A Constituição Federal, em seu art. 5.º, LV, garante aos acusados em geral o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.
Isso significa que recorrer de uma decisão não favorável é direito fundamental do indivíduo.
O Código de Processo Penal regulamenta esse direito fundamental no título II. O art. 574 esclarece que os recursos são voluntários.
O artigo, contudo, que remanesceu ainda com a redação original de 1941, estabelece duas exceções, possibilitando “recursos de ofício” na esfera criminal para sentença que concede habeas corpus (inciso I) e sentença que absolve sumariamente o réu (inciso II). Depois da Constituição Federal de 1988 a existência dos recursos de ofício no processo penal passou a ser questionada, diante da presunção de inocência e do acolhimento do sistema acusatório. A última decisão do STF especificamente a respeito dos incisos do art. 574, CPP, é de 1997, que aplicou entendimento exarado pela Segunda Turma em julgamento de 1993, há mais de vinte anos e quinze anos antes da promulgação da Lei 11.689/2011, entendeu que o artigo foi recepcionado pela CF/1988.1
Ainda assim, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que “O denominado recurso de ofício previsto no art. 574 do Código de Processo Penal, por ser mero procedimento para conferir o efeito da coisa julgada, e não recurso propriamente dito, não restou revogado pela nova ordem constitucional, que confere ao Ministério Público a titularidade exclusiva da ação penal pública. Recurso provido para cassar o acórdão recorrido e determinar o julgamento do mérito do recurso encaminhado ex officio” (STJ, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 11.12.2009, Sexta Turma). No mesmo sentido vêm se posicionando os Tribunais Regionais Federais, como se depreende dessa decisão do TRF-4.ª Região: “A sentença concessiva de ordem de habeas corpus está sujeita a reexame necessário, nos termos do art. 574, inciso I, do Código de Processo Penal” (TRF-4.ª Região, 5009639-97.2013.404.7001, Sétima Turma, Rel. Luiz Carlos Canalli, DE 03.10.2013).
Não obstante a posição do STJ e a inexistência de posicionamento atual do STF a respeito, o certo é que a redação o art. 574, em seu inciso II, remete ao antigo art. 411, revogado pela Lei 11.689/2008. Hoje, o art. 411 trata de audiência de instrução do júri – nada que ver com o texto do antigo art. 411, que dispunha sobre absolvição sumária nos procedimentos de júri. Por sua vez, a nova redação do art. 415, CPP, c/c o art. 416, CPP, que tratam da absolvição sumária, faz menção expressa a recurso voluntário, e não a recurso de ofício.
O recurso de ofício (na verdade, reexame necessário) está previsto ainda em dois outros dispositivos legais penais: lei dos crimes contra a economia popular (art. 7.º da Lei 1.521/1951) e na reabilitação penal prevista no art. 746, CPP. Com relação ao recurso de ofício previsto na Lei 1.521/1951, paradoxalmente, já em 1975 o STF afirmava que o art. 7.º estava revogado, não tendo mais validade no sistema processual penal de então: “1. Faltando no art. 26 da Lei 5.726/1971 expressa menção à vigência do art. 7.º da lei 1.521/1951, revogada ficou esta segunda regra por causa da incidência, no caso, do princípio segundo o qual a lei posterior desfaz a anterior quando a matéria que esta regula é inteiramente regulamentada pela outra. 2. O referido art. 7.o impõe o recurso necessário nos casos de crimes praticados contra a economia popular ou que ofendam a saúde pública, e a Lei 5.726/1971 destacou, na segunda espécie, crime referente aos tóxicos, para, em termos específicos, regular toda a matéria que tenha com ele qualquer pertinência, até mesmo a do procedimento da respectiva ação penal” (STF, HC 53063 GB, Rel. Antonio Neder, j. 03.03.1975, Primeira Turma, DJ 11.04.1975. Grifos nossos). Com relação à reabilitação do art. 746, CPP, o STJ decidiu, já após a CF/1988 e da Lei de Execuções Penais (Lei 7.210/1984), que “o art. 746, do CPP, porque é norma de aplicação pelo juízo da condenação, não foi revogado pela Lei de Execuções Penais, subsistindo, pois, o recurso de ofício de sentença concessiva de reabilitação” (REsp 157.415/SP, Rel. Min. Fernando Gonçalves, Sexta Turma, j. 15.09.1998, DJ 13.10.1998, p. 197).
Por esse motivo, o STJ tem entendido que “1. Consoante regra inserta no art. 574 do Código de Processo Penal, o defensor constituído ou dativo, devidamente intimado da sentença, não está obrigado a recorrer, em razão do princípio da voluntariedade dos recursos. (...) 2. A ausência de interposição de recurso de apelação não constitui nulidade por deficiência ou mesmo por falta de defesa, quando intimados tempestivamente da sentença condenatória defensor e ré, nos termos do enunciado 523 da Súmula do Supremo Tribunal Federal. Efetivamente, ‘aquele que não recorre, no prazo previsto pela lei, mostra conformismo com a sentença e perde a oportunidade de obter sua reforma ou nulidade’ (HC 232.824/SE, Rel. Min. Og Fernandes, DJe 18.06.2012)” (RHC 33.642/SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Quinta Turma, j. 19.09.2013, DJe 26.09.2013).
O art. 576, CPP, determina que o Ministério Público não pode desistir do recurso que tenha interposto, decorrência do princípio da indisponibilidade da ação penal. No caso de um membro ter interposto recurso de uma decisão e o processo voltar para outro membro, que não tem o mesmo entendimento, não poderá haver desistência do recurso. Em razão do princípio constitucional da independência funcional (art. 127, § 1.º), o membro que não concorda pode pedir que outro colega apresente as razões no caso. Esse é o entendimento majoritário nos tribunais federais, como vemos nessa decisão do TRF-3.ª Região: “Procurador que ofereceu razões pediu a manutenção da sentença, ao contrário do que apresentou a interposição do recurso. Afastada a preliminar de ausência de interesse de agir. É defeso ao Parquet desistir do recurso interposto, em vista do princípio da indisponibilidade da ação penal” (TRF-3.ª Região, RSE 1186 SP 2003.61.81.001186-6, j. 15.03.2004, Quinta Turma).
O art. 579, CPP, refere-se ao princípio da fungibilidade dos recursos e estabelece expressamente que, salvo a hipótese de máfé, a parte não será prejudicada pela interposição de um recurso por outro. O parágrafo único dispõe que se o juiz, desde logo, reconhecer a impropriedade do recurso interposto pela parte, mandará processá-lo de acordo com o rito do recurso cabível. A posição do STF a respeito é que a fungibilidade não alcança o erro grosseiro: “O princípio da fungibilidade consta implicitamente do Código de Processo Civil – art. 250 – e expressamente do Código de Processo Penal – art. 579. Descabe empolgá-lo quando o caso é de erro grosseiro, e isso ocorre em se tratando de decisão do Tribunal Superior Eleitoral prolatada em agravo interposto contra pronunciamento do relator que implicou negativa de sequência a recurso especial” (STF, AI 504598 AgR, Rel. Min. Marco Aurélio, Primeira Turma, j. 23.11.2004).
A garantia do duplo grau de jurisdição, como já visto, não veio expressamente estabelecida no texto original da Constituição Federal, embora presente na maior parte das convenções internacionais que versam sobre direitos humanos e fundamentais. Está prevista no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e na Convenção Americana de Direitos Humanos. Como o § 3.º do art. 5.º, CF, na redação dada pela Emenda Constitucional 45, atribui às convenções internacionais sobre direitos humanos hierarquia constitucional, hoje a garantia do duplo grau de jurisdição é claramente uma das garantias constitucionais do devido processo legal.
O STF já decidiu que as garantias previstas pelos textos internacionais, como o duplo grau, têm hierarquia constitucional: “(...) após o advento da EC 45/2004, consoante redação dada ao § 3.º do art. 5.º da CF, passou-se a atribuir às convenções internacionais sobre direitos humanos hierarquia constitucional (...). Desse modo, a Corte deve evoluir do entendimento então prevalecente (...) para reconhecer a hierarquia constitucional da Convenção. (...) Se bem é verdade que existe uma garantia ao duplo grau de jurisdição, por força do pacto de São José, também é fato que tal garantia não é absoluta e encontra exceções na própria Carta” (AI 601.832-AgR, voto do Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 17.03.2009, Segunda Turma, DJE 03.04.2009).
