No processo penal é possível ocorrer situações que justificam a aplicação de algumas medidas para que o acusado esteja à disposição do juízo para o correto e efetivo desenvolvimento do processo e posterior prestação jurisdicional. Uma delas é a prisão, ou seja, a privação da liberdade de uma pessoa. O título IX do Código de Processo Penal, com a alteração dada pela Lei 12.403/2011, trata da prisão como medida cautelar, não como consequência da sentença condenatória. Dessa forma, como qualquer medida cautelar, caso as condições que motivaram sua adoção mudem, ela pode ser revogada.
Considerando que a privação de liberdade de uma pessoa atinge diretamente um valor essencial do sistema democrático e direito subjetivo fundamental consagrado constitucionalmente, a Constituição Federal trata do tema em vários dispositivos.
Assim, o art. 5.º, que estabelece os direitos fundamentais da pessoa, determina que:
1) a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada (inciso LXII);
2) o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado (inciso LXIII);
3) o preso tem direito à identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu interrogatório policial (inciso LXIV);
4) a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária (inciso LXV); e ninguém será levado à prisão ou nela mantido quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança (inciso LXVI), sendo, portanto, a liberdade, a regra e a prisão, a exceção;
5) Para assegurar a liberdade, a Constituição Federal prevê que será concedido habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder (inciso LXVIII).
No feliz detalhamento de André de Carvalho Ramos,1 a partir da análise das decisões dos Tribunais Superiores conseguimos observar as principais características constitucionais das penas. Assim, o autor traça as seguintes determinações da CF à pena:2
1. Princípio da pessoalidade, da contagiabilidade ou da intransmissibilidade da pena: significa que a pena criminal não pode passar da pessoa do condenado, é personalíssima. De acordo com o STF, viola o princípio da incontagiabilidade da pena criminal determinada decisão judicial que permite ao condenado fazer-se substituir, por terceiro absolutamente estranho ao ilícito penal, na prestação de serviços à comunidade (HC 68.309, Rel. Min. Celso de Mello, j. 27.11.1990, Primeira Turma, DJ 08.03.1991).
2. Princípio da individualização da pena: albergado expressamente na Constituição Federal, esse princípio determina que a lei regule a individualização da pena para fazer a previsão de diferentes sanções penais – não somente a pena de privação ou restrição da liberdade, como também perda de bens, multa, prestação social alternativa, suspensão ou interdição de direitos etc. Como aponta Carvalho Ramos,3 a respeito da individualização da pena, o STF engendrou as seguintes posições:
2.1. Nos termos da Súmula Vinculante 26/2009, “Para efeito de progressão de regime no cumprimento de pena por crime hediondo, ou equiparado, o juízo da execução observará a inconstitucionalidade do art. 2.º da Lei 8.072, de 25 de julho de 1990, sem prejuízo de avaliar se o condenado preenche ou não os requisitos objetivos e subjetivos do benefício, podendo determinar, para tal fim, de modo fundamentado, a realização de exame criminológico”. Assim, a progressão de regime, inclusive para crimes hediondos, deve respeitar o princípio de individualização da pena.
2.2. O STF decidiu também, em razão do princípio da individualização da pena, que a lei não pode, em abstrato, proibir a substituição da pena privativa de liberdade pela pena restritiva de direitos (HC 97.256, Rel. Min. Ayres Britto, j. 1.º.09.2010, Plenário, DJE 16.12.2010).
2.3. Conforme estabelece a Súmula 719, “a imposição do regime de cumprimento mais severo do que a pena aplicada permitir exige motivação idônea”.
2.4. Da mesma forma, a Súmula 716 abraça o princípio ao determinar que “admite-se a progressão de regime de cumprimento da pena ou a aplicação imediata de regime menos severo nela determinada, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória”.
2.5. E, ainda, a Súmula 715 estabelece que “a pena unificada para atender ao limite de trinta anos de cumprimento, determinado pelo art. 75 do Código Penal, não é considerada para a concessão de outros benefícios, como o livramento condicional ou regime mais favorável de execução”.
3. Proibição de algumas penas: A CF/1988 determinou a proibição das penas a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX; b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) penas cruéis. O STF também decidiu que: a) a medida de segurança criminal também tem prazo máximo de 30 anos, considerando a vedação de prisão de caráter perpétuo pela CF. Dessa forma, caso entenda-se que há necessidade de internação do réu por prazo adicional, a discussão deve ser feita no juízo cível (HC 84.219, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 16.08.2005, Primeira Turma, DJ 23.09.2005); b) da mesma forma, a pena de inabilitação para o exercício de cargos de administração ou gerência de instituições financeiras também não pode ser perpétua (RE 154.134, Rel. Min. Sydney Sanches, j. 15.12.1998, Primeira Turma, DJ 29.10.1999).
4. Dever do Estado de prover estabelecimentos prisionais de modelos distintos. A Constituição estabelece como direito fundamental do indivíduo, no art. 5.º, XLVIII, que a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado. Assim, a partir da determinação constitucional, Carvalho Ramos4 lembra que o STF entendeu que:
(i) o juiz não pode determinar que o preso continue no regime fechado, se o único óbice à progressão de regime é a ausência de vaga em colônia penal agrícola ou colônia penal industrial ou em estabelecimento similar. Nesse caso, o apenado tem o direito de permanecer em liberdade, até que o Poder Público providencie vaga em estabelecimento apropriado (HC 87.985, Rel. Min. Celso de Mello, j. 20.03.2007, Segunda Turma, Informativo 460), direito que o regime estabelecido seja convertido para prisão domiciliar, pois “incumbe ao Estado aparelhar-se visando à observância irrestrita das decisões judiciais. Se não houver sistema capaz de implicar o cumprimento da pena em regime semiaberto, dá-se a transformação em aberto e, inexistente a casa do albergado, a prisão domiciliar” (HC 96.169, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 25.08.2009, Primeira Turma, DJE 09.10.2009).
