4. Os acordos parassociais sobre a actuação dos membros do órgão de administração: razões para a sua proibição

A parte final do nº 2 do artigo 17º prevê a proibição de os sócios tentarem, mediante acordos parassociais, regular a “conduta de intervenientes ou de outras pessoas24 no exercício de funções de administração ou de fiscalização”. Como facilmente se percebe, o que se pretende prevenir é que os sócios interfiram ou exerçam influência na actuação dos membros do órgão de administração e de fiscalização,25 o que constitui o reverso da proibição cominada no nº 3. Ou seja, desta vez, o que o legislador pretendeu foi evitar que os administradores actuassem sob a direcção ou influência dos sócios, o que se traduziria numa delegação de poderes, expressamente proibida pelo nº 5 do artigo 252º, no caso das sociedades por quotas, e pelo nº 6 do artigo 391º, para as sociedades anónimas. Esta proibição não se aplicará, contudo, apenas aos acordos de voto que analisámos anteriormente. Aplicar-se-á, sim, a qualquer acordo que estabeleça compromissos respeitantes às actividades de gestão, interferindo em condutas dos administradores, estipulando a obrigação de lhes dar instruções, ou indicando quando é que devem ou não conceder determinada autorização.26

Ora, como bem se vê, este preceito condiciona fortemente a liberdade de conteúdo dos acordos parassociais. Desde logo, porque um dos tradicionais objectivos assumidos pelos sócios, quando celebravam acordos parassociais, era assegurar o controlo directo sobre a actividade de administração da sociedade em que detinham participações sociais, controlo esse que era conseguido, em alguns casos, mediante a assunção de compromissos pelos administradores, no sentido de seguirem determinadas orientações, que já se encontravam assentes no acordo, ou que seriam definidas pelos sócios, posteriormente. Noutros casos, eram os próprios sócios que, no acordo parassocial, se comprometiam a dar instruções aos membros do órgão de administração que tivessem elegido. Tudo isto numa época em que prevalecia ainda a ideia de que os sócios, no seu conjunto, eram soberanos e podiam dispor de todos os assuntos relativos à sociedade e de que “os administradores eram meros mandatários temporários”.27 Mais tarde, com o reconhecimento de que a administração deveria desenvolver a sua actividade em torno do objecto social, tanto num plano interno, como nas relações externas, a doutrina reclamou um alargamento das funções daquele órgão e o estabelecimento de uma inviolável esfera de competências que a assembleia deveria respeitar, vindo o legislador a determinar, posteriormente, um princípio de responsabilidade pelas suas condutas.28

Devido a esse passado histórico e à tendência natural que os sócios têm para tentar influenciar a actuação dos órgãos e o destino da sociedade, esta é ainda uma das limitações mais frequentemente violadas, na prática societária, o que leva alguns autores, numa tentativa de evitar um encargo demasiado pesado para as nossas pequenas empresas, a defender uma interpretação restritiva do preceito.29

Em nosso entender, uma tomada de posição sobre esta questão apenas poderá ser feita depois de definido o exacto alcance da proibição cominada no nº 2 do artigo 17º. Para isso, teremos que perceber quais os princípios que subjazem a esta norma, para podermos, posteriormente, determinar em que circunstâncias especiais é que esta poderá ou deverá ceder.

4.1. O respeito pelo princípio da tipicidade e pela distribuição legal de competências.
Em primeiro lugar, o nº 2 do artigo 17º terá tido por base o respeito pelo princípio da tipicidade
30 e pela imperativa divisão de competências entre os órgãos, prevista no Código das Sociedades Comerciais. Como afirma Carneiro da Frada, “a possibilidade de celebrar acordos parassociais não envolve, por regra, a faculdade de contornar regras injuntivas de organização e funcionamento da sociedade, nem é aceitável, por princípio, que esses acordos conduzam a uma violação da distribuição legal de competências entre os respectivos órgãos”.31

Ora, o órgão de administração “detém plenos poderes de gestão e de representação da sociedade, actuando com grande independência face aos accionistas e ao conselho fiscal, devendo subordinar-se às respectivas deliberações apenas nos casos em que a lei ou o contrato de sociedade o determinem”.32 Com efeito, nos termos dos artigos 259º, 260º, 405º, 406º e 409º do Código das Sociedades Comerciais, os gerentes ou administradores têm competência para praticar todos os actos necessários à realização do objecto social, representando a sociedade nas relações externas e optando pelas formas de gestão que considerem convenientes. Estes plenos poderes de gestão serão, contudo, menos amplos nas sociedades em nome colectivo e nas sociedades por quotas do que nas sociedades anónimas. Isto porque, se no artigo 259º do Código das Sociedades Comerciais, se dispõe que “os gerentes têm o dever de exercer a gestão [sempre] com respeito pelas decisões dos sócios”, no artigo 405º, o legislador dispôs que os administradores têm “exclusivos e plenos poderes de representação da sociedade”, exemplificativamente enunciados no artigo 406º, devendo apenas subordinar-se às deliberações dos sócios e às intervenções do órgão de fiscalização nos casos em que a lei ou o contrato de sociedade o determinarem.33 Os sócios, por sua vez, têm as competências que a lei ou o contrato lhes atribuem, podendo controlar a actividade dos administradores,34 mas só podem interferir directamente na gestão da sociedade quando tal seja solicitado pelo órgão de administração.

Assim, se não é possível que os sócios se ocupem, por livre iniciativa, de matérias de gestão da sociedade, também não poderão fazê-lo por acordo parassocial. Isto porque permitir acordos parassociais através dos quais os sócios possam interferir nas competências da administração é equivalente ao desrespeito pelas normas legais que delimitam o papel que cada órgão desempenha na sociedade. Acresce ainda que terceiros que interagem com a sociedade deixariam de poder prever o seu funcionamento, já que este poderia ser muito diferente do previsto na lei ou publicitado no pacto.35

Assim, se a primeira razão para a proibição do nº 2 do artigo 17º do Código das Sociedades Comerciais é a delimitação legal de competências dos órgãos de administração, facilmente se compreenderá que essa proibição terá um alcance diferente nas sociedades por quotas e nas sociedades anónimas, uma vez que não serão proibidos os acordos de voto que incidam sobre matérias relacionadas com a gestão da sociedade, mas sobre as quais os sócios podem deliberar.36/37 Diferentemente, os acordos parassociais que, não constituindo acordos de voto, incidem sobre matérias de gestão e estabelecem a obrigação de dar instruções acerca da forma de exercício das funções de administração, serão proibidos pelo nº 2 do artigo 17º do CSC, uma vez que se traduzem na intromissão nos poderes de gestão dos órgãos de administração.38 Não podendo interferir nessa gestão, à assembleia geral cabe apenas a apreciação do desempenho do órgão de administração, que se poderá traduzir, em caso de descontentamento, como já se disse, em voto de desconfiança ou em destituição.