Há, contudo, posição da Corte em julgamentos anteriores no sentido de que as garantias previstas nas convenções internacionais não têm status constitucional: “Desde a adesão do Brasil, sem qualquer reserva, ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 11) e à Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de São José da Costa Rica (art. 7.º, 7), ambos no ano de 1992, não há mais base legal para prisão civil do depositário infiel, pois o caráter especial desses diplomas internacionais sobre direitos humanos lhes reserva lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da Constituição, porém acima da legislação interna. O status normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil, dessa forma, torna inaplicável a legislação infraconstitucional com ele conflitante, seja ela anterior ou posterior ao ato de adesão. Assim ocorreu com o art. 1.287 do CC de 1916 e com o DL 911/1969, assim como em relação ao art. 652 do novo CC (Lei 10.406/2002)” (RE 466.343, Rel. Min. Cezar Peluso, voto do Min. Gilmar Mendes, j. 03.12.2008, Plenário, DJE 05.06.2009, com repercussão geral). No mesmo sentido: RE 349.703, Rel. p/ o ac. Min. Gilmar Mendes, j. 03.12.2008, Plenário, DJE 05.06.2009. Em sentido contrário: AI 403.828-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, j. 05.08.2003, Segunda Turma, DJE 19.02.2010).
Para que um recurso seja admitido, o ordenamento impõe sejam preenchidos requisitos.
De acordo com a teoria geral do processo,2 são pressupostos ou requisitos de admissibilidade dos recursos a legitimidade, o cabimento e o interesse em recorrer, além de ausência de fato modificativo ou extintivo do direito de recorrer.
Para ser admitido, o recurso precisa ser cabível – ou seja, deve ser previsto em lei quando há inconformismo com relação àquela situação. Também deve haver interesse da parte, que pode ser traduzido, por um lado, na adequação do recurso – o recurso interposto deve ser adequado à decisão a ser impugnada – e, por outro, pelo interesse em recorrer. O parágrafo único do art. 577 do Código de Processo Penal diz respeito ao pressuposto subjetivo do interesse processual: tem interesse em recorrer a parte que não teve algum pedido ou expectativa atendida – ou seja, há necessidade de sucumbência. Por esse motivo, prevê a norma que “não se admitirá, entretanto, recurso da parte que não tiver interesse na reforma ou modificação da decisão”.
O pressuposto de legitimidade para recorrer está previsto no caput do art. 577, CPP: quem recorre deve ter legitimidade para tanto. A norma processual penal estabelece que têm legitimidade para recorrer o Ministério Público, o querelante (vítima), ou o réu, seu procurador ou defensor.
Genericamente, para cada decisão há um tipo de recurso que pode impugná-la – trata-se do princípio da unirrecorribilidade das decisões. Contudo, o sistema processual penal admite exceções ao princípio da unirrecorribilidade: assim, é comezinha e admitida na rotina dos tribunais a interposição simultânea de recurso extraordinário ao Supremo Tribunal Federal e de recurso especial ao Superior Tribunal de Justiça.
Além desses requisitos, chamados de intrínsecos à decisão a ser impugnada, também são pressupostos recursais os chamados extrínsecos: tempestividade, regularidade formal e preparo (pagamento de custas referentes ao processamento dos recursos).
O art. 578, CPP, prevê, com relação à regularidade formal, que o recurso será interposto por petição ou por termo nos autos, assinado pelo recorrente ou por seu representante. Dessa forma, poderão ser interpostos por termo a apelação e o recurso em sentido estrito, como veremos nos tópicos específicos. Já o recurso extraordinário, o recurso especial, os embargos infringentes e declaratórios, a correição parcial e a carta testemunhável serão interpostos por petição.
A fundamentação dos motivos do inconformismo não necessita ser apresentada no momento da interposição, apenas quando do oferecimento das razões. Tal regra, contudo, não cabe para os casos de crimes julgados pelo procedimento dos Juizados Especiais Criminais (Leis 10.259/2001 e 9.099/1995), em que a apelação deverá vir acompanhada das respectivas razões: de acordo com o STF, “revela-se insuscetível de conhecimento o recurso de apelação cujas razões são apresentadas fora do prazo a que se refere o art. 82, § 1.º, da Lei 9.099/1995, pois, no sistema dos Juizados Especiais Criminais, a legislação estabelece um só prazo – que é de dez (10) dias – para recorrer e para arrazoar”. Para a Corte, as normas gerais do Código de Processo Penal somente terão aplicação subsidiária nos pontos em que não se mostrarem incompatíveis com o que dispõe a Lei 9.099/1995 (art. 92), pois, havendo antinomia entre a legislação processual penal comum (lex generalis) e o Estatuto dos Juizados Especiais (lex specialis), deverão prevalecer as regras constantes deste último diploma legislativo (Lei 9.099/1995), diante das diretrizes fundadas no critério da especialidade (STF, HC 79843/MG, Rel. Celso de Mello, j. 29.05.2000).
Os tradicionais efeitos atribuídos aos recursos pela doutrina são os efeitos devolutivo, suspensivo e extensivo.
O efeito devolutivo refere-se à transmissão da matéria impugnada para o novo órgão que irá julgá-la, em geral uma instância superior, sendo comum a todos os recursos. Vinculam-se ao efeito devolutivo no processo penal dois princípios de recursos: o princípio non reformatio in pejus e o princípio tantum devolutum quantum appelatum. Assim, o órgão que irá analisar a matéria impugnada não pode conhecer de questão que não foi alegada pela parte recorrente (tantum devolutum quantum appelatum) nem que seja capaz de agravar a sua situação (non reformatio in pejus). Com relação ao efeito devolutivo dos recursos e a vedação da reformatio in pejus no processo penal, o STF decidiu, ao analisar caso advindo do Tribunal Regional Federal da 3.ª Região, que, “ainda que em recurso exclusivo da defesa, o efeito devolutivo da apelação autoriza o Tribunal a rever os critérios de individualização definidos na sentença penal condenatória para manter ou reduzir a pena, limitado tão somente pelo teor da acusação e pela prova produzida”. Para o STF, “para se cogitar em reformatio in pejus, a decisão do TRF da 3.ª Região teria que reconhecer, em desfavor da ré, circunstância fática não reconhecida em 1.º grau, de modo que o recurso da defesa causaria prejuízo à Paciente” (STF, HC 101917, Rel. Min. Cármen Lúcia, Primeira Turma, j. 31.08.2010).
O efeito suspensivo faz que a decisão impugnada não seja executada até que ocorra um julgamento final da questão, funcionando como uma condição suspensiva da eficácia da decisão. Se a lei não dispõe expressamente sobre o efeito suspensivo, o recurso não terá esse efeito.
Os recursos podem também ter efeito extensivo: conforme determina o art. 580, no caso de concurso de agentes, a decisão do recurso interposto por um dos réus, se fundado em motivos que não sejam de caráter exclusivamente pessoal, aproveitará aos outros. Contudo, essa extensibilidade pressupõe que haja identidade de situação jurídica, como prega o STF: “A incidência do art. 580 do Código de Processo Penal pressupõe identidade de situação jurídica” (STF, RHC 115995 Extn., Rel. Min. Marco Aurélio, Primeira Turma, j. 15.10.2013).
O entendimento atual do STF, mesmo nos casos de recursos dispostos expressamente na Constituição, é no sentido de que os efeitos dos recursos são tema que não têm status constitucional, tratando-se de “matéria regulada pela legislação infraconstitucional” (STF, AI 540354/SP, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 01.08.2005).
Apelação é o recurso previsto no Código de Processo Penal contra (i) sentenças definitivas de condenação ou absolvição proferidas por juiz singular; (ii) decisões definitivas, ou com força de definitivas, proferidas por juiz singular, inclusive da sentença de impronúncia e absolvição sumária no Tribunal do Júri (art. 416, CPP); (iii) das decisões do Tribunal do Júri quando a) ocorrer nulidade posterior à pronúncia; b) for a sentença do juiz-presidente contrária à lei expressa ou à decisão dos jurados; c) houver erro ou injustiça no tocante à aplicação da pena ou da medida de segurança; d) for a decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos.
Conforme estabelece o art. 593, CPP, a apelação deve ser interposta no prazo de cinco dias. Em função do princípio da unirrecorribilidade dos recursos, dispõe o § 4.º do art. 593 que, quando é cabível a apelação, não poderá ser usado o recurso em sentido estrito, ainda que somente de parte da decisão se recorra.