(ii) O direito à prisão especial, antes da prisão por sentença definitiva, deve ser assegurado, conforme disposto no art. 295 do CPP e ainda em leis diversas – Lei Complementar 75/1993, para os membros do Ministério Público da União e Lei Complementar 80/1994, para os membros da Defensoria Pública (HC 93.391, Rel. Min. Cezar Peluso, j. 15.04.2008, Segunda Turma, DJE 09.05.2008).
5. Direito dos presos à integridade física e moral (art. 5.º, XLIX); além disso, de acordo com o art. 5.º, § 2.º, o Brasil deve respeito às regras internacionais de proteção aos direitos fundamentais dos reclusos, em especial as Regras Mínimas para Tratamento do Recluso da Organização das Nações Unidas, adotadas pelo Primeiro Congresso das Nações Unidas sobre a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinquentes (Genebra, 1955) e aprovadas pelo Conselho Econômico e Social das Nações Unidas através das suas Resoluções 663 C (XXIV), de 31.07.1957, e 2.076 (LXII), de 13.05.1977.
A prisão, em um Estado democrático, não pode prescindir de um controle jurisdicional. Mesmo na vigência da situação de Estado de defesa (art. 136, CF), o texto constitucional determina que a prisão de crime contra o Estado, determinada pelo executor da medida, será comunicada imediatamente ao juiz competente, que a relaxará, se for ilegal, facultado ainda ao preso requerer exame corpo de delito (art. 136, § 3.º, I). A comunicação será acompanhada de declaração, pela autoridade, do estado físico e mental do detido no momento de sua autuação (art. 136, § 3.º, II). Ainda assim, a prisão não poderá ser superior a dez dias, a não ser que o juiz autorize tempo maior (art. 136, § 3.º, III). E até mesmo no excepcional Estado de defesa a Constituição veda a incomunicabilidade do preso (art. 136, § 3.º, IV).
Por esse motivo, já decidiu o STF que o controle jurisdicional da atividade persecutória do Estado é uma exigência inerente ao Estado Democrático de Direito, uma vez que “o Estado não tem o direito de exercer, sem base jurídica idônea e suporte fático adequado, o poder persecutório de que se acha investido, pois lhe é vedado, ética e juridicamente, agir de modo arbitrário, seja fazendo instaurar investigações policiais infundadas, seja promovendo acusações formais temerárias, notadamente naqueles casos em que os fatos subjacentes à persecutio criminis revelam-se destituídos de tipicidade penal” (HC 98.237, Rel. Min. Celso de Mello, j. 15.12.2009, Segunda Turma, DJE 06.08.2010).
Em decisão do STJ, o entendimento é que o controle jurisdicional da prisão é ato tão necessário que justifica até mesmo o conhecimento de recurso erroneamente interposto: “frente a situações excepcionais, quando constatada a existência de constrangimento ilegal, abre-se a possibilidade de que esta Corte Superior de Justiça conceda ordem de habeas corpus de ofício. Em outro dizer, embora não tenha sido utilizado o recurso legalmente previsto, em observância ao princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional e prestígio aos postulados inscritos nos incisos LXVIII, LIV e LV do art. 5.º da Constituição Federal, passo a analisar as alegações apresentadas na inicial do presente habeas corpus” (STJ, HC 279793, Rel. Min. Regina Helena Costa, DJ 24.10.2013).
Dessa forma, para adequar a normativa legal ao postulado constitucional, a Lei 12.403/2011 alterou os artigos do Código de Processo Penal que dispunham sobre prisão preventiva ou provisória, não mais admitindo hipóteses de detenção sem controle jurisdicional, como veremos a seguir.
O título IX do Código de Processo Penal, que antes era “Da prisão e liberdade provisória”, com o advento da Lei 12.403/2011 passou a ter o seguinte texto: “Das prisões, das medidas cautelares e da liberdade provisória”. Esclareceu-se, assim, que a prisão preventiva é espécie do gênero das medidas cautelares de caráter pessoal,5 e, portanto, serão norteadas por princípios em comum, e terão os mesmos requisitos: periculum in mora e fumus boni iuris.
A partir da Lei 12.403/2011, o rol de medidas cautelares do processo penal ampliou-se: não estão resumidas mais somente aos casos de prisão cautelar – há provimentos cautelares diversos da prisão.
O art. 282 determina que todas as medidas cautelares previstas no título IX serão aplicadas observando-se o princípio da proporcionalidade, expressamente previsto na norma pelo acolhimento dos requisitos de necessidade e adequação da medida. Dessa forma, as medidas cautelares pessoais no processo penal somente podem ser determinadas pelo juízo, levando-se em conta (art. 282, I e II):
1) a necessidade para (i) aplicação da lei penal, (ii) para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, (iii) para evitar a prática de infrações penais;
2) A adequação da medida a (i) gravidade do crime, (ii) circunstâncias do fato e (iii) condições pessoais do indiciado ou acusado.
Possibilita-se que as medidas cautelares previstas possam ser aplicadas tanto isolada como cumulativamente (art. 282, § 1.º).
Em atenção à garantia de imparcialidade do juízo, o § 2.o do art. 282 impede que na fase pré-processual (“no curso da investigação criminal”) seja decretada de ofício pelo juízo quaisquer das medidas cautelares previstas no título IX, sendo necessário o requerimento do Ministério Público ou representação (pedido) da autoridade policial. Interpretando-se a norma com o texto constitucional, considerando que o Ministério Público é o destinatário final da investigação, a representação policial deve ser submetida previamente ao crivo do MP antes que o juízo decida sobre a prisão.
Paradoxalmente, a mesma norma autoriza que tais medidas sejam decretadas de ofício pelo juiz durante a fase processual – impedindo assim que o juízo mantenha distanciamento do caso, violando sua imparcialidade e o princípio in dubio pro reo. Contudo, até o momento a posição do STJ sobre o tema era no sentido de que “o Juiz, sem provocação, poderá decretar a prisão preventiva, sempre que entender necessária a medida, porque sua atuação está respaldada pela lei, razão pela qual não há que se falar em nulidade processual” (STJ, RHC 040290, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, DJe 21.10.2013).