4.2. O interesse social.
Outro dos motivos da imposição do limite consagrado no nº 2 do artigo 17º prende-se com a protecção do interesse social. Com efeito, os administradores são eleitos para, no exercício das suas funções de gestão e de representação, prosseguirem, em primeira linha, o interesse da sociedade. Não poderão, portanto, privilegiar o interesse dos sócios que os elegem ou os seus próprios interesses, preterindo, consequentemente, o interesse da sociedade. Esta razão está directamente ligada àquela barreira de competências entre os sócios e os administradores, que acabámos de analisar. É que o sócio, quando participa nas deliberações da assembleia geral, embora tenha em vista o sucesso da sociedade, inevitavelmente defende também os seus próprios interesses, estando numa posição de parcialidade.
39 O administrador, pelo contrário, tem obrigação de diligenciar apenas pelo desenvolvimento e pela defesa dos interesses da sociedade e deve fazê-lo, “com a diligência de um gestor criterioso e ordenado”,40 devendo agir “no interesse da sociedade, atendendo aos interesses de longo prazo dos sócios e ponderando os interesses dos outros sujeitos […] tais como os seus trabalhadores, clientes e credores”.41 Esta referência aos sócios, trabalhadores, clientes e credores pode parecer contrariar o dever de o administrador gerir a sociedade em consonância com o interesse dela. Mas não há aqui qualquer incongruência. É que o legislador, ao contrário do que fez em muitos outros artigos do Código das Sociedades Comerciais, em que consagrou uma teoria contratualista de interesse,42 optou, no artigo 64º, por uma teoria institucionalista,43 o que significa que o interesse social será o interesse comum, não apenas aos sócios,44 mas também a outros sujeitos que interagem com a sociedade, nomeadamente trabalhadores45 e credores46. É este interesse que os administradores deverão ter em vista, quando gerem uma sociedade. Mais difícil será descobrir qual a medida de ponderação de cada um desses interesses, que variará consoante as circunstâncias. Para isso, os administradores deverão, em cada caso, realizar uma tarefa de concordância prática dos diversos objectivos da sociedade, optando pelos interesses que mais se lhes adequam. Assim, sem nunca esquecer que o legislador conferiu mais importância ao interesse da sociedade (o que se prenderá, naturalmente, com a geração de lucro e de expansão da empresa), os administradores devem permitir que os interesses dos sócios e dos trabalhadores influenciem as suas opções empresariais, porque o “dever de lealdade qualificada” do administrador para com a sociedade, não dispensa o “dever de lealdade comum” para com os outros sujeitos com os quais se relaciona.47

Assim, tomando consciência dos diferentes interesses que sócios e administradores defendem, percebemos que, se existirem convenções celebradas entre alguns sócios, ou entre sócios e terceiros, que determinem a forma como os administradores devem agir, elas estarão, à partida, a inquinar a actuação da própria administração, que não estará a realizar o interesse da sociedade mas, naturalmente, o interesse dos sócios que celebraram o acordo. Como tal, esses acordos serão, antes de mais, nulos, porque contrários à lei. Por outro lado, serão inexigíveis, não tendo os administradores qualquer obrigação de cumpri-los. Aliás, não sendo esses acordos conformes ao interesse social, os administradores terão o dever de incumprir, sob pena de responsabilidade para com a sociedade e para com terceiros.48

Essa questão não se coloca, porém, nos casos em que, não estando em causa os interesses de outros sujeitos, os sócios celebram um acordo parassocial omnilateral. Nessa hipótese, o acordo traduz a comunhão das vontades de todos os sócios que, reflexamente, será também a vontade societária. Com efeito, ao contrário do que acontece com os acordos parassociais celebrados por apenas alguns sócios, ou por estes e terceiros, em que o interesse vertido será a conciliação de um conjunto de interesses individuais de cada um dos intervenientes, “nos acordos omnilaterais não há possibilidade de separar o interesse da sociedade do interesse dos sócios. A sociedade apresenta-se como mero instrumento”.49 Não estando, portanto, nestes casos especiais, prejudicado o interesse da sociedade, e não estando em jogo interesses de terceiros, os acordos parassociais omnilaterais serão válidos, porque indiciadores do interesse social que os administradores têm o dever de prosseguir, no exercício da sua actividade.

4.3. A responsabilidade dos administradores.50
Estando os administradores vinculados ao exercício de uma actividade diligente e leal, sempre com respeito pelo interesse da sociedade, eles são, consequentemente, responsáveis pelos actos que se desviem daqueles deveres. É que o regime da responsabilidade civil dos administradores visa não só a indemnização dos lesados, mas também o controlo preventivo da gestão51 e a tutela do interesse da sociedade, pressionando os gestores ou administradores a cumprir os deveres que lhes são atribuídos por lei. Este regime de responsabilização dos administradores é também, por outro lado, um reflexo da efectiva concentração dos poderes de gestão no órgão de administração, assumindo-se como um mecanismo de controlo da actuação dos seus membros, que tem vindo a profissionalizar-se, nomeadamente nas sociedades anónimas.

Com efeito, os administradores são, nos termos do nº 1 do artigo 72º do Código das Sociedades Comerciais, responsáveis para com a sociedade pelos danos que lhe causem, no exercício das suas funções, em omissão dos seus deveres legais ou contratuais. A ilicitude da conduta dos administradores poderá consistir na violação de disposições, vertidas na lei ou no contrato de sociedade52 – nomeadamente as que lhes imponham deveres concretos – ou numa violação dos deveres previstos no artigo 64º do Código das Sociedades Comerciais: o dever de cuidado e o dever de lealdade. Quanto à culpa,53 a lei não a dispensa, mas presume-a, ao inverter o ónus da prova, o que se explica pelo facto de serem os próprios administradores a disporem de todos os elementos relativos à sua actuação na sociedade, sendo-lhes relativamente fácil justificar as suas condutas e provar que actuaram sem culpa.54 Será ainda necessário, naturalmente, que haja um dano,55 mas ficam ressalvados os casos em que esse dano advém, não da actuação negligente ou dolosa do administrador, mas dos riscos do mercado e da normal gestão, uma vez que falta o necessário nexo causal.56

Para além de responderem perante a sociedade que administram, os gerentes ou administradores podem também responder perante credores,57 pela violação de disposições legais ou contratuais destinadas a protegê-los quando, dessa violação, resulta a insuficiência do património da sociedade para a satisfação dos créditos (artigo 78º), ou perante sócios58 e terceiros. Para que respondam perante credores, a lei exige que a conduta dos administradores seja ilícita, ou seja, que se traduza na violação de disposições concretas, exigindo ainda a produção de um dano na sociedade, que se reflicta no património do credor. Já assim não será nos casos de responsabilidade para com sócios ou terceiros, prevista no artigo 79º, em que a lei não se basta com danos indirectos, tornando este tipo de responsabilidade verdadeiramente excepcional.59

Assim, sendo os administradores responsáveis pelas actividades de gestão da sociedade, ressalvados os casos taxativos60 em que a lei prevê causas de exoneração da responsabilidade,61 impõe-se que eles sejam livres no exercício das suas funções, que não estejam condicionados no seu modus administrandi,62sob pena de responderem sem culpa. Por isso, à partida, os sócios não poderão interferir nas matérias que são da competência dos administradores, quer seja por meio de acordos parassociais, quer seja através de qualquer outro mecanismo.