O efeito suspensivo é expressamente previsto para a apelação de sentença condenatória (art. 597). Contudo, com as alterações trazidas pelo texto constitucional e pela reforma advinda pela Lei 12.403/2011, o artigo perde o sentido, uma vez que a condenação não transitada em julgado não enseja prisão (a liberdade é a regra), a não ser que estejam presentes os requisitos para a prisão preventiva.
O art. 598 permite que, nos crimes de competência do Tribunal do Júri ou do juiz singular, se da sentença não for interposta apelação pelo Ministério Público no prazo legal, o ofendido ou qualquer das pessoas enumeradas no art. 31, ainda que não se tenha habilitado como assistente, interponha a apelação. O prazo para interposição desse recurso será de quinze dias e correrá do dia em que terminar o do Ministério Público.
Como já visto, os fundamentos da apelação não precisam acompanhar o termo de interposição do recurso, a não ser no caso da Lei 9.099/1995. O art. 600 determina que o prazo para apresentação das razões de apelação é de oito dias, salvo nos processos de contravenção, em que o prazo será de três dias. O assistente de acusação tem o prazo de três dias para arrazoar a apelação, após o Ministério Público.
Os prazos para o caso de dois ou mais apelantes ou apelados são comuns a todos.
O § 4.º do art. 600 prevê a possibilidade de o apelante declarar, na petição ou no termo, no momento de interposição da apelação, que deseja apresentar suas razões na superior instância. Nesse caso, os autos serão remetidos ao tribunal ad quem, onde será aberta vista às partes, observados os prazos legais, notificadas as partes pela publicação oficial.
Com relação às razões e contrarrazões de apelação, o entendimento pacífico jurisprudencial é o capitaneado pelo STF: “A jurisprudência do STF firmou o entendimento de que a ausência de razões da apelação e de contrarrazões à apelação do Ministério Público não é causa de nulidade por cerceamento de defesa, se o defensor constituído pelo réu foi devidamente intimado para apresentá-las” (STF, HC 91.251, Rel. Min. Cármen Lúcia, j. 19.06.2007, Primeira Turma, DJ 17.08.2007). No mesmo sentido: HC 102.142, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 03.08.2010, Primeira Turma, DJE 27.08.2010).
Ainda, de acordo com a Súmula 708 do Supremo Tribunal Federal, “é nulo o julgamento da apelação se, após a manifestação nos autos da renúncia do único defensor, o réu não foi previamente intimado para constituir outro”.
O recurso em sentido estrito é aquele a ser interposto, nos termos do art. 581, da decisão, despacho ou sentença:
“Art. 581, CPP (...) I – que não receber a denúncia ou a queixa;
II – que concluir pela incompetência do juízo;
III – que julgar procedentes as exceções, salvo a de suspeição;
IV – que pronunciar o réu;
V – que conceder, negar, arbitrar, cassar ou julgar inidônea a fiança, indeferir requerimento de prisão preventiva ou revogá-la, conceder liberdade provisória ou relaxar a prisão em flagrante;
VII – que julgar quebrada a fiança ou perdido o seu valor;
VIII – que decretar a prescrição ou julgar, por outro modo, extinta a punibilidade;
IX – que indeferir o pedido de reconhecimento da prescrição ou de outra causa extintiva da punibilidade;
X – que conceder ou negar a ordem de habeas corpus;
XI – que conceder, negar ou revogar a suspensão condicional da pena;
XII – que conceder, negar ou revogar livramento condicional;
XIII – que anular o processo da instrução criminal, no todo ou em parte;
XIV – que incluir jurado na lista geral ou desta o excluir;
XV – que denegar a apelação ou a julgar deserta;
XVI – que ordenar a suspensão do processo, em virtude de questão prejudicial;
XVII – que decidir sobre a unificação de penas;
XVIII – que decidir o incidente de falsidade;
XIX – que decretar medida de segurança, depois de transitar a sentença em julgado;
XX – que impuser medida de segurança por transgressão de outra;
XXI – que mantiver ou substituir a medida de segurança, nos casos do art. 774;
XXII – que revogar a medida de segurança;
XXIII – que deixar de revogar a medida de segurança, nos casos em que a lei admita a revogação;
XXIV – que converter a multa em detenção ou em prisão simples”.
O rol previsto no art. 581 é taxativo. Por esse motivo, decidiu recentemente o Supremo Tribunal Federal que “revela-se absolutamente inadmissível a interposição, no Supremo Tribunal Federal, de recurso em sentido estrito em face de decisão que, proferida monocraticamente, indefere pedido de habeas corpus” (HC 116553, Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma, j. 09.04.2013). No mesmo sentido vêm se posicionando os tribunais federais. Por todos, cite-se essa decisão do TRF-3.ª Região: “(...) No caso em apreço, verifica-se que a interposição do recurso em sentido estrito não está fundamentada em qualquer das hipóteses elencadas nos diversos incisos do art. 581 do CPP, não podendo ser recebido por ausência de previsão legal. É cediço que o rol do art. 581 do CPP é considerado numerus clausus (rol taxativo) quanto às hipóteses de cabimento do recurso em sentido estrito. (...) Admite-se recurso em sentido estrito, portanto, da decisão que não recebe a denúncia ou seu posterior aditamento (por interpretação extensiva). O Código de Processo Penal não prevê a impugnação de decisão que recebe a denúncia, por meio do recurso manejado, tratando-se de decisão irrecorrível, somente atacável, se for o caso, por meio do remédio constitucional heroico do habeas corpus (art. 5.º, LXVIII, da CF). E nem há que se cogitar da aplicação do princípio da fungibilidade, que se dá apenas quando pairam sérias dúvidas acerca do recurso adequado cabível numa situação concreta, o que não ocorreu na hipótese destes autos, havendo erro grosseiro da parte da combativa defesa, no manejo do recurso interposto. Precedentes desta Egrégia Corte Regional. Recurso não conhecido” (RSE 0007103-18.2003.4.03.6181/SP, Rel. Des. Federal Ramza Tartuce, DJ 11.01.2011).
O prazo para interposição do recurso em sentido estrito é de cinco dias (art. 586, CPP), a não ser no caso de impugnação da decisão que incluir jurado na lista geral ou desta o excluir, quando o prazo será de vinte dias contado da data da publicação definitiva da lista de jurados (art. 586, parágrafo único).
As razões podem ser apresentadas juntamente com a interposição ou posteriormente, sendo que nesse caso o prazo será de dois dias a partir do momento em que o recorrente tiver vista dos autos. As contrarrazões devem ser apresentadas também em dois dias.
O art. 589, CPP, determina expressamente que o recurso, passado o prazo para apresentação de razões e contrarrazões, será concluso ao juiz, com ou sem as razões. A partir daí, reformará ou sustentará o seu despacho, mandando instruir o recurso com os traslados que Ihe parecerem necessários. Se o juiz reformar o despacho recorrido, a parte contrária, por simples petição, poderá recorrer da nova decisão, se couber recurso, não sendo mais lícito ao juiz modificá-la. Nesse caso, independentemente de novos arrazoados, subirá o recurso nos próprios autos ou em traslado (parágrafo único do art. 589, CPP).
Com relação às razões e contrarrazões de RSE, decidiu o STF que, “como a prisão preventiva pode ser decretada até mesmo de ofício (CPP, art. 311), não se sustenta a tese de que a defesa deveria ter sido intimada para contra-arrazoar recurso em sentido estrito interposto pela acusação de decisão que, em um primeiro momento, indeferiu a custódia do paciente, sendo irrelevante o fato de a segregação provisória ter-se operado em sede de juízo de retratação (CPP, art. 589)” (HC 96.445, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 08.09.2009, Segunda Turma, DJE 02.10.2009).
A carta testemunhável, recurso que na prática é muito pouco utilizado nos dias de hoje, é o recurso cabível, de acordo com o art. 639, da decisão que não recebe ou obsta a expedição e seguimento de recurso. Como só pode ser usado nos casos em que não há disposição expressa de cabimento de outro recurso, cabe somente para os casos de recurso em sentido estrito e agravo em execução. Isso porque, para os casos de não recebimento de outros recursos, o ordenamento prevê outras respostas – assim, por exemplo, no caso de não recebimento da apelação, é cabível, nos termos do art. 581, CPP, recurso em sentido estrito.