O § 3.º determina a intimação da parte contrária quando o pedido de medida cautelar seja recebido, para que o contraditório seja estabelecido, desde que não seja caso de urgência ou ineficácia da medida.
O descumprimento de qualquer das obrigações impostas pelo juízo pode levar à substituição da medida cautelar adotada por outra ou, enfatiza a norma prevista no § 4.º, em último caso, pode levar à decretação da prisão preventiva (art. 282, § 4.º).
O § 6.º do art. 282 é claro ao estabelecer, expressamente, que “a prisão preventiva será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar (art. 319)”. Assim, determina de forma explícita que a prisão é a ultima ratio das medidas cautelares, como foi decidido pelo STF ao analisar habeas corpus envolvendo prática de ilícitos penais pela organização criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC): “(...) Considerando que a prisão é a ultima ratio das medidas cautelares (§ 6.º do art. 282 do CPP – incluído pela Lei 12.403/2011), deve o juízo competente observar aplicabilidade, ao caso concreto, das medidas cautelares diversas elencadas no art. 319 do CPP, com a alteração da Lei 12.403/2011” (HC 106446, Rel. Min. Cármen Lúcia, Rel. p/ Acórdão: Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, j. 20.09.2011).
Outra importante mudança trazida pela Lei 12.403 está na nova redação do art. 283, CPP: de acordo com o texto legal, “ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva”. Assim, no curso do processo ou da investigação, deixam de existir as prisões em decorrência da pronúncia e prisão em decorrência de sentença condenatória recorrível, anteriormente previstas. Dessa forma, não é mais possível a execução provisória da pena privativa de liberdade: a execução será cabível somente com o trânsito em julgado da decisão condenatória (conclusão a que se chega também com a revogação do art. 393, CPP).
No novo sistema processual penal, portanto, não existem mais outras modalidades de prisão cautelar criminal diversas da prisão preventiva (arts. 312 e 313 do CPP) e prisão temporária (Lei 7.960/1989) para os crimes cometidos aqui no Brasil.6 Não são mais admitidas no ordenamento pátrio a prisão para apelar, a prisão decorrente de sentença condenatória recorrível, a prisão da sentença de pronúncia e a prisão administrativa.
Saliente-se, ainda, que a prisão em flagrante não é medida cautelar. Por tal motivo, o flagrante, por si só, não é fundamento para manter uma pessoa presa durante a ação penal. A partir da prisão em flagrante, pode o magistrado, fundamentadamente, conceder a liberdade provisória com ou sem fiança; aplicar medidas diversas da prisão (art. 319) ou decretar a prisão preventiva, desde que presentes os requisitos de fato e de direito.
Por fim, por expressa determinação legal (novo texto do art. 300), o preso provisório deve ficar separado do preso definitivo. Anteriormente, o texto legal continha a expressão “quando possível”, o que colidia com o contido na Lei de Execuções Penais.
Como agora, expressamente, com a reforma ocorrida com a Lei 12.403, a prisão preventiva passou a ser subsidiária, o novo texto do art. 319 do CPP contém outras das grandes mudanças efetuadas no sistema processual penal: além da fiança e da liberdade provisória, existentes anteriormente, o art. 319 traz 9 (nove) medidas cautelares diversas da prisão, para serem aplicadas com prioridade, antes de o juiz decretar a prisão preventiva.
Assim, o art. 319 determina que são medidas cautelares diversas da prisão: I. comparecimento periódico em juízo para informar e justificar atividades; II. proibição de acesso ou frequência a determinados lugares para evitar o risco de novas infrações; III. proibição de manter contato com pessoa determinada; IV. proibição de ausentar-se da comarca; V. recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado/acusado tenha residência e trabalho fixos; VI. suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais; VII. internação provisória do acusado nos crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração; VIII. fiança; IX. monitoração eletrônica.
A mudança foi amplamente aceita pelos tribunais federais e tribunais superiores. O STF decidiu que, “considerando que a prisão é a ultima ratio das medidas cautelares (§ 6.º do art. 282 do CPP – incluído pela Lei 12.403/2011), deve o juízo competente observar aplicabilidade, ao caso concreto, das medidas cautelares diversas elencadas no art. 319 do CPP, com a alteração da Lei 12.403/2011” (HC 106446, Rel. Min. Cármen Lúcia, Rel. p/ Acórdão: Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, j. 20.09.2011, Processo Eletrônico DJe-215, divulg. 10.11.2011, public. 11.11.2011, RTJ 218/397).
Também no STJ não houve óbices para aplicação da lei: “Com o advento da Lei 12.403, de 04.05.2011, alterou-se o Código de Processo Penal para possibilitar a aplicação de medidas alternativas diversas da prisão, principalmente em relação aos crimes cuja pena máxima não exceda a quatro anos de reclusão, de acordo com a gravidade do fato praticado (arts. 282 e 313 do Código de Processo Penal)” (STJ, Habeas Corpus 280.318/SP (2013/0353749-3), Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, 11.10.2013). Na mesma linha, a Corte decidiu que “não há violação a direito líquido e certo na aplicação da medida cautelar de suspensão do exercício de função pública, perfeitamente aplicável consoante entendimento jurisprudencial e doutrinário mesmo antes da previsão expressa trazida no inciso VI do art. 319 do Código de Processo Penal, com redação dada pela Lei n.º 12.403/2011” (STJ, ROMS 35.270-RJ, Rel. Min. Laurita Vaz, Quinta Turma, j. 05.09.2013, DJe 11.09.2013).
Também os Tribunais Federais estão pacificados na adoção das novas medidas: “A Lei n. 12.403, de 02.07.2011, à vista dos princípios constitucionais da presunção de inocência e da dignidade da pessoa humana e do devido processo legal, conferiu ao magistrado, dentro dos critérios de legalidade e proporcionalidade e com observância do binômio ‘necessidade e adequação’, a possibilidade de substituir a prisão preventiva por medidas cautelares mais brandas” (TRF1, HC, Rel. Des. Federal Mário César Ribeiro, Quarta Turma, e-DJF1 04.07.2012).