A confirmar esta ideia surge o artigo 83º, nº 4, que estabelece a responsabilidade solidária dos sócios que usam da sua possibilidade de destituir ou de fazer destituir os membros do órgão de administração para, ilicitamente, influenciarem a sua actuação.63 Apesar de o preceito se referir apenas a uma forma específica de dependência dos administradores em relação aos sócios, entendemos que deverá relevar, para este efeito, qualquer meio de influência que seja adequado a determinar um acto de administração prejudicial.64 Qualquer poder que seja usado para exercer pressão sobre os administradores, determinando-os a adoptar as condutas que sejam mais apropriadas à prossecução de determinados interesses, em prejuízo dos interesses e do património da sociedade e de outros accionistas, deverá conduzir à responsabilização do sócio. Mas, para isso, é necessário que a influência seja ilícita, i.e., que consubstancie um verdadeiro desrespeito pelas regras de distribuição de competências entre os órgãos e que seja prejudicial para a sociedade, para os sócios ou para terceiros.65 Como ensina Carneiro da Frada, “tal facto [o exercício de influência] não implica (por si mesmo) nenhuma reprovação e/ou reacção da ordem jurídica enquanto não representar um prejuízo para a sociedade ou os demais sócios”.66 Ou seja, se as instruções dadas pelos sócios, insertas ou não em acordo parassocial, não desrespeitarem o interesse da sociedade e não causarem qualquer dano, poderão ser seguidas pelos administradores. Mas se estes entenderem fazê-lo, não é por elas serem vinculativas, mas porque, no exercício da sua liberdade de actuação e discricionariedade, julgaram que aquela opção era a mais adequada à prossecução do interesse social.

Concluímos, assim, que o legislador conferiu aos gerentes e administradores a função de gerir e de representar a sociedade e que apenas em casos excepcionais é que a tomada de decisões sobre a gestão da sociedade passa pelo crivo dos sócios, que procedem às necessárias deliberações, ou quando a lei o prevê, ou quando os administradores lhes solicitam determinados pareceres sobre essas matérias. Assim, em regra, é aos administradores que cabe a escolha do rumo a seguir, porque são eles que detêm os conhecimentos técnicos e a experiência necessária à tomada das decisões mais favoráveis à sociedade e ao desenvolvimento do fim social. São eles que, com alguma margem de liberdade e discricionariedade, estão aptos a tomar decisões racionais conformes com um interesse que não se reduz àquele que resulta da confluência dos interesses dos sócios.

Percebendo este mecanismo de funcionamento das sociedades comerciais, então facilmente se compreende também a proibição do nº 2 do artigo 17º. Se os administradores têm de ser autónomos no exercício das suas funções, não poderão estar vinculados a quaisquer acordos celebrados entre os sócios, ou entre estes e terceiros, que lhes retirem essa independência e que comprometam a prossecução do interesse social.

Assim, analisados os objectivos do legislador, ao prever tal proibição, mais facilmente se consegue, agora, alcançar os seus verdadeiros limites, definir que acordos parassociais deverão ser, efectivamente, proibidos e quais os que, pelo contrário, deverão ser admitidos.

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24 Uma questão que se pode colocar é a de saber quem são estas “outras pessoas no exercício de funções de administração” que o legislador refere. É que, para além de não ser permitido atribuir a outros órgãos competências legalmente atribuídas ao órgão de administração, de acordo com o preceituado nos artigos 252º, nº 5 e 261º, nº 2, no caso das sociedades por quotas, e nos artigos 391º, nº 6 e 410º, nº 5, no caso das sociedades anónimas, os gerentes e os administradores só podem delegar competências noutros gerentes ou administradores da sociedade. Ou seja, se ninguém mais, para além dos gerentes ou administradores, se pode ocupar das tarefas de gestão e de representação da sociedade, não parece fazer sentido a referência a “outras pessoas no exercício de funções de administração”. Contudo, se atentarmos no artigo 80º do Código das Sociedades Comerciais, percebemos que o legislador usa uma expressão idêntica para estender a responsabilidade a “outras pessoas a quem sejam confiadas funções de administração”. Sem nos querermos alongar em demasia a analisar esta problemática, que já foi debatida nos lugares próprios, limitamo-nos a verificar que a doutrina que se ocupa deste tema defende que este artigo 80º serve, essencialmente, para aplicar o regime da responsabilidade civil dos administradores aos administradores de facto, de forma idêntica ao que acontece com o artigo 24º da Lei Geral Tributária, que prevê a aplicação do instituto da reversão por dívidas fiscais não só aos administradores de direito, mas também aos administradores de facto (embora, neste caso, o legislador tenha tido o cuidado de adoptar uma expressão mais clara). Para uma análise ao artigo 80º, vide RAMOS, Maria Elisabete, Responsabilidade Civil dos Administradores e Directores de Sociedades Anónimas perante os credores sociais, Studia Iuridica 67, Coimbra, Coimbra Editora, 2002, pp. 176-180; RIBEIRO, Maria de Fátima, A tutela dos credores das sociedades por quotas e a “desconsideração da personalidade jurídica”, Coimbra, Almedina, 2009, pp. 468-476, que entende que, para além de poder responsabilizar aqueles a quem foram confiadas matérias de administração, o artigo 80º se aplicará também aos casos em que o sócio assumiu essas funções por sua própria iniciativa. Cfr. ainda COSTA, Ricardo, “Responsabilidade civil societária dos administradores de facto”, Temas Societários, Instituto do Direito das Empresas e do Trabalho, Coimbra, Almedina, 2006, pp. 23-43, que, reconhecendo que o artigo 80º se refere a administradores de facto, entende, contudo, que ele apenas legitima uma interpretação extensiva dos artigos 72º a 79º.
Ora, parece-nos que a intenção do legislador, na segunda parte do nº 2 do artigo 17º do CSC, foi a mesma que o inspirou na redacção dos dois artigos referidos. É que, como iremos ver adiante, as razões que presidem à proibição dos acordos parassociais que respeitam à conduta de intervenientes no exercício de funções de administração farão sentir-se quer o administrador tenha sido eleito para o cargo, com respeito por todas as regras, quer não o tenha sido ou o seu título padeça de qualquer irregularidade.

25 Por razões sistemáticas, apesar de o nº 2 do artigo 17º falar do órgão de administração e do órgão de fiscalização, apenas iremos explorar a proibição dos acordos parassociais que incidam sobre o primeiro.

26 Também neste sentido, cfr. LEAL, Ana Filipa, “Algumas notas sobre a parassocialidade no Direito português”, Revista de Direito das Sociedades, ano I (2009), II, p. 162; e VENTURA, Raul, Estudos Vários Sobre Sociedades Anónimas, Coimbra, Almedina, 1992, p. 70.