Um dos únicos casos ocorridos em tribunais regionais federais a partir do ano de 2012 foi este precedente do Tribunal Regional Federal da 3.ª Região, que acabou por não conhecer da carta testemunhável interposta pela Defensoria Pública da União pela perda do objeto: “Trata-se de carta testemunhável interposta pela Defensoria Pública da União contra a decisão proferida pelo Juízo da 1.ª Vara Federal de São Paulo que não conheceu de recurso em sentido estrito interposto em face da decisão da Magistrada a quo que indeferiu pedido de entrevista reservada entre o testemunhante e seu defensor, apta a identificar aspectos básicos para o satisfatório exercício da defesa, momentos antes da audiência de oitiva de testemunha comum. (...). Recurso não conhecido em razão da perda superveniente do objeto” (TRF-3, CT 7704/SP 0007704-48.2008.4.03.6181, Rel. Juiz Convocado Paulo Domingues, j. 06.11.2012, Primeira Turma).
Por outro lado, o Supremo Tribunal Federal já decidiu que não cabe carta testemunhável diante de decisão na qual se aplica a sistemática da repercussão geral: “1. Agravo regimental em carta testemunhável autuada como petição. 2. Não cabimento de carta testemunhável contra decisão que aplica a sistemática da repercussão geral. 3. Ausência de argumentos suficientes para infirmar a decisão recorrida. 4. Agravo regimental a que se nega provimento” (Pet. 4894 AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, j. 07.02.2012, Acórdão Eletrônico DJe-036, divulg. 17.02.2012, public. 22.02.2012).
A correição parcial, embora não seja recurso previsto no sistema processual penal, é um mecanismo previsto nas Leis de Organização Judiciária de cada tribunal que tem por objetivo corrigir o error in procedendo, ou seja, o erro cometido pelo juiz em ato processual que causa tumulto no processo. Como definiu o Tribunal Regional Federal da 5.ª Região, “o provecto instituto da Correição Parcial procurou atender a uma lacuna do sistema recursal no âmbito dos processos civil e penal, porém direcionada à Corregedoria, como instrumento de caráter administrativo-disciplinar, destinada a atacar atos não passíveis de recurso e que importem erro de ofício ou abuso de poder, capazes de causar tumulto à marcha processual. Não guarda, em si, autoridade para revogação, invalidação ou integração do ato judicial reclamado, própria dos recursos previstos em lei” (TRF5, Documento 1.545/2013, Requerente: Ministério Público Federal, j. 07.08.2013).
Recentemente, entendeu o STJ que cabe correição parcial no caso de indeferimento de pedido de diligências em investigação pelo juízo, nos casos em que o inquérito não tramita diretamente entre polícia e Ministério Público. A ementa assim determina: “1. Apesar de ser o dominus litis, o Ministério Público atua no processo como parte e, como tal, deve combater os atos que ocasionem obstáculos a sua pretensão por meio de recurso. 2. A correição parcial tem como escopo atacar ato ou despacho do Juízo que impeça atingir o fim almejado no processo, desde que não caiba recurso ou que seja proveniente de erro de ofício ou abuso de poder. 3. O Ministério Público, em decorrência do indeferimento do pedido de dilação do prazo para diligências, em vez de suscitar conflito de atribuição, poderia, em tese, interpor correição parcial, de competência do Conselho da Justiça Federal, nos termos do art. 6.º da Lei 5.010/1966. 4. Conflito de atribuição não conhecido” (STJ, CAt: 210/PR 2007/0218445-9, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 26.08.2009, Terceira Seção, DJe 23.09.2009).
Nos termos do parágrafo único do art. 609 do CPP, “quando não for unânime a decisão de segunda instância, desfavorável ao réu, admitem-se embargos infringentes e de nulidade, que poderão ser opostos dentro de dez dias, a contar da publicação do acórdão, na forma do art. 613. Se o desacordo for parcial, os embargos serão restritos à matéria objeto de divergência”.
Assim, os embargos infringentes consistem nos meios de impugnação existentes contra decisão desfavorável ao réu exarada por colegiado de segunda instância, que não tenha sido unânime. O requisito de a decisão não unânime ser desfavorável ao réu, prevista na norma, é referendado pelo STF: “o parágrafo único do art. 609 do CPP estabelece que ‘(q)uando não for unânime a decisão de segunda instância, desfavorável ao réu, admitem-se embargos infringentes e de nulidade, que poderão ser opostos dentro de dez dias, a contar da publicação de acórdão, na forma do art. 613. Se o desacordo for parcial, os embargos serão restritos à material objeto da divergência’ (...) A decisão majoritária proferida na apelação foi, no caso concreto, favorável ao réu. Ao prever o cabimento de embargos infringentes exclusivamente quando a decisão for desfavorável ao réu, o preceito processual conferiu legitimidade recursal somente a ele” (STF, HC 91342, Rel. Min. Eros Grau, Segunda Turma, j. 14.08.2007, DJe-131 divulg. 25.10.2007, public. 26.10.2007, DJ 26.10.2007, p. 00100, Ement. v. 02295-05, p. 926).
São chamados embargos de nulidade aqueles oponíveis contra decisão desfavorável ao réu exarada por colegiado de segunda instância, que não tenha sido unânime e cuja divergência trate de matéria estritamente processual, que pode invalidar o processo. Os embargos de nulidade da defesa, espécie de embargos infringentes, visam a anulação do feito.
No processo penal ordinário, os embargos infringentes e sua subespécie, embargos de nulidade, são recursos exclusivos da defesa. Saliente-se que, tendo em vista o pressuposto processual do interesse em recorrer, se o voto divergente discordar apenas em parte da decisão majoritária, os embargos devem ficar restritos somente à parte discordante.
O prazo para interposição dos embargos, como colocado na norma processual penal, é de dez dias, contados a partir da publicação do acórdão. As razões devem ser apresentadas juntamente com a interposição.
Conforme entendimento jurisprudencial, o recurso cabível para a denegação dos embargos é o agravo regimental.
Com a repercussão do julgamento no STF da Ação Penal 470, conhecida como Caso do Mensalão, ganhou destaque a discussão sobre cabimento ou não de embargos infringentes nas ações penais originárias.
Como vimos, a norma processual penal faz expressa menção ao termo decisão de segunda instância.
No Regimento Interno do STF, o art. 333 afirma que “Cabem embargos infringentes à decisão não unânime do Plenário ou da Turma: I) que julgar procedente a ação penal; II) que julgar improcedente a revisão criminal; III) que julgar a ação rescisória; IV) que julgar a representação de inconstitucionalidade; V) que, em recurso criminal ordinário, for desfavorável ao acusado”. A hipótese prevista no inciso IV foi revogada pelo art. 26 da Lei da Ação Direta de Inconstitucionalidade de 10.11.1999. O regimento ainda prevê uma condição: que haja, ao menos, quatro votos divergentes.
A discussão está centrada no seguinte embate: a Emenda 1 à Constituição de 1967, formulada pelo regime militar em 1969, conferiu poder ao Supremo Tribunal Federal de criar normas próprias procedimentais somente para os casos julgados pela Corte. A partir dessa autorização foi redigido o Regimento Interno do STF e as normas “processuais” nele constantes, que incluíam, por exemplo, possibilidade de julgamentos secretos, prazos diferenciados em recursos já existentes nos diplomas legais etc. Parte da doutrina e jurisprudência entendeu que os embargos infringentes previstos no Regimento Interno não foram recepcionados pela Constituição de 1988, seja pelo disposto no art. 22, I, CF (que estabelece ser competência da União – Congresso Nacional – legislar sobre matéria processual), seja porque a Lei 8.038/1990, que com o advento da CF/1988 passou a tratar da ação penal originária no âmbito das cortes superiores (STF e STJ), e calou-se sobre a possibilidade de opor embargos infringentes nesses casos.
A posição do STF, antes do advento da AP 470, oscilava caso a caso sobre a recepção ou não das normas processuais existentes no Regimento Interno da Corte, como se depreende dos julgamentos do Plenário: “Com o advento da CF de 1988, delimitou-se, de forma mais criteriosa, o campo de regulamentação das leis e o dos regimentos internos dos tribunais, cabendo a estes últimos o respeito à reserva de lei federal para a edição de regras de natureza processual (CF, art. 22, I), bem como às garantias processuais das partes, ‘dispondo sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos’ (CF, art. 96, I, “a”). São normas de direito processual as relativas às garantias do contraditório, do devido processo legal, dos poderes, direitos e ônus que constituem a relação processual, como também as normas que regulem os atos destinados a realizar a causa finalis da jurisdição. (...) (ADI 2.970, Rel. Min. Ellen Gracie, j. 20.04.2006, Plenário, DJ 12.05.2006).