Considera-se em flagrante delito (art. 302, CPP) quem está cometendo a infração penal; quem acaba de cometê-la; quem é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração ou quem é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração. No caso das infrações permanentes, entende-se o agente em flagrante delito enquanto não cessar a permanência.
O art. 5.º, LXI, da CF/1988 prevê que ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei.
Assim, ressalvados os casos de transgressão militar e crime propriamente militar, a CF/1988 consagrou a liberdade. Os órgãos policiais do Estado não têm mais atribuição para decretar a chamada “prisão para averiguação” – que difere da condução coercitiva pela autoridade policial, reconhecida pelo STF, mesmo sem ordem judicial.
De fato, aponta Carvalho Ramos que a 1.a Turma do STF reconheceu, em 2011, a possibilidade de prisão por autoridade policial e condução coercitiva do detido (também denominada prisão cautelar de curta duração) para fins de investigação policial (STF, 1.ª Turma, Habeas Corpus 107.644/SP, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 06.09.2011). Para o STF, o art. 144, § 4.º, da CF/1988 assegura às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais. Assim, os agentes policiais, considerando a necessidade de elucidação de um delito, podem realizar, sem ordem judicial ou estado de flagrante delito, a prisão e condução coercitiva de pessoas para prestar esclarecimentos ou depoimentos (com uso de algemas, inclusive). Observa o autor que, nesse acórdão, o STF valeu-se de expressa previsão constitucional, que dá poderes à polícia para investigar a prática de eventuais infrações penais, bem como para exercer as funções de polícia judiciária. Importante notar, como observa Carvalho Ramos, que há de se acompanhar atentamente a evolução da jurisprudência do STF a respeito dessa modalidade de prisão cautelar de curta duração decretada pela autoridade policial para fins de investigação penal, uma vez que, não obstante o precedente, não há autorização legal para a condução coercitiva.7
A título de comparação, o Ministério Público Federal pode requisitar condução coercitiva de vítimas e testemunhas, de acordo com o previsto na Lei Complementar 75/1993 (art. 8.º, I), também previsto na Lei 8.625/1993 (art. 26, I, “a”). Só é conduzida coercitivamente a pessoa que descumpre a regular notificação de comparecimento. Já a polícia não é mencionada, o que gera discussão sobre se é necessária intimação para comparecimento e só após a condução coercitiva ou se pode a polícia já prender a pessoa (em sua casa, local de trabalho etc.) e conduzi-la para prestar esclarecimentos. Além disso, essa prisão de curta duração já encontra sucedâneo, que é a prisão temporária – com ordem judicial.
Como já visto, a prisão em flagrante não é medida cautelar. Por isso, o flagrante per se não é fundamento para manter uma pessoa presa durante a ação penal. A partir da prisão em flagrante o juiz pode, fundamentadamente (art. 310, CPP), decretar a prisão preventiva, desde que presentes os requisitos de fato e de direito; aplicar medidas diversas da prisão (art. 319) ou conceder a liberdade provisória, com ou sem fiança.
Assim, de acordo com o art. 310 do CPP, com a nova redação dada pela Lei 12.403, de 04.05.2011, a prisão em flagrante deve ser substituída pela preventiva. Logo, se não subsistirem os requisitos previstos no art. 312, CPP, não há motivos para manter uma pessoa presa em flagrante, como já decidiu o Supremo (STF, HC 108215, Rel. Min. Marco Aurélio, Primeira Turma, j. 30.10.2012).
O art. 301 do CPP determina que qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito. Portanto, a prisão em flagrante delito pode ser efetuada por qualquer indivíduo.
O flagrante delito, como fundamento da prisão do indivíduo, mostra-se precário: não poderá servir para manter um indivíduo preso durante uma investigação ou processo penal.
Se for o caso de o indivíduo, em flagrante delito, quando estiver sendo perseguido, passar ao território de outro município ou comarca, o executor (que, como visto, pode ser qualquer do povo) poderá efetuar-lhe a prisão no lugar onde o alcançar, apresentando-o imediatamente à autoridade local (art. 290, CPP). Quando as autoridades locais tiverem fundadas razões para duvidar da legitimidade da pessoa do executor ou da legalidade do mandado que apresentar, poderão pôr em custódia o réu, até que fique esclarecida a dúvida (art. 290, § 2.º).
Se o executor do mandado verificar, com segurança, que o réu entrou ou se encontra em alguma casa, o morador será intimado a entregá-lo. Se não for obedecido imediatamente, o executor convocará duas testemunhas e, sendo dia, entrará à força na casa, arrombando as portas, se preciso; sendo noite, o executor, depois da intimação ao morador, se não for atendido, fará guardar todas as saídas, tornando a casa incomunicável, e, logo que amanheça, arrombará as portas e efetuará a prisão (art. 293, CPP).
A lei prevê, ainda, que “o morador que se recusar a entregar o réu oculto em sua casa será levado à presença da autoridade, para que se proceda contra ele como for de direito” (art. 293, parágrafo único).
Como releva André de Carvalho Ramos, a Lei 12.403/2011 expressamente fez referência à indispensabilidade do binômio “necessidade e adequação” para que qualquer medida cautelar restritiva à liberdade seja decretada. Antes da sentença penal definitiva, é essencial a comprovação da necessidade, adequação e urgência para a prisão cautelar.8
Conforme já afirmado, com a nova redação trazida pela Lei 12.403, o sistema processual penal brasileiro admite duas espécies de prisão provisória ou processual (ou seja, prisão decretada antes de transitada em julgado em sentença condenatória): a prisão temporária e a prisão preventiva. Além disso, uma pessoa pode ser presa por flagrante delito e essa prisão redundar em liberdade ou prisão preventiva.
A prisão temporária é cabível nas hipóteses da Lei 7.960/1989. Somente pode ser decretada pelo juiz na fase investigatória, a requerimento da polícia ou do Ministério Público, em virtude de sua imprescindibilidade para a investigação.
