar a opressão que temos suportado nos últimos trezentos anos. Consideramos a liberdade o primeiro pré-requisito para a federalização, e acreditamos que as nações livres da Europa Central e Oriental podem facilmente se confederar se assim acharem necessário.

Fazemos esta declaração com base no nosso direito histórico e natural. Fomos um Estado independente desde o século vii e, em 1526, como um Estado independente composto pela Boêmia, Morávia e Silésia, juntamo-nos à Áustria e à Hungria em uma união defensiva contra o perigo turco. Nunca entregamos voluntariamente nossos direitos como Estado independente nessa confederação. Os Habsburgo romperam seu acordo com nossa nação ao transgredir ilegalmente nossos direitos e violar a Constituição de nosso Estado, os quais, aliás, eles se comprometeram a defender, e nós, portanto, recusamo-nos a fazer parte do Império Austro-Húngaro sob qualquer forma.

Invocamos o direito da Boêmia de reunir-se a seus irmãos da Eslováquia, em outros tempos parte de nosso Estado nacional, posteriormente arrancada de nosso organismo nacional, e há cinquenta anos incorporada ao estado húngaro dos magiares, que, por sua indescritível violência e brutal opressão das raças sob sua sujeição, perderam toda a moral e o direito humano de governar qualquer um que não a si mesmos.

O mundo conhece a história de nossa luta contra a opressão dos Habsburgo, intensificada e regularizada pelo Compromisso Dualista Austro-Húngaro de 1867. Este dualismo nada mais é que uma vergonhosa organização da força bruta e da exploração da maioria pela minoria; é uma conspiração política de alemães e magiares contra a nossa, assim como outras nações eslavas e latinas da monarquia. O mundo conhece a justiça de nossas reivindicações, que os próprios Habsburgo não ousaram negar. Francisco José solenemente reconheceu, repetidas vezes, os direitos soberanos de nossa nação. Os alemães e magiares opuseram-se a tal reconhecimento, e o Império Austro-Húngaro, curvando-se ante os pangermânicos, tornou-se colônia da Alemanha, e, sendo sua vanguarda a leste, provocou o último conflito balcânico, assim como a presente guerra mundial, iniciada apenas pelos Habsburgo, sem o consentimento dos representantes do povo.

Não podemos e não continuaremos a viver sob o domínio — direto ou indireto — dos profanadores da Bélgica, França e Sérvia, dos pretensos assassinos da Rússia e Romênia, assassinos de dezenas de milhares de civis e soldados de nosso sangue, e cúmplices em inúmeros crimes indescritíveis cometidos nesta guerra contra a humanidade pelas duas dinastias degeneradas e irresponsáveis. Não continuaremos a fazer parte de um Estado para cuja existência não há justificativa e que, recusando-se a aceitar os princípios fundamentais da moderna organização mundial, subsiste apenas como estrutura política artificial e imoral, dificultando todos os movimentos em direção ao progresso democrático e social. A dinastia dos Habsburgo, sob o peso de uma imensa herança de erros e crimes, é uma ameaça perpétua à paz mundial, e consideramos nosso dever para com a humanidade e a civilização auxiliar a promover sua queda e destruição.

Rejeitamos a afirmação sacrílega de que o poder das dinastias Habsburgo e Hohenzollern seja de origem divina; recusamo-nos a reconhecer o direito divino dos reis. Nossa nação elegeu os Habsburgo ao trono da Boêmia por sua livre vontade e pelo mesmo direito os depõe. Declaramos, pela presente, a dinastia Habsburgo indigna de liderar nossa nação, e negamos todas as suas exigências de governar a pátria tchecoslovaca, a qual declaramos, aqui e agora, e de agora em diante, um povo e uma nação livre e independente.

Aceitamos e iremos nos unir aos ideais da democracia moderna, que têm sido os ideais de nossa nação há séculos. Aceitamos os princípios americanos estabelecidos pelo presidente Wilson: os princípios de uma humanidade livre — da verdadeira igualdade entre as nações — e de governos que obtêm seu justo poder do consentimento dos governados. Nós, a nação de Comenius, não podemos deixar de aceitar os princípios expressos na Declaração de Independência americana, os princípios de Lincoln e da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Por tais princípios nossa nação derramou seu sangue nas memoráveis guerras hussitas há quinhentos anos, e por esses mesmos princípios, ao lado de seus aliados na Rússia, Itália e França, nossa nação está derramando seu sangue hoje.

Esboçaremos apenas os princípios essenciais da Constitui-ção da Nação Tchecoslovaca; a decisão final acerca da própria Constituição recai sobre os representantes legalmente eleitos do povo livre e unido.

O Estado tchecoslovaco será uma república. No esforço constante pelo progresso, garantirá completa liberdade de consciência, de religião, de ciência, de literatura e arte, de expressão, de imprensa, e o direito de reunião e petição. A Igreja será separada do Estado. Nossa democracia repousará sobre o sufrágio universal; as mulheres serão colocadas em pé de igualdade com os homens — política, social e culturalmente. Os direitos da minoria serão protegidos por representação proporcional; as minorias nacionais desfrutarão de direitos iguais. A forma de governo será parlamentar e deverá reconhecer os princípios da iniciativa e do referendo. O Exército permanente será substituído pela milícia.

A nação tchecoslovaca realizará reformas sociais e econômicas de longo alcance; as grandes propriedades serão resgatadas para o estabelecimento de moradias; as patentes de nobreza serão abolidas. Nossa nação assumirá sua parte da dívida austro-húngara pré-guerra; as dívidas desta guerra, legamos àqueles que nela incorreram.

Na política externa, a nação tchecoslovaca aceitará sua cota de responsabilidade na reorganização da Europa Oriental. Aceita plenamente o princípio democrático e social do nacionalismo e endossa a doutrina de que todos os convênios e tratados sejam introduzidos de forma aberta e sincera, sem diplomacia secreta.

Nossa Constituição proporcionará um governo eficiente, racional e justo, que excluirá todos os privilégios especiais e proibirá a legislação de classe.

A democracia derrotou a autocracia teocrática. O militarismo está derrotado — a democracia é vitoriosa; com a base na democracia, a humanidade se reorganizará. As forças das trevas têm servido a vitória da luz, e a tão esperada era da humanidade está emergindo.

Nós acreditamos na democracia — acreditamos na liberdade — e em cada vez mais liberdade.

Outorgada em Paris, no décimo oitavo dia do mês de outubro de 1918.

Professor Thomas G. Masaryk
Primeiro-ministro e Ministro da Fazenda
General Dr. Milan R. Stefanik
Ministro da Defesa Nacional
Dr. Edward Benes
Ministro das Relações Exteriores e do Interior

Fonte: George J. Kovtun, The Czechoslovak Declaration of Independence: A History of the Document (Washington, D.C., 1985), pp. 53-5.