27 SANTOS, Mário Leite, Contratos parassociais e acordos de voto nas sociedades anónimas, Lisboa, Edições Cosmos, 1996, p. 217, em referência ao artigo XIII, parte I, liv. II, tit. XII, secção 1 do Código Comercial de Ferreira Borges.

28 Cfr. artigo 17º do Decreto-Lei nº 49381, de 15 de Novembro de 1969.

29 Entende Fernando Galvão Telles (“União de contratos e contratos para-sociais”, Revista da Ordem dos Advogados 11º (1951), 1-2, p. 101) que essa regra geral poderá ter que ceder perante as exigências da prática, quando a declaração de invalidade do acordo gere ainda mais prejuízo para a sociedade do que o próprio acordo. Já António Menezes Cordeiro (Manual de Direito das Sociedades, I, Coimbra, Almedina, 2004, p. 584), apesar de entender que a limitação do nº 2 do artigo 17º faz todo o sentido, em face da nossa legislação mercantil, defende uma interpretação restritiva do preceito, uma vez que as pequenas empresas portuguesas concorrem com empresas estrangeiras, que não se vêem confrontadas com este tipo de limitações, saindo demasiado penalizadas. Por sua vez, António Pereira de Almeida (Almeida, António Pereira de, Sociedades Comerciais: completamente reformulado de acordo com o Decreto-Lei nº 76-A/2006 , 4ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 2006, p. 296) é de opinião que só não devem ser permitidas as cláusulas que imponham aos titulares dos órgãos condutas concretas, sendo já de admitir os que impõem uma maioria qualificada ou a unanimidade para a tomada de certas decisões.

30 Consagrado logo no nº 3 do artigo 1º do Código das Sociedades Comerciais, este princípio determina que as sociedades, para serem comerciais, terão de adoptar um dos tipos previstos no nº 2 do mesmo artigo, i.e., um dos modelos de regulação das relações entre os diversos intervenientes da sociedade, cujas características se encontram enunciadas ao longo do Código das Sociedades Comerciais.

31 FRADA, Manuel A. Carneiro da, “Acordos parassociais omnilaterais”, Direito das Sociedades em Revista, ano I (2009), II, p. 105.

32 SANTOS, Mário Leite, Contratos parassociais e acordos de voto nas sociedades anónimas, Lisboa, Edições Cosmos, 1996, p. 220.

33 Este preceito poderia, à partida, dar a entender que os sócios podem interferir na gestão da sociedade, bastando para isso que o clausulassem nos estatutos (conferindo ao artigo 405º um carácter meramente dispositivo). A favor desta interpretação, ver MATOS, Albino, Constituição de sociedades: teoria e prática, 5ª ed., Coimbra, Almedina, 2001, pp. 241-242; SANTOS, Filipe Cassiano dos, Estrutura associativa e participação societária capitalística, Coimbra, Coimbra Editora, 2006, pp. 304-310; e CORDEIRO, António Menezes, O levantamento da personalidade colectiva no Direito Civil e Comercial, Coimbra, Almedina, 2000, pp. 51-55, apenas relativamente às sociedades anónimas de estrutura tradicional e monística (entendendo que já assim não será em relação às sociedades de estrutura germânica). Mas alguma doutrina alerta, e bem, em nosso entender, para o facto de este preceito ter que ser conjugado com o nº 3 do art. 373º, norma imperativa, que determina que “sobre matérias de gestão da sociedade, os accionistas só podem deliberar a pedido do órgão de administração”. É, assim, ao conselho de administração que compete a iniciativa dessa deliberação, sendo ilícita a cláusula dos estatutos que atribua aos sócios o poder de deliberar sobre matérias de gestão ou que imponha ao conselho de administração o dever de consultar a assembleia. Neste sentido, ver CORREIA, Luís Brito, Direito Comercial, III – Deliberações dos Sócios, AAFDL, Lisboa, 1997, pp. 65-66; CORREIA, Miguel Pupo, Direito Comercial, 12ª ed., Lisboa, Ediforum, 2011, p. 264; MAIA, Pedro, Função e Funcionamento do Conselho de Administração da Sociedade Anónima, Studia Iuridica 62, Coimbra, Coimbra Editora, 2002, pp. 138-142; MARTINS, Alexandre Soveral, Os Poderes de Representação dos Administradores de Sociedades Anónimas, Studia Iuridica 34, Coimbra, Coimbra Editora, 1998, pp. 193-206; RAMOS, Maria Elisabete, Responsabilidade Civil dos Administradores e Directores de Sociedades Anónimas perante os credores sociais, Studia Iuridica 67, Coimbra, Coimbra Editora, 2002, p. 72; Rodrigues, Ilídio Duarte, A administração das sociedades por quotas e anónimas – Organização e estatuto dos administradores, Lisboa, Livraria Petrony, 1990, pp. 81-82; e VASQUES, José, Estruturas e conflitos de poderes nas sociedades anónimas, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, pp. 69-85. Outra questão que se coloca é a de se, uma vez requerido à assembleia dos sócios que se pronuncie, estarão os administradores sempre vinculados a essa deliberação. A resposta será clara se atentarmos no artigo 405º, nº 1. Os administradores apenas estarão vinculados às deliberações dos accionistas quando a lei ou o contrato de sociedade o determinarem. Ou seja, não será lícito aos sócios estipularem, no contrato de sociedade, que determinadas matérias de gestão lhes deverão ser confiadas, mas já será válido que estipulem que, uma vez solicitado um parecer pelos administradores, estes ficarão vinculados à deliberação dos sócios. Neste sentido, ver MAIA, Pedro, Função e Funcionamento do Conselho de Administração da Sociedade Anónima, Studia Iuridica 62, Coimbra, Coimbra Editora, 2002, p. 158-168; e MARTINS, Alexandre Soveral, Os Poderes de Representação dos Administradores de Sociedades Anónimas , Studia Iuridica 34, Coimbra, Coimbra Editora, 1998, pp. 193-202. Contra, vide Vasques, José, Estruturas e conflitos de poderes nas sociedades anónimas, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, pp. 85-86, que é de opinião que os administradores, a partir do momento em que os solicitem, estarão sempre vinculados aos pareces da assembleia geral; RAMOS, Maria Elisabete Gomes, “A responsabilidade de membros da administração Problemas do Direito das Sociedades, Instituto do Direito das Empresas e do Trabalho, Coimbra, Almedina, 2002, p. 79; Idem, Responsabilidade Civil dos Administradores e Directores de Sociedades Anónimas perante os credores sociais, Studia Iuridica 67, Coimbra, Coimbra Editora, 2002, p. 73; e SERENS, M. Nogueira, Notas sobre a sociedade anónima, Studia Iuridica 14, Coimbra, Coimbra Editora, 1995, p. 85, que, pelo contrário, entendem que os pareceres da assembleia geral são sempre não vinculativos.
Embora nos pareça, portanto, que é à administração que compete decidir em que casos deve consultar a assembleia dos sócios, entendemos que será prudente ouvi-la quando está em causa uma decisão que poderá constituir especial gravidade para os sócios, como sejam OPA, cisões, fusões, aumentos de capital e outros negócios que impliquem alterações de controlo da sociedade. Veja-se, a este propósito, a decisão do Tribunal Federal Alemão, de 25 de Fevereiro de 1982, conhecida como Holzmüller-Entscheidung, que superou algumas hesitações da jurisprudência. No caso que deu origem a esta acção, a direcção da sociedade-mãe (sociedade anónima) decidiu criar uma sociedade-filha (sociedade em comandita), da qual era a única sócia, e alienar-lhe o seu principal estabelecimento. Nos estatutos da recém-criada sociedade, ficou, contudo, estabelecida a possibilidade de exclusão do direito de preferência da sociedade-mãe num futuro aumento de capital. Ou seja, o que passou a verificar-se, na prática, foi um risco de perda do controlo da sociedade, relativamente ao estabelecimento comercial alienado, que constituía, até então, a sua principal fonte de lucro. Intentada uma acção judicial por um sócio contra a sociedade anónima, entendeu o tribunal que, neste caso, que implicava uma alteração de controlo, a direcção dessa sociedade deveria ter ouvido a assembleia geral, antes de alienar o estabelecimento. Sobre esta decisão, cfr. CORDEIRO, António Menezes, O levantamento da personalidade colectiva no Direito Civil e Comercial, Coimbra, Almedina, 2000, pp. 131-136.