A Lei 7.960/1989 dispõe que caberá prisão temporária nas seguintes hipóteses: I – quando imprescindível para as investigações do inquérito policial; ou II – quando o indicado não tiver residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade; ou III – quando houver fundadas razões, de acordo com qualquer prova admitida na legislação penal, de autoria ou participação do indiciado em crimes que elenca.9 A prisão temporária terá o prazo de 5 (cinco) dias, prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade.
A respeito da prisão temporária, o Tribunal Pleno do STF assim decidiu: “O controle difuso da constitucionalidade da prisão temporária deverá ser desenvolvido perquirindo-se a necessidade e a indispensabilidade da medida. A primeira indagação a ser feita no curso desse controle há de ser a seguinte: em que e no que o corpo do suspeito é necessário à investigação? Exclua-se desde logo a afirmação de que se prende para ouvir o detido. Pois a Constituição garante a qualquer um o direito de permanecer calado (art. 5.º, LXIII), o que faz que a resposta à inquirição investigatória consubstancie uma faculdade. Ora, não se prende alguém para que exerça uma faculdade. Sendo a privação da liberdade a mais grave das constrições que a alguém se pode impor, é imperioso que o paciente dessa coação tenha a sua disposição alternativa de evitá-la. Se a investigação reclama a oitiva do suspeito, que a tanto se o intime e lhe sejam feitas perguntas, respondendo-as o suspeito se quiser, sem necessidade de prisão” (STF, HC 95009, Rel. Min. Eros Grau, Tribunal Pleno, j. 06.11.2008).
A prisão preventiva é um tipo de prisão cautelar que, conforme estabelece a nova redação do art. 311, CPP, cabe em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal – decretada pelo juiz, de ofício, quando no curso da ação penal; ou a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial, na fase de investigação.
O art. 312 determina as hipóteses em que a prisão preventiva pode ser decretada: (i) como garantia da ordem pública; (ii) como garantia da ordem econômica; (iii) por conveniência da instrução criminal; e (iv) para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria. A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares (art. 312, parágrafo único).
O art. 313 do CPP restringe os casos em que a prisão preventiva é admitida. Assim, somente haverá possibilidade de decretação de prisão preventiva quando, configurada ao menos uma das hipóteses estabelecidas pelo art. 312, for caso de: (I) crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos; (II) reincidente que houver cometido outro crime doloso (com sentença transitada em julgado), desde que não transcorrido o período depurador inserido no art. 64, I do Código Penal; (III) crimes envolvendo violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência; e (IV) dúvida quanto à identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la, devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação, salvo se outra hipótese recomendar a manutenção da medida.
Assim, a prisão preventiva somente poderá ser decretada se satisfeitas as hipóteses e condições legais, não sendo admitida sua decretação de forma automática e infundamentada. Conforme já decidido pelo Tribunal Pleno do STF ao analisar incidenter tantum a constitucionalidade da vedação de liberdade provisória prevista na Lei 11.343/2006, pelo voto do relator, Ministro Gilmar Mendes: “Imperioso concluir que a segregação cautelar – mesmo nos crimes atinentes ao tráfico ilícito de entorpecentes – deve ser analisada tal qual as prisões decretadas nos casos dos demais delitos previstos no ordenamento jurídico, o que conduz à necessidade de serem apreciados os fundamentos da decisão que denegou a liberdade provisória ao ora paciente, no intuito de verificar se estão presentes os requisitos do art. 312 do CPP, que rege a matéria (...). Para que o decreto de custódia cautelar seja idôneo, é necessário que o ato judicial constritivo da liberdade especifique, de modo fundamentado (CF, art. 93, IX), elementos concretos que justifiquem a medida” (STF, HC 104339, Rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, j. 10.05.2012).10
O art. 317, CPP, com a redação trazida pela Lei 12.403/2011, conceitua a prisão domiciliar como o recolhimento do indiciado ou acusado em sua residência, só podendo dela ausentar-se com autorização judicial.
A reforma processual penal admite expressamente a hipótese de substituição da prisão preventiva pela prisão domiciliar, nos casos de ser o acusado ou indiciado (art. 318, CPP): (I) maior de 80 (oitenta) anos; (II) extremamente debilitado por motivo de doença grave; (III) pessoa imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos de idade ou com deficiência; e (IV) gestante a partir do 7.o (sétimo) mês de gravidez ou sendo esta de alto risco.
O parágrafo único estabelece como condição para a substituição da prisão preventiva para a domiciliar prova idônea dos requisitos estabelecidos no caput do artigo.
A prisão especial, que consiste no recolhimento em local distinto da prisão comum (§ 1.º do art. 295 do CPP), é considerada um direito a ser assegurado desde que antes da prisão por sentença definitiva. Conforme disposto no art. 295 do CPP e ainda em leis diversas (Lei Complementar 75/1993, para os membros do MP, Lei Complementar 80/1994, para os membros da Defensoria Pública, Estatuto da Advocacia etc.), a prisão especial só pode ser determinada enquanto não houver trânsito em julgado da sentença. Após o trânsito em julgado, cabe o princípio da igualdade e isonomia, salvo casos especiais em que a vida do condenado pode ser colocada em risco caso ele a cumpra junto com os demais presos (caso dos policiais).
O art. 295 estabelece, em rol não taxativo, que serão recolhidos a quartéis ou a prisão especial, à disposição da autoridade competente, antes de condenação definitiva: (I) os ministros de Estado; (II) os governadores ou interventores de Estados ou Territórios, o prefeito do Distrito Federal, seus respectivos secretários, os prefeitos municipais, os vereadores e os chefes de Polícia; (III) os membros do Parlamento Nacional, do Conselho de Economia Nacional e das Assembleias Legislativas dos Estados; (IV) os cidadãos inscritos no “Livro de Mérito”; (V) os oficiais das Forças Armadas e os militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios; (VI) os magistrados; (VII) os diplomados por qualquer das faculdades superiores da República; (VIII) os ministros de confissão religiosa; (IX) os ministros do Tribunal de Contas; (X) os cidadãos que já tiverem exercido efetivamente a função de jurado, salvo quando excluídos da lista por motivo de incapacidade para o exercício daquela função; e (XI) os delegados de polícia e os guardas-civis dos Estados e Territórios, ativos e inativos.