Em outra direção: “O STF, sob a égide da Carta Política de 1969 (art. 119, § 3.º, “c”), dispunha de competência normativa primária para, em sede meramente regimental, formular normas de direito processual concernentes ao processo e ao julgamento dos feitos de sua competência originária ou recursal. Com a superveniência da Constituição de 1988, operou-se a recepção de tais preceitos regimentais, que passaram a ostentar força e eficácia de norma legal (RTJ 147/1010 – RTJ 151/278), revestindo-se, por isso mesmo, de plena legitimidade constitucional a exigência de pertinente confronto analítico entre os acórdãos postos em cotejo (RISTF, art. 331)” (AI 727.503-AgR-ED-EDv-AgR-ED, Rel. Min. Celso de Mello, j. 10.11.2011, Plenário, DJE 06.12.2011).
O relator da AP 470, ministro Joaquim Barbosa, não admitiu a interposição dos embargos nas Petições 17.695, de 18.04.2013, 18.249, de 19.04.2013, e 20.981, de 07.05.2013), decidindo que: “(...) o Regimento Interno do STF foi recepcionado pela atual Constituição com status de lei ordinária, uma vez que, na época em que concebido, essa Corte tinha competência normativa para dispor sobre os processos da sua competência originária e recursal. Entretanto, com o advento da Constituição de 1988, o Supremo Tribunal Federal perdeu essa atribuição normativa, passando a submeter-se à lei votada pelo Congresso Nacional para efeito da disciplina do processo e julgamento dos feitos da sua competência originária e recursal (CF, art. 22, I). (...) O fato de o Regimento Interno do STF ter sido recepcionado lá atrás com status de lei ordinária não significa que esse documento tenha adquirido características de eternidade (...) Ademais, como ocorre com todas as espécies normativas, o RISTF, evidentemente, também pode ser alterado, total ou parcialmente, e mesmo tacitamente, quando lei posterior dispuser de forma diversa ou regular inteiramente a matéria de que ele tratava (art. 2.º, § 2.º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro). É nesse cenário que intervém, com especial destaque, a Lei 8.038/1990, que tem por finalidade justamente instituir ‘normas procedimentais para os processos que especifica, perante o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal’. Note-se bem: trata-se de lei em sentido formal e material, votada pelo órgão legislativo competente (o Congresso Nacional). (...) A Lei 8.038/1990 – além de dispor sobre os processos de competência originária, entre eles a ação penal originária – também especifica quais são os recursos cabíveis no âmbito do STJ e do STF, esgotando, assim, o rol de medidas processuais voltadas ao reexame dos julgados dessas duas Cortes Superiores. E, ao especificar quais são os recursos cabíveis no âmbito do STJ e do STF, a Lei 8.038/1990 não previu o cabimento de embargos infringentes em ação penal originária (...) Tal conclusão, aliás, não poderia ser diferente. Com efeito, a “razão de ser” dos embargos infringentes é propiciar o reexame, no âmbito do mesmo órgão judicante, mas por composição diversa e ampliada, das decisões jurisdicionais proferidas por órgãos fracionários (turmas, câmaras, seções etc.). O objetivo é aperfeiçoar a prestação jurisdicional e assegurar maior legitimidade aos julgados não unânimes dos órgãos fracionários, cuja composição é diminuta, em geral de no máximo cinco componentes. Não há como concluir, portanto, que esses embargos infringentes se prestem simplesmente a abrir espaço à mera repetição de julgamento realizado pelo mesmo órgão plenário que já examinou exaustivamente determinada ação penal e já esgotou, por conseguinte, a análise do mérito dessa demanda. Tanto é assim que o art. 609, caput e parágrafo único, do Código de Processo Penal restringe o cabimento de embargos infringentes em segunda instância aos casos de apelação ou de recurso em sentido estrito, não se admitindo a interposição dessa modalidade recursal em ação penal originária (...) A prevalecer a tese dos réus, o Supremo Tribunal Federal seria a única Corte brasileira a admitir embargos infringentes em ação penal originária da competência do seu órgão jurisdicional pleno. Mais do que isso: nessa hipótese, tal recurso seria julgado pelo mesmo órgão plenário que proferiu o acórdão embargado (...)” (STF, AP 470, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 13.05.2013, DJe-090, divulg. 14.05.2013, public. 15.05.2013).
Os réus entraram com agravo regimental dessa decisão. Nesse momento, o Ministro Celso de Mello, em sentido oposto à posição do colega Joaquim Barbosa, decidiu que “a norma inscrita no art. 333, inciso I, do RISTF, contudo, embora impregnada de natureza formalmente regimental, ostenta, desde a sua edição, como precedentemente por mim enfatizado, o caráter de prescrição materialmente legislativa, considerada a regra constante do art. 119, § 3.º, ‘c’, da Carta Federal de 1969. Com a superveniência da Constituição de 1988, o art. 333, n. I, do RISTF foi recebido, pela nova ordem constitucional, com força, valor, eficácia e autoridade de lei, o que permite conformá-lo à exigência fundada no postulado da reserva de lei. Não se pode desconhecer, neste ponto, que se registrou, na espécie, com o advento da Constituição de 1988, a recepção, por esse novo estatuto político, do mencionado receito regimental, veiculador de norma de direito processual que passou, a partir da vigência da nova Lei Fundamental da República, como já assinalado, a ostentar força, valor, eficácia e autoridade de norma legal, consoante tem proclamado a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal” (RTJ 147/1010, Rel. Min. Octavio Gallotti, RTJ 151/278-279, Rel. Min. Celso de Mello, RTJ 190/1084).
O plenário acompanhou majoritariamente a posição que admite os embargos infringentes nas ações penais originárias no Supremo Tribunal Federal, sendo esta a última posição do STF.
No STJ, ainda remanesce a posição de que não são cabíveis os embargos infringentes nas ações penais originárias.
Os embargos de declaração, nos termos do art. 619, CPP, são meio de impugnação contra decisões quando houver ambiguidade, obscuridade, contradição ou omissão, devendo ser interpostos no prazo de dois dias contados da sua publicação.
De acordo com a norma processual penal, nas razões dos embargos de declaração, que serão apresentadas juntamente com a interposição, deverão ser deduzidos os pontos em que o acórdão é ambíguo, obscuro, contraditório ou omisso.
Diferentemente dos recursos regulares, que visam reexame e modificação do julgamento (efeitos infringentes ou modificativos dos recursos), os embargos de declaração visam apenas a correção de equívocos do julgado, sem contudo alterá-lo.
O Supremo Tribunal Federal impõe mais uma condição para interposição de embargos de declaração naquela Corte: eles não podem ser opostos diante de decisão monocrática. Nesse sentido: “A jurisprudência do Supremo Tribunal é firme no sentido do não cabimento de embargos de declaração opostos contra decisão monocrática” (STF, RvC 5428 ED, Rel. Min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, j. 16.05.2013).
Os embargos de divergência são o meio de impugnação cabível no caso de recurso especial no STJ e recurso extraordinário no STF, nos termos dos art. 546 do Código de Processo Civil e art. 29 da Lei 8.038/1990, contra a decisão da turma que (i) em recurso especial, divergir do julgamento de outra turma, da seção ou do órgão especial; e (ii) em recurso extraordinário, divergir do julgamento da outra turma ou do plenário. Assim, os embargos divergentes só são cabíveis diante de decisão colegiada oriunda de julgamento de recurso especial ou recurso extraordinário. Não cabem embargos divergentes, portanto, contra decisão, mesmo colegiada, em agravo, como dispõe a Súmula 315 do STJ, aprovada pela Corte Especial, em 05.10.2005: “Não cabem embargos de divergência no âmbito do agravo de instrumento que não admite recurso especial”.
O prazo para interposição em ambas as cortes é de quinze dias.
A finalidade imediata desse meio de impugnação é a uniformização de decisões divergentes entre os órgãos julgadores do STJ e STF no julgamento de recurso especial e extraordinário. Assim, visa unificar teses divergentes acerca de uma mesma matéria. O recorrente deve demonstrar a ocorrência de efetiva divergência entre órgãos julgadores; caso contrário não estará manifesto seu interesse em recorrer.