34 Com efeito, sem prejuízo da actuação dos órgãos de fiscalização e de auditoria, são os accionistas que devem controlar o órgão de administração da sociedade. Assim, é aos sócios que cabe a aprovação das contas do exercício, apresentadas pelo órgão de administração (artigo 376º, nº 1, a)), deliberar sobre propostas de distribuição de resultados (artigo 376º, nº 1, b)) e dar consentimento ao órgão de administração para determinadas categorias de actos (artigo 442º). Por outro lado, os sócios poderão manifestar a sua desconfiança, face à actuação do órgão de administração (artigos 376º, nº 1, c) e 455º, nº 2 e 3), bem como destituir os seus membros (artigos 376º, nº 1, c), 391º, nº 1 e 425º, nº 1 b)) e exercer o seu direito à informação (artigo 288º).

35 Como pode ler-se em JUGLART, Michel de, Ippolito, Benjamin, Les sociétés commerciales – cours de droit commercial, Paris, Montchrestien, 1999, 122, “Ce qu’il faut c’est assurer la sécurité des tiers et les mettre à l’abri des surprises”. Também sobre este aspecto, ver CORDEIRO, António Menezes, Manual de Direito das Sociedades, I, Coimbra, Almedina, 2004, pp. 583-584; LEAL, Ana Filipa, “Algumas notas sobre a parassocialidade no Direito português”, Revista de Direito das Sociedades, ano I (2009), II, p. 161; e SILVA, João Calvão da, Estudos Jurídicos (pareceres), Coimbra, Almedina, 2001, pp. 237-239. De facto, a imperatividade destas normas societárias, para além de assegurar a autonomia de cada órgão, visa essencialmente proteger interesses de terceiros que não são partes no acordo parassocial. Por isso, apenas quando esses interesses de terceiros não estão em jogo e quando os acordos parassociais são omnilaterais, i.e., são celebrados por todos os sócios de uma sociedade, parece que cessa a razão da proibição. Assim, Manuel A. Carneiro da Frada (FRADA, Manuel A. Carneiro da, “Acordos parassociais omnilaterais”, Direito das Sociedades em Revista, ano I (2009), II, p. 108) defende uma redução teleológica do artigo 17º, nº 2, nesses casos, introduzindo uma ideia de desconsideração da personalidade jurídica da sociedade e das regras societárias, porque “salvaguardadas certas condições, nada justifica impor aos sócios aquilo que eles – todos eles – declararam, uns perante os outros, não querer; ou não admitir aquilo que eles unanimemente quiseram”. Com opinião divergente, cfr. GUYON, Yves, Les sociétés : aménagements statutaires et conventions entre associés, 4.ème éd., Paris, LGDJ, 1999, p. 404, que afirma: “il paraît difficile de tolérer la coexistence d’une organisation officielle et d’une hiérarquie parallèle occulte, résultant d’accords extra-statutaires, même si ceux-ci lient tous les associés.”

36 Neste sentido, ver CORDEIRO, António Menezes, “Acordos Parassociais”, Revista da Ordem dos Advogados 61º (2001), II, p. 541; LEAL, Ana Filipa, “Algumas notas sobre a parassocialidade no Direito português”, Revista de Direito das Sociedades, ano I (2009), II, p. 161; TRIGO, Maria da Graça, Os acordos parassociais sobre o exercício do direito de voto, 2ª ed., Lisboa, Universidade Católica Editora, 2011, p. 150; SANTOS, Mário Leite, Contratos parassociais e acordos de voto nas sociedades anónimas, Lisboa, Edições Cosmos, 1996, p. 217; e VENTURA, Raul, Estudos Vários Sobre Sociedades Anónimas, Coimbra, Almedina, 1992, p. 70.

37 São exemplos de matérias de gestão para as quais os sócios têm competência a aquisição de participações em sociedades de responsabilidade limitada (artigo 11º, nº 2 e 3) e a distribuição de bens e dividendos aos sócios (artigo 31º, nº 1 e 294º, nº 1).

38 Com opinião semelhante, cfr. TRIGO, Maria da Graça, Os acordos parassociais sobre o exercício do direito de voto, 2ª ed., Lisboa, Universidade Católica Editora, 2011, p. 151; e VENTURA, Raul, “Acordos de Voto: algumas questões depois do Código das Sociedades Comerciais”, O Direito, I-II, 1992, p. 70.

39 Como reflecte, e bem, Maria de Fátima Ribeiro (A tutela dos credores das sociedades por quotas e a “desconsideração da personalidade jurídica”, Coimbra, Almedina, 2009, pp. 524-526), “quando se fala em interesse comum aos sócios, não se pretende afirmar que os sócios só têm esse interesse. Na realidade, eles são portadores de outros interesses (não coincidentes) (…) [que] subsistem ao longo da vida da sociedade”. No mesmo sentido, ver SANTOS, Filipe Cassiano dos, Estrutura associativa e participação societária capitalística, Coimbra, Coimbra Editora, 2006, p. 248, que se refere a estes interesses como aqueles que “estão colocados num plano externo relativamente ao contrato.”