Após a reforma processual penal, recentemente o STF julgou que permanece o direito ao recolhimento à prisão especial, embora afaste a possibilidade de quaisquer outros privilégios fora o recolhimento em local distinto da prisão comum – inclusive a substituição automática da prisão preventiva pela domiciliar tendo a prisão especial como fundamento. Assim, decidiu a Primeira Turma: “A reforma introduzida no Código de Processo Penal pela Lei 10.258/2001 visou a eliminar privilégios injustificáveis em uma democracia e estabeleceu de maneira clara que a prisão especial, prevista neste Código ou em outras leis, consiste exclusivamente no recolhimento do preso em local distinto da prisão comum (art. 295, § 1.º). À falta de estabelecimento específico para o preso especial, este será recolhido em cela distinta do mesmo estabelecimento (art. 295, § 2.º). Inobstante ainda aplicável a Lei 5.256/1967, que prevê a prisão domiciliar na ausência de estabelecimento próprio para a prisão especial, devem ser considerados os contornos da prisão especial introduzidos pela Lei 10.258/2001” (STF, HC 116233 AgR, Rel. Min. Rosa Weber, Primeira Turma, j. 25.06.2013).
Isto porque o § 2.º do art. 295 determina que, não havendo estabelecimento específico para o preso especial, este poderá ser recolhido em cela distinta do mesmo estabelecimento sendo satisfeito assim o critério da prisão especial. Por esse motivo, já decidiu o STF que atende à prerrogativa profissional do advogado ser recolhido preso, antes de sentença transitada em julgado, em cela individual, dotada de condições regulares de higiene, com instalações sanitárias satisfatórias, sem possibilidade de contato com presos comuns (HC 93.391, Rel. Min. Cezar Peluso, j. 15.04.2008, Segunda Turma, DJE 09.05.2008).
A prisão cautelar para fins de extradição teve suas regras recentemente mudadas pela Lei 12.878, de 04.11.2013, que alterou os arts. 80, 81 e 82 da Lei 6.815/1980 (Estatuto do Estrangeiro).
A extradição, tradicional espécie de cooperação penal internacional, consiste na ação pela qual um Estado entrega um indivíduo acusado ou condenado por uma infração penal à Justiça de outro Estado, que será competente para julgá-lo (no caso de pedido de extradição instrutório, em que se requer que o indivíduo responda ao processo criminal no Estado requerente) ou para executar a punição (no caso de pedido de extradição de caráter condenatório, em que se requer o cumprimento da pena no Estado requerente). A Constituição Federal estabelece que o órgão competente para decidir sobre o deferimento da extradição solicitada por um Estado estrangeiro (extradição passiva) é o Supremo Tribunal Federal. O processo de extradição é regido pela Lei 6.815/1980, além dos tratados bilaterais eventualmente firmados pelo Brasil.
A Constituição determina também, em seu art. 5.º, LI, que nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei.
A extradição passiva possui dois momentos: um administrativo e um judicial. Na fase administrativa, o Executivo (Ministério da Justiça) recebe – por via diplomática ou diretamente à autoridade central, como veremos – o pedido do Estado estrangeiro e o encaminha ao Supremo Tribunal Federal (fase judicial). O STF fará um juízo de delibação, analisando os requisitos formais do pedido, sem adentrar na matéria de mérito ou culpabilidade.
A importância da prisão cautelar extradicional, prevista na legislação brasileira, está no fato que o STF entende, nos termos do previsto no art. 208 de seu Regimento Interno, a prisão preventiva para extradição é condição de procedibilidade do pleito extradicional: “Não terá andamento o pedido de extradição sem que o extraditando seja preso e colocado à disposição do Tribunal”. A Corte não admite a concessão de liberdade provisória, salvo em situações excepcionais, conforme se depreende do julgamento unânime do Plenário: “A prisão do súdito estrangeiro constitui pressuposto indispensável ao regular processamento da ação de extradição passiva, sendo-lhe inaplicáveis, para efeito de sua válida decretação, os pressupostos e os fundamentos referidos no art. 312 do Código de Processo Penal. A privação cautelar da liberdade individual do extraditando deve perdurar até o julgamento final, pelo Supremo Tribunal Federal, do pedido de extradição, vedada, em regra, a adoção de meios alternativos que a substituam, como a prisão domiciliar, a prisão-albergue ou a liberdade vigiada (Lei 6.815/1980, art. 84, parágrafo único). Precedentes. Inocorrência, na espécie, de situação excepcional apta a justificar a revogação da prisão cautelar do extraditando” (STF, EXT 1.121/AgR-Estados Unidos da América, Rel. Min. Celso de Mello, Tribunal Pleno, unânime, DJe 16.04.2009. Grifos nossos).
De acordo com o novo texto legal, a extradição poderá continuar a ser requerida inicialmente pela tradicional via diplomática (que irá encaminhá-la posteriormente ao Ministério da Justiça) ou, quando previsto em tratado, diretamente ao Ministério da Justiça, que é a autoridade central para tramitação dos pleitos (nova redação do art. 80 do Estatuto do Estrangeiro). Portanto, com a eliminação de uma etapa (a lenta via diplomática), buscou-se desburocratizar e conferir maior celeridade aos pedidos, quando houver essa previsão de tramitação por autoridades centrais. O § 2.o dispensa a autenticação consular quando o pedido de extradição tramitar pelas autoridades centrais ou pela via diplomática.
O art. 81 da Lei 6.815 determina que, após exame da presença dos pressupostos formais de admissibilidade exigidos nesta Lei ou em tratado, o pedido será encaminhado pelo Ministério da Justiça ao Supremo Tribunal Federal – como já ocorria antes. A novidade trazida pela Lei 12.877/2013 é a possibilidade de arquivamento imediato do pedido pelo Ministério da Justiça caso o órgão administrativo entenda que os pressupostos mínimos do pedido não foram preenchidos. Tal decisão, evidentemente, não obsta a renovação do pedido, superado o óbice apontado.