Contra acórdão que, no agravo regimental, decide sobre recurso especial, cabem embargos de divergência (Súmula 316, STJ). Contudo, não cabem embargos de divergência no âmbito do agravo de instrumento que não admite recurso especial (Súmula 315, STJ).
O recurso ordinário é um meio de impugnação de decisões dirigido às Cortes Superiores (STF e STJ), previsto na Constituição Federal nos arts. 102, II (recurso ordinário para o STF), e 105, II (recurso ordinário para o STJ). Por esse motivo, é chamado também de recurso ordinário constitucional.
Assim, o texto constitucional prevê que é competência do Supremo Tribunal Federal julgar, em recurso ordinário: o habeas corpus, o mandado de segurança, o habeas data e o mandado de injunção decididos em única instância pelos Tribunais Superiores, se denegatória a decisão (art. 102, II, “a”). E é competência do Superior Tribunal de Justiça julgar, em recurso ordinário os habeas corpus decididos em única ou última instância pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos estados, do Distrito Federal e territórios, quando a decisão for denegatória.
Dessa forma, o recurso ordinário cabe, quando falamos de matéria penal federal, diante de decisões denegatórias de habeas corpus e mandados de segurança em matéria criminal julgados pelo Superior Tribunal de Justiça ou pelos Tribunais Regionais Federais.
É um recurso pro reo, uma vez que somente pode ser interposto contra decisões denegatórias. Em caso de denegação parcial, o recurso ordinário constitucional deve ser interposto contra a parte desfavorável ao réu.
O prazo para interpor recurso ordinário, bem como para contra-arrazoá-lo, é de 15 dias, contados a partir da data em que a súmula do acórdão é publicada no órgão oficial (arts. 508 e 506, III, CPC, aplicados subsidiariamente).
De acordo com a Súmula 299 do STF, “O recurso ordinário e o extraordinário interpostos no mesmo processo de mandado de segurança, ou de habeas corpus, serão julgados conjuntamente pelo tribunal pleno”.
Atente-se que a decisão combatida deve resultar de julgamento de colegiado. Se a decisão denegatória for monocrática, a parte deverá interpor no tribunal de origem recurso para que haja manifestação do colegiado, como já decidiu o STJ (STJ, RMS 15334/RJ, DJU 23.08.2004).
Conforme a Súmula 272 do Supremo Tribunal Federal, “não se admite como ordinário recurso extraordinário de decisão denegatória de Mandado de Segurança”. Isso significa que a interposição de recurso extraordinário ou especial nos casos de cabimento de recurso ordinário configura-se erro grosseiro, o que não permite a aplicação da fungibilidade de recursos.
Por outro lado, o STJ tem aplicado a fungibilidade recursal quando admite o recebimento, como recurso ordinário, de apelação interposta contra acórdão denegatório decidido em única instância (STJ, RMS 20652/MT, DJ 07.05.2007).
É interposto no prazo de cinco dias, nos termos do art. 585 do CPP e do art. 30 da Lei 8.038/1990.
De acordo com o STF, não é possível recurso ordinário contra acórdão do STJ denegatório de provimento de recurso ordinário em habeas corpus (STF, HC 96.453, Rel. Min. Ellen Gracie, j. 28.10.2008, Segunda Turma, DJE 14.11.2008).
Da mesma forma, é assente no STF, em decisão do Plenário reafirmada pelas turmas, que “Toda vez que a Constituição prescreveu para determinada causa a competência originária de um tribunal, de duas uma: ou também previu recurso ordinário de sua decisão (CF, arts. 102, II, ‘a’; 105, II, ‘a’ e ‘b’; 121, § 4.º, III, IV e V) ou, não o tendo estabelecido, é que o proibiu. Em tais hipóteses, o recurso ordinário contra decisões de tribunal, que ela mesma não criou, a Constituição não admite que o institua o direito infraconstitucional, seja lei ordinária, seja convenção internacional: é que, afora os casos da Justiça do Trabalho – que não estão em causa – e da Justiça Militar – na qual o STM não se superpõe a outros tribunais –, assim como as do Supremo Tribunal, com relação a todos os demais tribunais e juízos do País, também as competências recursais dos outros tribunais superiores – o STJ e o TSE – estão enumeradas taxativamente na Constituição, e só a emenda constitucional poderia ampliar” (RHC 79.785, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 29.03.2000, Plenário, DJ 22.11.2002). No mesmo sentido: AI 601.832-AgR, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 17.03.2009, Segunda Turma, DJE 03.04.2009.
De acordo com o art. 102, III, da Constituição Federal, cabe recurso extraordinário para o Supremo Tribunal Federal em causas que forem decididas em única ou última instância nas hipóteses em que a decisão recorrida (i) contrariar dispositivo da Constituição; (ii) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal; (iii) julgar válida lei ou ato de governo local contestado diante da Constituição; ou (iv) julgar válida lei local contestada diante de lei federal.
Além da Constituição Federal, a Lei 8.038/1990 também disciplina o recurso extraordinário.
A finalidade do recurso extraordinário é defender a supremacia da Constituição. Assim, conforme expressamente disposto na norma constitucional, o recurso extraordinário não é o meio processualmente adequado para a discussão de questão jurídica de natureza infraconstitucional: sua função é a defesa da norma constitucional, cabendo ao Supremo Tribunal Federal, nesse contexto, a guarda e a proteção da ordem jurídica estabelecida a partir da Constituição.
O recurso extraordinário deve ser interposto perante o tribunal recorrido, onde é submetido a exame de admissibilidade. Além da verificação de seu cabimento, só será admitido se houver esgotamento das vias recursais e prequestionamento da matéria. O § 3.o do art. 102 impõe que o recorrente deve demonstrar também a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, para que o Tribunal examine a admissão do recurso.
O prazo para interposição é de 15 dias, com as razões inclusas (não valendo portanto a Súmula 602 STF, que determinava prazo de 10 dias para recursos extraordinários que versassem sobre matéria criminal). Caso seja negado seguimento pelo tribunal recorrido, caberá agravo no prazo de 5 dias.
O prazo começa a contar a partir da publicação da decisão no órgão oficial. O entendimento do STF é que interpor recurso extraordinário antes desse acontecimento é prematuro: “Conforme entendimento predominante nesta nossa Casa de Justiça, o prazo para recorrer só começa a fluir com a publicação da decisão no órgão oficial, sendo prematuro o recurso que a antecede. Entendimento quebrantado, tão somente, naquelas hipóteses em que a decisão recorrida já está materializada nos autos do processo no momento da interposição do recurso, dela tendo tomado ciência a parte recorrente (AI 497.477-AgR, Rel. Min. Cezar Peluso)” (AI 658.519-AgR-ED, Rel. Min. Ayres Britto, j. 07.06.2011, Segunda Turma, DJE 09.09.2011).
O recurso extraordinário não pode ser admitido pelo Tribunal de origem quando:
1) Couber na justiça de origem recurso ordinário da decisão impugnada (esgotamento de todos os recursos ordinários cabíveis – Súmula 281);
2) Não for ventilada, na decisão recorrida, a questão federal suscitada (Súmula 282);
3) A decisão recorrida assenta em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles (Súmula 283);
4) A deficiência na sua fundamentação não permitir a exata compreensão da controvérsia (Súmula 284).
Não é conhecido pelo STF o recurso extraordinário fundado em divergência jurisprudencial, quando a orientação do Plenário do STF já se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida (Súmula 286).
A Súmula 735 determina que não cabe recurso extraordinário contra acórdão que defere medida liminar.
O recurso especial está previsto no art. 105, III, da Constituição Federal. Deve ser interposto perante o Superior Tribunal de Justiça contra a decisão que (i) contrariar tratado ou lei federal, ou negarlhe vigência; (ii) julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal; ou (iii) der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal.
Além da Constituição Federal, a Lei 8.038/1990 também disciplina o recurso especial.
A finalidade do recurso especial é a uniformização da aplicação da lei federal.
O prazo de interposição, com as razões, também é de 15 dias (art. 26 da Lei 8.038/1990).