40 Apesar de ter conservado a expressão “diligência de um gestor criterioso e ordenado”, enquanto juízo complementar da actuação dos administradores, o artigo 64º, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 76-A/2006, de 29 de Março, explicita agora os concretos deveres que aqueles devem observar. Em primeiro lugar, os administradores têm um dever de cuidado, devem administrar a sociedade, orientando-a para a prossecução do interesse social. Nessa medida, são exigidas aos administradores determinadas competências técnicas, que estes devem verificar se possuem, antes de aceitar o cargo. É-lhes também exigido tempo para adquirir novos conhecimentos e competências específicos, que deverão aplicar na sua actividade. Este dever pode dividir-se em três vertentes: dever de controlo e de vigilância da organização da sociedade, do seu desempenho e da sua evolução económico-financeira, procurando aceder a toda a informação disponível, solicitando-a, se necessário; dever de preparar adequadamente as suas decisões, tratando a informação recolhida e adaptando-a às circunstâncias do caso; e dever de optar por decisões razoáveis, de entre as várias disponíveis, tomando em consideração os ensinamentos da economia, da gestão e da boa prática. O legislador prevê, para a avaliação do desempenho do administrador, não o critério do bom pai de família, mas um critério mais exigente: o do gestor criterioso e ordenado. Contudo, como não existem certezas no âmbito da gestão, e a evolução da economia depende de um grande número de variáveis, o legislador permite também uma razoável margem de discricionariedade. Ou seja, administrador não viola o dever de tomar decisões razoáveis se “escolhe, não a melhor solução, mas uma das soluções compatíveis com o interesse da sociedade” (ABREU, J. M. Coutinho de, “Deveres de cuidado e de lealdade dos administradores e interesse social”, Reformas do Código das Sociedades, Instituto do Direito das Empresas e do Trabalho, Coimbra, Almedina, 2007, p. 21), mesmo que tal se venha a revelar danoso para a sociedade. Por outro lado, os administradores têm um dever de lealdade, i.e., um dever de procurar exclusivamente satisfazer o interesse da sociedade, “abstendo-se […] de promover o seu próprio benefício ou interesses alheios” (ABREU, J. M. Coutinho de, “Deveres de cuidado e de lealdade dos administradores e interesse social”, Reformas do Código das Sociedades, Instituto do Direito das Empresas e do Trabalho, Coimbra, Almedina, 2007, p. 21), o que os afasta dos sócios, que também procuram satisfazer os seus próprios interesses. Apesar de o legislador não ter tipificado algumas exigências de lealdade, a doutrina costuma referir-se à proibição de actuar em conflito de interesses, de concorrer com a sociedade, de abusar do estatuto de administrador, aproveitando oportunidades societárias em benefício próprio, de prosseguir interesses extra-sociais e de agir conscientemente em prejuízo da sociedade. Se os administradores violarem estes deveres, estão sujeitos a responsabilidade civil para com a sociedade e podem ser destituídos com justa causa. Sobre este tema, ver ABREU, J. M. Coutinho de, “Deveres de cuidado e de lealdade dos administradores e interesse social”, Reformas do Código das Sociedades, Instituto do Direito das Empresas e do Trabalho, Coimbra, Almedina, 2007, pp. 15-47; ALMEIDA, António Pereira de, Sociedades Comerciais: completamente reformulado de acordo com o Decreto-Lei nº 76-A/2006 , 4ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 2006, pp. 219-228; CORDEIRO, António Menezes, “Os deveres fundamentais dos administradores das sociedades”, Revista da Ordem dos Advogados 66º (2006) II, pp. 443-488; FRADA, Manuel A. Carneiro da, “A Business Judgment Rule no quadro dos deveres gerais dos administradores”, Revista da Ordem dos Advogados 67º (2007), I, pp. 159-205; RAMOS, Maria Elisabete, Responsabilidade Civil dos Administradores e Directores de Sociedades Anónimas perante os credores sociais, Studia Iuridica 67, Coimbra, Coimbra Editora, 2002, pp. 80-96; e RODRIGUES, Ilídio Duarte, A administração das sociedades por quotas e anónimas – Organização e estatuto dos administradores, Lisboa, Livraria Petrony, 1990, pp. 172-206.

41 Artigo 64º, alínea b) do Código das Sociedades Comerciais.

42 Ver p. 24, nota 13.

43 Entendemos que o artigo 64º tem uma vertente institucionalista, uma vez que, não se referindo ao interesse social exclusivamente como confluência dos interesses dos sócios, dirige aos administradores a tarefa de, sem prejuízo dos interesses dos sócios, atender também aos interesses dos trabalhadores, clientes e credores. O interesse da sociedade será, assim, não apenas a reunião do interesse isolado de cada sócio, mas o resultado da conjugação dos interesses comuns a sócios e trabalhadores. Em sentido convergente, ver ABREU, J. M. Coutinho de, “Deveres de cuidado e de lealdade dos administradores e interesse social”, Reformas do Código das Sociedades, Instituto do Direito das Empresas e do Trabalho, Coimbra, Almedina, 2007, p. 35; Idem, Curso de Direito Comercial, II, Coimbra, Almedina, 2010, pp. 296-310; Idem, Da EmpresarialidadeAs Empresas no Direito, Coimbra, Almedina, 1996, pp. 227-233; ALMEIDA, António Pereira de, Sociedades Comerciais: completamente reformulado de acordo com o Decreto-Lei no 76- A/2006, 4ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 2006, p. 90. Assumindo uma posição mais contratualista, ver VENTURA, Raul, Sociedades por quotas, III, Coimbra, Almedina, 1996, pp. 148-151.

44 Os administradores têm o dever de prosseguir os interesses comuns a todos os sócios, “não beneficiando uns em detrimento dos outros” (ABREU, Coutinho de, Da Empresarialidade – As Empresas no Direito, Coimbra, Almedina, 1996, p. 230).

45 O dever de prosseguir os interesses dos trabalhadores prender-se-á com a preocupação de conservação de postos de trabalho, com a atribuição de remunerações justas e equitativas, com a criação de condições de trabalho dignas, com o investimento em organizações sociais, etc. Embora parte da doutrina entenda que a referência aos interesses dos trabalhadores é dispensável, uma vez que eles já se encontram regulados em legislação laboral, e que constitui apenas uma expressão sem grande conteúdo e desresponsabilizadora dos administradores (VENTURA, Raul, Sociedades por quotas, Coimbra, Almedina, p. 151), entendemos que a referência aos interesses dos trabalhadores pode aqui ser mais ampla do que as garantias previstas em regulamentação laboral. Neste sentido, ver também Coutinho de Abreu (Da Empresarialidade – As Empresas no Direito, Coimbra, Almedina, 1996, p. 232), que refere, e bem, que “as leis laborais, bem como as convenções colectivas de trabalho, não regulam tudo o que se prende com a prestação de trabalho subordinado; e muitos dos aspectos regulados são-no em termos de fixação de limites (mínimos ou máximos). Ora, (…) há espaços de discricionariedade (…) que os gerentes devem preencher, segundo o art. 64º, tendo também em conta os interesses dos trabalhadores.” Com efeito, se os trabalhadores beneficiam de normas que lhes asseguram condições de higiene e segurança no trabalho, remunerações justas e protecção contra despedimentos sem justa causa, já não terão direito a outras regalias, nomeadamente a condições de educação para os seus filhos (a construção de infantários é o exemplo mais frequentemente dado pela doutrina). Essas medidas adoptadas pelos administradores, podem, efectivamente, servir de prova de que não agiram com culpa ou atenuar a sua responsabilidade (como nos alerta ABREU, J. M. Coutinho de, “Deveres de cuidado e de lealdade dos administradores e interesse social”, Reformas do Código das Sociedades, Instituto do Direito das Empresas e do Trabalho, Coimbra, Almedina, 2007, pp. 39-41; Idem, Curso de Direito Comercial, II, Coimbra, Almedina, 2007, p. 307; Idem Da Empresarialidade – As Empresas no Direito , Coimbra, Almedina, 1996, p. 233; e RAMOS, Maria Elisabete, “Aspectos substantivos da responsabilidade civil dos membros do órgão de administração perante a sociedade”, Boletim da Faculdade de Direito 73º (1997), pp. 232-235), mas poderão também ser reflexamente benéficas para a empresa, porque os trabalhadores são o motor para o desenvolvimento do objecto social. Assim, se a sociedade lhes proporcionar condições dignas para a execução do seu trabalho e lhes assegurar que os seus interesses são acautelados, os seus níveis de satisfação aumentarão, assim como a motivação para contribuir para o desenvolvimento da empresa. Como observa Mário Leite Santos (Contratos parassociais e acordos de voto nas sociedades anónimas, Lisboa, Edições Cosmos, 1996, pp. 207-208), trata-se de um instrumento reflexo que não se sobrepõe aos interesses dos sócios, antes os assegura. 