Com relação especificamente à prisão cautelar para extradição, o art. 82 estabelece que o Estado interessado na extradição poderá, em caso de urgência e antes da formalização do pedido de extradição, ou conjuntamente com este, requerer a prisão cautelar do extraditando por via diplomática ou, quando previsto em tratado, ao Ministério da Justiça, que, após exame da presença dos pressupostos formais de admissibilidade exigidos nesta Lei ou em tratado, representará ao Supremo Tribunal Federal. O § 2.o apresenta uma grande inovação: o pedido de prisão cautelar poderá ser apresentado ao Ministério da Justiça por meio da Organização Internacional de Polícia Criminal (Interpol), devidamente instruído com a documentação comprobatória da existência de ordem de prisão proferida por Estado estrangeiro. Assim, permite-se que a Interpol faça pedido de decretação de prisão cautelar para fins de extradição com base nas informações contidas em seu sistema sobre mandados de prisão expedidos por Estados estrangeiros.
A lei determina o prazo da prisão extradicional: noventa dias, caso o pedido de prisão chegue ao Brasil antes da apresentação do próprio pedido de extradição. Caso o pedido não seja apresentado nesse período, o indivíduo será colocado em liberdade pelo STF, conforme preveem os §§ 3.º e 4.º do art. 82.
O ordenamento brasileiro admite hipóteses de prisão que não têm natureza criminal.
Assim, a Lei 6.815/1980 (Estatuto do Estrangeiro) prevê prisão para fins de deportação e expulsão (arts. 61 e 69), que após a CF/1988 devem ser decretadas por autoridade judiciária – juiz federal (e não autoridade administrativa, como dito na lei, uma vez que a ordem constitucional não mais permite prisão que não seja judicial), pelo prazo máximo de 90 (noventa) dias. Embora seja assente junto aos Tribunais Regionais Federais que as prisões para deportação e para expulsão devem ser decretadas por juiz, ainda hoje são chamadas de prisões administrativas: “A Lei 6.815/1980 admite a prisão cautelar administrativa (art. 61), para efeito de deportação, do estrangeiro que se encontrar em situação irregular no território nacional, desde que a decisão seja devidamente fundamentada por autoridade judiciária” (TRF-5, HC 2906 PE 0057540-83.2007.4.05.0000, Rel. Desembargador Federal Manoel Erhardt, j. 04.09.2007, Segunda Turma, DJ 17.09.2007, p. 1221, n. 179, 2007).
Outra hipótese de prisão não penal é a prisão civil do alimentante inadimplente que não justifica a inadimplência. O STF não mais admite, conforme disposto na Súmula Vinculante 25, a prisão do depositário infiel, prevista no art. 5.º, LXVII, diante do acolhimento pelo ordenamento de tratados internacionais de direitos humanos que impedem que seja adotada, como a Convenção Americana de Direitos Humanos e o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos. Dispõe a Súmula Vinculante 25: “É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito”.
Por fim, admite-se uma terceira modalidade de prisão não penal: a prisão administrativa disciplinar, ordenada pro autoridade militar em casos de transgressões militares, prevista nos arts. 5.º, LXI, e 142, § 2.º, CF.
A liberdade provisória é o instituto de direito processual que assegura ao investigado ou acusado o direito de responder o processo em liberdade até o trânsito em julgado da decisão condenatória. É provisória porque tal liberdade é condicionada a certas obrigações que, caso não cumpridas, levam à sua revogação.
O art. 321, CPP, prevê que quando os requisitos que autorizam a decretação de prisão preventiva estão ausentes, o juiz deve conceder liberdade provisória e impor, caso assim entenda, as medidas cautelares previstas no art. 319.
A fiança, nos termos do art. 319, VIII, é uma das modalidades de medida cautelar diversa da prisão. Com a alteração ocorrida com a Lei 12.403/2011, sendo uma medida cautelar penal, a fiança pode substituir a prisão preventiva ou outras medidas cautelares com o fim de garantir o comparecimento do réu aos atos de instrução. De acordo com o § 4.º do art. 319, a fiança pode ser cumulada com outras medidas cautelares.
Assim, a liberdade provisória, como estabelecido no art. 321, CPP, pode ser concedida sem medida cautelar ou com quaisquer das medidas cautelares previstas no art. 319 – sendo a fiança uma dessas medidas.
A fiança, diferentemente de outras medidas cautelares, pode ser concedida pela própria autoridade policial para os casos de infração cuja pena privativa de liberdade máxima não seja superior a quatro anos. Nos demais casos, a fiança deve ser requerida ao juiz, que decidirá sobre ela em 48 horas (art. 322 e parágrafo único).
As hipóteses de crime inafiançável, conforme o art. 323, com a redação dada pela Lei 12.403/2011, são: (I) crimes de racismo; (II) crimes de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, terrorismo e nos definidos como crimes hediondos; e (III) crimes cometidos por grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático.
Também não há possibilidade de concessão de fiança (I) aos que, no mesmo processo, tiverem quebrado fiança anteriormente concedida ou infringido, sem motivo justo, qualquer das obrigações a que se referem os arts. 327 e 328 deste Código; (II) em caso de prisão civil ou militar; e (III) quando presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva (art. 312).