O recurso especial deve atender os seguintes requisitos:
1) Não pode versar sobre matéria fática nem sobre reexame de prova (Súmula 7, STJ);
2) Não pode ser interposto antes da publicação do acórdão dos embargos de declaração, sem posterior ratificação (Súmula 418, STJ);
3) Deve haver esgotamento das visas ordinárias para então ocorrer sua interposição, devendo a questão trazida necessariamente ter sido apreciada pelo Tribunal a quo (Súmula 211, STJ);
4) Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida (Súmula 83, STJ);
5) Não é cabível contra decisão proferida por órgão de segundo grau dos Juizados Especiais (Súmula 203, STJ).
O mandado de segurança é o remédio constitucional previsto no art. 5.º, LXIX, para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público. O art. 1.º da Lei 12.016/2009 ainda acresce que o instrumento pode ser utilizado sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça.
A Súmula 693, STF, diz que: “Não cabe habeas corpus contra decisão condenatória a pena de multa, ou relativo a processo em curso por infração penal a que a pena pecuniária seja a única cominada”.
Como é ação caracterizada pela celeridade do rito, justamente para coibir o ato ilegal perpetrado pela autoridade pública, o mandado de segurança não comporta dilação probatória.
É de competência da Justiça Federal, nos termos do art. 109, VIII, da Constituição Federal, o julgamento de mandado de segurança contra ato de autoridade federal, excetuados os casos de competência dos Tribunais Regionais Federais. Tratando-se, portanto, de mandado de segurança impetrado contra ato de juiz federal, é competente para julgá-lo o Tribunal Regional Federal respectivo.
O terceiro que vier a ser beneficiado – réu, Ministério Público ou querelante – com a decisão do mandado de segurança criminal deve ser citado na condição de litisconsorte necessário, sob pena de nulidade processual e extinção do processo, como determinam a Súmula 631 do STF e o art. 47, parágrafo único, do CPC. Por esse motivo a Súmula 701 do STF consagra que “no Mandado de Segurança impetrado pelo Ministério Público contra decisão proferida em sede de processo penal, é obrigatória a citação do réu como litisconsorte passivo”.
O STF entende que da decisão de juiz que ilegalmente arquiva inquérito policial cabe mandado de segurança em matéria criminal: “Ilegalidade da decisão de Primeiro Grau que deu pelo arquivamento do inquérito policial. Decisão passível de correção por meio de mandado de segurança. Única via processual disponível para que a empresa vítima do desfalque patrimonial pudesse alcançar a devida tutela jurisdicional, nos termos do inciso XXXV do art. 5.º da CF/1988” (STF, HC 105167, Rel. Min. Ayres Britto, Segunda Turma, j. 06.03.2012, Processo Eletrônico DJe-118, divulg. 15.06.2012, public. 18.06.2012).
O habeas corpus está previsto dentre os direitos e garantias fundamentais no art. 5.º, LXVIII, da Constituição Federal: “conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder”.
Carvalho Ramos ensina que o habeas corpus tem raízes na Carta Magna (1215) e no Habeas Corpus Act (1679). No Brasil, foi previsto no Código Criminal do Império (1830) e, pela primeira vez em um texto constitucional, na Constituição de 1891. Na lição do citado autor, após a Constituição de 1891, a interpretação do cabimento do habeas corpus foi ampliada para abarcar a violação de todo e qualquer direito constitucional, uma vez que a redação do art. 72, § 22, da Constituição de 1891 (que tratou do habeas corpus) não mencionava “liberdade de locomoção”. Essa ampliação do alcance do habeas corpus foi denominada “teoria brasileira do habeas corpus”, eliminada somente na Reforma Constitucional de 1926, que alterou a redação do art. 72, § 22, para incluir a redação próxima da atual (com referência expressa à liberdade de locomoção). Atualmente, é cabível o habeas corpus para combater lesão ou ameaça de lesão à liberdade de locomoção por ilegalidade ou abuso de poder.3
Trata-se, portanto, não de um recurso, mas de uma ação de cunho constitucional.
O Código de Processo Penal regula o habeas corpus nos arts. 647 a 667. O art. 648 elenca algumas das possibilidades de cabimento, exemplificando algumas hipóteses de coação ilegal: (I) – quando não houver justa causa; (II) – quando alguém estiver preso por mais tempo do que determina a lei; (III) – quando quem ordenar a coação não tiver competência para fazê-lo; (IV) – quando houver cessado o motivo que autorizou a coação; (V) – quando não for alguém admitido a prestar fiança, nos casos em que a lei a autoriza; (VI) – quando o processo for manifestamente nulo; (VII) – quando extinta a punibilidade.
A expressão é latina, derivando dos vocábulos habeas (de habeo, “ter”, “tomar”, “andar com”) e corpus (“corpo”): “tomar ou ter o corpo”, metáfora relacionada à liberdade de ir e vir.
Como aponta o texto constitucional, duas são as espécies de habeas corpus: o habeas corpus repressivo, para os casos em que alguém já sofreu a ilegalidade e está preso, e visa portanto seja posto em liberdade, e o habeas corpus preventivo ou suspensivo, quando há ameaça de sofrer o atentado ilegal à liberdade. Nesse caso, a decisão concessiva de habeas corpus impede que o paciente eventualmente seja privado de sua liberdade pelo fato apreciado na ação.
O paciente é a pessoa que será beneficiada pelo habeas corpus impetrado, aquele que sofre ou está ameaçado de sofrer a lesão na sua liberdade. Coator é quem pratica ou ameaça praticar o constrangimento ilegal. Pode ser tanto autoridade pública (ilegalidade ou abuso de poder) como particular (ilegalidade). Impetrante é o autor, que pede seja concedida a ordem – pode ser o próprio paciente ou um terceiro. O caput do art. 654 do Código de Processo Penal determina que tem legitimidade ativa para impetrar o habeas corpus “qualquer pessoa, em seu favor ou de outrem, bem como pelo Ministério Público”. Assim, o impetrante não necessita sequer de capacidade para estar em juízo, tampouco capacidade postulatória.
O art. 654, § 1.º, CPP, determina alguns requisitos para a impetração do habeas corpus: nome do impetrante e do impetrado; declaração da espécie do constrangimento ou, no caso de ameaça, das provas que servem para comprovar o receio do constrangimento; e a assinatura do impetrante, ou de alguém ao seu rogo – na possibilidade de o impetrante não ser alfabetizado, bem como as razões em que se funda o temor.
A formalidade, contudo, não é tão rígida quando falamos do habeas corpus. Nesse sentido, decidiu o STF que “nada, absolutamente nada, em termos do Direito posto, justifica a óptica segundo a qual, não tendo sido protocolado recurso contra certa decisão, é impróprio o habeas corpus. Este não sofre tal limitação, ao contrário do que se verifica com o mandado de segurança” (STF, HC 111121, Rel. Min. Luiz Fux, Rel. p/ Acórdão Min. Marco Aurélio, Primeira Turma, j. 11.06.2013; grifamos).
O habeas corpus deve ser pleiteado na comarca ou circunscrição judiciária de competência da autoridade – juiz ou tribunal (art. 649, CPP), do local onde está por ocorrer, ou já está ocorrendo, a constrição da liberdade ambulatória do paciente.
A competência para conhecer do habeas corpus também se processa por prerrogativa de função, cabendo a diferentes órgãos do judiciário sua apreciação, dependendo da pessoa que é o paciente ou o coator. Portanto, necessário se faz analisar a competência divididamente, por órgão do Judiciário.
Assim, o art. 102, I, “d”, da Constituição Federal estabelece a competência originária do Supremo Tribunal Federal para processar e julgar originariamente os habeas corpus por prerrogativa de função, quando o paciente for uma das pessoas elencadas nas alíneas “b” e “c” desse mesmo inciso, a constar: o Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República, os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, os membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal de Contas da União e os chefes da missão diplomática de caráter permanente. Será ainda de sua competência (art. 102, I, “i”, CF) o habeas corpus quando o coator for Tribunal Superior ou quando coator ou paciente for autoridade ou funcionário cujos atos estejam sujeitos diretamente à jurisdição do Supremo Tribunal Federal, ou se trate de crime sujeito à mesma jurisdição em uma única instância.
A competência do Superior Tribunal de Justiça está listada na Constituição Federal, só que no art. 105, I, “c”, no qual se estabelece a competência originária por prerrogativa de função, para os casos em que o coator ou o paciente sejam quaisquer das pessoas enumeradas na alínea “a” do mesmo artigo: os governadores dos Estados e do Distrito Federal, os desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, os dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho, os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos municípios e os do Ministério Público da União que oficiem perante tribunais. Agora, explanando-se somente em relação ao coator, ainda estarão sobre a sua égide os Tribunais sujeitos a sua jurisdição, Ministros de Estado ou Comandantes da Marinha, do Exército ou da Aeronáutica.