46 O dever de prosseguir os interesses dos credores sociais é, como bem se vê, instrumental do dever de promover a subsistência e o desenvolvimento da sociedade, porque sem eles será impossível prosseguir o escopo lucrativo.

47 FRADA, Manuel A. Carneiro da, “A Business Judgment Rule no quadro dos deveres gerais dos administradores”, Revista da Ordem dos Advogados 67º (2007), I, p. 168.

48 Neste sentido, ver SILVA, João Calvão da, Estudos Jurídicos (Pareceres), Coimbra, Almedina, 2001, p. 246.

49 FRADA, Manuel A. Carneiro da, “Acordos parassociais omnilaterais”, Direito das Sociedades em Revista, ano I (2009), II, pp. 97-135.

50 Para uma análise cuidada deste tema, cfr., entre outros, ALMEIDA, António Pereira de, Sociedades Comerciais: completamente reformulado de acordo com o Decreto-Lei nº 76-A/2006 , 4ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 2006, pp. 239-262; NUNES, Pedro Caetano, Responsabilidade Civil dos Administradores Perante os Accionistas, Coimbra, Almedina, 2001, pp. 11-55; RAMOS, Maria Elisabete, “Aspectos substantivos da responsabilidade civil dos membros do órgão de administração perante a sociedade”, Boletim da Faculdade de Direito 73º (1997), pp. 211-250; “A Responsabilidade de Membros da Administração Problemas do Direito das Sociedades, Instituto do Direito das Empresas e do Trabalho, Coimbra, Almedina, 2002, pp. 71-92; “Da responsabilidade civil dos membros da administração para com os credores sociais”, Boletim da Faculdade de Direito 76º (2000), pp. 251-288; Idem, Responsabilidade Civil dos Administradores e Directores de Sociedades Anónimas perante os credores sociais, Studia Iuridica 67, Coimbra, Coimbra Editora, 2002, pp. 65-99; RIBEIRO, Maria de Fátima, A tutela dos credores das sociedades por quotas e a “desconsideração da personalidade jurídica”, Coimbra, Almedina, 2009, pp. 457-480; Rodrigues, Ilídio Duarte, A administração das sociedades por quotas e anónimas – Organização e estatuto dos administradores, Lisboa, Livraria Petrony, 1990, pp. 208-230; SERENS, M. Nogueira, Notas sobre a sociedade anónima, Studia Iuridica 14, Coimbra, Coimbra Editora, 1995, pp. 92-100; SILVA, João Soares da, “Responsabilidade civil dos administradores da sociedade: os deveres gerais e os princípios da Corporate Governance”, Revista da Ordem dos Advogados 57º (1997), II, pp. 605-628; e VASQUES, José, Estruturas e conflitos de poderes nas sociedades anónimas, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, pp. 199-207.

51 Acerca desta função preventiva, que surge lateralmente à principal função da responsabilidade civil dos administradores, a ressarcitória, vide RAMOS, Maria Elisabete, “Aspectos substantivos da responsabilidade civil dos membros do órgão de administração perante a sociedade”, Boletim da Faculdade de Direito 73º (1997), pp. 217-218; Idem, Responsabilidade Civil dos Administradores e Directores de Sociedades Anónimas perante os credores sociais, Studia Iuridica 67, Coimbra, Coimbra Editora, 2002, pp. 144-150; e SERENS, M. Nogueira, Notas sobre a sociedade anónima, Studia Iuridica 14, Coimbra, Coimbra Editora, 1995, p. 95, que é de opinião que a responsabilidade dos administradores contribui para a “prossecução de interesses mais chegados ao interesse geral de uma boa administração da SA”. Sobre a função preventiva na responsabilidade civil, em geral, ver FRADA, Manuel A. Carneiro da, Direito Civil – Responsabilidade Civil: o método do caso, Coimbra, Almedina, 2011, pp. 64-72.

52 Em conformidade com o que temos vindo a dizer neste trabalho, já não será ilícito o desrespeito de acordos parassociais que violam a distribuição legal de competências entre os órgãos e desrespeitam o interesse social, nem de deliberações dos sócios sobre matérias de gestão, que têm carácter de pareceres não vinculativos.

53 Sendo a violação dos deveres de cuidado e de lealdade definidora da ilicitude da conduta do administrador, a “diligência do gestor criterioso e ordenado” deveria ser entendida como um padrão aferidor da culpa. Contudo, como refere, e bem, Carneiro da Frada (“A Business Judgment Rule no quadro dos deveres gerais dos administradores”, Revista da Ordem dos Advogados 67º (2007), I, pp. 162-163), da forma como o legislador configurou o artigo 64º, aquela parece ser uma conduta objectivamente exigível do administrador, pelo que a sua não verificação será também um critério aferidor da ilicitude da conduta. Se o legislador pretendesse atribuir-lhe a função de critério aferidor da culpa, ele deveria ser comum a ambas as alíneas, o que não sucede.

54 A favor deste entendimento, ver RAMOS, Maria Elisabete, “Aspectos substantivos da responsabilidade civil dos membros do órgão de administração perante a sociedade”, Boletim da Faculdade de Direito 73º (1997), pp. 211-250. António Pereira de Almeida (Sociedades Comerciais: completamente reformulado de acordo com o Decreto-Lei nº 76-A/2006 , 4ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 2006, p. 243) é, contudo, da opinião de que cabe à sociedade o ónus da prova de que o administrador violou os deveres fundamentais no artigo 64º, porque será tão acessível à sociedade quanto ao sócio a obtenção dos elementos capazes de provar esta situação de responsabilidade. Não nos parece, todavia, que isso seja possível, se é, na maioria dos casos, o administrador que guarda todos os documentos relativos à administração da sociedade e se tem, inclusive, possibilidade de ocultá-los.

