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JAIME RAMOS PENDUROU O BLUSÃO MOLHADO NO CABIDE e voltou-se para Isaltino, que entrou atrás dele:
«E a Olívia?»
«De baixa, chefe. Uma gripe, em casa. Pediu o dia. Mas trago-lhe o relatório da balística.»
«A balística é a ciência do futuro, Isaltino.»
«O chefe sabe mais do futuro do que todos nós.»
«Por uma bala sabe-se tudo. Que arma a disparou, em primeiro lugar. Quem é o dono da arma. Quem a roubou. Onde esteve. E pela arma conhece-se a hipertensão do atirador, o nível de colesterol, se é fumador ou abusa do sal na comida.»
«Estou a ver, chefe.»
«Estás com olheiras, Isaltino. Noite de chuva, noite de insónia», Jaime Ramos apontando para a cadeira diante da secretária, e o outro sentando-se. «Faltam-me dados, aqui. Falta-me um espaço para preencher. Já li esse relatório da balística. Dentro de uma semana, ou menos, os russos são assunto encerrado, obra de outros russos que vêm periodicamente da Rússia para verificar depósitos bancários e castigar os subordinados. E morre um aqui, outro ali. A minha tolerância tem limites. A mesma coisa em relação a adolescentes que desaparecem de casa, sobretudo se se trata de solares no Alto Minho onde foram vistos russos há uns meses.»
«Onde foram vistos os russos?»
«Perto da casa de Ferreira Vasconcelos, Isaltino. Não estás atento ao que interessa, mas eu estive a ler o teu relatório e não é costume haver multas de trânsito em nome de Arkady Tarasov a menos de dois quilómetros daquela casa. Excesso de velocidade à beira de Moledo. Álcool a mais à beira de Moledo. Falta de documentos de um carro, um Audi, à beira de Moledo. Relê o relatório, confirma com a Guarda. Não podemos permitir que Moledo, a nossa joia do Alto Minho, fique sob suspeita.»
Isaltino sorriu em silêncio e depois falou devagar, pousando o seu caderno sobre o tampo da secretária:
«Não é preciso, chefe, não é preciso. Há outra maneira de chegar aí, se me dá licença.»
E, conforme combinara com Olívia, contou a Jaime Ramos a história de uma semana que começava com o nome de Miguel dos Santos Póvoa e o desaparecimento de Benedita Ferreira Vasconcelos, ou por que razão aquele engenheiro cuja fotografia ele segurava na mão tinha desaparecido dois dias depois da morte de Arkady Tarasov e Mikhail Polianov.
«Uma coisa de cada vez», pediu Jaime Ramos, que não gostava de coincidências.
«Chegámos lá.»
Foi uma narrativa decente. Nenhum deles mencionou sexo.