O STF entende que não há possibilidade vedação a priori de liberdade provisória, como decidido na ADI 3.112/DF, que julgou inconstitucional o art. 21 da Lei 10.826/2003. Da mesma forma, o art. 11 da Convenção de Palermo, para o Supremo, não pode ser acolhido no nosso ordenamento: “Cláusulas inscritas nos textos de tratados internacionais que imponham a compulsória adoção, por autoridades judiciárias nacionais, de medidas de privação cautelar da liberdade individual, ou que vedem, em caráter imperativo, a concessão de liberdade provisória, não podem prevalecer em nosso sistema de direito positivo, sob pena de ofensa à presunção de inocência, entre outros princípios constitucionais que informam e compõem o estatuto jurídico daqueles que sofrem persecução penal instaurada pelo Estado. A vedação apriorística de concessão de liberdade provisória é repelida pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que a considera incompatível com a presunção de inocência e com a garantia do due process, entre outros princípios consagrados na Constituição da República, independentemente da gravidade objetiva do delito. Precedente: ADI 3.112/DF. – A interdição legal in abstracto, vedatória da concessão de liberdade provisória, incide na mesma censura que o Plenário do Supremo Tribunal Federal estendeu ao art. 21 do Estatuto do Desarmamento (ADI 3.112/DF), considerados os postulados da presunção de inocência, do due process of law, da dignidade da pessoa humana e da proporcionalidade, analisado este na perspectiva da proibição do excesso. O legislador não pode substituirse ao juiz na aferição da existência de situação de real necessidade capaz de viabilizar a utilização, em cada situação ocorrente, do instrumento de tutela cautelar penal. Cabe unicamente, ao Poder Judiciário aferir a existência ou não, em cada caso, da necessidade concreta de se decretar a prisão cautelar” (STF, HC 94404, Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma, j. 18.11.2008).
E, ainda, já decidiu o Supremo Tribunal Federal que o fato de um crime ser considerado inafiançável não significa um obstáculo para concessão de liberdade provisória: “A inafiançabilidade do delito de tráfico de entorpecentes, estabelecida constitucionalmente, não significa óbice à liberdade provisória, considerado o conflito do inciso XLIII com o LXVI (‘ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança’), ambos do art. 5.º da CF” (STF, HC 113613, Rel. Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, j. 16.04.2013. Grifos nossos).
O texto legal impõe que, nos casos em que couber fiança, o juiz, verificando a situação econômica do preso, poderá conceder-lhe liberdade provisória, sujeitando-o às obrigações constantes dos arts. 327 e 328 deste Código e a outras medidas cautelares, se for o caso (art. 350, CPP). Contudo, se o beneficiado descumprir, sem motivo justo, qualquer das obrigações ou medidas impostas, aplicar-se-á o disposto no § 4.o do art. 282 deste Código, ou seja, impor medida cautelar ou, em último caso, decretar prisão preventiva.
O art. 325, CPP, em sua nova redação, fixa o teto do valor da fiança em 100 salários mínimos para infrações até 4 anos (que pode ser arbitrado pela autoridade policial, como vimos) e 200 salários mínimos para infrações acima dessa pena máxima. Tais valores podem ser dispensados, reduzidos em até 2/3 ou também aumentados em até 1.000 vezes, dependendo da situação econômica do réu.
Medidas cautelares diversas das prisões
1. Comparecimento periódico em juízo para informar e justi ficar ati vidades;
2. Proibição de acesso ou frequência a determinados lugares para evitar o risco de novas infrações;
3. Proibição de manter contato com pessoa determinada;
4. Proibição de ausentar-se da comarca;
5. Recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investi gado/acusado tenha residência e trabalho fixos;
6. Suspensão do exercício de função pública ou de ati vidade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua uti lização para a práti ca de infrações penais;
7. Internação provisória do acusado nos crimes prati cados com violência ou grave ameaça, quando peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do CP) e houver risco de reiteração;
8. Fiança;
9. Monitoração eletrônica.
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1 CARVALHO RAMOS, André de. Curso de direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 2014.
2 CARVALHO RAMOS, André de. Curso de direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 2014.
3 CARVALHO RAMOS, André de. Curso de direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 2014.
4 CARVALHO RAMOS, André de. Curso de direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 2014.
5 Uma vez que as medidas cautelares de cunho real continuam a ser reguladas por suas próprias disposições.
6 Existe, ainda, a prisão cautelar para fins de extradição, para hipóteses de pedidos de extradição feitos por Estado estrangeiro ao Brasil. O tema será estudado logo adiante, alertando-se que as regras atinentes foram recentemente alteradas pela Lei 12.878, de 04.11.2013.
7 CARVALHO RAMOS, André de. Curso de direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 2014.
8 CARVALHO RAMOS, André de. Curso de direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 2014.
9 a) homicídio doloso (art. 121, caput e seu § 2.º);
b) sequestro ou cárcere privado (art. 148, caput e seus §§ 1.º e 2.º);
c) roubo (art. 157, caput e seus §§ 1.º, 2.º e 3.º);
d) extorsão (art. 158, caput e seus §§ 1.º e 2.º);
e) extorsão mediante sequestro (art. 159, caput e seus §§ 1.º, 2.º e 3.º);
f) estupro (art. 213, caput e sua combinação com o art. 223, caput e parágrafo único);
g) atentado violento ao pudor (art. 214, caput e sua combinação com o art. 223, caput e parágrafo único);
h) rapto violento (art. 219 e sua combinação com o art. 223, caput e parágrafo único);
i) epidemia com resultado de morte (art. 267, § 1.º);
j) envenenamento de água potável ou substância alimentícia ou medicinal qualificado pela morte (art. 270, caput, combinado com o art. 285);
l) quadrilha ou bando (art. 288), todos do Código Penal;
m) genocídio (arts. 1.º, 2.º e 3.º da Lei n.º 2.889, de 1.º de outubro de 1956), em qualquer de sua formas típicas;
n) tráfico de drogas (art. 12 da Lei n.º 6.368, de 21 de outubro de 1976);
o) crimes contra o sistema financeiro (Lei n.º 7.492, de 16 de junho de 1986).
10 O acórdão ficou assim ementado: “(...) Habeas corpus. 2. Paciente preso em flagrante por infração ao art. 33, caput, c/c o art. 40, III, da Lei 11.343/2006. 3. Liberdade provisória. Vedação expressa (Lei 11.343/2006, art. 44). 4. Constrição cautelar mantida somente com base na proibição legal. 5. Necessidade de análise dos requisitos do art. 312 do CPP. Fundamentação inidônea. 6. Ordem concedida, parcialmente, nos termos da liminar anteriormente deferida”.