55 O artigo 72º não dá uma noção de dano, mas a doutrina é unânime em considerar que são relevantes quaisquer factos que atingem um bem, económico ou não, destinado à satisfação do interesse da sociedade.

56 Com efeito, a responsabilidade do administrador poderá ser excluída, quando o administrador provar “que actuou em termos informados, livre de qualquer interesse pessoal e segundo critérios de racionalidade empresarial”. Como bem se perceberá, este preceito aplica-se apenas aos casos em que está em causa a violação de um dos deveres previstos no artigo 64º, e não a violação de um dever legal ou contratual específico. Como vimos anteriormente, aqueles deveres, ao contrário destes, comportam uma margem de autonomia e discricionariedade, porque o administrador tem que conciliar os diversos interesses em causa e dispõe, em face de todos os elementos recolhidos, de uma panóplia de opções potencialmente aptas a conduzir a resultados favoráveis para a sociedade. Contudo, a actividade de administração envolve riscos, que se prendem, desde logo, com as variações do mercado. E aquilo que aparentava ser uma boa opção, aquando da decisão, e depois de ponderadas todas as informações disponíveis, pode vir a revelar-se danoso para a sociedade. É por isso que o legislador não avalia os resultados obtidos, mas os comportamentos por ele adoptados. Por isso, se o administrador conseguir provar que actuou diligentemente, que cumpriu o seu dever de informação, que empregou todas as suas competências na escolha racional da decisão que entendeu ser mais benéfica para o interesse da sociedade, estará excluída a sua responsabilidade.
Por outro lado, as outras causas de exclusão da responsabilidade dos administradores já se aplicarão tanto no caso da violação de um dever legal ou contratual específico, como nos casos de violação dos deveres previstos no artigo 64º. Assim, nos termos do artigo 72º, nº 3 do Código das Sociedades Comerciais, “não são responsáveis pelos danos resultantes de uma deliberação colegial os gerentes ou administradores que votaram vencidos e os que nela não participaram”. Os administradores também não serão responsáveis, nos termos do nº 5 do artigo 72º, pela sua actuação em cumprimento de (algumas) deliberações tomadas em assembleia de sócios. Para uma análise mais detalhada desta questão, vide ABREU, Jorge Manuel Coutinho de, Governação das Sociedades Comerciais, Coimbra, Almedina, 2010, pp. 57-62; RAMOS, Maria Elisabete, “Aspectos substantivos da responsabilidade civil dos membros do órgão de administração perante a sociedade”, Boletim da Faculdade de Direito 73º (1997), pp. 211-250; RODRIGUES, Ilídio Duarte, A administração das sociedades por quotas e anónimas – Organização e estatuto dos administradores, Lisboa, Livraria Petrony, 1990, pp. 208-230; e VASQUES, José, Estruturas e conflitos de poderes nas sociedades anónimas, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, pp. 199-207. Não se verificando nenhuma destas causas de exclusão da responsabilidade, os administradores serão integralmente responsáveis pelas suas condutas.

57 Sobre a responsabilidade dos administradores perante os credores sociais, veja-se RAMOS, Maria Elisabete Gomes, “Da responsabilidade civil dos membros da administração para com os credores sociais”, Boletim da Faculdade de Direito 76º (2000), pp. 251-288.

58 Especificamente sobre a responsabilidade civil dos administradores perante os sócios, ver NUNES, Pedro Caetano, Responsabilidade Civil dos Administradores Perante os Accionistas, Coimbra, Almedina, 2001.

59 Apesar de a lei dizer que se aplicam as causas de exoneração previstas nos números 2 a 6 do artigo 72º também às situações de responsabilidade perante credores, sócios e terceiros, não parece fazer sentido que possa intervir nestes casos a Business Judgement Rule. Isto porque, como se disse, esta causa de exoneração aplica-se quando o administrador violou os deveres gerais previstos no artigo 64º. Ora, aqueles deveres de boa administração só podem ser exigidos pela própria sociedade. Os credores, sócios e terceiros apenas podem reclamar a responsabilidade dos administradores com fundamento em disposições concretas que os protejam, e que não comportam qualquer margem de autonomia que permita uma intervenção da Business Judgement Rule.

60 Taxativos, porque a lei expressamente exclui, no artigo 74º, a possibilidade de cláusulas que afastem a responsabilidade do administrador.

61 Veja-se a situação do administrador que não participa em determinada deliberação danosa para a sociedade, opondo-se a ela (artigo 72º, nº 3). Cfr. ainda o caso em que os administradores estão vinculados a seguir uma determinada deliberação da assembleia (artigo 72º, nº 5).

62 Neste sentido, veja-se CUNHA, Paulo Olavo da, Direito das Sociedades Comerciais, 5ª ed., Coimbra, Almedina, 2012, p. 176; LEAL, Ana Filipa, “Algumas notas sobre a parassocialidade no Direito português”, Revista de Direito das Sociedades, ano I (2009), II, pp. 162-163; e SILVA, João Calvão da, Estudos Jurídicos (pareceres), Coimbra, Almedina, 2001, pp. 246-248.

63 Cfr. VASCONCELOS, Pedro Pais de, A participação social das sociedades comerciais, Coimbra, Almedina, 2006, p. 79, que afirma que não é a responsabilidade solidária dos sócios que os legitima a exercer influência sobre os administradores. É antes a influência que os sócios exercem sobre os administradores, que o legislador sabe ser prática enraizada na vida societária, que justifica este regime. Ou seja, o facto de existir tal regime de responsabilização dos administradores não torna aqueles acordos lícitos. Visa apenas combater o risco de que Yves Guyon (Les sociétés : aménagements statutaires et conventions entre associés, 4.ème éd., Paris, LGDJ, 1999, p. 405) fala, quando afirma que “l’intérêt des tiers, et souvent aussi celui des associés minoritaires, serait méconnu par des conventions qui donneraient le pouvoir effectif à d’autres que les dirigeants apparents, notamment parce que la responsabilité des dirigeants occultes risque d’être difficile à établir.”

64 Neste sentido, ver DIAS, Rui Pereira, Código das Sociedades Comerciais em Comentário, volume I, Jorge M. Coutinho de Abreu (coord.), Instituto de Direito das Empresas e do Trabalho, Coimbra, Almedina, 2010, p. 962.

65 Desenvolvidamente, sobre o artigo 83º, nº 4, ver DIAS, Rui Pereira, Responsabilidade por Exercício de Influência sobre a Administração de Sociedades Anónimas, Coimbra, Almedina, 2007, pp. 17-139; Idem, Código das Sociedades Comerciais em Comentário, volume I, Jorge M. Coutinho de Abreu (coord.), Instituto de Direito das Empresas e do Trabalho, Coimbra, Almedina, 2010, pp. 955-964.

66 FRADA, Manuel A. Carneiro da, “Acordos parassociais omnilaterais”, Direito das Sociedades em Revista, ano I (2009), II, p. 117.