Os Tribunais Regionais Federais possuem competência originária para julgar o habeas corpus, quando a autoridade coatora for juiz federal e nas hipóteses elencadas no art. 108, I, “d”, CF.
A Constituição Federal, no art. 109, VII, determina que competirá ao juiz federal processar e julgar o habeas corpus, em matéria criminal de sua competência ou quando o constrangimento provier de autoridade cujos atos não estejam diretamente sujeitos a outra jurisdição.
Com as ressalvas apontadas no item 4.1 supra, da decisão que concede habeas corpus cabe, nos termos do art. 574, CPP, recurso de ofício, ainda admitido por nossas cortes superiores. O STF decidiu a esse respeito que “A intempestividade do recurso interposto pela acusação não impede o Tribunal de segunda instância de rever o ato sentencial se, contra este, foi manejado recurso de ofício pelo próprio Juízo recurso de ofício (CPP, art. 574)” (STF, HC 88589, Rel. Min. Carlos Britto, Primeira Turma, j. 28.11.2006, DJ 23.03.2007, p. 00107, Ement. v. 02269-03, p. 444).
O art. 581, X, CPP, estabelece que cabe recurso em sentido estrito da decisão que conceder ou negar a ordem de habeas corpus. Para os casos de denegação de habeas corpus, como visto, cabe recurso ordinário, dirigido ao Supremo Tribunal Federal quando o foi decidido em uma única ou última instância pelos Tribunais Superiores (art. 102, II, “a”), para o Superior Tribunal de Justiça nos casos de decisões em única ou última instância pelos Tribunais Regionais Federais, ou pelos Tribunais dos Estados e do Distrito Federal (art. 105, II, “a”).
Carvalho Ramos enumera os precedentes sumulados do STF sobre o habeas corpus, a saber:
• Súmula 299 – O recurso ordinário e o extraordinário interpostos no mesmo processo de mandado de segurança, ou de habeas corpus, serão julgados conjuntamente pelo Tribunal Pleno.
• Súmula 319 – O prazo do recurso ordinário para o Supremo Tribunal Federal, em habeas corpus ou mandado de segurança, é de cinco dias.
• Súmula 344 – Sentença de primeira instância concessiva de habeas corpus, em caso de crime praticado em detrimento de bens, serviços ou interesses da União, está sujeita a recurso ex officio.
• Súmula 395 – Não se conhece de recurso de habeas corpus cujo objeto seja resolver sobre o ônus das custas, por não estar mais em causa a liberdade de locomoção.
• Súmula 431 – É nulo o julgamento de recurso criminal, na segunda instância, sem prévia intimação, ou publicação da pauta, salvo em habeas corpus.
• Súmula 606 – Não cabe habeas corpus originário para o Tribunal Pleno de decisão de Turma, ou do Plenário, proferida em habeas corpus ou no respectivo recurso.
• Súmula 690 – Compete originariamente ao Supremo Tribunal Federal o julgamento de habeas corpus contra decisão de Turma recursal de Juizados Especiais Criminais.
• Súmula 691 – Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão do relator que, em habeas corpus requerido a Tribunal Superior, indefere a liminar.
• Súmula 692 – Não se conhece de habeas corpus contra omissão de relator de extradição, se fundado em fato ou direito estrangeiro cuja prova não constava dos autos, nem foi ele provocado a respeito.
• Súmula 693 – Não cabe habeas corpus contra decisão condenatória a pena de multa, ou relativo a processo em curso por infração penal a que a pena pecuniária seja a única cominada.
• Súmula 694 – Não cabe habeas corpus contra a imposição de pena de exclusão de militar ou de perda de patente ou de função pública.
• Súmula 695 – Não cabe habeas corpus quando já extinta a pena privativa de liberdade.4
De acordo com o art. 621 do CPP, a revisão dos processos criminais que já transitaram em julgado será admitida, desde que a favor do sentenciado:
Art. 621, CPP (...) I – quando a sentença condenatória for contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos;
II – quando a sentença condenatória se fundar em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos;
III – quando, após a sentença, se descobrirem novas provas de inocência do condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial da pena.
Assim, a revisão criminal é ação exclusiva da defesa, para as restritas hipóteses do art. 621, CPP, uma vez que revê sentença já transitada em julgado.
A revisão poderá ser requerida em qualquer tempo depois do trânsito em julgado, seja antes da extinção da pena ou após. A revisão poderá ser pedida pelo próprio réu ou por procurador legalmente habilitado ou, no caso de morte do réu, pelo cônjuge, ascendente, descendente ou irmão. Admite-se que a família próxima tem interesse jurídico no resgate da verdade, mesmo após o falecimento do sentenciado.
A revisão tem por objetivo, portanto, corrigir injustiças comprovadas após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.
Segundo o entendimento do STF, “o habeas corpus não pode ser utilizado como sucedâneo de revisão criminal, quando a parte deixou escoar o prazo recursal, sobrevindo o trânsito em julgado da sentença condenatória (...). O habeas corpus constitui remédio processual inadequado para a análise da prova, reexame do material probatório produzido, reapreciação da matéria de fato e revalorização dos elementos instrutórios coligidos no processo penal de conhecimento” (STF, HC 117293, Rel. Min. Cármen Lúcia, Segunda Turma, j. 12.11.2013).
As revisões criminais serão processadas e julgadas: I – pelo Supremo Tribunal Federal e Tribunais Superiores, quanto às condenações por ele proferidas; II – pelos Tribunais respectivos, nos demais casos.
Nos Tribunais Regionais Federais, o julgamento será efetuado em sessão de Seção, ou seja, pela união das turmas.
O requerimento será distribuído a um relator e a um revisor, devendo funcionar como relator um desembargador que não tenha pronunciado decisão em qualquer fase do processo. O requerimento será instruído com a certidão de haver passado em julgado a sentença condenatória e com as peças necessárias à comprovação dos fatos arguidos. O relator poderá determinar que se apensem os autos originais, se daí não advier dificuldade à execução normal da sentença.
Julgando procedente a revisão, o tribunal poderá alterar a (i) classificação da infração, (ii) absolver o réu, (iii) modificar a pena a favor do sentenciado ou (iv) anular o processo.
De qualquer maneira, não poderá ser agravada a pena imposta pela decisão revista.
A absolvição implicará o restabelecimento de todos os direitos perdidos em virtude da condenação, devendo o tribunal, se for caso, impor a medida de segurança cabível.
O tribunal, se o interessado o requerer, poderá reconhecer o direito a uma justa indenização pelos prejuízos sofridos. Por essa indenização, que será liquidada no juízo cível, responderá a União, se a condenação tiver sido proferida pela Justiça Federal.
A indenização não será devida: a) se o erro ou a injustiça da condenação proceder de ato ou falta imputável ao próprio impetrante, como a confissão ou a ocultação de prova em seu poder; b) se a acusação houver sido meramente privada.
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1 O acórdão já vintenário assim decidiu: “1. O impropriamente denominado ‘recurso ex officio’ não foi revogado pelo art. 129, I, da Constituição, que atribui ao Ministério Público a função de promover, privativamente, a ação penal, e, por extensão, a de recorrer nas mesmas ações. 2. A pesquisa da natureza jurídica do que se contém sob a expressão ‘recurso ex officio’ revela que se trata, na verdade, de decisão que o legislador submete a duplo grau de jurisdição, e não de recurso no sentido próprio e técnico. 3. Habeas corpus conhecido, mas indeferido” (STF, HC 74714, Rel. Min. Maurício Corrêa, Segunda Turma, j. 24.06.1993, DJ 22.08.1997, p. 38761, Ement. v. 01879-02, p. 325).
2 Por todos, ver DINAMARCO, Cândido Rangel; GRINOVER, Ada P.; ARAUJO CINTRA, Antonio Carlos. Teoria geral do processo. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. No âmbito processual penal, ver TUCCI, Rogério Lauria. Teoria do direito processual penal. São Paulo: RT, 2003.
3 CARVALHO RAMOS, André de. Curso de direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 2014.
4 CARVALHO RAMOS, André de. Curso de Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 2014.